sexta-feira, 20 de junho de 2014

A coisa - Alan Dean Foster (Final)

Ferido e ensanguentado, arrastando de uma perna, Nauls engatinhava ao longo do corredor.
Não era só a perna, mas sua mente devia estar avariada, pois tinha certeza de ouvir o som de um motor acelerando. O transporte regular viera para levá-los para a segurança, para longe da repelente monstruosidade alienígena que rasgava o complexo na busca pelos últimos seres humanos.
Mas o avião não apareceria por meses, ele sabia.
O terror o fez rastejar mais rápido, ignorando a dor de sua perna quebrada.
O banheiro estava perto. Se arrastou até lá e trancou-se dentro. O murmúrio que tinha o perseguido, ficou mais alto.
Nauls se encostou à parede traseira, olhando em volta desesperadamente. Preso em uma caixa de madeira pequena, sem janelas, apenas o ventilador de pás finas. Uma pequena caixa, um peru magro embrulhado para o jantar de Natal, à espera do grande pai para começar a destrinchá-lo...
O murmúrio parou em algum lugar do outro lado da porta. Houve um arranhão na madeira. Um gemido baixo subiu das profundezas da garganta de Nauls, um som que não podia e não tentou controlar. Começou a tentar rasgar a madeira da parte de trás da cabine. O sangue começou a aparecer debaixo de suas unhas, enquanto arranhava os painéis.
No instante seguinte um golpe poderoso arrancou uma prancha da porta, que saiu em pedaços. Algo escuro estava começando a entrar.
Nauls colocar uma lasca de madeira irregular e pontuda contra sua garganta e deu-lhe um empurrão espasmódico...


O som do motor era alto no laboratório deserto.
No momento seguinte as paredes explodiram quando o trator atravessou-as, com sua enorme pá rasgando a sala pela metade.
Vidro e madeira quebrada por todo lado. A geladeira e sua carga de sangue congelado tombaram para o lado como um brinquedo.
A expressão selvagem de Macready no banco do motorista, se assemelhava àquela vista nos rostos de presos em instituições mentais. Tinha entrado no armazém de suprimentos pela janela quebrada e encontrado as peças removidas do motor do trator. Instinto e sorte tinham conduzido-o através da tempestade.
O congelamento formara placas negras em seu rosto e nas mãos expostas. Uma banana de dinamite entre os lábios. No assento ao lado, um par de grandes cilindros de metal escrito “hidrogênio". Não haviam sobrado balões meteorológicos para enviar em direção ao céu da Antártida. Macready tinha um destino diferente em mente para os tanques.
Saltou do trator.
Neve girava em torno dele, quando pegou a banana de dinamite dos lábios.
Estava sorrindo, meio louco.
— Ok, monstro — gritou para o interior do complexo. — Agora somos só eu e você! É cara a cara, se é que você tem uma. Vamos fazer uma pequena remodelação no lugar. Hora de deixar um pouco de ar fresco entrar, você gosta do ar local, não é?



Se acomodou no assento do motorista e ligou o motor. Acelerou, enviando a enorme máquina rasgando a próxima parede, a da enfermaria. Equipamentos e suprimentos médicos saíram voando. A mesa cirúrgica foi jogado contra a parede.
O grande trator tinha sido projetado para mover toneladas de gelo sólido e pedra. As paredes pré-fabricadas eram amassadas como papel alumínio sob suas pesadas lagartas.
O refeitório ficava ao lado; mesas, cadeiras, e alto-falantes agora silenciosos sumiram sob a pá implacável.
A voz de Macready era ouvida acima do vento, cantando uma canção popular mexicana irreverente, enquanto demolia o acampamento, enquanto seus olhos vasculhavam todos os cantos.
No meio da cozinha o gás vazava a partir de um cano quebrado, e o fedor de propano contaminou o ar momentaneamente antes de ser levado pelo vento. O trovador demente no banco do motorista ainda cantava.
De um canto distante, um braço com garras desapareceu, pela primeira vez se afastando de uma voz humana ao invés de ir na sua direção. A voz de Macready ecoou pelo corredor.
— Cante comigo se você conhece a letra, meu velho. Você gostaria do México... É quente e agradável por lá. Nada de gelo para trancá-lo por alguns milênios. Você gostaria de chegar lá, não? Tomar meu corpo e ir descansar na praia, pegar algumas senhoras para assimilar? Pena que você nunca vai chegar lá!
Vários outros cômodos foram destruídos antes do trator entrar pelo bar. Parou-o abruptamente e o fez recuar alguns metros.
— Parada Médica! — Anunciou para a tempestade, ainda assobiando sua canção alegre ao vento.
De alguma forma, uma garrafa de Jim Beam tinha sobrevivido ilesa ao caos.
— Gosta de uísque? — Gritou para o que sobrara do complexo, assim que arrancou a rolha. — Vamos lá, junte-se a mim para uma bebida. Vai ser bom para você! Faz nascer garras no seu peito!
Engoliu uma tragada substancial, sentindo o fogo escorrer para baixo da garganta e repousar em sua barriga.
Maravilha!
O trator desta vez atravessou a sala de recreação, pulverizando tudo. Estampidos intermitentes vinham do motor, bem debaixo do buraco do teto criado antes pela coisa. Um método inesperado de entrada.
— Droga, — o piloto murmurou com o sorriso ainda em seu rosto — sem gasolina. Bem, é hora de dar um passeio.
Enquanto brincava distraidamente com os tanques de hidrogênio, seus olhos observaram o buraco do teto, as portas restantes, o entulho acumulado.
Partículas de gelo trazidas pelo vento picavam seu rosto e mãos.
Verificou-as. As pontas dos dedos estavam negras como se tivesse transportado carvão, e estremeceu. Não de dor, pois estavam  dormentes, mas por saber o que poderia acontecer a eles.
Então se sentou no banco detrás e riu. Estava sentado, a se preocupar acerca do aspecto das pontas dos dedos, como uma maldita rainha da beleza.
Seu olhar vagava sem cessar sobre as ruínas.
— Docinho, vai ficar muito frio em breve. É melhor você fazer logo a sua jogada antes de morrermos. Quer dizer, eu sou apenas uma pessoa, e todo mundo sabe que os americanos têm melhor sabor do que os noruegueses, certo?
Virou a garrafa e tomou outro gole, mantendo os olhos fixos. Os faróis do trator ainda iluminavam os destroços.
— Eu sei que você está brava porque nós arruinamos a sua viagem, certo? Explodimos seu brinquedinho. Não tinha espaço para uma aeromoça, e o espaço para as pernas, definitivamente, não era de primeira classe.
Um ligeiro tremor sacudiu o trator e parou. Mac olhou para o buraco no telhado, em seguida, e em torno da sala de recreação devastada. Puxando seu isqueiro do bolso acendeu-o e segurou a chama perto do pavio da dinamite.
O tremor se repetiu um pouco mais forte.
Algo estava martelando na escuridão, uma constante e regular som que parecia vir de todos os lugares ao seu redor.
Levou um minuto para perceber que era o seu próprio coração.
— Queridinha — murmurou — eu sei que você está por perto. Aqui é o papai. Venha me ver!
O chão tremeu um pouco abaixo do trator.
Ele se levantou, olhando tenso para as áreas escuras, bem como aquelas iluminadas pelos faróis da máquina.
— Vamos! Venha pra mim, otário!
O trator foi atirado para o alto, vários centímetros.
Macready perdeu o equilíbrio e caiu para frente, balançando os braços. Encontrou-se olhando para algo que poderia ter sido um rosto. Uma garra avançou para ele, mas errou seu rosto.
O trator estava perto o bastante para aproximar-se do teto. Pulou acima dele e agarrou a borda do enorme buraco.
À coisa avançou pelo meio da carcaça do motor. As garras erraram suas pernas. Um silvo frustrado ecoou pela sala abaixo.
Trêmulo, Macready se firmou no telhado que ameaçava desabar a qualquer momento. Acendeu o pavio curto da dinamite e jogou-a na direção da cabine do trator.
Metade de um corpo grotesco surgiu a partir da abertura atrás de Macready, gritando em fúria. Algo duro e resistente como uma mangueira de borracha envolveu o torso do piloto, duas voltas, puxando-o para trás e apertando-o.
Naquele instante a explosão da dinamite inflamou os tanques de hidrogênio, enviando uma bola de fogo branco a 15 metros no céu noturno. Misturado com as chamas, os restos carbonizados da coisa.
A força da explosão empurrou Macready para longe do telhado, caindo num banco de neve. O membro que o prendera, agora sem vida, ainda estava enrolado em volta dele, queimando, assim como parte de sua jaqueta. Arrancou-a e a atirou de lado, em seguida,  rolou na neve até apagar a última das chamas que queimavam suas costas.




Não restara muito do acampamento.
Metade dele era uma ruina enegrecida fumegante, e o resto um monte de lixo, graças ao trator.
A tempestade acalmara consideravelmente.
Alguns pontos de fogo, ainda queimando, iluminavam as ruínas e as luzes do sul dançavam por cima delas.
Macready tropeçou caminhando através da devastação, com vários cobertores enrolados em torno dele, já que as parkas tinham sido consumidas pelas chamas ou jaziam enterradas sob os escombros, ou simplesmente estavam em algum lugar desconhecido. As várias camadas do cobertor protegiam seu corpo ferido do vento e do frio.
A dor o fez curvar-se duas vezes. Era difícil mancar até um lugar quente e empunhar o extintor de incêndio com muita precisão.  Murmurou algo, embora não houvesse ninguém para ouvi-lo. Finalmente desistiu e jogou de lado o extintor. Ouviu um som metálico, do fogão retorcido de Nauls.
A área do bar estava praticamente intocada pelo incêndio, aparentemente alguém lá encima decidira que agora que ele tinha se livrado definitivamente da coisa, poderia encher a cara durante o resto da noite.
Sorriu levemente. Estava ansioso para começar um pileque de cinco meses.
Encostou-se ao bar de madeira, feito artesanalmente, e acendeu um charuto do estoque não danificado.
Suas mãos estavam enroladas grosseiramente. Não encontrara luvas que prestassem, mas havia muita fita isolante nas ruínas da enfermaria. O que restou de suas mãos, de qualquer maneira, se beneficiou da bandagem.
Fumou um charuto e virou uma dose dupla (‘por favor, sem refrigerante’), em um copo um pouco lascado.
Algo agarrou-o pelo ombro.
Estava exausto demais para gritar.

