sábado, 13 de junho de 2015
INTERSTELLAR - Greg Keyes (Parte 8)
De volta à sala de conferências, uma imagem do sistema solar apareceu na tela, e o sujeito que tinha sido apresentado a ele como Romilly estava ao lado da imagem. Um jovem cabeludo de barba cortada rente, roupas escuras. Não poderia ter mais de trinta e cinco anos. Parecia tímido, e falou quase distraído: – Nós começamos a detectar anomalias gravitacionais quase 50 anos atrás.
Principalmente pequenas distorções na atmosfera superior, eu acredito que você encontrou uma.
A princípio Cooper assumiu que Romilly falava sobre o padrão no quarto de Murph, mas em seguida, quando disse ‘atmosfera superior‘, seus olhos se arregalaram.
Os instrumentos enlouquecendo, os controles arrancados de suas mãos...
– Sobrevoando o Estreito – revelou Cooper. – Meu acidente, algo bloqueou a aparelhagem.
– Exatamente – disse Romilly. – Mas a anomalia mais importante é esta...
Saturno de repente tomou a frente e o centro, com suas faixas de nuvens ocre, além dos anéis e suas luas misteriosas. Mas quando Romilly ampliou a imagem, já não se tratava do planeta ou qualquer um dos seus satélites, mas de um pequeno grupo de estrelas. Conforme a ampliação aumentava, Cooper podia ver que elas estavam ondulando, como se fosse visto através da superfície de uma piscina.
– A perturbação no espaço-tempo além de Saturno – disse Romilly.
Cooper estudou as constelações desfiguradas.
– Um buraco de minhoca? – Perguntou Cooper em dúvida.
Simplesmente não parecia possível.
– Apareceu 48 anos atrás – confirmou Romilly.
Um buraco de minhoca, seu cérebro repetia. Um buraco de minhoca!
Havia dois problemas essenciais em viagens estelares.
O primeiro era que o espaço era grande, realmente grande. As coisas estavam muito distantes umas das outras. A estrela mais próxima da Terra, além do sol, estava tão longe que a luz levava mais de quatro anos para fazer a viagem. Uma nave viajando a metade da velocidade da luz precisaria de mais de 16 anos para ir e voltar da nossa estrela vizinha mais próxima, Proxima Centauri. Mas isso era irrelevante, porque nenhuma nave conhecida alcançava a menor fração significativa da velocidade da luz. Assim, uma viagem até Proxima, levaria dezenas de milhares de anos para qualquer veículo já construído pelo homem. Outras estrelas, mais propensas a ter planetas com vida, estavam muito, muito mais distantes.
Mas um buraco de minhoca... Significaria uma passagem para as estrelas, ou mais apropriadamente, o que o Canal do Panamá representava, um atalho. Você não tem de navegar toda a costa sul-americana passando pelo Cabo Horn para ir de Hong Kong a Nova York.
Exceto que um buraco de minhoca era ainda melhor do que isso. Era um túnel que encurtava as distâncias que separam um lugar de outro. E você faz isso em uma fração do tempo de viagem.
A relatividade previa isso, mas ninguém nunca tinha visto um. Permaneciam no reino da teoria. Ou assim ele pensava. No entanto, ele estava olhando para um.
– Para onde isso vai nos levar? – Perguntou Cooper.
– Outra galáxia – respondeu seco Romilly.
Outra galáxia? Cooper tentou entender aquelas palavras em sua mente. Essas estrelas distorcidas não pertenciam ao céu visto da Terra, ou o céu visto de qualquer planeta na Via Láctea. Isso, pelo menos, era o que Romilly afirmava. Por um lado, a própria ideia parecia absurda. No entanto, essas pessoas pareciam muito sérias a este respeito.
E havia algo mais. Algo que ele se lembrou de seus estudos.
– Um buraco de minhoca não é um fenômeno que ocorre naturalmente – disse Cooper.
Foi a Dra. Brand que respondeu: – Alguém colocou-o lá – disse tentando conter um sorriso, seus olhos escuros desafiando-o a acreditar nela.
– “Eles”.
Ela assentiu com a cabeça. – E quem quer que sejam “eles”, parecem estar olhando para nós – disse. – Estes buracos de minhoca nos permitirá viajar para outras estrelas. E veio precisamente quando precisávamos de um.
– “Eles” colocaram mundos potencialmente habitáveis dentro do nosso alcance – Doyle comentou, com uma excitação tangível em sua voz. – Doze deles, a julgar por nossas sondagens iniciais.
– Você enviou sondas através do buraco de minhoca? – Perguntou Cooper.
– Enviamos pessoas – respondeu o professor Brand. – Dez anos atrás.
– As missões Lázaro – Cooper adivinhou.
