sábado, 20 de junho de 2015

INTERSTELLAR - Greg Keyes (Parte 18)




Quando Murph ganhou coragem para enviar uma mensagem para a filha do Professor Brand, sua dor e confusão tinham se tornado algo completamente diferente.

– Dra. Brand– começou tentando permanecer no controle, mantendo a voz profissional. – Sinto dizer que seu pai faleceu hoje. Ele não sentiu nenhuma dor e se foi... em paz. 

Fez uma pausa e acrescentou: – Eu sinto muito pela sua perda. 

Estendeu a mão para o interruptor, para deixar a mentira onde estava. Havia a possibilidade dela nunca ouvir a mensagem, e se ouvisse, bem, ela estava no espaço, longe de casa. Precisaria de conforto, e...

Murph recolheu a mão de volta. Amélia era sua filha. Sua filha, parte da coisa toda. Ela havia confiado seu pai, e ele a traíra. Quem e o que havia sobrado para ela confiar?

O Professor Brand tinha sido um mentiroso. Ela não.

Em paz, o cacete, pensou amargamente. Ele morreu em agonia por que revelou o que tinha feito. E se quando parou de respirar ele encontraria algum tipo de paz, ele não merecia isso. E não tinha respondido a sua pergunta, usou seu último maldito suspiro para citar Dylan Thomas, uma última vez.

– Você sabia, Brand? – Gritou. – Ele te disse? Você sabia que o plano A era uma farsa? Você sabia,
não é? Você nos deixou aqui para morrer. Nunca vai voltar...

***

Na Endurance, CASE registrou a mensagem raivosa de Murph, enquanto observava a Ranger avançar, levando-os em direção ao mundo branco além do vidro da cabine de comando.



Cooper estudou o mundo de Mann quando se aproximaram da cobertura de nuvens, que parecia cobri-lo por inteiro, como as nuvens cumulonimbus da Terra, majestoso e branco, com altos picos e vales profundos e sombrios. Isso parecia ser um bom sinal, embora as nuvens fossem tão espessas que não podia ver muita coisa abaixo delas.

À medida que se aproximavam, começou a se preocupar. O que os instrumentos lhe contavam sobre a densidade dessas nuvens parecia... irracional. No entanto, diminuíra grande parte da velocidade de descida, esperando que os instrumentos estivessem errados, mas ainda assim não estava disposto a correr riscos.

Não depois do mundo de Miller.



Atravessaram uma das nuvens, que para seu alívio parecia ser inteiramente normal. Talvez fossem os instrumentos que estavam malucos. Mas, assim que entraram na próxima, a Ranger sofreu um estremecimento horrível. Um som de raspagem indicava que haviam perdido alguns dos painéis térmicos das asas.

Maldição, pensou ele. Por que não podia simplesmente ser como parecia? Assim como as montanhas no Mundo de Miller não eram montanhas, a maioria destas nuvens não eram apenas nuvens, mas formações de dióxido de carbono congelado, gelo seco em sublimação, criando uma camada enganosamente delicada de vapor ao redor delas.

Felizmente ele havia confiado em seu instinto, e não fora direto através delas, escolheu o caminho cuidadosamente, procedendo como se atravessassem um campo minado congelado, seguindo a direção dada por TARS. E seguindo sempre o sinal do farol de Mann.
Quando criança ele uma vez voara em um avião comercial. Naquela época, quando passavam acima das nuvens, fantasiava ser capaz de andar sobre elas.
Parecia que ele iria ter a sua oportunidade. Tenha cuidado com o que deseja, meditou.

Aproximaram-se da fonte do sinal, que vinha do alto de uma nuvem congelada. Cooper deu uma rápida olhadela no radar uma vez mais, estava convencido de que ele não queria estacionar próximo dele. A plataforma gelada era muito pequena e instável. Em vez disso, escolheu uma superfície maior, mais achatada e mais densa.