Childs! Manchas brancas e negras manchavam a pele que fora exposta ao congelamento.
— Será que... você matou ele? Ouvi uma explosão.
A boca de Childs não estava funcionando muito bem. Seus lábios rachados estavam manchados de sangue seco. Uma rajada de vento fraco fez com que cambaleasse. A falta de alimentos e a exposição aos elementos externos tinha esgotado severamente a força do mecânico.
— Acho que sim — disse Macready.
— O que quer dizer, você acha? — Childs tropeçou para trás alguns passos.
Eles se olharam com desconfiança. De repente Macready estava alerta novamente.
— Sim, eu tenho certeza. — Fez um gesto com um dedo mumificado na direção do rosto do mecânico. — Está bastante mal... congelamento.
Childs manteve distância e exibiu a uma mão pálida inchada.
— Acho que vou perder a coisa toda. — Moveu seu pé direito, depois o esquerdo. Os movimentos foram débeis, instáveis. — Meus dedos já se foram.
Macready tinha visto uma das mesas de jogo por perto. Levou a garrafa de vidro, mancando até ela, e sentou-se na única cadeira com as pernas intactas.
O jogo de xadrez descansava em cima da mesa, o fio de energia arrebentado. Por algum milagre a caixa de peças havia sobrevivido ao cataclisma. Macready começou a arrumá-las no tabuleiro.
Os dois homens continuaram a olhar um para o outro com cautela.
— Então você conseguiu — disse Childs.



Macready terminou de montar as peças no tabuleiro de xadrez. Ímãs minúsculos mantinham as peças nos lugares, apesar do vento constante.
— Não fui o único, parece.
Childs encontrou um par de cobertores e envolveu-os em torno de seu corpo.
— O fogo vai manter a temperatura em todo o acampamento. Mas não vai durar muito.
Ele balançou a cabeça em direção à parede que faltava.
— Nem nós também.
— Talvez devêssemos tentar o rádio. Tentar obter alguma ajuda.
vTalvez a gente não devesse.
— Então, nós nunca o faremos — disse o mecânico com calma.
Macready, que fumava o charuto até que a ponta brilhasse vermelha, estendeu a mão para o meio de uma pilha e puxou um  pequeno cilindro de metal.
— Olhe o que eu encontrei. E funciona!
Cuidadosamente colocou o maçarico na mesa ao lado dele.
Childs observou o maçarico.
— Se você estiver preocupado, vamos fazer aquele seu exame de sangue.
— Se tivermos qualquer surpresa — o piloto respondeu — não estaríamos em condições de fazer nada sobre isso. O teste pode esperar.
Fez uma pausa, então alegremente perguntou: — Você joga xadrez?
Childs estudou o piloto, então foi até os destroços do lado de fora. Voltou carregando uma cadeira em boas condições e a colocou em frente da mesa de Macready.
— Acho que posso aprender.
O piloto sorriu e entregou ao mecânico a garrafa. Childs se inclinou para trás e bebeu a metade do que restava. Quando colocou a garrafa no chão, estava sorrindo.
Em torno deles os focos persistentes ardiam em meio a um mar de água congelada. 
Brasas brilhantes levadas pelo vento seguindo preguiçosamente para o céu noturno.
A fita fantasmagórica da aurora meridional fazia piruetas no alto, mascarando muitas das estrelas que surgiram na esteira da tempestade.
Macready cutucou o peão duas casas para frente...


FIM.




A coisa - Alan Dean Foster (Parte 24)

 
Trabalharam com rapidez e eficiência na sala de recreação, enchendo garrafas vazias com gasolina. Os três pequenos maçaricos que sobraram, estavam em algum lugar lá fora, perdidos na neve. Nenhum dos dois tinha qualquer intenção de procurá-los. Os coquetéis Molotov teriam que servir como substitutos.

Garry estava ocupado perto dali, amarrando um fio fino entre dois carregadores de bateria. Sanders tinha assumido a tarefa de preparar os últimos Molotovs. Segurava o funil enquanto esvaziava a última gota de gasolina da última lata dentro da garrafa. A tarefa restituiu-lhe um pouco de coragem.
Coca-Cola dá vida, ele pensou sombriamente, observando a garrafa. Mas não desta vez.
Macready sentou-se à mesa de carteado, brincando com comprimidos gelatinosos vazios que roubara da enfermaria. Uma seringa hipodérmica carregada descansava nas proximidades. Injetou uma parte do conteúdo da seringa em uma cápsula, e passou para a próxima.

Nauls chegou patinando com outra caixa de dinamite. Voltar aos patins ajudava Nauls a se recuperar, tanto quanto preparar os molotovs ajudara Sanders.
Ele colocou a caixa ao lado das outras. Havia explosivo na sala de recreação suficiente para mandar o complexo à Tierra Del Fuego.
Encontrou um ocupado Macready. — O que vamos fazer sobre Childs?
— Esqueça Childs. Ele se foi. — Macready falou sem levantar os olhos de sua tarefa. — Se ele estivesse ainda no controle de si mesmo, teria encontrado o caminho de volta há uma hora.
— Você não sabe ao certo, cara! — O cozinheiro usou uma pequena alavanca para erguer a tampa da caixa de dinamite. — Lembre-se de quanto tempo você ficou preso lá fora, antes de voltar?
— Você quer dizer, antes de me deixarem voltar — Macready lembrou.
Ele balançou a cabeça com pesar, se recusando a reconsiderar o assunto.
— Está há muito tempo fora. Essa coisa lá fora teve tempo bastante para trabalhar com ele. Se foi capaz de encontrá-lo. O vento estava forte. Pode estar a meio caminho do pólo agora.
— Mas nós não sabemos — Nauls argumentou. — Por que deveria se preocupar com ele? Ele está preso lá fora, na neve, sozinho e desarmado. Temos muito tempo para ir à procura dele. Não faria mais sentido ignorá-lo e cuidar de nós em primeiro lugar?
— Como vou saber? — Macready grunhiu rispidamente. — Não acho isso. Mas aposto que você está certo sobre uma coisa.
— O que?
— Ele está se preparando para cuidar de nós. — Garry falou suavemente, alertando os dois com suas palavras.
— Nauls, prepare esses pavios bem curtos. Vamos precisar que façam o serviço bem rápido se for necessário usá-los.
O cozinheiro assentiu, indiferente a Macready. Fez uma careta para este último e voltou sua atenção para os pavios de linho salientes de cada coquetel Molotov.
Garry se levantou e foi garantir que o fio que atravessava a entrada principal para a sala de recreação estivesse plenamente esticado. Os dois geradores postados um de cada lado, fora da vista de quem viesse pelo corredor.
Macready tinha terminado com as cápsulas e estava se esforçando para bloquear uma das portas laterais com um pesado armário.
Sanders colocou a última lata de lado e olhou para a entrada principal e sua barreira de arame quase invisível.
— E se ele não vier?
Macready jogou o ombro contra o armário que teimava em não colaborar. — Vai vir. Ele precisa de nós. Somos as únicas coisas que sobraram para ele se apropriar. Me dá uma mão?
Sanders acrescentou seu peso ao do piloto e assim que o armário ficou no lugar que queriam, começaram a lutar com um dos pesados ​​consoles de videogame levando-o até a segunda porta. O outro console serviu para concluir o trabalho de contenção. Um dos jogos era Space Invaders. Ninguém quis brincar nele.
Macready virou-se para seu ajudante, gesticulando com o polegar em direção a última porta não bloqueada.
— Você e Nauls vão agora bloquear o lado oeste, os quartos de dormir, o refeitório e a cozinha.
Nauls olhou para o piloto, como se tivesse ido além do limite. — Está doido? Ele já está dentro!
— Um risco que devemos correr. Temos que forçá-lo a vir pelo lado leste até a porta que preparamos para ele entrar.
— Por que eu? — Nauls quis saber.
Macready olhou para ele. — Por que não?
— Ok, ok. Não me venha com esse olhar de desconfiança! — E começou a andar até a porta.
Sanders umedeceu os lábios com a língua e tentou pensar em uma falha, qualquer falha, no raciocínio de Macready.
— Ele pode somente esperar-nos lá fora.
Macready balançou a cabeça.
— Uh-uh, acho que não. Ele congelou uma vez. Talvez não esteja tão frio aqui agora, como há cem mil anos atrás, mas aposto que é frio o suficiente. Ele poderia congelar novamente, e, desta vez, seria a última. Então, ele vai querer entrar.
— Tudo bem — respondeu o operador de rádio. — Então ele poderia nos esperar aqui dentro.
Macready sorriu.
— É aí que pegamos ele. Assim que você e Nauls voltarem, vamos explodir o gerador. — Indicou o aparelho de metal retangular em um canto. — Garry e eu traremos todos os aquecedores portáteis para cá. Ou ele tenta entrar aqui, ou vai congelar.
Se virou e empurrou um pequeno sofá para a porta bloqueada pelo console de videogame.
 — Podemos ligar os portáteis neles. — Balançou a cabeça em direção aos geradores ligados pelo fio. — Podemos sentar aqui e esperar o quanto for necessário e sobreviver a ele. Mas não acho que isso vai acontecer. Ele não é estúpido e vai descobrir que suas opções são limitadas Ah, ele virá, com certeza.
Sanders se juntou a Nauls na porta.
— Esperem um segundo! — Macready foi até a mesa onde tinha deixado os comprimidos.
Entregou a cada um deles uma das pílulas vermelhas e brilhantes. Pareciam pílulas comuns contra resfriado.
— É Cianeto de sódio — disse calmamente. — Coloquem entre a bochecha e a gengiva e se o pior acontecer, mordam com força. Essa coisa não pode assumir o que já está morto. Se pudesse Fuchs não estaria decorando a porta no corredor G.
Nauls e Sanders olharam para as pílulas silenciosamente.
— Se ele te pegar, como fez com Cooper, usem-na. Deverá ser rápido e indolor. Me deram algo parecido na guerra, em Nam, mas eu nunca poderia pensar em usá-lo aqui. Agora, andem!
Saíram para o corredor. Macready ouviu o barulho dos patins de Nauls desaparecerem, então se virou para onde Sanders estava trabalhando e começou a verificar os pavios dos Molotovs.
Garry testava a corrente elétrica passando pelo fio que bloqueava a entrada principal. Os geradores cantarolavam, o ar crepitava, e houve uma quantidade satisfatória de fumaça e faíscas.
— Parece bom — Macready o cumprimentou.
— Mil volts. — O gerente da estação, verificou o nível de reserva em um dos geradores. — Deve ser o suficiente. É bem mais do que o Doutor aplicou na coisa-Norris.


