domingo, 14 de junho de 2015

INTERSTELLAR - Greg Keyes (Parte 12)



Donald sentou-se na varanda com vista para os campos de milho. A poeira e calor faziam o horizonte tremular, o que não era incomum, mas outra coisa estava se aproximando. Com o tempo, viu que era um par de veículos. Um deles, a caminhonete de Cooper.
A porta de casa se abriu e Murph saiu correndo de dentro. É claro que ela os tinha visto chegando. Do jeito que ela vivia empoleirada na janela...

– Será que é ele? – perguntou em voz baixa.
– Não acho que seja, Murph – respondeu o velho. Ele poderia ter respondido de outra forma, mas escolheu não o fazer. Coop a havia deixado em lágrimas. Essa tinha sido a parte mais difícil para ele, deixado sua filha enquanto ela estava sofrendo. No entanto Donald sabia que, quando seu genro não voltou nos primeiros cinco minutos, não iria mais voltar.



O fato dela ainda esperá-lo demonstrava que ela não entendia seu pai, tão bem quanto Donald.
Ele levantou-se para ir ao veículo assim que parou em frente de casa. Um homem com cerca de dez anos mais que Donald saiu dele. Donald imaginou ser provavelmente o Professor Brand, o colega que Coop tinha mencionado.

– Você deve ser Donald – disse o homem. Então olhou para a menina. – Olá, Murph. 
– Por que você está com o carro do meu pai?  – Ela perguntou.
– Ele pediu que eu o trouxesse para o seu irmão – explicou o homem.
Murph não respondeu, e depois de um silêncio constrangedor, o professor pegou uma maleta.
– Ele te mandou uma mensagem...   
Mas Murph não estava ligando pra nada disso, Donald sabia. Ela girou nos calcanhares e correu de volta para casa.

O homem hesitou por um momento, depois tirou um disco pequeno e estendeu-o em direção a Donald, que o tomou.

– Está um pouco chateada com ele – explicou Donald. Foi um eufemismo, mas não havia motivo em ser solicito, não com essas pessoas, com esse homem.
– Se vocês gravarem mensagens – disse Brand – eu as transmitirei a Cooper. 
Donald balançou a cabeça, olhando para a casa, pensando que Murph nunca faria isso. Apostaria a fazenda que não.
– Murph é uma centelha brilhante – disse o homem, seguindo o seu olhar. – Talvez eu pudesse reavivar a chama. 

Donald olhou para ele, analisando sua expressão, e viu que ele estava falando sério, tinha algo em mente. Então pensou em Murph, ainda na escola, tornando-se mais irritada e mais beligerante, até um dia ser expulsa. E depois?

– Ela já está aprontando com seus professores – disse Donald. – Ela vai aprontar com vocês. 
O homem sorriu. Donald gostava disso. Olhou para o céu.
– Onde eles estão? 
– Indo em direção a Marte. A próxima vez que ouvir Cooper, estarão chegando em Saturno. 

Donald assentiu. Deus te proteja Coop, pensou. Espero que você encontre o que você está procurando. Espero que valha a pena. Que valha a pena o que você deixou para trás.
Murph veria Cooper novamente. Donald tinha certeza de que nunca mais o veria. Suspirou. Ele já tinha cumprido suas obrigações de pai, não tinha? Estava cansado.
Conte suas bênçãos, velho, pensou consigo mesmo. Alguns homens nunca viveram para ver seus netos. Agora havia tão pouco nesta vida que ainda tinha algum valor para ele. Apenas Murph e Tom, na verdade. Do que ele tinha que reclamar?

Iria descansar quando estivesse morto.



Marte tinha sido um objeto de fascinação desde os primeiros dias da astronomia moderna, em parte porque se parecia bastante com a Terra.
Civilizações inteiras tinham reinado no planeta vermelho,  na imaginação de Lowell, Wells, Weinbaum, Burroughs, e tantos outros autores famosos. Todas essas civilizações desapareceram quando o primeiro robô-explorador relatou a dura realidade no planeta.

Marte nunca tinha sido um lugar habitável para seres humanos, ou nada como eles, por um longo tempo. E se agora havia vida por lá, ela se escondera muito, mas muito bem.
E foi por isso que eles o haviam deixado para trás. Marte não seria a nova casa da humanidade, não mais do que a Lua seria.



Já Saturno tinha capturado a atenção e o espanto do mundo durante séculos, mas enquanto Marte tinha feito tal coisa por ser parecido com a Terra, Saturno chamava a atenção por ser tão estranho. Em filmes, na ficção, se você queria deixar claro que um planeta era realmente estranho, você colocava anéis em torno dele. E era enorme, com uma atmosfera principalmente de hidrogênio e hélio e nuvens de cristais de amônia. Não era uma casa para a humanidade, mas tinha beleza em abundância, com seu anéis de gelo brilhando na luz fria de um sol longinguo.