***

Uma vez que pousaram, começaram a prender os capacetes, mas sem a pressa do mundo de Miller. Estavam muito além da zona de distorção de tempo de Gargantua. Cooper deu uma boa olhada ao redor para se certificar de que algo desagradável não estava vindo de baixo para cima, ou pelas laterais, ou de cima para baixo.

Ainda assim, não havia tempo a perder, por isso, uma vez que se sentiu seguro sobre a estabilidade do local de pouso, TARS abriu a escotilha.
Pisando cuidadosamente para fora da câmara, os quatro começaram a caminhar em direção ao farol, TARS fechando o grupo. Cooper esperava desesperadamente que não estivessem em outro jogo de esconde-esconde.

Mas quando chegou ao topo viu instantaneamente uma mancha laranja aninhado nas rachaduras de gelo estilhaçado. Acelerou o passo, e logo estava olhando para uma cápsula de pouso da Lázaro. TARS começou a desenterrá-la, enquanto Cooper preparava-se para o pior. Mann poderia estar morto como Miller, só que desta vez haveria um corpo para ver. Olhou para Brand e Romilly, e viu o mesmo pavor em suas expressões.

Uma vez aberta a câmara da naveta, Cooper entrou com cautela. A cabine estava vazia, na estranha luz azul fraca, filtrada através das janelas congeladas. Então TARS acionou o módulo de força e as luzes se acenderam. Cooper viu então o crio-leito e foi até ele, com TARS junto dele. Com a mão enluvada raspou o gelo da placa de identificação.
“Dr. Mann”, lia-se.

Depois de uma rápida verificação de status, TARS ativou o descongelamento, e o gelo começou a derreter. enquanto Cooper fechava a escotilha da cabine. Uma vez selada, tirou seu capacete. O ar era velho, mas respirável, e com o ligeiro aroma acre de amônia. Um robô igual a TARS e CASE, encontrava-se de lado, desmantelado.

Depois de um curto período de tempo o crio-leito sinalizou que estava pronto, e Cooper ergueu sua tampa, revelando uma figura envolta em plástico lá dentro.
Estava preparado para o pior. A água ao redor do corpo se foi e um pouco de vapor subia no ar frio.
Cooper encontrou o selo no plástico, e rasgou-o. Um homem da sua idade, em seu casulo protetor. Rosto quadrado e forte mesmo durante o sono.

Enquanto Cooper observava, seus olhos se abriram, azuis, num primeiro momento sem foco, olhando para nada. Confuso e talvez assustado, estendeu a mão para Cooper que com as mãos trêmulas agarrou-a. Mann começou a soluçar, acariciando o rosto de Cooper como se fosse o rosto de sua mãe. Cooper foi dominado por uma profunda compaixão para com o homem. Não era possível sequer imaginar o que ele estava sentindo, Cooper apenas abraçou-o com força, do jeito que tinha feito com seus filhos quando acordavam após um pesadelo.

– Está tudo bem – ele disse. – Está tudo bem. 



***

– Reze para que você nunca precise aprender o quão bom pode ser, apenas ver outro rosto que não o seu. – Mann falou com a voz rouca. Sua caneca de chá tremia em suas mãos.

Olhou de rosto em rosto, como se cada um fosse a coisa mais incrível que já tivesse visto.

– No começo eu não tinha muitas esperanças. Depois de tanto tempo, não tinha mais nenhuma. Meus suprimentos se esgotaram. Da última vez que dormi, nem marquei a hora de acordar. Você, literalmente, me trouxe dos mortos.
Cooper lançou-lhe um sorriso.

– Lázaro – disse ele.

Mann concordou com a cabeça, em seguida, levantou os olhos e perguntou: – E os outros?

– Temo que só tenha restado o senhor – disse Romilly.
Mann parecia um pouco atordoado.
– Até agora, não é? – falou Mann esperançoso.
– Não. Na atual situação... É quase nula a chance de resgatarmos mais alguém. 



Foi quase como se ele tivesse recebido um soco. Mann olhou para o seu chá, enquanto eles permitiram ter um momento de silêncio.