Nauls empurrava o fogão portátil. As rodas guinchavam, porém, de qualquer maneira, conseguiu encostá-lo contra a porta da cozinha fechada. Do outro lado da sala, Sanders fazia o mesmo com uma das geladeiras contra a segunda porta. Assim que foi possível, inclinou-se e agarrou uma das facas de açougueiro que estava à vista.
De repente um som chegou até eles. Um ronronar, um ruído borbulhante. Sanders congelou e virou o rosto para Nauls.
— Ouviu isso, cara?
Nauls olhou para ele. — Ouviu o quê?”
De repente, o barulho estava ao seu redor. Um ruído familiar em erupção nos alto-falantes estéreo de ambas as extremidades da cozinha. Guitarra elétrica, bateria, órgão e sintetizador. Alguém ligara o sistema de som do acampamento no volume máximo.
Um não conseguia mais ouvir o outro...


A música enchia os corredores vazios, quartos de dormir, a seção de alimentação e os lavatórios. Penetrava as paredes e sacudia o chão.
Com exceção de Childs, que tinha feito manutenção nele, Nauls conhecia aquele sistema de som, melhor do que ninguém.
Gritou acima do barulho e fez um gesto em direção à sala de recreação.
— Tá no refeitório! — Gritou para o companheiro. — O aparelho de som!
Sanders boquiaberto, esforçava-se para ouvir. — O que disse?
Nauls foi na direção dele.
— A coisa está entre nós e a sala de recreação. Como é que vamos voltar?
Sanders abanou a cabeça, olhou assustado e confuso.
— Não consigo ouvi-lo, cara!


Na sala de recreação Macready arrancava os alto-falantes de seus suportes de parede. Primeiro um e depois outro.
— O que eles estão fazendo lá atrás? — Perguntou ao gerente da estação, apontando para a cozinha.
A música vinha de apenas um alto-falante restante, mas o som continuava a reverberar pelo restante do complexo.
Garry estava perto do fio e espiou pelo corredor. A voz de Nauls distorcida como um lamento.
— O que ele está dizendo? — Macready perguntou depois de arrancar o último alto-falante.
Garry balançou a cabeça. — Não faço ideia.
— O que foi?
— Macready — Nauls estava uivando. — Nós fomos separados! Vocês podem me ouvir?
Algo fez ‘whump!’ contra a porta detrás da cozinha.
Nauls se virou para ver uma grande lâmina, tal qual uma foice, que varou as tábuas de madeira pesada e começou a serrá-las.
Um líquido negro gotejava da margem do corte. A lâmina em si era uma forma vermelha irreconhecível e não metálica, uma cor estranha para uma lâmina.
O som de madeira sendo serrada era abafado pelo retumbar dos alto-falantes estéreos.
De olhos esbugalhados, Sanders apontou a mão trêmula para a porta. Uma segunda lâmina aparecera ao lado da primeira, juntamente com mais da substância lubrificante negra.
Nauls afastou-se quando percebeu que não se tratavam de lâminas duplas. Eram unhas.
Sanders, encostara contra a terceira porta, quando outro par de garras atravessou partindo a madeira mais fina prendendo-se ao redor de seu pescoço. Foi uma luta breve, antes de ser puxado para trás. Havia uma expressão triste em seu rosto ao morder a cápsula de cianeto, pouco antes de ser puxado com violência através da porta quebrada.
Nauls não era uma pessoa de gestos fúteis. Sanders se fora. A outra porta era a única saída restante. Agachado, correu para o corredor. Seus patins soltaram faíscas.


Na sala de recreação um guincho familiar e irritante foi ouvido acima da música. Agudo e distinto, mais alto do que nunca.
Macready olhou sobre o fio para o corredor. Nenhum movimento. Alto-falantes pequenos continuavam a berrar a ladainha eletrônica.


Nauls havia patinado assim somente uma vez em sua vida. Fora em Chicago. A gangue local, os Crips, estava atrás dele. Os filhos-da-mãe eram rápidos, mas não tão rápido quanto um aterrorizado adolescente em patins. Era tarde e ele não tinha negócios naquele bairro, sua arrogância superava o bom senso.
Ele tinha invadido o território deles, deixando-os furiosos e embalados em sua perseguição. Pensou ter patinado até suas pernas caírem. Ao redor de cercas, por ruas desertas, becos e sarjetas, pulando, voando pela noite urbana.
Inclinou-se na esquina e chutou com as pernas acelerando pelo corredor em linha reta. Não agora, disse para si mesmo desesperadamente, não tão longe de casa. Da Rua Delancy para a sala de recreação, seus olhos estavam vidrados. Ele era uma bala, girando para fora do cano de uma arma.
O corpo de Sanders veio voando para fora da parede do corredor, diretamente na frente dele. Um braço grosso prendeu-o na parede oposta, como uma mosca em um alfinete.
Nauls derrapou e perdeu o equilíbrio enquanto tentava parar, deslizou batendo contra a parede mais próxima. A cápsula de cianeto saiu voando para fora de sua boca. Ele a ignorou. O resto daquela coisa que matou o operador de rádio, estava começando a passar através da parede.
Ele se levantou e começou a avançar novamente, saltando  sobre aquela monstruosidade enorme e rolando no chão, assim como eles ensinaram nas aulas de ginástica e então de volta sobre os patins, como um patinador profissional.
Macready, que estava fora no corredor, correu em direção à cozinha. Não tinha ido muito longe quando Nauls veio da esquina em direção a ele.
— Pra trás! — o cozinheiro gritou. Macready abrandou sua velocidade, mas não parou.
— O gerador... — Ele começou a dizer.
— Dane-se o gerador! — Nauls atingiu com a mão o piloto. Um silvo profano soou mais alto do que a música. Algo como um terremoto estava vindo pelo corredor.  Macready virou-se e correu atrás de Nauls.
Nauls ainda se lembrava do fio e passou debaixo dele, depois derrapou na sala de recreação.
Macready vinha bem atrás dele bufando como um motor superaquecido, o cozinheiro desabou no sofá grande.
— O que aconteceu lá atrás?" — Garry perguntou-lhe em voz baixa.
Nauls olhou para ele. Suas palavras vieram em pedaços. — Pegou Sanders... mordeu a cápsula, o pobre diabo...a terceira Guerra Mundial não vai dar conta desse filho-da-puta...ele pode atravessar paredes... e é grande, maior do que pensávamos... talvez nunca tenha atingido o tamanho real antes de congelar, quando... é como se estivesse em todo o lugar...
— Acalme-se e assuma sua posição — disse Macready.
Nauls começou a levantar do sofá. — Sua posição o cacete...
Garry trabalhava nos geradores, preparando-os.
— Vou dar tudo que puder. Temos que arriscar. Deve funcionar.
— Maldição Boulder, faça logo! — foi a contribuição de Nauls.
Inesperadamente, a música alta que reverberava através do complexo cessou.
Algo tinha desligado-a.
Ou talvez a fita chegasse ao fim.
Garry sussurrou para o piloto. — Luzes!
Macready assentiu e apertou o interruptor na parede principal.
Cada homem assumiu sua posição pré-determinada quando a sala de recreação foi mergulhada na escuridão.
O vento gemia alto.
Toda a atenção estava concentrada na porta com o fio, embora após a descrição de Nauls da maneira como a coisa tinha penetrado a cozinha, eles não deixaram de vigiar as duas entradas bloqueadas, ou as paredes.



Esperaram pela coisa na escuridão. O silêncio tomara o complexo.
Após bastante tempo ter se passado e nada ter acontecido, Garry finalmente falou. — Já faz quanto tempo?
Macready verificou o fraco brilho de seu relógio. — Pouco mais de duas horas, eu acho.
Atrás dele Nauls soou esperançoso. — Talvez não venha atrás de nós. Talvez vá tentar esperar-nos, como você disse antes. Com o gerador ainda funcionando, o resto do acampamento vai permanecer ainda quente.
— Então nós temos que ir atrás dele — disse Macready.
— Aposto que será o último lugar que você irá.
— Shusshhh! — Garry acalmou -os. — Ouçam!
No silêncio assustador eles ouviram o som de abertura de uma porta distante, depois o som de fechar. E se repetiu. Ainda longe e acompanhado por um farfalhar.
Macready e Nauls se separaram um pouco.
Um borbulhar suave veio de fora, seguido por uma tentativa de arranhar a porta. Os dedos de Garry apertaram os controles do gerador. O arranhar se intensificou, então ficou mais alto.
A voz de Macready veio como um sussurro tenso:
— Espere... Espere até que ele chegue na porta!
Garry balançou a cabeça, as palmas das mãos úmidas no interruptor principal.
O arranhar transformou-se em um bater insistente e constante. A porta era mais pesada do que a maioria.
Nauls e Macready calmamente acenderam um par de Molotovs.
A porta explodiu quando algo enorme jogou seu peso contra ela. Todo o recinto sacudiu.
Macready levantou o braço, pronto para atirar o Molotov.



