sábado, 20 de junho de 2015

INTERSTELLAR - Greg Keyes (Parte 20)



Cooper apoiou os pés no console do Ranger, e observou através do vidro CASE, conduzindo o módulo de pouso, seus foguetes de frenagem queimando delicadamente sobre o gelo. O módulo não era tão elegante como o Ranger, era quadrado, mais um cavalo de arado do que um cavalo de corrida, bonito, mas não elegante.
TARS estava fazendo reparos na Ranger.

– E sobre os purificadores auxiliares de oxigênio? – CASE perguntou via rádio.
– Pode tirar – disse Cooper. – Vou dormir a maior parte da jornada. – Sorriu ironicamente. – Eu vi tudo no caminho para cá.

Em sua mente ele já estava a caminho de casa, mas, na verdade, não havia muito a fazer antes que ele pudesse partir. Qualquer coisa que ele pudesse abrir mão, como os depuradores, seria deixado para trás, para Brand, Romilly e Mann utilizarem com a ‘futura humanidade’.

Da mesma forma, um monte de coisas da Endurance precisava ser trazida para baixo, como a bomba populacional com sua carga de nasciturnos, e também qualquer outra coisa que possivelmente precisariam. A Endurance tinha feito sua última viagem, e enquanto tivesse combustível a tripulação iria continuar a canibalizar a nave-anel, até que eles se tornassem capazes de achar, extrair e processar os recursos naturais de sua nova casa.

Era justo que ele os ajudasse a iniciar o processo. Depois de todo o tempo perdido, mais um dia ou dois não faria muita diferença.
Ele olhou para cima e viu Romilly vindo da câmara, sem capacete. Sentiu um pouco do choque, ao ver como envelhecera. Serviu como um lembrete do que enfrentaria, se conseguisse voltar a Terra.

– Eu tenho uma sugestão para a sua viagem de volta – disse Romilly.
– Qual?
– Dê uma última chance ao buraco negro. 
Atrás de Romilly, TARS entrara na nave.
– Gargântua é um antigo buraco negro rotativo – Romilly continuou. – O que chamamos de gentil singularidade. 
– Gentil? – Cooper lembrou-se da força puxando-os para o mundo de Miller, as ondas gigantes de quase duas milhas de altura, o fio da navalha do horizonte de Gargantua.
– A força da gravidade é tão grande que se algo cruzar o horizonte velozmente, pode sobreviver. Como uma sonda, por exemplo. 
– E depois de cruzar? – Perguntou Cooper.
– Além do horizonte de eventos é um completo mistério – explicou Romilly. – Mas, e se houver uma forma de uma sonda examinar a singularidade e levantar dados quânticos? Se ele for capaz de transmitir qualquer energia vibrante... ele está equipado para transmitir todas as formas de energia, raios X, luz visível, rádio...
– Quando é que a sonda se tornou 'ele’? – Perguntou Cooper.

Romilly de repente parecia estranho.

– TARS é o candidato óbvio. Eu já disse a ele o que procurar. 
– Preciso do transmissor ótico do KIPP. – TARS disse.
Se ainda havia alguma chance para o plano A, porque não? Mas a que custo? Claro, TARS era um robô, mas era um membro da equipe também, de certa forma.
– Você faria isso por nós? – Cooper perguntou a máquina.
– Antes de começar a chorar, – TARS disse – lembre-se que sou programado para fazer o que me mandam. 
– Sua luz pifou – Cooper disse quando nenhuma luz se acendeu.
– Eu não estou brincando – TARS respondeu.

Então a luz acendeu.

***

Brand, Cooper e Mann se encontraram ao pé da escada.

– O Ranger está quase pronto – Cooper disse. – CASE está vindo com outra carga. 
– Vou começar um inventário final – Brand afirmou distraída com os preparativos.
– Dr. Mann – Romilly chamou – preciso de TARS para remover e adaptar alguns componentes de KIPP.