Cooper verificou os instrumentos.

Entrando em sua órbita, a Endurance se tornou a mais nova de mais de cento e cinquenta luas que circundavam o gigante de gás, sem contar trilhões de pedras de gelo que compunham os anéis.
Verificou os controles novamente e, em seguida, foi para a ala comum.
Dois anos. Ele queria ver seus filhos.

***

... Mas eles disseram que eu posso começar em agricultura avançada um ano mais cedo – dizia Tom, quando Cooper sentou-se na cabine, com um cobertor enrolado ao redor de seus ombros. Foi estranho observar as mudanças em Tom. Várias gravações haviam sido enviadas, a primeira logo após Cooper entrar em crio-sono, e a mais recente poucos dias atrás.

Estavam tão longe da Terra agora que demorava cerca de oitenta e quatro minutos para a luz, ou uma onda de rádio, fazer a viagem, tornando as conversas impossíveis, já que isso significaria quase três horas entre ‘– Oi, como você está?’, e ‘Eu estou bem, e você?’.
No espaço, distância é tempo, e tempo é distância.


Tom falava principalmente sobre a fazenda. Teve um pouco de dificuldade com que Boots o levasse a sério, mas Donald tinha ajudado a acertar as coisas. Ele conheceu uma garota, mas que namorou apenas alguns meses. Não ficou surpreso, lembrava-se da menina, filha única, uma princesa mimada. Não que as pessoas não pudessem mudar mas, por vezes, havia um monte de inércia a superar.
Tom tinha conseguido reutilizar o drone, o que era bom, porque logo depois de Cooper partir, a fazenda perdeu um terço de seus painéis solares por conta de uma nevasca negra que durou quase trinta horas seguidas. A boa notícia, de acordo com seu filho, era que o governo considerou a tempestade um acontecimento de mudança das condições do tempo, e de agora em diante, segundo eles, o clima ficaria melhor.

Ele não tinha certeza se acreditava, mas esperança era esperança.
Na última mensagem dele, havia muito menos do menino e muito mais do homem. Donald tinha razão sobre ele. Estava indo bem. Mais do que bem, estava assumindo a responsabilidade, cultivando sua fazenda.

– Tenho que ir, pai – seu filho finalizou. – Espero que você esteja bem aí em cima. – Se arrastou para o lado e Donald apareceu, um pouco mais cinza, um pouco mais cansado.
Cooper sentiu uma pontada de culpa por ter deixado tanto em suas costas.
– Eu sinto muito, Coop– disse ele, como em todas as mensagens. – Pedi a Murph para dizer oi, mas ela é teimosa como seu pai. Vou tentar novamente na próxima vez. Cuide-se.
E fim.

Se perguntou como Murph se pareceria agora, com doze anos ao invés de dez. Será que veria mais de sua mãe, ou mais de si mesmo? Ou será que ela parecia mais com uma parte que era apenas Murph?
Ele não iria descobrir, não desta vez. Talvez nunca. Se ela não o perdoara em dois anos...
Suspirando, tirou os fones de ouvido e saiu da cabine.

***

Romilly estava no módulo habitacional, parecendo particularmente pensativo e infeliz. Cooper esperava que suas náuseas não houvessem retornado. Quando acontecia, ele ficava péssimo.

– Você está bem, Rom? – Perguntou.
– Isso está acabando comigo, Coop– Romilly admitiu. – Esta lata. Radiação, vácuo lá fora, tudo quer nos matar. Nós não devíamos estar aqui. – Balançou a cabeça.


Cooper pensou nas palavras do astrofísico, o mais novo da tripulação, e, certamente, o mais tenso. Provavelmente teria sido melhor ficar atrás de um telescópio, mas não restaram muitos astrônomos, matemáticos, cientistas de qualquer tipo, no mundo. A NASA buscava talentos entre os que pudesse encontrar, entre os qualificados, mas Cooper sabia quão pouco este um grupo representava. E dado ao que estavam ensinando as crianças, que o programa espacial norte-americano tinha sido propaganda da Guerra Fria, duvidava que a quantidade de cérebros estaria ficando maior.

Eles tinham a sorte de ter Romilly. Desde que ele não surtasse. Esta sempre fora uma das maiores preocupações em relação à exploração do espaço a longo prazo. Tinham que compensar os efeitos negativos da ausência de peso prolongada, pelo menos a um nível aceitável, mas a potencial deterioração mental, nunca poderia ser eliminada como um fator.