Em seguida, o telhado cedeu, e a coisa caiu no meio deles.
Instintivamente os três homens atordoados atiraram-se para longe da massa escura que ocupava agora o meio da sala.
Macready lançou seu Molotov, e do outro lado da sala Nauls fez o mesmo.
Ambos atingiram o lado direito da coisa. Por um instante puderam ver claramente uma forma gelatinosa furiosa, mudando constantemente sua silhueta em chamas.
Garry tentou escapulir pela porta, porém algo irrompeu a partir do centro da massa e o trespassou.
A área da coisa não afetada, dois terços do enorme corpo, projetou sua língua, ou tentáculo, ou o que fosse, e envolveu o infeliz gerente da estação, antes que pudesse fugir.
Um membro quitinoso arremessou Nauls para longe.
Macready esquivou e mergulhou na direção do gerador.
Ligou a chave.
A corrente chicoteou ao fio à porta, eletrocutando Garry misericordiosamente. A garra da coisa, presa a ele, se torceu em dor crepitante, arrancando a porta de suas dobradiças, batendo-se contra o chão, tentando livrar-se.
A coisa fervilhante, o horror, estava entre Macready e a saída.
O cérebro de Macready gritava para que ele fizesse algo. A cápsula estava pressionada contra a bochecha direita. As outras duas portas haviam sido fortemente barricado por dentro, seria difícil para ele retirar os bloqueios a tempo.
A janela. Pulou até ela e puxou para baixo convulsivamente a alavanca de emergência de incêndio. Estava presa por falta de uso. Colocou todo o seu peso em uma segunda tentativa e deu um passo de lado, quando o pesado painel de vidro triplo foi ao chão.
Algo atingiu de raspão sua bota quando ele se arrastou para fora, para a tempestade.

A coisa - Alan Dean Foster (Parte 23)

 
Palmer explodiu com uma força inacreditável, direto contra Macready, arrastando o sofá com Garry e Childs ainda presos a ele.
Seu rosto estava se fragmentando como se algo lutasse para sair de trás da carnuda máscara humana.
— Cooper!  — O piloto gritou.
A sala estava cheia de gritos e xingamentos dos homens lutando contra as cordas.
Gritos e xingamentos e um profundo berro desumano.
O médico tentou acionar o gatilho, mas desconhecia os controles do maçarico.
Nesse tempo a coisa que tinha sido Palmer tinha se transformado o bastante, e saltou sobre o homem mais velho.
Macready mergulhou nas costas de Palmer e os três saíram rolando pelo chão.
Um enorme braço aracnídeo não completamente formado saiu da camisa e acertou o piloto.
Foi a distração suficiente para Cooper recuperar-se com o lança-chamas. Girou-o ao redor, tentando apontar.
A boca de Palmer se separou abrindo-se do queixo até a testa. Uma nova boca, escura e horrenda, avançou engolindo a totalidade da cabeça do médico.
O lança-chamas saiu voando, ricocheteando na parede. De pé, a coisa-Palmer espremia com vários braços o corpo suspenso do infeliz doutor. 
O resto dos homens estava histérico.
Sanders orava chorando, se recusando a abrir os olhos, na esperança que se não tivesse que olhar, o horror poderia ir embora.
Macready balançou as teias de aranha de seu cérebro e rastejou para pegar o lança-chamas. Levantou-o, apontou e disparou.
Nada aconteceu.  O golpe contra a parede tinha danificado-o.
Frustrado, ficou por detrás de Palmer, e começou a martelar seu crânio em transformação.
As costas da camisa de Palmer explodiu no rosto do piloto, expondo um braço, mas desta vez com um segundo conjunto de mandíbulas. Algo como um tentáculo pulou para fora da boca alcançando Macready, que conseguiu esquivar se, porém bateu contra a mesa de carteado e uivou ao queimar-se no bico de Bunsen.
Lutando para manter o equilíbrio, agarrou três bastões de dinamite e passou os pavios curtos sobre o queimador.
A coisa-Palmer indecisa, arrastava-se em círculos.
O corpo do médico despencara mole da boca contraída, quando a coisa virou-se para avançar sobre Macready.
A segunda boca cuspia grunhindo, continuando a tomar forma.
Macready esperou até  estar a um metro e meio distante antes de jogar os explosivos dentro do orifício em constante evolução que procurava por Mac.
O piloto mergulhou  para o sofá, cobrindo Garry e Childs com seu corpo.
Houve um ‘boom’ abafado.
Membros, pele e órgãos semi- formados, com propósito desconhecido, saíram voando em todas as direções. Havia muito pouco sangue ou qualquer outro tipo de líquido. Mas havia um monte de outra coisa qualquer, matéria-coisa.
Gotas de carne cremada continuavam a descolar-se do teto e cair sobre os homens entorpecidos.
Macready ajudou a erguer seus dois colegas. Demorou mais tempo do que o habitual, porque estava tremendo.
— Vocês dois estão ok? Childs? Garry? — Ambos fizeram um sinal de positivo.
Depois de se refazer, Macready puxou um dos maçaricos de sobre a mesa. Então passou dez gratificantes minutos fritando cada fragmento da coisa.
Quando terminou, sentou em uma cadeira quebrada e esperou.
Eventualmente se acalmou o suficiente para retomar ao teste.
Cooper não estava mais por perto para ajudá-lo. Sua mão tremia ainda um pouco enquanto aquecia o fio.
Checou a identificação da amostra: Nauls. Cooper tinha escrito. Cooper se fora.
Evitava pensar sobre isso, pois ainda não havia acabado. Olhou para o cozinheiro.
Nauls fechou os olhos, tenso, quando Macready tocou o fio quente na amostra. Isso gerou um leve silvo.
Macready expirou aliviado e Nauls abriu devagar os olhos. Nem sequer se incomodou com a segunda tentativa. Parece não ser necessária, não depois de verem como o sangue de Palmer tinha reagido.
Deu a volta ao redor da mesa e desamarrou o cozinheiro, mantendo um maçarico voltado para os outros.
Nauls aceitou a maçarico e assumiu os deveres de guarda, enquanto o piloto voltou para o queimador e reaqueceu o fio.
Sanders veio em seguinte.
Macready executou o teste e foi recompensado com outro assobio. O operador de rádio dobrou sobre os seus joelhos e chorou.
Macready acenou para Nauls para desamarrar Sanders, que enxugou o rosto com as mãos quando libertado.
Ganhou também um dos pequenos maçaricos.
Childs encarava estoicamente os homens mais jovens, e Macready.
— Vamos logo com isso, cara.


O fio incandescente mergulhou e seguiu-se do familiar som sibilante inofensivo.
Os músculos do rosto do mecânico derreteram em um sorriso aliviado.
— Filhodapu... — Não conseguiu terminar a frase. De repente, ocorreu-lhe ao lado de quem poderia estar sentado. Começou a tentar afastar-se, com os olhos arregalados.
— Tirem-me daqui... fiquem longe de mim... me solta porra! Alguém me solta daqui!
Nauls apressou-se a romper as cordas com o bisturi, enquanto Sanders e Macready montavam guarda.
Garry, ignorando a histeria do mecânico, não se mexeu.
Childs quase caiu em sua pressa de sair do sofá e afastar-se do gerente da estação.
— Gasolina — disse Macready impassivelmente.
Sanders se apressou para sair da sala, voltando em minutos com dois galões de metal, cujo conteúdo começou a despejar sobre a cabeça do Garry.
Garry continuava sentado, imóvel no sofá, olhando para frente.
O operador de rádio recuou com o rosto cheio de medo, mas ainda assim pronto.
Ninguém respirava.
Childs tinha pego um maçarico. Seu dedo estava no gatilho, tenso,  observando Garry com expectativa.
Macready como se se preparando para o que estava por acontecer, lentamente trouxe o fio aquecido para a última lâmina.
Ouviu-se o silvo reconfortante da evaporação sangue.
O piloto fez uma careta e testou-o uma segunda vez, com o mesmo resultado.
O sangue ferveu e não fez nada para sugerir que poderia ser qualquer outra coisa exceto sangue humano normal.
Todo mundo soltou um suspiro de alívio.
Sanders chorava novamente, desta vez de felicidade.
Childs caiu exausto em uma cadeira vazia e Macready enxugou o rosto.
Houve um longo silêncio.


— Sei que os senhores já passaram por muita coisa — disse o gerente da estação em voz baixa — mas quando encontrarem tempo prefiro não passar o resto do inverno amarrado a este sofá.
Childs começou a rir. Pela primeira vez em dias, a tensão começou a desvanecer do rosto de Macready.
Nauls fez uma careta para o riso incontrolável de Childs.
O vento uivava acima, tentando rasgar o telhado. Nunca havia parado, mas naquelas últimas horas, tinha sido completamente esquecido. Agora era um familiar lembrete, um lembrete amigável de uma ameaça bastante comum.
Os homens a saudaram.
O cozinheiro colocou de lado a lanterna e caminhou para desatar Garry, resmungando com Childs.
— Tudo bem, cara, estamos todos felizes. Isso é o suficiente.
Childs conteve o riso e limpou as lágrimas restantes de seus olhos. Sentou-se e sorriu para Macready.
O sorriso, porém não durou mais do que alguns segundos.
O piloto estava olhando fixo, em silêncio e imóvel, qual uma pedra, para fora da janela.
A neve e o gelo golpeando o vidro triplo.
Childs franziu a testa, buscando alguns pensamentos há muito esquecidos. Seus olhos se arregalaram ao lembrar.
Macready tinha lembrado antes.
— Blair — sussurrou.