Mann levantou a cabeça e olhou para o robô por um momento.

– Ele não deve acessar o arquivamento do KIPP. 
– Eu o supervisionarei – Romilly assegurou.



Mann ainda parecia relutante, mas depois concordou. Cooper, impaciente, tinha suas próprias preocupações. Não poderia ir embora até que um par de coisas tivesse sido feita. Em primeiro lugar e acima de tudo, eles precisavam estabelecer a localização da colónia, onde Brand, Mann e o resto poderiam ser encontrados. Levaria essas informações de volta para a Terra, no caso de conseguirem enviar outra expedição. E seria também tranquilizador ver o lugar, saber concretamente que seus amigos, e que a raça humana, tinha um novo lar.

– Precisamos escolher um local – Cooper disse para Mann. – Você não gostaria de ter que mover o módulo habitacional, uma vez que pousasse. 
– Vou mostrar os locais que sondei. 
– Será que as condições vão melhorar? – Perguntou Cooper, de olho no céu.
– Essas rajadas fortes geralmente não duram muito – ponderou Mann. – Você tem um transmissor de longo alcance? 

Cooper indicou a caixa ligada ao traje espacial.

– Podemos ir. 

Mann apontou para o bico do jato em sua articulação do cotovelo.

– Os propulsores estão carregados? – Perguntou.
Cooper verificou duas vezes e mostrou um polegar para cima.

Sem mais hesitação, partiram. Depois de alguns momentos, o módulo passou por sobre eles, com CASE nos controles. Cooper estendeu a mão e ligou o transmissor de longo alcance.

– Um pouco de cautela, CASE. 
– Segurança em primeiro lugar, Cooper – CASE rebateu.

Cooper tinha mudado de ideia sobre o mundo de Mann quando passou a conhecê-lo melhor. Não era nada como qualquer lugar da Terra. Agora, onde andavam, as nuvens não eram mais brancas, mas sim uma cor de carvão, como se fossem nuvens de chuva congeladas. É claro que ele sabia que a cor vinha de minerais presos no gelo, e provavelmente havia lugares na Terra com neve suja, semelhante aquela. Mas em nenhum lugar em seu planeta natal qualquer geleira ascendia aos céus, com a escuridão azul abaixo, em formações enroladas como gigantescos vermes gelados.

Depois de um tempo caminhando chegaram a um limite, uma queda de cerca de 50 metros.

– Siga-me com cuidado – disse Mann, saltando da beira do penhasco. Os jatos de seus cotovelos queimaram, retardando a queda com um baque de luz.

Um pouco menos seguro de si, Cooper seguiu-o.

A leve gravidade fazia tudo parecer um pouco de sonho, mesmo a aceleração não parecia muito correta, nem o impulso de seus propulsores quando os disparou. A evolução tinha construído seu cérebro para 9 metros por segundo, e não era como a física funcionava ali.

Desceram em um cânion enorme de gelo.
Lindo, como Mann tinha dito, mas também assustador. O fez se sentir insignificante. Olhando para as paredes esculpidas pelo vento, ele se perguntou quantos anos tinha o gelo.
Como seria a superfície invisível abaixo deles?
Mann disse que havia ar e organismos, mas com estas nuvens congelados deveria ser escuro. E frio, provavelmente, muito mais frio do que acima. Imaginou as crianças do Plano B, nascidas na escuridão do mundo gelado. Romilly e Brand contariam sobre lugares aquecidos, ensolarados, mas em poucas gerações essas histórias estariam esquecidas, e noite e inverno seria tudo que conheceriam.

Era isso que “eles” tinham planejado? Seus benfeitores misteriosos que rabiscavam coordenadas com gravidade? De alguma forma, não parecia ser o bastante. Talvez estivessem errados. Talvez não fosse escuro lá em baixo, talvez o gelo estilhaçasse a luz em arco-íris perpétuos, e as forças geotérmicas criassem pontos de calor tão confortáveis quanto qualquer paraíso tropical.