– Dr. Mann – Brand disse depois de um pouco – fale-nos sobre o seu mundo. 
– Meu mundo. Nosso mundo, assim esperamos. Nosso mundo é frio, inóspito... mas inegavelmente lindo. Os dias duram 67 frias horas. As noites, 67 horas ainda mais frias. A gravidade é muito agradável, corresponde a 80% da Terra. Aqui, onde aterrissei, a água é alcalina. O ar tem amônia demais para respirar por mais do que alguns minutos, mas na superfície... e existe uma superfície, o cloro se dissipa. A amônia forma hidrocarbonetos cristalinos. O ar é respirável para compostos orgânicos. Possivelmente, para organismos vivos. Talvez compartilhemos este mundo.
Brand começara a verificar os dados de Mann, e quanto mais lia, mais parecia positivamente tonta.

Finalmente, ela olhou para ele e perguntou como se não parecesse real:

– Essas leituras são da superfície?
– Ao longo dos anos, enviei várias sondas.
– Até onde você explorou? – Perguntou Cooper.
– Já fiz várias grandes expedições – disse Mann. – Mas com o oxigênio em quantidade limitada, KIPP fez a maior parte do trabalho braçal. – Ele indicou a máquina que poderia ser um irmão para TARS ou CASE, exceto que estava em pedaços.

– O que houve com ele? – Perguntou TARS.

– Deteriorou-se – Mann respondeu. – Ele identificou os primeiros produtos orgânicos que encontramos na forma de cristais de amônia. Continuamos tentando, mas depois eu o aposentei. Usei a alimentação dele para continuar a missão. Pensava me sentir só antes de desligá-lo, mas depois, sem ele...
– Gostaria que eu o consertasse? – Perguntou TARS.
– Não – disse abruptamente Mann. – Ele precisa de um toque humano. 

TARS não respondeu. Em vez disso, virou-se para Brand.

– Dra. Brand. CASE está retransmitindo uma mensagem para você a partir da estação.

Ela assentiu com a cabeça, e TARS começou a reprodução na sua tela de dados. O estômago de Cooper foi atingido como se por um ponho fechado, quando o rosto de uma mulher apareceu. Levou um momento para ele reconhecê-lo como o rosto de sua filha.
Murph!

Mas ela não estava ligando para ele, mas para Brand, e pior, Murph estava dando a notícia de que o pai de Brand estava morto. Ele não poderia dizer qual das duas mulheres estava mais triste, mas parecia ser Murph.

– Sinto dizer que seu pai faleceu hoje. Ele não sentiu nenhuma dor e se foi... em paz. Eu sinto muito pela sua perda. 
– É a Murph? – Brand perguntou com a voz alterada.
Cooper assentiu e tentou pensar em algo para dizer quando viu Murph aproximando-se para desligar a câmera.
– Ela se tornou... – Brand começou, mas não terminou, porque Murph não desligou.

Tinha um olhar estranho de ódio intenso, então gritou furiosamente: – Você sabia, Brand? Ele te disse? Você sabia que o plano A era uma farsa? Você sabia, não é? Você nos deixou aqui para morrer. Nunca vai voltar...

Atordoado, Cooper olhou para o rosto de Brand. Queria perguntar o que diabos ela estava falando, mas não conseguia encontrar as palavras.

– Você nos deixou aqui para trabalhar na sua colônia – Murph continuou com lágrimas começando a descer em suas bochechas. Cooper olhava para a imagem horrorizado, enquanto ela lutava com suas palavras, e ele sabia o que ela ia perguntar.
Tão rápido quanto apareceu, a raiva se foi, e sua voz se tornou pequena.
– Meu pai sabia? – Perguntou ela. – Pai...? 

De alguma forma, ela estava olhando diretamente em seus olhos.