– Somos exploradores, Rom – disse tentando acalmá-lo. – No maior oceano de todos. 
Romilly apenas bateu com o punho contra o casco do navio. O som que fez foi estranho.
– Só uns milímetros de alumínio. E mais nada lá fora. Milhões de quilômetros que nos matariam em segundos. 
Ele não estava errado, Cooper sabia. Mas não era esse o ponto.
– Muitos dos melhores velejadores solitários não sabiam nadar. Se caíssem ao mar, era o fim, não tinha volta. E isso não é diferente.

Romilly parecia digerir, sem achar um gosto bom naquilo. Depois de um momento, Cooper passou-lhe seus fones de ouvido, reproduzindo os sons de uma tempestade, o barulho da chuva, o som do relâmpago rachando o céu, o cric-cric e o coaxar das rãs.
– Aqui – disse esperando que poderia ajudar a relaxá-lo, do jeito que fazia com ele.
Era muito cedo para qualquer um deles começasse a se perder.

***




A magnificência de Saturno preenchia a maior parte do campo de visão de Cooper, mas não prendeu sua atenção. Em vez disso, estava olhando por cima do ombro de Doyle, que analisava uma série de imagens. Eram campos de estrelas que parecia como se tivessem sido fotografados por uma lente do tipo olho de peixe.

– São das sondas de vigilância? – Perguntou Cooper.
– Estão em órbita ao redor do buraco de minhoca – Doyle confirmou. – Imagens do outro lado da galáxia.
– Como um periscópio – disse Cooper.
– Exatamente – respondeu Doyle.
– Então, temos uma boa ideia do que vamos encontrar no outro lado? – Perguntou Cooper.
– Levemente – disse Doyle quando Brand chegou.
– Estaremos no buraco de minhoca em menos de quarenta e cinco minutos – disse ela. – Vistam-se. 

***



Cooper amarrado na cabine de comando de uma Ranger, admirava o espaço além de Saturno, quando Romilly entrou com um semblante excitado. Cooper acionou o rádio.

– Segurem-se – disse. – Estou desligando a rotação.
Começou então a disparar rajadas controladas dos foguetes, empurrando-os contra o sentido de rotação. Lenta, mas inexoravelmente, o movimento diminuiu, até que a Endurance ficou imóvel, pelo menos em relação ao seu próprio eixo. E com ela paralisada, a peculiar sensação de cócegas da queda livre retornou. À frente deles, Cooper distinguiu um padrão distorcido de estrelas, e sentiu um arrepio de medo misturado ao frio na espinha. Foi por isso que eles vieram até ali, essa coisa improvável.
– Lá! – Disse Romilly energeticamente. – É o buraco de minhoca!
– Diga, não grite Nikolai– Cooper respondeu, tentando manter as coisas equilibradas. Mas o entusiasmo de Romilly não se intimidou.
– Cooper, é um portal atravessando o espaço-tempo – disse. – Estamos vendo o centro de uma galáxia tão distante que nem sequer sabemos onde ela está no universo.
Cooper olhou para a coisa, as palavras do astrofísico fazendo uma volta lenta em sua mente.
– É uma esfera – notou.
– Claro que é – disse Romilly. – Você pensou que seria um buraco? 
Cooper de repente, sentiu que estava sendo chamado para mostrar a sua lição de casa no quadro negro quando ele não a tinha feito.
– Não. Bem, é que em todas as ilustrações...
Romilly pegou um pedaço de papel e desenhou dois pontos sobre ele, um longe do outro. Parecia muito satisfeito por ter a oportunidade de explicar.


– Nas ilustrações, estão tentando mostrar como funciona. Então eles dizem ‘você quer ir daqui para lá, mas é muito longe’. Um buraco de minhoca curva o espaço assim... – dobrou o papel para que os pontos ficassem sobrepostos, em seguida enfiou a caneta através de ambos. –... então você pode pegar um atalho através de outra dimensão. Para demostrar eles transformam um espaço tridimensional em bidimensional. Que transforma o buraco de minhoca em... um círculo.

Olhou para Cooper, esperando.

– E o que é um círculo em três dimensões? – Perguntou Romilly.
– Uma esfera. 
– Exatamente – Romilly apontou para o destino deles. – É um buraco esférico. 
Cooper continuou ruminado o “buraco esférico” um pouco mais.
– E quem colocou lá? – Romilly continuou, sem dar-lhe um descanso. – Quem é que vamos agradecer? 
– Eu não irei agradecer ninguém, até conseguir passar inteiro por ele.

***

– Existe algum truque nisso? – Cooper perguntou a Doyle, que havia substituído Romilly na cabine. À frente, as estrelas trêmulas da outra galáxia, balançando em oposição a eles, era como olhar para um espelho gigante - desorientador.
Ele disparou os propulsores em direção àquela coisa.
– Ninguém sabe – respondeu Doyle.



