domingo, 14 de junho de 2015

INTERSTELLAR - Greg Keyes (Parte 11)




– Já sinto saudades, Amélia – Professor Brand disse para a filha, via link de vídeo. – Cuide-se. Dê meus cumprimentos ao Dr. Mann. 
– Darei, papai.
– As coisas parecem boas para a sua trajetória – continuou o professor. – Estamos calculando dois anos até vocês alcançarem Saturno. 
– Isso é um monte de Dramin... – observou Romilly.

Ele não parecia estar se dando bem com a gravidade artificial, porém Cooper não tinha sentido até então, nem uma pontada de mal-estar.
Dois anos, pensou Cooper. Murph teria doze, e Tom dezessete anos quando chegassem lá. E, em seguida, outros dois anos de volta a Terra, então quatorze e dezenove. No mínimo. Isso é o que ele iria perder, se sua missão no buraco de minhoca levasse tempo zero.
O que não iria.

Ainda assim, talvez não levasse tanto tempo. Em teoria, a viagem através do buraco de minhoca levaria uma fração do tempo, relativamente falando. Talvez o planeta mais próximo fosse o habitável. Ele ainda poderia estar em casa quando Murph estivesse em sua adolescência.

– Fique de olho na minha família, senhor – disse Cooper ao professor. – Especialmente Murph. Ela é inteligente. 
– Estarei esperando-os quando vocês voltarem – o cientista prometeu. – Um pouco mais velho, um pouco mais sábio, mas feliz em revê-los. 

***



Cooper preparava os motores enquanto Doyle rodava uma última série de diagnósticos a partir da cabine da Endurance. Era um pouco mais espaçosa do que das Rangers. Brand e Romilly estavam atados aos assentos, e TARS e CASE seguros com suas garras metálicas.
Cooper olhou para a Terra mais uma vez, as últimas palavras do professor ainda frescas em sua mente.

– “Não vás tão docilmente nessa noite linda...*”
Ele verificou com Doyle, que acenou um sim. Então, sem nenhuma cerimônia, disparou os propulsores, e a Endurance iniciou a sua viagem para fora da órbita da Terra e para as estrelas.
– “Fúria, fúria contra a morte da luz”. Boa sorte Endurance. 

(*”Que a velhice arda e brade ao término do dia /Clama, clama.../ contra o apagar da luz que finda / Embora o sábio entenda que a treva é bem-vinda, quando a palavra já perdeu toda a magia / não vás tão docilmente nessa noite linda.“ - Dylan Thomas)

***





– Que solidão – desabafou Cooper olhando para a esfera da Terra que diminuía de tamanho. Tinham vestido os trajes azuis para dormir, e começado a ajustar os crio-leitos,  que se pareciam muito com caixões de luxo para o seu gosto. Brand veio ocupar o crio-leito ao lado do dele.
– Faremos companhia um ao outro – ela disse a ele. – O pobre Doutor Mann ficou sozinho. 
– Não, eu quis dizer eles – apontou para a Terra. – Olhe para esse planeta perfeito. Nós não vamos encontrar outro igual.
– Não – Brand concordou. – Não é como procurar um novo apartamento, a raça humana vai estar à deriva, desesperada, buscando uma rocha para se agarrar enquanto prendem a respiração. Temos que achar essa rocha. Nossas três chances estão no limite do que pode sustentar a vida humana. 

Ela ergueu a tablet e bateu o dedo numa imagem borrada de um planeta azul escuro. A cor o fazia quase que imediatamente promissor. Azul era a cor da Terra. Azul poderia significar água. Claro, Netuno também era azul, e tinha uma atmosfera de hidrogênio, hélio e traços de metano, completamente hostil à vida como sabia.

– O primeiro planeta, o de Laura Miller – disse Brand. – Ela iniciou nosso programa de biologia. 
A imagem mudou para uma imagem ainda menor, ligeiramente vermelha, que lembrava das primeiras fotografias de Marte.
– E Wolf Edmunds está aqui – disse ela. E o jeito que disse isso, a maneira como seu nome veio da sua boca, Cooper nunca tinha ouvido nada parecido em sua voz antes. Como se o ponto vermelho fosse o centro do universo. De repente, ficou curioso.
– Quem é Edmunds? 
– Wolf é um físico de partículas – respondeu, e desta vez ele sabia que havia algo pela maneira como ela sorriu...
Interessante...
– Nenhum deles tinha família? 
– Não, nenhum laço. Meu pai insistiu nisso. Eles sabiam das chances de voltarem a ver outro ser humano. Eu estou esperando surpreender pelo menos três deles.
– Conte-me sobre Dr. Mann.



Um novo mundo surgiu no tablet, desta vez branco e granulado.

