sábado, 13 de junho de 2015

INTERSTELLAR - Greg Keyes (Parte 9)


A caminhonete mal havia parado de todo, quando Murph abriu a porta e correu para dentro da casa.
No alpendre, Donald lançou ao genro um olhar interrogativo. Cooper simplesmente balançou a cabeça e seguiu Murph para dentro e subiu as escadas. Ouviu um som arrastado vindo do quarto dela.



Quando tentou abrir a porta, ela só abriu uma fresta, ela tinha bloqueado-a com uma escrivaninha e uma cadeira contra ela.

– Murph? – Ele tentou.
– Vá embora! – Ela gritou. – Se você está indo embora, vá logo!

***

Donald ouviu de maneira habitual, sem muitas interrupções ou muita expressão, apenas ouvindo conforme vinha. Fazia um pouco de frio na varanda, mas Cooper preferiu ficar do lado de fora sob o céu de noite. Depois de um tempo, tinha contado a Donald a história completa do que tinha acontecido com ele e Murph. Sentou-se para ver como o velho homem reagiria.

– Este mundo nunca foi o suficiente para você, não é, Coop? – refletiu Donald.

Cooper não respondeu de imediato. Sabia que era um julgamento, e que havia uma acusação lá. Donald podia queixar-se um pouco aqui e ali, mas era adaptável. E era bom em encontrar a virtude em qualquer situação que se apresentava. Ele era um homem que agradecia suas bênçãos mais frequentemente do que protestava contra as injustiças.



Não havia nada de errado nisso, Cooper ponderou. O mundo precisava e sempre precisaria de pessoas como Donald. Mas é necessário mais do que um tipo de pessoa. É necessário homens que naveguem os mares perigosos, para descobrir terras desconhecidas. Aqueles homens não tinham sido, em grande parte, do tipo que ficam satisfeitos, enumerando as benções recebidas.

– Eu não vou mentir para você, Donald – disse Cooper. – Ir lá para cima, é o que eu sinto que nasci para fazer, e isso me excita. Não é errado.
Donald pensou sobre isso por um momento.

– Pode ser– o velho respondeu. – Não confie na coisa certa, feita pelo motivo errado. O porquê de uma coisa, é o fundamento.
– Bem, o fundamento é sólido – disse Cooper um pouco triste. Apontou a mão na direção dos campos, as montanhas distantes. O mundo.
– Nós fazendeiros sentamos aqui todos os anos e quando as chuvas não vêm, dizemos “ano que vem”.  – Fez uma pausa e olhou para seu sogro. – Ano que vem não vai nos salvar. Nem o seguinte.

Este mundo é um tesouro, Donald, mas está nos dizendo para partirmos já faz algum tempo. A humanidade nasceu na Terra. A Terra não foi feita para ser nosso túmulo. 

Parou, sentindo-se de alguma forma um pouco vazio, mesmo que acreditasse em tudo que disse. Estava certo e Donald saberia disso. Assim como os filhos.
Donald limpou um tanto de poeira da grade da varanda. Franziu os lábios, e agora ele parecia emocional , o que era pouco comum de sua parte.

– Tom irá ficar bem – disse como se estivesse lendo a mente de Cooper. – Mas você tem que conversar sobre isso com Murph...
– Eu vou – disse sabendo que era mais fácil dizer do que fazer.
– Não vá fazer nenhuma promessa que você não sabe se poderá cumprir – concluiu Donald, olhando-o diretamente nos olhos.

Cooper olhou para longe, balançando a cabeça.

***



Cooper imaginou que Murph se acalmaria durante a noite, que seria mais fácil depois de algum sono. Mas na manhã seguinte, a porta ainda estava barricada. Ele empurrou cautelosamente, até que pudesse alcançar a cadeira e retirá-la de sobre a mesa. Então empurrou mais um pouco e entrou.
Murph estava em sua cama, de costas para ele.

– Você tem que falar comigo – falou.

Ela não respondeu, e ele se perguntou se ainda estava dormindo.

– Eu tenho que consertar as coisas, antes de ir – disse.