O vento que rugia agarrou os três homens que se seguravam ao longo das cordas guia.
Cada homem carregava uma lanterna, um sinalizador e um maçarico. Além disso, na parka de Macready havia dinamite suficiente para demolir todo o acampamento.
Os sinalizadores tremeluziam fracamente no vendaval, mas longe de ofuscar os feixes das lanternas.
Gelo se formara às barbas, picando os rostos dos homens e tentando congelar seus óculos de neve.
Não muito longe ficava o galpão onde tinham aprisionado Blair, mas a tempestade fez parecer como quinze quilômetros.
O vento gelado tentava rasgar suas mãos enluvadas seguras às cordas de guias. Sem elas facilmente seriam enviados tal qual cegos, a vagar pela noite Antártica.
A vinte metros a mancha laranja das luzes externas fora eliminada do campo de visão pelo soprar constante da neve.
Sem sinalizadores e lanternas, o trio ficaria completamente cego.
Macready e Childs se prepararam ao se aproximarem do galpão.
Nauls colidiu com eles, e os homens trocaram olhares irritados, mas ninguém disse nada.
Podiam ver claramente agora o galpão. As pesadas placas jaziam espalhadas na neve. Tinham sido quebradas ou arrancadas.
A porta batia na moldura, contra a parede frontal.
Pararam em frente à porta, tentando firmar-se contra o vento.
Macready e Childs tinham seus sinalizadores estendidos na frente deles.
— Vê alguma coisa? — Gritou Childs.
O vento fez a sua voz parecia vir de muito longe, mas estavam de pé um ao lado do outro.
— Não!
Com um gesto Macready acenou para Childs que compreendeu. Entraram juntos.
Era muito mais silencioso dentro do galpão.
Ao contrário do barraco de Macready, o telhado velho ainda estava intacto. 
Caminhavam ao redor do quarto individual. Nauls verificou o banheiro. De um lado do quarto estava o único catre, duas pilhas de enlatados, um belo monte de cobertores e uma grande lata cheia de água potável.
O calor do aquecedor portátil de propano derramava-se no local.
Tudo parecia normal e intacto, exceto pela porta quebrada, e por não haver nenhum sinal de Blair.
Childs caiu na escuridão e proferiu um xingamento. Olhou para baixo para ver no que ele tinha tropeçado.
— Ei, Mac, Nauls... venham aqui!
Se juntaram a ele. Uma tábua meio solta do assoalho saiu facilmente ao ser puxada.
Nauls virou a lanterna para baixo, enquanto Childs e Macready usavam dos sinalizadores sobre a abertura.
Em vez de gelo sob a madeira, viram um grande buraco.
O cozinheiro moveu a luz ao redor, mas não conseguiu localizar uma parede lateral.
No buraco, algo grande e inorgânico refletiu a luz.
A voz de Macready soou abafada. 
— Vamos tirar o resto das tábuas.
Childs inclinou-se para dar-lhe uma ajuda. Não demorou muito tempo para removerem boa parte do assoalho. As tábuas estavam frouxas, removidas na unha. Tinham sido colocadas cuidadosamente de volta no lugar, exceto por aquela na qual tropeçara Childs.
A escavação ocupava o interior inteiro do galpão e o objeto metálico enchia quase todo o buraco.
Sua estrutura metálica era grosseira, mas simples. Folhas de onduladas de aço empilhadas em um canto, prensadas entre si para formar chapas grossas. Não havia nenhum sinal de parafusos ou solda.
Lacunas na construção mostraram partes ainda incompletas.


— O que é isso? — Nauls murmurou tentando procurar sentido naquilo.
— Tudo o que está faltando no acampamento — disse Macready. — Os magnetos, componentes eletrônicos e outros suprimentos. Aposto que seu processador de alimentos está lá também, em algum lugar. O motor dele, pelo menos. Todas essas coisas que faltavam estavam sendo utilizadas para construir... isso.
— Um nave espacial, de algum tipo — Childs sussurrou em reverência.
— Espero que não — rebateu Macready. — Se a coisa é tão esperta assim, talvez devêssemos nos entregar e deixá-la assumir. Mas eu não apostaria nisso!
Inclinou-se para dentro do buraco e mudou-se a direção do sinalizador, iluminando diferentes partes do veículo incompleto.
— Não sou nenhum engenheiro, mas sei um pouco sobre máquinas de voar. Não vejo como ele poderia fazer o casco da espessura suficiente, ou onde ele iria conseguir os elementos para fazer um poderoso propulsor. Claro, talvez ele não precise de paredes espessas. talvez ele use algum tipo de escudo de energia no lugar. Merda, talvez ele apenas suba a bordo e apareça em outro lugar... Mas ainda assim eu apostaria na teoria da nave espacial.
— E então? — Perguntou Childs.
Macready continuou a observá-la, o brilho vermelho do sinalizador.
— É uma espécie de nave, com certeza. Uma vez que não possa ser uma nave espacial, eu apostaria em algum tipo de aeronave. Ou um foguete de curto alcance. Filho da mão inteligente! Juntou peça por peça. E todo esse tempo que nos preocupamos com o pobre diabo preso aqui, o louco Blair, aposto que não era Blair já há algum tempo.
Puxou a cabeça para fora do buraco e acenou com a cabeça para trás na direção do complexo principal.
— Todos os outros, Palmer e os cães, eram apenas chamarizes para nos manter longe daqui, nos manter ocupados para que a coisa pudesse trabalhar em paz. Quase funcionou, se não tivéssemos resolvido a questão com o novo teste.
Nauls olhou para o buraco.  — Onde estaria tentando ir?
— Para qualquer lugar longe daqui — respondeu Macready.
Desabotoou o casaco e procurou dentro, desembaraçar um pacote de dinamite.
— Mas ele não vai muito longe.
Um grito, agudo e distante, sufocado pelo vendaval soprando do lado de fora, fez Macready se contorcer.
— Depressa — Childs disse.
Macready balançou a cabeça, e, em seguida, usou o seu isqueiro para acender o pavio e jogou-o na escavação.
Um minuto depois já estavam na passarela, segurando as cordas guia, que serviam tanto de apoio quanto de orientação, quando o gelo saltou atrás deles.
Mesmo na tempestade foi um estouro bastante. Fragmentos de metal e madeira passaram por eles.



— E então é isso — gritou Nauls.
— Sim. — Childs bateu-lhe no ombro. — Cuidado para onde você está indo!
Uma rajada de vento acertou-os lateralmente.  Suas botas giraram sobre a superfície lisa e ele agarrou a corda com as duas mãos, de joelhos, tentando se firmar. Em seguida, a corda se foi e tudo desapareceu. A ponta da corda saiu assobiando com o mecânico lutando ao vento.
Macready agarrou-se a seu próprio fragmento de corda, vendo Childs desaparecer na escuridão.
Algo esbarrou nele por trás e ele gritou. Aquilo gritou de volta para ele, deslizando e rolando para longe na neve.
Adeus Nauls.
O guincho foi de novo ouvido, desta vez mais alto, em algum lugar atrás de Mac.
Freneticamente, Macready lutou para se orientar. O complexo tinha que estar lá, sempre em frente.
Pensou que poderia orientar-se pelo brilho ofuscante da iluminação exterior, mas não tinha certeza. Talvez a exaustão fizesse enxergar luzes onde não havia. Lutou para seguir em frente sobre as mãos e joelhos, esperando estar rastejando na direção certa.
Um terrível lamento estava crescendo e cada vez mais perto. Estaria vindo atrás dele? Lembrou-se do que havia acontecido com Cooper, a abominação em que se tornou, saída daquela boca, antes que ele a alimentasse com dinamite.
Podia estar em seus calcanhares agora, sacudindo-se sobre a neve, procurando por ele, esperando para envolvê-lo e puxá-lo para dentro...

Perdeu a entrada para o canil, deixou de ver Nauls rastejando sobre a borda aberta a sumindo rampa adentro. Havia colidido contra o complexo principal. Desesperadamente começou a procurar uma porta ao longo da parede. A janela da sala de alimentação, que antes tinha usado para entrar, havia sido bloqueada, mas devia estar por perto, um pouco para a direita.

 
E então estava caindo.  Uma queda curta e inesperada.
As plantas queimadas e congeladas em que aterrissou, nada fizeram para amortecer sua queda. Rolou segurando um ombro latejante. Ao menos não estava quebrado.
Levantando-se, fez uma avaliação das redondezas, viu a claraboia quebrada pela qual cairá, e tentou se orientar. Onde diabo estava? Não poderia ser... ah sim, o ilegal porém tolerado jardim de Childs.
Tropeçou e apoiou contra a porta aberta recuperando o fôlego.
Algo gritou alto, seguido por um som de metal. Olhou para a claraboia. Algo estava dobrando as barras de aço de apoio para fora, alargando a abertura para que pudesse entrar.
Junto à porta, o cadáver congelado de Fuchs estava lá para cumprimentá-lo, ainda preso à madeira pelo machado profundamente afundado ao peito. O corpo bloqueava a maçaneta da porta.
Um som de algo se partindo cresceu derrepente atrás dele. Algo preto e nodoso debatia-se já dentro do jardim.
Macready saiu correndo pelo corredor, derrapando, cada porta de cada seção funcionava como um bloqueio atrás dele. Seu coração estava batendo em suas costelas enquanto corria para a sala de recreação.
Algo bateu nele na próxima junção e ele gritou.
— Merda, cara! — Disse Nauls quase chorando. — Você não olha pra onde anda?
— Cristo!
Macready olhou para o cozinheiro dos pés a cabeça. Não tinham sido separados por muito tempo. Certamente não houvera tempo suficiente para a coisa ter dominado-o.
— De onde diabos você veio?
— Entrei pela casinha de cachorro — Nauls disse lutando para respirar.  — E você?
Macready olhou para trás. O corredor estava calmo, vazio. Sabia que não iria ficar assim por muito tempo.
— Entrei pela claraboia do jardim de Childs. Você sabe, naquele cubículo que Palmer e Childs transformaram para suas plantações. A coisa estava bem atrás de mim.
— O que vamos fazer agora? — Nauls implorava por segurança.
Tal coisa Macready não poderia lhe dar, mas tinha uma ideia.
— Sei que não gosta de frio. A coisa, ela pode tolerá-lo, mas apenas por um tempo. Nós explodimos seu transporte e isso significa que não pode ficar por aí dando sopa, tem de encontrar outro corpo vivo para assumir. Venha comigo!

A coisa - Alan Dean Foster (Parte 22)




O corpo de Norris arqueou na mesa, quase jogando o médico longe.
Como um caubói montando um touro, saltando loucamente no corpo arfante do geofísico.

Um som crepitante encheu a sala, e não era do desfibrilador. O esterno de Norris rachou como um lago no Saara. A pele descascada em tiras carnudas. A máscara de oxigênio foi atirada ao teto, e Palmer recuou, fugindo do cadáver que se contorcia.
Um som pavoroso saiu da boca de Norris, mas não era produzido pelo homem que fora conhecido como Norris. Era um horrível miado de raiva.
Cooper foi atirado para o lado, caindo duro no chão. Ninguém se moveu para lhe dar uma mão. Estavam todos hipnotizados pela transformação repentina do geofísico.
Sanders tinha abandonado o desfibrilador e apertava-se contra a parede mais próxima.

— Madre de dios...

A coisa que tinha sido Norris estava mudando na frente de seus olhos e não igual como ocorrera no canil escuro, ou naquela noite horrível no gelo distante. As luzes da enfermaria eram eficientes. Claramente eles puderam ver cada detalhe da perniciosa metamorfose.
As roupas se rasgaram, a matéria orgânica inchou vencendo a contenção do tecido de poliéster. Um sapato partiu-se como um melão. Algo único tornou-se visível de dentro da expansão maleável, apêndices rapidamente começaram a tomar forma, uma variedade horrível de ganchos e entumecidos órgãos nodoso, sem nada semelhante em desenvolvimento a evolução terrena.
Por reflexo, Macready tinha colocado a dinamite no chão, empunhando o lança-chamas, empurrou os outros para os lados.
— Saiam da minha frente!
Um rio de fogo jorrou, dançando em cima da mesa enfermaria.