– Ele é brilhante. O melhor de nós, e o queridinho do meu pai. Ele inspirou onze pessoas a segui-lo na viagem mais solitária da história humana. 
Um tipo diferente de paixão queimava em seus olhos, e ele viu algo do seu pai lá.
– Cientistas, exploradores. É o que eu amo. Lá fora, nos deparamos com grandes possibilidades. Morte... Mas não o mal.
– A natureza não pode ser má? – Indagou Cooper.
– Formidável, assustadora, mas não má. Um tigre é mau porque rasga uma gazela em pedaços?

Cooper refletiu sobre isso. Se você fosse a gazela, pensou, era um ponto discutível, o coração e a alma do tigre, se era mau, ou simplesmente mantinha-se vivo. Muitos seres humanos justificavam seus atos cruéis em nome da sobrevivência e da “ordem natural das coisas”.

– Só que trazemos isso conosco, então. – Ele não desejava entrar em uma discussão de verdade, mas teimosamente encontrou-se disposto, ao invés de deixar de lado.
Aparentemente, ela notou.
– Esta equipe representa os melhores aspectos da humanidade – Brand disse um pouco irritada.
Por que começar a viagem com um argumento filosófico inútil? Teriam que conviver por muito tempo. Na verdade percebeu que eles tinham, juntamente com Romilly e Doyle, algo semelhante a um casamento. E teriam que fazê-lo funcionar, sem chance de separação ou divórcio, se as coisas começassem a ficar feias. O atrito tinha de ser mantido no mínimo.
– Mesmo eu? – Perguntou Cooper, tentando suavizar as coisas.
Brand sorriu.
– Nós concordamos em noventa por cento. – Dito isso ela foi para seu crio-leito.

Cooper voltou seu olhar para o espaço infinito fora da nave.

– Não fique acordado até tarde demais– ela o instruiu. – Não podemos desperdiçar recursos.
– Ei– Cooper opôs simulando desgosto. – Eu estive esperando muito tempo para estar aqui em cima. 
– Você é literalmente de tirar o fôlego – disse ela e deitou-se. Uma tampa deslizou fechando o casulo, envolvendo-o. Um líquido começou a encher o interior de plástico, onde iria congelar em um escudo que ajudaria a protegê-la dos dois anos de radiação que penetraria através do casco enquanto dormia.

Bons sonhos, desejou em silêncio, e se perguntou se de fato, haveria sonho no sono criogênico.
Cooper foi se juntar a TARS.

– Mostre-me a trajetória de novo – disse ele ao robô. Um diagrama apareceu na tela.
– Oito meses até Marte, – TARS disse – assim como na última vez que conversamos sobre isso. Em seguida, voo orbital ao redor – e seremos arremessados até Saturno.



Cooper viu o leito as escuras de Brand, e em seguida começou a deixar o deque.

– TARS – interrompeu falando em sussurro. Ele tinha visto a trajetória programada tantas vezes que poderia desenhá-la com os olhos vendados. Não precisava de uma revisão antes de deitar. Mas havia algo sobre a... situação social a bordo, e um pouco de informação pertinente, que ele precisava descobrir. Puramente por razões sociológicas.
– TARS, a Doutora Brand...
– Por que você está sussurrando? Você não pode acordá-los. 

Ele estava sussurrando, não? Por quê? TARS estava certo.
Estaria envergonhado? Bobagem, decidiu. Estava sendo somente atencioso.

– A Dra. Brand e Edmunds... são íntimos? – Perguntou com cuidado.
– Eu não sei – respondeu TARS.
– Isso faz parte dos 90% ou dos 10%? – Cooper persistiu.
– Eu também tenho um ajuste de discrição – o robô lhe informou.
– Entendo. Só não sabe disfarçar, espertalhão. – Cooper respondeu indo relutante para a área comum.

Todos haviam gravado suas mensagens de despedida, mas ele ainda não sabia o que ia dizer. Teve que admitir que era porque não havia nenhuma coisa certa a dizer. No entanto, tinha que dizer alguma coisa. Depois de alguns momentos refletindo, bateu na chave ao controle.

– Oi, pessoal! Estou a ponto de tirar uma longa soneca, então resolvi enviar-lhes uma atualização. 
Olhou novamente para aquela joia diminuta, seu planeta.
– A Terra parece incrível daqui. Não se vê qualquer poeira. Espero que estejam indo muito bem. Esta gravação deve chegar a vocês. O Professor Brand disse que cuidaria disso.

Fez uma pausa, sentindo dificuldade para continuar a falar, e tentou pensas em algo que poderia aliviar a despedida de Murph, e fazer tudo parecer bem. Mas não conseguir chegar a coisa alguma.
– Acho que vou dizer boa noite – e terminou a gravação.


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