– Será que você me deixou aqui para morrer? 
Em seguida, a tela se apagou. De repente, ele percebeu que Brand estava olhando para ele.
– Cooper, meu pai dedicou toda a sua vida para o plano A. Eu não tenho ideia do que ela...
– Eu tenho – Mann disse calmamente.
Cooper virou-se para encontrá-lo olhando para eles com uma expressão de suave compaixão. Mas antes que pudesse continuar, Cooper encontrou novamente sua voz.
– Ele nunca cogitou em levar as pessoas para fora da Terra. – Sentiu-se descartado, como o milho apodrecido pela ferrugem.
– É verdade – Mann confirmou.
– Mas ele esteve tentando resolver a equação da gravidade por 40 anos! – Brand protestou.

Mann aproximou-se e olhou-a com simpatia.

– Amélia, seu pai resolveu a equação antes mesmo de eu partir. 
– Então por que ele não iria usá-la? 
– A equação não conseguia conciliar a relatividade com a mecânica quântica. Você precisa de mais. 
– Mais o quê? – Cooper exigiu saber.
– Mais dados – respondeu. – Você precisa ver de dentro de um buraco negro. As leis naturais impedem singularidades nuas.
– É verdade? – Cooper perguntou a Romilly.
O astrofísico assentiu.
– Se um buraco negro fosse uma ostra – Romilly explicou, – a singularidade é a pérola dentro. Sua gravidade é tão forte, está sempre escondida na escuridão, por detrás do horizonte. É por isso que nós o chamamos de um buraco negro. 
– Se víssemos além do horizonte... – balbuciou Cooper.
– Algumas coisas não são destinadas a serem conhecidas – Mann decretou sombrio.
– É isso? – Cooper perguntou. – Isso é tudo que você tem? 

Parecia-lhe uma coisa absurda para um cientista dizer. Como a raposa da fábula, incapaz de alcançar as uvas, declarando que devem estar azedas de qualquer maneira. Mas quantas vezes na história essa declaração fora feita, e quantas vezes tinha sido provada errada?
O buraco negro estava bem ali. Tinha que haver uma maneira.
Mann virou-se para Brand novamente.

– Seu pai teve que encontrar outra maneira de salvar a raça humana da extinção. O Plano B, a colônia.
No entanto, Brand ainda não estava disposta a desistir. Isso fez com que Cooper se sentisse melhor. Ela não tinha mentido para ele todo esse tempo.
– Mas por que não dizer a verdade? – Brand exigiu saber. – Por que continuar a construir a maldita estação? 
– Ele sabia o quão difícil... seria unir as pessoas para salvar a espécie, em vez de si mesmos– Mann deu a Cooper um olhar simpático. – Ou seus filhos? 
– Besteira – Cooper falou categoricamente.
– Você nunca teria vindo se não achasse que os salvaria – desafiou Mann.
– A evolução ainda não superou essa barreira. Podemos nos importar muito, de forma altruísta... para com quem conhecemos. Mas a empatia raramente vai além do que podemos ver. 
– Mas a mentira – Brand disse com a voz baixa e incrédula. – Essa mentira monstruosa...
– Imperdoável – Mann concordou. – E ele sabia disso. Seu pai foi preparado para destruir a própria humanidade para salvar nossa espécie. Ele fez o sacrifício final. 
– Não – disse Cooper sentindo a fúria crescer dentro dele. – Não! Isso está acontecendo por sua arrogância, porque ele declarou o caso como sem esperança.

Mann devolveu o olhar, e sob outras circunstâncias, a sua expressão poderia ser séria. Agora era só condescendente.

– Sinto muito, Cooper, o caso é sem esperança. Nós somos o futuro da raça humana.






Em seguida, Cooper se deu conta de que pensando melhor, estivera tão ansioso para ir para o espaço, que tinha sido preparado para acreditar em qualquer maldita coisa que o professor lhe dissera.

“Eu estou pedindo para você confiar em mim. Quando você voltar, eu vou ter resolvido o problema da gravidade. Você tem a minha palavra.”

Brand colocou a mão em seu ombro, mas ele não se mexeu.

– Cooper – disse ela. – O que posso fazer?

Ele pensou um momento antes de responder: – Deixe-me voltar para casa.

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