Isso não soou muito reconfortante.

– Mas os outros fizeram isso, certo?
– Pelo menos alguns deles – Doyle respondeu.
Certo. Alguns deles. Ele não tinha pensado em perguntar quantos pilotos da missão Lázaro não enviaram de volta os sinais, após ter acabado de passar pelo buraco de minhoca. E se tivesse sido mencionado em uma das reuniões, ele teria percebido.
Ou bloqueado.

– Obrigado pela força – disse Cooper e respirou fundo. – Todo mundo pronto para dizer adeus ao sistema solar? – Perguntou. – Para nossa galáxia? 


Todos pareciam entender que era uma pergunta retórica, porque ninguém respondeu.
Assim, sem mais comentários, Cooper empurrou o manche para frente, em direção da anomalia e deixou que a gravidade atraísse-os para o centro do buraco de minhoca.
Cooper percebeu que estava segurando a respiração, esperando por algum tipo de impacto, mas é claro que não havia nada lá para se bater. Em vez disso simplesmente cruzaram por ele, e de repente a Endurance era parte da distorção, seu reflexo deformado vindo na direção deles, passando por eles.

O universo virado do avesso.

Imagens distorcidas do espaço-tempo corriam em todas as direções, o papel de Romilly não dobra em três dimensões, mas em cinco, e estava a acontecer em uma velocidade cada vez maior,  acelerando a um ritmo vertiginoso.
Até aquele momento a Endurance parecia estar resistindo às forças elementares que estavam além do casco.

Cooper esperava que fosse ficar desse jeito. Tentou entender o que seus olhos estavam relatando. Seu cérebro lhe disse que estavam correndo ao longo de um tipo de parede, uma parede de estrelas e galáxias e nebulosas que passavam a velocidades enormes. Mas, se ele desviasse o olhar, parecia mais como um túnel, embora um que ondulava na distância. Pensou poder ver um fim nele, e ainda que o fim não parecesse estar ficando mais próximo, como se disparasse em sua direção.
Foi a coisa mais incrível que Cooper já tinha experimentado, e, como nada que já tivesse ou pudesse ter imaginado. Ele não tinha certeza de que seria capaz de descrevê-lo mais tarde. Mas, por enquanto... olhou para seus instrumentos e eles estavam inertes. Nada diziam.

– Eles não vão ajudá-lo aqui – falou Doyle excitado. – Nós estamos cortando a massa, o espaço além de nossas três dimensões. – Checou seus próprios instrumentos. – Tudo o que podemos fazer é registrar e observar.

***

No módulo anelar, Brand se deparou com uma ondulação súbita no próprio ar, que rapidamente multiplicou em uma distorção ondulante dentro da nave, vindo em sua direção, movendo-se.

– O que é isso? – Romilly engasgou.
Foi um alívio para ela saber que ele também vira aquilo.
Ela assistiu a distorção aproximar-se, fascinada. Nem sequer ocorreu a ela fugir.
– Eu acho... ela murmurou, – Eu acho que é “deles”. 
– Distorcendo o espaço-tempo? – Disse Romilly.
Brand estendeu a mão para ele.
– Não! – Advertiu Romilly, e quando ela a tocou, sua mão começou a ondular; como o ar, como o buraco de minhoca. Mas ela não sentiu nada, nenhuma dor.

 
Nada além de prazer.

***



Na Ranger Cooper viu que finalmente alcançavam a luz no final do túnel. No entanto, não era uma luz, mas muitas luzes: estrelas, aglomerados e nebulosas, galáxias e pulsares tudo ficando mais perto e muito maior rapidamente, muito rapidamente, incrivelmente rápido...E então estavam fora, a ilusão de três dimensões de volta, o restante dobrando-se para as portas secretas e mágicas do universo. Era como assistir a uma pessoa real de repente se tornar um instantâneo plano no papel. A imagem era reconhecível, mas a profundidade e altura e o movimento que o tempo fez parecer possível, desapareceram.

Só que ele não tinha ainda palavras para explicar o que estava faltando agora, ou até mesmo conceitos, que as palavras pudessem traduzir.
No console, os instrumentos de repente voltaram à vida, agora que havia algo para eles captarem, medirem, e poder reagir adequadamente.
Na cabine Cooper olhou ao seu redor, boquiaberto.

– Nós estamos “aqui” – sussurrou Doyle.

***

Os dedos de Brand estavam de volta ao normal. A distorção fora embora, mas ela ficou olhando para eles.

– O que foi isso? – Romilly perguntou.

Ela tocou sua própria mão, lembrando a presença, a consciência que tinha sentido, fora de fase, em dimensões diferentes, mas que partilharam o mesmo espaço.

– O primeiro aperto de mão – respondeu.

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