Se inclinou sobre ela para ver seu rosto, e sentiu uma espécie de choque passar por ele. Suas bochechas ainda estavam quentes e inundadas de lágrimas, e ele se perguntou se ela tinha realmente conseguido dormir.

– Então eu vou deixar sem consertar – disse ela teimosa. – Ai você tem que ficar!
Então é assim que vai ser. Cooper se sentou na cama. Ele havia seguido o conselho de Donald, e vinha praticando o que dizer. Não esperava que Murph ainda estivesse chateada. Em seu ensaio, ele estaria tendo essa conversa com uma filha mais sossegada e calma.

Ele achava que sabia como começar.


– Depois que vocês nasceram – disse – sua mãe falou algo que eu realmente não entendi. Ela disse: “olho para os bebês e penso como eles vão se lembrar de mim”. 
Estudou Murph para ver se ela estava acompanhando-o. Ao menos parecia estar ouvindo. Então continuou: – Sua mãe me disse: “É como se não existíssemos mais, como se fôssemos fantasmas, como se estivéssemos lá apenas para ser lembranças para os nossos filhos”.
Fez outra pausa antes de continuar. A expressão no rosto de Murph estava um pouco confusa, e ele não a culpava. Tinha levado um tempo para entender também.

– Agora eu entendo, Murph. Nós pais somos apenas os fantasmas do futuro dos nossos filhos.
– Você disse que fantasmas não existem – Murph respondeu desafiadoramente.
– É isso mesmo – disse Cooper. – Eu não posso ser seu fantasma agora, eu preciso existir. Porque eles me escolheram. “Eles” me escolheram, Murph. Você viu isso. 

Murph sentou-se e apontou para as prateleiras, as lacunas entre os livros.
– Eu decifrei a mensagem – disse ela e abriu seu caderno. – Era mesmo código Morse.
– Murph... – Cooper murmurou gentilmente.
Ela o ignorou.
– Uma palavra – continuou ela. – Você sabe qual?
Ele balançou a cabeça. Ela estendeu o caderno para que pudesse vê-la.
FIQUE
– Aqui diz para você ficar, papai. – Olhou para ele, esperando por sua resposta.
– Oh, Murph – disse ele triste.
– Você não acredita em mim? – Perguntou com os olhos piscando, desafiadora. – Olhe para os livros. Olhe...

Ele estendeu a mão e a trouxe em seus braços, impedindo-a de continuar. Sentia-se mal, e ela estava tremendo.


– Está tudo bem – disse a ela. – Está tudo bem. 

Ela apertou o rosto em seu ombro, soluçando.

– Murph, um pai olha nos olhos de seu filho e pensa “Talvez seja ele. Talvez o meu filho vá salvar o mundo”. E uma criança quer olhar nos olhos de seu próprio pai e saber que ele salvou algum pequeno canto do mundo. Mas, normalmente, o pai se foi para sempre.
– Como você – disse ela.
Cooper olhou para sua filha, com medo e dor escritas em seu rosto.
– Não. Eu vou voltar. – Ao dizer isso, entendeu que tinha feito o que Donald tinha-lhe dito que não fizesse. Mas precisava dizer alguma coisa. Para dar-lhe esperança.
No entanto, ele temia sua próxima pergunta.
– Quando? 

Murph era inteligente. Ele sabia disso, por isso estava preparado. Enfiou a mão no bolso e tirou um relógio de pulso.

– Um para você – e então apontou para o relógio em seu pulso. – E um para mim. 
Ela pegou o relógio em sua mão, examinando-o com curiosidade.
– Quando eu estiver no hipersono – explicou – estarei viajando perto da velocidade da luz, ou perto de um buraco negro, o tempo vai ser diferente para mim. Ele vai passar mais devagar. 
Murph franziu a testa ligeiramente.
– Quando eu voltar, podemos comparar os dois – disse e sem seguida esperou.


Ele quase podia ver o seu cérebro trabalhando.