O corpo parecia incapaz de esquivar-se, talvez por que a descarga do desfibrilador inibira suas habilidades.
Macready não saberia dizer, e não dava a mínima. O fogo se espalhou pela mesa, queimando tudo.
Chiados e assobios, e os restos mal reconhecíveis do corpo de Norris foram ao chão da enfermaria.
Macready recuou um passo, continuou a apontar o bico na direção deles.
De alguma forma, a massa flamejante indistinta de protoplasma conseguira endireitar-se, e elevou-se por um momento, depois se virou e cambaleou para a porta com coisas que não eram pernas. Lama preta e amarela explodiu através das calças rasgadas e esguichou por todo o chão. Macready metodicamente largou fogo sobre ela.
A monstruosidade cambaleou para trás e caiu sobre o desfibrilador, ficando ali, contorcendo-se, a horrível vida alienígena, queimando furiosamente.
Os homens observavam Mac, enquanto derretia a massa fundida de protoplasma. A queima era intensa e lembrou Macready, a combustão de magnésio, ou bombas de fósforo branco, usadas ocasionalmente pelos militares no Vietnã.
Extintores de incêndio foram retirados de seus lugares e colocados em ação. O desfibrilador chamuscado e enegrecido tinha as placas de plástico derretidas. A mesa da enfermaria não estava em melhor condição.
Enquanto apagavam o fogo, tinham que evitar as minúsculas poças negras que ainda queimavam ao chão, torcendo-se agitadas em agonia. Também morreriam eventualmente, seus gemidos desaparecendo em silêncio.



Todos os olhos se voltaram para Macready, que estava novamente de posse da caixa de dinamite. A chama tinha se extinguido, mas ainda empunha o bico, pronto para usá-lo.
— Todo mundo para a sala de recreação! — Disse quebrando o silêncio. — Ninguém sai da vista de ninguém, entenderam? Tive uma ideia.
Arrastaram-se para fora. Ninguém disse nada ou se opôs à ordem de Macready.
A raiva inicial para com o piloto tinha sido substituída pelo medo, após o desmascaramento de Norris.
Macready esperou até que todos passassem da enfermaria para a sala de recreação. Então, mantendo sempre as costas contra uma parede, colocou a caixa de dinamite no chão, e usou a mão livre para puxar a Magnum de Garry do bolso da jaqueta.
— O que você tem em mente, Macready? — Clark perguntou em voz alta. — É melhor que seja bom!
— Não é nada muito elaborado — o piloto sorriu para ele. — Só um pequeno teste. Às vezes, a experiência pode ser mais esclarecedora do que um PhD.


— Do que diabos você está falando, Macready? — Cooper murmurou desconsoladamente.
— Você vai ver, Doutor, assim como todo mundo.
Cuidadosamente ajustou a abertura do bico que estava segurando, definindo-o para uma chama curta.
— Que tipo de teste? — Perguntou Palmer. Estava subjugado após o episódio na enfermaria. Uma espécie de desespero tinha se apoderado dos homens. Não era desesperança. Não ainda. Era mais uma sensação de ter finalmente perdido todo o controle sobre suas chances de sobrevivência, que seu destino estava nas mãos de algo que não era humano.
Só Macready parecia ainda desafiador e inconformado. Dada a suspeita ainda pairando sobre ele, isso só deixava os outros mais desanimados do que nunca.
— Que tipo de teste?" —  Repetiu Mac severamente. — Tenho certeza que alguns de vocês já imaginam.
Havia muita corda na sala, de comprimento variável, que tinha sido usada para manter juntos Clark, Garry e Cooper. Macready chutou o carretel até parar aos pés do homem mais jovem.
— Palmer, você e Copper, amarrem todos! Bem apertado. Estarei observando!
— Para quê?
Childs pensou em pular no piloto, mas a proximidade da dinamite com o lança-chamas o contiveram. Alguém iria ter que fazer algo muito em breve.
— Para a sua saúde — o piloto disse sem querer soar sarcástico.
Garry olhou para os outros. — Vamos pegá-lo! Ele não vai nos explodir.
— Quem disse que não vou?
Childs deu um passo adiante. — Você não vai me amarrar.
— Então eu vou ter que te matar.
Childs olhou de volta para o outro homem, balançando a cabeça. — Então me mate.
Macready levantou o cano da.44, apontando diretamente para a testa de Childs. — Eu não quero fazer isso.
O clique do martelo da .44 sendo puxado soou alto na sala.
— Acho que quer sim — disse calmamente Childs.
O piloto hesitou, trouxe o dedo ao gatilho. Houve um movimento no canto do olho. Um instante, seu cérebro registrou simultaneamente vários eventos.
Clark, brilho de metal, bisturi...
Mac girou e disparou duas vezes. A força do poderoso Magnum fez o adestrador recuar com o impacto.
Clark agarrou a si mesmo, ricocheteou numa cadeira próxima e caiu inerte.
Quase tão rapidamente, Macready virou a arma contra o resto.
A chama pairava perigosamente sobre a dinamite.
— Não!
Alguns homens tinham dado passos na direção dele.
— Palmer, comece a amarrá-los!
O assistente de piloto pegou a corda e depois de um olhar incrédulo começou a trabalhar. Era um processo lento e ele pedia desculpas a cada um deles, enquanto fazia nós apertados. Cooper fazia o mesmo, mas em silêncio.
— Concluído — os dois homens finalmente anunciaram.
— Ainda não.
Com um gesto da Magnum, Macready disse. — Amarre-se Cooper, e depois Clark.
Palmer fez uma careta para o adestrador de cães. Clark permanecia onde  tinha caído, sangrando.
— Pra quê? Ele está morto!
Macready balançou a cabeça.
— Você esquece rápido, não é, Palmer? Norris parecia morto também. Balas não matam essas coisas, somente os incomodam. Amarre-o!
Quando finalmente a tarefa foi concluída por Palmer, Mas fez um gesto e sorriu para os outros.
— Não tentem nada. Voltamos já! Em menos de uma hora.
Os dois homens foram embora por alguns minutos. Na volta Palmer trouxe mais uma caixa de dinamite, colocando-a sobre a mesa. Ficou aguardando novas ordens.
— Ok, agora desamarre o doutor.
Palmer o fez. O doutor levantou-se, esfregando os pulsos onde a corda tinha machucado.
— Desculpe, Doutor, acho que você está limpo. Você estragou o disfarce de Norris, fez a coisa se revelar. Não acho que você teria usado o desfibrilador se fosse um deles. Mas não estou cem por cento certo disso. Ainda não.
Cooper sorriu palidamente, aproximou-se e olhou com curiosidade para a pequena caixa que o piloto tinha colocado ao lado das caixas de explosivo. Enquanto olhava, Mac tirou um bico de Bunsen da caixa e seu tubo de borracha longo, ligado a uma saída de gás. Usou um maçarico para acender o queimador. Sanders fechou os olhos pois o fogo estava perto da dinamite. Macready parecia não se importar.
Deixando de lado a Magnum, usou um canivete para cortar a extremidade de um fio elétrico. Sem o isolamento, o fio ficou exposto. Isso foi feito, ainda mantendo o maçarico debaixo de um braço, deu um olhar atento ao resto deles.
Instruiu Cooper para amarrar Palmer.
— Nós deveríamos ter dado cabo dele! — Childs estava zangado consigo mesmo.
— Talvez — murmurou Sanders. — Agora é tarde demais!
Macready terminou seu trabalho. O bico de Bunsen assobiou.
— O que você está fazendo, Mac? — Palmer parecia desconfortável. Provavelmente as cordas estavam machucando lhe.
— Vamos tirar um pouco de sangue de todo mundo.
Nauls soltou uma forte risada sem graça. — Certo. E o que você vai fazer com ele, beber?
Macready ignorou-o.
— Observando o que aconteceu com Norris, mais o que eu me lembro da noite no gelo, quando uma dessas coisas matou Bennings, tive a impressão de que todas as partes desses desgraçados sejam um só. Cada qual é autossuficiente, pode agir em caso de necessidade, independentemente. Mas é só animal. Quando um homem sangra, é apenas perda de líquidos, mas o sangue de uma destas coisas não está adormecido... Lembrem o que Blair disse sobre cada célula sendo alterada de forma independente? Cada uma se torna uma forma de vida única, com o habitual desejo de proteger-se. Lembrem-se daqueles pequenos pedaços de Norris, como se mexiam e faziam barulho? Quando atacados, pareciam que até mesmo o menor fragmento de uma dessas coisas, tentava sobreviver da melhor maneira possível. Mesmo uma pequena gota de seu sangue. Claro, sem um sistema nervoso superior, sem cérebro para suprimir o instinto natural, as células têm de agir instintivamente, de forma inteligente para se proteger do congelamento, ou da incineração. Ou de uma agulha quente, por exemplo.



Virou-se para enfrentar o médico.
— Cooper, você fará as honras da casa.
— Você disse que achava que eu estava limpo, por causa do que tinha acontecido na enfermaria.
Macready acenou afirmativamente. — Sei o que disse. Eu quero ter certeza.
Cooper observou que o bico do maçarico tinha sido focado em sua barriga desde que amarrara Palmer, mas não disse nada sobre isso. Obviamente Macready não tinha intenção de confiar nele, até ter executado seu pequeno teste. Não havia ponto em discutir com ele.
— Tudo bem, vou fazer o que você pedir, Mac.
Pegou o bisturi que Clark deixara cair e foi até uma cadeira.
— Desculpe, Sanders. Não tive escolha.
— Tudo bem, Doutor.
O operador fez uma careta quando Cooper pressionou suavemente a lâmina contra seu dedo indicador. O sangue pingou na placa de Petri, que o médico colocara sob o corte. Os outros olhavam.
— Agora os outros — disse Macready impaciente.
A caixa que ele tinha trazido com o bico de Bunsen também continha uma placa para todos na sala.
Cooper moveu-se entre eles, tirando uma pequena quantidade de sangue de cada e retornando as amostras para a mesa onde Mac rotulava cada um com uma caneta de marcação.
O doutor deixara Garry para o final.  — Esse é o último.
— Não é bem assim — disse Macready deslizando uma placa para o médico. — Agora você!
Cooper gentilmente cortou o polegar e observou enquanto o sangue escorria no vidro.
— Me dê aqui — Macready ordenou sem paciência. O médico fez como ordenado.
— Agora um passo para trás. Fique lá com os outros!
O suor começava a escorrer de sua testa. Quase tropeçou nos pés de Childs.
— E finalmente...
Macready utilizou o bisturi em seu próprio polegar, recolhendo o sangue em um último recipiente. Sem esperar, colocou o fio de cobre nu sob a chama do queimador de Bunsen.