Mann parecia bastante confiante do local escolhido.
De qualquer forma, não estava mais em suas mãos. Estava fora do Plano B.
Então ele percebeu Mann falando com ele.

– Brand me contou por que você precisa voltar.



Cooper estava com medo dessa conversa.
– Se esta pequena excursão é uma tentativa de me fazer mudar de ideia, podemos dar a volta agora mesmo. 
– Não. Eu entendo a sua posição. – Virou-se e continuou a andar.
Ainda um pouco desconfiado, Cooper seguiu-o.
– Você tem parentes – Mann continuou. – Eu não, mas, mesmo sem família, eu posso jurar a você de que o desejo de estar com outras pessoas é poderoso. Nossos instintos, nossas emoções, são as bases do que nos torna humanos. E isso não pode ser menosprezado. 

Um vento soprava para baixo do cânion, com rajadas de cristais de gelo.




***

Depois de apresentar Getty a Lois e Coop, Murph subiu para seu antigo quarto. Parte dela estava quase com medo do que poderia encontrar lá, as lembranças que iria ter. Ela sabia que era o lugar onde tudo começara, e que este lugar poderia ter algo a dizer a ela. Esperando para lhe falar.
Depois de uma pequena pausa, abriu a porta.

– Mamãe me deixa brincar aqui. 

Ela percebeu com sobressalto que Coop a tinha seguido. Ele apontou para uma caixa na prateleira.
– Não mexi nas suas coisas – disse com zelo demais para estar dizendo a verdade.
Não importava, claro. Ela não tem qualquer utilidade para o que estava lá. Se tivesse, ela teria levado consigo há muito tempo.


 
***

Ao assistir o módulo descendo na sua direção, Amélia sentiu uma sensação de realização, uma porta se fechando para sempre, ou, como era a velha expressão? Como se queimando a ponte atrás dela. Era realmente isso. Iria passar o resto de sua vida aqui, cuidando do plano B, criando filhos que nunca conheceriam qualquer outra mãe além dela, nem outros pais que Mann ou Romilly. Cooper estava indo embora – e com ele toda a esperança para ver Wolf novamente.
Por que não me contou, pai? Perguntou ela ao fantasma de seu pai. Por que não confiou em mim?

Mas o que ela teria feito com isso? Teria avisado Cooper? Sem ele, nunca teriam chegado tão longe. Teria sido capaz de mentir para ele, em nome de um bem maior?
Pode Ser. Provavelmente. Mas o pai dela a tinha enganado, ou a poupado de conhecer seu pecado.
Afastou-se do spray de gelo quando o veículo tocou o chão. Não importava. Havia muito a ser feito, e pouco tempo para fazê-lo. Mas, depois disso, bem, haveria tempo suficiente. E, pelo menos ela não estaria sozinha.

Não tinha certeza se teria forças para fazê-lo sozinha.

***

Romilly observou TARS conectar o inerte KIPP na sua própria fonte de força, pensando quando o robô iria atravessar a singularidade de Gargantua. Percebeu que estava com ciúmes de Cooper, não porque ele estava indo para casa, mas porque ele estaria lá quando os dados quânticos começassem a jorrar, ele os veria primeiro que todos. Se nada acontecesse de errado.

As chances eram baixas, mas até mesmo a menor possibilidade valia a pena. A chance de reviver o plano A, com certeza, mas também apenas para saber, ver, o que poderia conciliar relatividade e mecânica quântica, o muito grande com o muito pequeno... seria fantástico!

Valeria tudo, pelo menos para ele, após longos anos encarando Gargantua sozinho, sabendo que o segredo estava lá. Sabendo que nunca poderia vê-lo.

KIPP agitou-se e Romilly tentou voltar sua atenção para a tarefa à sua frente.

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