– O tempo vai passar de forma diferente para nós? – Havia admiração em sua voz.
Sentiu uma leve onda de alívio. Se ela pudesse ver isso como uma aventura, sua aventura com o seu pai, e compreender a sua promessa...
– Sim. No momento em que eu voltar nós poderemos ter a mesma idade. Você e eu. Imagine!

Então ele viu como seu rosto mudou, e sabia que tinha cometido um erro, dissera a coisa errada.

– Espere, Murph...
– Você não tem ideia de quando vai voltar – disse com raiva. – Não tem nenhuma ideia! – Gritou e atirou o relógio do outro lado da sala antes de virar as costas para ele novamente.
Seu plano, tal como imaginara, fora feito de repente em frangalhos, e não havia qualquer possibilidade de tentar de novo, mesmo se soubesse como.
– Não me faça sair assim – pediu Cooper.

Mas ela permaneceu de costas para ele.
– Por favor – disse. – Eu tenho que ir agora. – Ele colocou a mão em seu ombro, mas ela com raiva afastou-a.
– Eu te amo, Murph – disse por fim. – Pra sempre. E eu vou voltar. 
Lentamente se levantou, parecia pesado. Sabia que se ficasse mais um minuto, mais outra hora ou um dia, seria o mesmo. Ou ele saia, ou não sairia mais. Murph ficaria bem, e com o tempo iria entender.
Quando chegou na porta, ouviu um baque atrás dele. Virou-se. Um livro recém-caído estava deitado no chão. Olhou para ele por um momento. Em seguida, com relutância, saiu do quarto.

***

Donald e Tom o encontraram no caminhão.

– Como foi? – Perguntou Donald.
– Tudo bem – Cooper mentiu. – Foi tudo bem. 
Virou-se para Tom e envolveu-o em um abraço apertado.
– Eu te amo, Tom.
– Boa viagem, pai.
– Cuide do lugar, ouviu? – Disse sentindo um nó em sua garganta.
– Posso usar a sua caminhonete enquanto você estiver fora? – Perguntou Tom.
Cooper conseguiu dar um sorriso. Isso era bem de Tom. Pragmático. E ansioso para colocar as mãos sobre o volante.
– Vou pedir que eles o trazerem de volta para você – prometeu. Então, não querendo demorar-se mais, entrou na caminhonete e ligou o motor.
– Cuide dos meus filhos para mim, Donald. 

O velho balançou a cabeça.

***

Em casa, Murph ouviu o carro se afastar. Sua raiva desapareceu por um instante, dissolvendo-se em angústia. Pensou que ele iria voltar, que estava só blefando. Pulou da cama, pegou o relógio e correu para as escadas. Tinha que dizer a ele, tinha que realmente dizer adeus, abraçá-lo uma última vez.

***




Cooper observou a casa diminuir no espelho retrovisor. Mesmo agora, tanto dele queria ficar para trás, ficar com seus filhos. Se Murph...
Um pensamento lhe ocorreu, e chegou a olhar para o assoalho do veículo e puxar o cobertor onde ela havia se escondido a última vez, mas agora nada. Ele sabia que estaria vazio, mas parte dele precisava saber. Assim, fixou sua mente nos Rangers, presos ao topo, esperando por ele. E, em seguida, na contagem regressiva.
Dez, nove...

***

Murph quase tropeçou nas escadas, mas então voou pela cozinha e irrompeu pela porta, para fora, para a varanda.

– Pai? Pai! – Gritou desesperadamente.
Oito, sete...
Tudo o que ela conseguiu ver foi um rastro de poeira, afastando-se na direção das montanhas, como tinha feito antes, mas desta vez ela não estava se escondendo debaixo do cobertor. Ela não estava lá.
Seis, cinco...

Grandes soluços começaram a rasgar seu peito quando vovô tomou-a em seus braços, e o rastro de poeira ficou mais fraco. Apertava o relógio em sua mão enquanto chorava, desejando que ele mantivesse sua promessa.

***

Cooper olhou mais uma vez no espelho retrovisor, mas tudo o que ele podia ver era poeira.
Sentiu as lágrimas rolando pelo seu rosto.

Quatro, três, dois...
Um.

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