Os homens observavam atentamente enquanto a ponta do fio começava a aquecer. Macready segurava-o firme, na parte mais azul da chama, ainda segurando o lança-chamas na direção do médico. Ambos estavam transpirando bastante agora.
Quando a extremidade ficou incandescente, o piloto levou o arame para a placa mais próxima, que continha a amostra de sangue de Cooper. Seus olhos estavam olhando fixo o médico e o dedo estava tenso no gatilho.
Um silvo suave veio da placa de Petri.
Macready reaqueceu o fio e repetiu a experiência. Novamente o assobio, e foi tudo.
O sangue no prato tinha reagido normalmente. Ambos soltaram um suspiro de alívio.
— Acho que você está ok.
O alívio de Cooper era palpável e sua resposta foi bem humorada. — Muito obrigado.
— Como eu disse — Macready reiterou. — Não acho que você teria usado o desfibrilador no corpo de Norris, se fosse um deles. 
O homem mais velho deu um sorriso fraco.
— É bom saber com certeza que alguém é nada mais do que é suposto ser.
Mac entregou-lhe um maçarico. — Observe-os. E não se esqueça da dinamite.
Cooper assentiu resolutamente, enquanto Macready mudou-se para a borda da mesa, onde todos pudessem vê-lo claramente.
— Agora eu vou mostrar o que eu já sei, e o que vocês não conseguem acreditar.
Aqueceu o fio e enfiou a ponta na amostra de seu sangue. O mesmo assobio inofensivo.
 Tal como aconteceu com Cooper, repetiu a ação. O mesmo resultado.
Childs virou-se, incapaz de encarar o olhar do piloto.
— O que não quer dizer nada. É tudo besteira!
— É? Veremos. — Estudou as amostras e escolheu outra. — Vamos tentar Clark.
Aqueceu o fio de novo, colocou na lâmina. Um ‘xiii’ fraco... e nada mais.
Childs olhou para ele.
— Então, de acordo com suas descobertas, isso significa que Clark era humano, certo? Isso faz de você um assassino.
Macready olhou para o grupo.
— Palmer agora.
Puxou a amostra respectiva e colocar o fio na chama do queimador.
Garry estava mexendo-se desconfortavelmente no sofá. Como se sofrendo com cólicas.
— É pura bobagem, como Childs diz. Não prova nada!
Macready deu ao gerente um sorriso desagradável.
— Achei que você ia se sentir assim, Garry. Você era o único que poderia ter chegado ao sangue na enfermaria. Deixaremos você para o final.
Colocou o fio na placa com o sangue de Palmer.

Um grito inesperado e terrível encheu a sala.

O grito veio do líquido vermelho na placa de Petri, que agora estava se contorcendo e rastejando até as bordas de vidro...


A coisa - Alan Dean Foster (Parte 21)

 
Norris e os outros se reuniram em torno, inspecionando o pano atentamente.
Nauls soltou um longo assobio e dolorosamente ficou de pé.
— Estava escondido. O vento deve ter desalojado-o. Não acho que ele me viu encontrá-lo. Na verdade, eu sei que não, ou não estaria aqui mostrando-o a vocês.
Os homens continuaram a inspecionar a contunde prova, ainda achando difícil acreditar.
— Na volta, cortei o cabo guia.
Sanders estava incrédulo. — Eu não posso acreditar! Macready?
Nauls balançou a cabeça lentamente.
— Eu sei que é difícil, mas com certeza explica muita coisa. Ele é um deles. Não é de admirar que estivemos andando em círculos por tanto tempo. Lembre-se de como ele pegou a arma e o comando de Garry? Ele nos fez perseguir nossas caudas por horas, jogando com a gente. Ele é uma daquelas coisas!
— Quando você acha que aconteceu? — Sanders perguntou.
— Poderia ter sido a qualquer hora — Palmer murmurou desconsoladamente. — E em qualquer lugar.
Childs franzira a testa para Nauls. Algo o estava incomodando desde que o exausto cozinheiro havia chegado.
— “Se” aquilo o pegou...
Nauls se voltou contra ele.
— Olha aqui, cara...
— Quando as luzes se apagaram — Palmer estava murmurando.
— Teria sido o momento perfeito — acrescentou Norris.
— Certo — Palmer concordou. — Garry estava fora. E Sanders — acrescentou incisivamente.
— Foda-se, Palmer!



O operador de rádio saltou sobre seu acusador. Childs e Norris tiveram que separá-los.
— Aqui vamos nós de novo, — disse o geofísico respirando com dificuldade — estamos agindo exatamente como ele quer. Vocês dois cérebros de titica! Não é possível que isso entre em seus crânios? Eu não acho que...
Um novo martelar na porta interrompeu-o e fez todo mundo pular para trás.
Nauls se encolheu atrás de todos os outros, olhando com terror para a porta.
O som da voz de Macready era inconfundível:
— Abram!
Ninguém respondeu.
Norris e Childs levantaram seus maçaricos.
— Ei, alguém! — a voz continuou. — Abram! Sou eu, Macready. Vamos lá, droga! O cabo guia se rompeu! Vim rastejando como uma foca até aqui. Deixem-me entrar!
O sussurro de Nauls soou direto. — Besteira! Ele sabe muito bem que eu o cortei!
Os homens mantiveram suas vozes baixas enquanto debatiam como proceder.
— Vamos abrir" Palmer sugeriu indicando as tochas. — Nós temos como detê-lo, se tentar qualquer coisa!
Childs olhou para ele, ignorando as batidas na porta.
— Claro que não! Eu estava lá no gelo quando a coisa pegou Bennings. Você não pode acreditar o quão rápido essas coisas podem se mover. A porta permanece fechada!
Sanders estava tremendo e não deu a mínima se alguém notou. — Vocês acham que ele foi pego por uma dessas coisas?
Norris olhou para o relógio. — Não teve tempo suficiente.
— Como você sabe, cara? — O operador de rádio perguntou.
— Blair disse que é preciso pelo menos uma hora.
— Blair não sabe de nada. Blair, o louco. Talvez não leve uma hora. Talvez apenas trinta minutos.
— É a melhor estimativa que temos — argumentou Norris. — É a única estimativa que temos! Admito que não tenho certeza sobre quanto tempo ele esteve fora, mas eu não acho que foi uma hora.
Childs estava olhando para a porta, falando sozinho.
— Nada humano poderia ter feito o caminho de volta neste tempo, sem uma corda-guia...
O vento rugia além da porta, acentuando o ponto do mecânico.
— Onde estão todos? — Macready exigiu saber do outro lado. Sua voz era fraca, cansada. — Estou meio que congelando aqui!
Palmer deu um passo hesitante em direção à porta. — Vamos abrir! Agora!
— Por que você está tão ansioso para deixá-lo entrar? — Childs perguntou venenosamente.
Palmer tremia ligeiramente.
— Ele está tão perto. Se ele mudou, é nossa melhor chance para queimá-lo.
Childs vetou a ideia. — Não. Por que arriscar? Basta deixá-lo congelar lá fora.
A voz de Sanders falhou quando falou:
— E se estivermos errados? E se esse lá fora for o verdadeiro Macready, tentando entrar? Ele vai congelar até a morte! E se estivermos errados, cara?
— Então, estamos errados — Childs disse-lhe friamente.
Eles esperaram. Vários minutos se passaram. As batidas diminuíram, finalmente pararam completamente.
— Talvez esteja inconsciente — Sanders arriscou. — Poderíamos abrir a porta e dar-lhe uma rápida verificada.
Norris balançou a cabeça.
— Se está curioso, olhe pela janela!
Sanders hesitou, depois foi pressionar o rosto contra o vidro, tentando ver a porta.
— Não vejo nada!
Palmer olhou pela outra janela.
— Nem eu. Se ele caiu contra a porta, estaria fora das nossas linhas de visão. Está mais escuro do que o covil de uma bruxa!
Um ruído abafado chegou até eles. Todos se viraram ao ouvir o som de vidro quebrando.
Os olhos de Palmer arregalaram-se.
— A janela do armazém G. Não é um painel triplo!
Sanders, pressionado contra a parede disse apavorado:
— O que vamos fazer? O que vamos fazer?
— Controle-se, homem! — Norris ordenou. — Se você for ao fundo do poço, ninguém vai parar para segurar sua mão!
O operador de rádio assentiu lentamente, respirando profundamente.
Os dedos do geofísico apertaram ao redor do maçarico. Olhou resolutamente pelo corredor.
— Tudo bem, nós não temos escolha agora.
Ele e Childs lideraram o caminho, arrastando os outros atrás deles.


Estava escuro como breu dentro da sala de abastecimento. Macready caçava freneticamente um interruptor de luz.
Estava fraco e sofrendo de leve hipotermia.
Vozes soavam do lado de fora.
— O que está acontecendo? — Macready gritou com raiva. — Por que é que ninguém me deixou entrar? Seus babacas, não me digam que não me ouviram!
Palmer ficou de lado, segurando a tocha, enquanto Childs experimentou a maçaneta. Fechada.
— Diabo — o mecânico praguejou lembrando-se. — Macready tem as chaves do depósito!
— Não tem outra?
Childs parecia duvidar.
— Garry pode ter outra escondida em algum lugar, mas ele está muito dopado para pensar direito. Enfim, não podemos dar ao luxo de esperar tanto tempo.
Em seguida caminhou para o outro lado e arrancou um machado de incêndio do seu painel. Norris, Palmer e os outros recuaram, quando Childs começou a quebrar a porta.
A voz confusa de Macready ecoou do outro lado.
— O que vocês estão fazendo?
— Você é um homem morto, Macready! — Childs levantou o machado e balançou-o novamente. — Ou uma coisa morta, seja lá o que você for!
— Vocês estão loucos?
— Não! E não vamos deixar você nos manipular mais!
O machado mordeu profundamente a madeira.
Macready estava em silêncio, embora pudessem ouvi-lo lá dentro.
Fuja, Palmer estava pensando. Vá congelar lá fora, para que não tenhamos que fazer o que vamos fazer com você.
— Nós encontramos as roupas! — Childs estava gritando. — A que você tentou queimar.
— Que roupa? — Macready exigiu saber.
— Esqueça, Macready!
O mecânico estava brandindo o machado como um louco. — Você se ferrou! Tá tudo acabado!
— Alguém está tentando me sacanear, seu maluco!
Eles podiam ouvi-lo fazendo algo com os suprimentos lá dentro.
Childs advertiu Palmer e Norris, enquanto preparava o último golpe.
— Cuidado! Ele pode estar pendurado no telhado, ou algo assim, então não olhem somente pra frente. Prontos?
Os dois homens concordaram.
Com um último golpe, fechadura e maçaneta cederam.
Childs chutou forte o que restava da porta e deu um passo para o lado.
Palmer tomou a frente, o dedo tenso no gatilho do maçarico, com Norris atrás dele.
Eles congelaram com o que viram.
Macready, bem à frente deles, segurava o bico de um lança chamas em sua mão esquerda.
Seu cabelo e barba, brancos de neve, mas os olhos claros e atentos. As bochechas e o nariz escurecidos pelo congelamento.
Debaixo de seu braço direito, uma caixa onde se lia "DINAMITE", cuja tampa faltando, deixava à vista os cilindros vermelhos.



Os fusíveis individuais tinham sido cortados em comprimentos de cinco centímetros.
 — Se qualquer um de vocês se meter comigo — disse ameaçadoramente — mando o acampamento pro inferno!
Nenhum dos homens de pé no corredor estava ansioso para testar a ameaça de Macready.
Ficaram olhando para ele, sem poder fazer nada, esperando para ver o que ele faria em seguida.
— Ponham estes maçaricos no chão e recuem... lentamente.
De olho em Macready, Norris inclinou e gentilmente pousou o maçarico.
Childs colocou cuidadosamente o machado ao lado dele, seguido por Sanders e Palmer.
Macready avançou, forçando-os a bater em retirada. — É isso aí, pra longe!
Agora estavam todos no corredor, seguindo na direção da sala de recreação. Não tinham ido muito longe quando Macready começou a procurar por cima do ombro.
— Ei, onde está o resto da...
Nauls e Norris vinham correndo do depósito de abastecimento e se lançaram contra o piloto. Tinham dado a volta pelo lado de fora e entrado através da janela, como Macready. Tentaram tirar-lhe o lança-chamas.
Macready atirou Nauls contra Norris, enviando o homem mais velho violentamente contra a parede. Nauls rolou e agarrou as pernas de Macready, que foi jogado de joelhos. Os outros investiram.
Mas ainda no controle, Macready levou a chama até a dinamite.
— Se é o que vocês querem, — gritou com eles com a voz embargada — eu vou atendê-los!
Nauls soltou as pernas do piloto, rolando para o lado.


 — Tá legal, cara — o cozinheiro ganiu desesperadamente. — Não vamos chegar perto, cara. Calma!
— Sim, verdade, — um frenético Palmer acrescentou com os olhos fixos na caixa. — Relaxe!
— Qualquer um que me tocar de novo, — Macready advertiu-os, os olhos correndo de um rosto para o outro — vamos pro espaço!
Norris ainda estava deitado no chão onde tinha caído depois de bater na parede.
Tossiu forte, recuperando o fôlego. Todo seu corpo estremeceu e então desmaiou lá mesmo.
Nauls arrastou-se até o geofísico e sacudiu-o.
— Acho que não está respirando!


Abaixou a cabeça e colocou o ouvido no peito do homem mais velho.
Macready de pé, observava o cozinheiro. Um pouco de preocupação penetrou em sua voz.
— Vai desamarrar o doutor e traga-o até aqui. Traga os outros também — sorriu ameaçadoramente. — De agora em diante ninguém sai da minha vista!
Quando começaram a se mover, fez um gesto ameaçador com a chama.
— Não! Childs, Sanders e vocês ficam aqui! Você vai, Palmer! E rápido.
O assistente de piloto acenou, feliz pela oportunidade de ficar longe da dinamite. Saiu correndo pelo corredor.
Eles esperaram.
Nauls sentou-se ao lado da forma imóvel de Norris. Olhava acusadoramente para Macready.
— Ele não está respirando. Você o matou!
— Cala a boca, Nauls. Você fala demais!
Palmer voltou apressado, apoiando o médico com um braço ao redor de suas costas. Garry e Clark tinham se recuperado o bastante para cambalear atrás deles.
Cooper avistou Macready, sua postura beligerante, o lança-chamas e a caixa de dinamite.
— Mac, o que em nome de Deus...
— Guarde a saudação para mais tarde, doutor.
Fez um gesto na direção de Norris.
Cooper assentiu compreensivamente e ajoelhou-se ao lado do corpo. Nauls afastou-se. O doutor verificou os olhos do homem, ouviu seu peito e em seguida olhou de volta para Macready.
— Vamos levá-lo para a enfermaria. Rápido! É a única chance dele.
Macready concordou com a cabeça e olhou para os outros.
— Childs, Sanders e Nauls carregam Norris. Quero ver todo mundo na minha frente, entenderam? Não quero ninguém se esquivando por um cômodo aberto, esperando para me pegar. Eu poderia tropeçar ou ficar nervoso, ou ambos.



O corpo de Norris foi colocado na mesa de exame.
O frigorífico e seu legado de sangue arruinado estava próximo, lembrando a todos da última vez que tinham estado naquela sala.
Cooper virou-se para alcançar algo e quase caiu, ainda tonto da morfina. Palmer e Sanders e seguraram. Macready estava em um canto, com as costas contra a parede, assistindo tudo.
Cooper largou uma máscara de oxigênio no rosto de Norris, ligada a um cilindro. Torceu a válvula de controle e um som de assobio encheu a sala. A marcação sobre o regulador saltou viva.
Curvando-se sobre Norris, o médico rasgou a camisa do homem. Trabalhava arduamente, mesmo sob os efeitos secundários da droga ainda correndo por seu corpo. Não olhava para Macready. Quando o piloto falou, continuou atento ao seu paciente.
— Então, meus queridos, vocês já fizeram um julgamento. Posso, se quiserem, aplicar a sentença letal, Nauls.
O cozinheiro cuspiu nele.
— Você já pode ter feito isso com Norris.
Copper espalhava no peito do geofísico, uma substância oleaginosa reluzente.
Macready permitiu-se um sorriso irônico. — Alguma vez ocorreu ao júri que poderiam ter armado para mim, queimando minhas roupas, dando-lhes uma aparência incriminatória?
Seu tom era casual, mas a sua atitude não era. A chama ainda pairava perigosamente perto da dinamite.
— Não engolimos essa! — Disse Childs de forma grosseira.
— Querem parar de brigar e me dar uma mão? — Cooper gritou com eles. — Alguém traga o desfibrilador.
— O quê? — Perguntou Childs.
— Aquela máquina lá, rápido! — Cooper respondeu exasperado.
Mantendo um olhar cauteloso sobre o piloto, Sanders pegou as alças do carrinho e empurrou-o para perto da mesa. Cooper prontamente subiu na mesa e sentou-se no peito de Norris.
Com Cooper e Norris ocupando a mesa e Sanders ao desfibrilador, Clark prestava atenção em Macready. Casualmente deixou sua mão direita aproximar-se da bandeja de instrumentos cirúrgicos. Descartou o brilhante fórceps e as pinças, mantendo vigilância sobre Macready. Ninguém viu seus dedos ao redor do punho do bisturi reluzente. Escondeu a lâmina na palma da mão.
Cooper girou para a direita.
— Palmer, aumente o oxigênio para nove, e mantenha a máscara sobre o rosto. Childs, você agarra os ombros.
— Certo!
O mecânico passou pra frente da mesa, com muito cuidado para não se aproximar de Macready e colocou as mãos enormes em ambos os lados da cabeça de Norris, se inclinando para frente.
Cooper estendeu a mão e pegou um par de almofadas anexadas à máquina por meio de grossos cabos. Enquanto esperava, Childs aproveitou a oportunidade para sorrir para Macready.
— Você vai ter que dormir em algum momento.
Cooper olhou para ele. — Fiquem calmos. — Acenou para Sanders. — Ligue!
Os dedos de Sanders cutucaram um botão. Uma luz de aviso localizada logo abaixo da chave acendeu e um zumbido baixo veio de dentro da máquina.
— Agora segure-o! — Cooper instruiu o mecânico.
— Tenho sono leve, Childs — Macready devolveu o sorriso.
— Cale a boca, Macready! — Disse Cooper inclinando-se para frente. Pressionou as duas placas de contato acolchoadas contra o peito do geofísico. O corpo de Norris saltou para cima, quando a corrente passou através dele. Houve um ligeiro ruído de respiração e um chiado estranho por detrás da máscara de oxigênio.
Cooper removeu as almofadas. O peito de Norris não se mexeu. O doutor falou enérgico com Sanders. — Mais uma vez!
Cooper se inclinou para trás e apontou. — Há um seletor ao lado do interruptor. Está em três. Vire para seis!
Sanders assentiu, e fez como indicado.
Outro zumbido da máquina. Sanders observou-o ansiosamente. Clark trouxe o bisturi escondido da mão para a manga da camisa. Ele o fazia o mais discretamente que podia. Ninguém prestou atenção.
— E se alguém tentar me acordar — Macready estava dizendo — meu pequeno alarme vai colocar todo mundo para dormir para sempre — e deu um tapinha do lado da caixa de dinamite com o bocal e a chama ainda queimando.
Palmer fez uma careta.
— Maldito seja, Macready, já chega! — Cooper repreendeu-o e pressionou os contatos no peito de Norris novamente.
Desta vez a reação foi diferente, explosiva e violenta, totalmente inesperada.