Brand levantou e apontou para as paredes da sala, onde doze retratos estavam pendurados. Cooper tinha os notado antes, mas não havia estudado-os em detalhes. Todos eles eram de astronautas, vestidos com roupas espaciais brancas, com a bandeira americana e o logotipo da NASA em seus ombros. Havia assumido que datavam de décadas atrás, mas agora ele percebeu que não reconhecia nenhum dos rostos. Eram astronautas que não podia nomear.
– Doze mundos habitáveis – disse o professor. – Doze Rangers transportando os mais bravos seres humanos que já viveram, liderada pelo notável Dr. Mann.
Doyle continuou. Em contraste com Romilly, ele tinha uma espécie de intensidade focada.
– Cada qual tinha na sua cápsula de desembarque, suporte de vida suficiente para dois anos – explicou – mas usando a hibernação para prolongá-los, poderiam fazer observações sobre elementos orgânicos por mais de uma década. Sua missão era avaliar o seu mundo, e, se ele se caracterizava como sendo uma promessa, enviar um sinal e ir para a cama para uma longa soneca, até ser resgatado.
Cooper tentou imaginar aquilo. Sozinho, inconcebivelmente longe de casa, arriscando tudo para encontrar um mundo habitável.
– E se o mundo dele não se mostrasse uma promessa? – Perguntou Cooper.
– Daí a bravura. – Doyle respondeu.
– Vocês não tinham recursos para visitar todos os doze.
– Não – Doyle confirmou. – A transmissão de dados de volta através do buraco de minhoca é rudimentar, simples pacotes binários, anualmente, para dar alguma pista dos mundos em potencial. – Fez uma pausa para em seguida acrescentar: – Um sistema se mostrou promissor.
– Um? Uma chance meio remota, não?
Doyle sacudiu a cabeça, e seus olhos azuis brilharam de confiança.
– Um sistema com três mundos possíveis – reparou Brand.
Cooper fez uma pausa para refletir. Três mundos, cada qual, ou todos eles, oferecendo potencialmente um novo lar. Esperança para seus filhos e netos. Mas se esta nave era a única remanescente para o espaço profundo...
– Então, ao encontrar um novo lar, o que acontece?
Professor Brand lançou-lhe um olhar de aprovação.
– Temos o plano A e o plano B. Você não notou nada estranho na câmara de lançamento?
***
A primeira vez que Cooper tinha ido a câmara de lançamento, tudo o que ele tinha sido capaz de ver fora o foguete de lançamento e as Rangers empoleiradas em cima dele. Claro, ele tinha notado que a câmara era um pouco maior do que precisava ser. Mas agora que a estudou, percebeu que era enorme. Tinha a forma e proporções de um silo de grãos tradicional, as Rangers e seus propulsores eram um pouco maiores do que os modelos comuns. A circunferência real do cilindro vertical parecia ter meio quilômetro. Inferno, poderia ter ainda muito mais.
Apesar de ser incomum, não era realmente o mais estranho, não muito. As paredes do cilindro não eram lisas, como um propulsor normal seria. Normalmente, a função principal de um silo era proteger o resto do complexo de lançamento - no pior cenário – de uma explosão. Assim, não deveria haver protuberâncias. Bem acima de onde ele estava, várias estruturas ímpares tinham sido construídas na superfície interior – na verdade, ainda estavam sendo construídas. Ele não podia imaginar o que eram, ou seu uso. Algumas quase pareciam edifícios, mas projetando-se em ângulos estranhos para o interior, o que iria torná-los inutilizáveis. De repente sua perspectiva mudou, e vertiginosamente. E se as estruturas, na verdade, fossem edifícios? Casas, escolas e outras instalações. O propósito se tornou claro. E, no entanto, foram construídos ao longo da curva, na horizontal do chão, inútil... Na Terra, pensou de novo. Seriam inúteis aqui na Terra. Com a gravidade planetária. Mas no espaço, com o grande cilindro ao longo do seu eixo, ‘para baixo’, seria algo relativo. Toda a superfície interna do cilindro se tornaria o mundo sobre a qual as pessoas andariam.
– Todo ele – começou ainda sem acreditar no que estava dizendo, – é um veículo? Uma estação espacial?
– Sim – disse o professor Brand. – Estamos trabalhando nele e em outros como ele, a vinte e cinco anos. O plano A.
Cooper olhou o mundo interior, que ainda tinha muito trabalho a ser feito. Já havia visto projetos como este, mas eram projetados para serem construídos no espaço, não na superfície de um planeta.
– Como isso vai sair da Terra? – Perguntou. Parecia que poderia se desfazer. Mesmo que houvesse foguetes lançadores poderosos o suficiente para empurrá-lo para a órbita, toda a estrutura iria quebrar-se sob a aceleração. Um objeto tão grande não conseguiria lidar com a força necessária para escapar da força de atração da Terra.
– As primeiras anomalias gravitacionais mudaram tudo – O professor explicou. – De repente entendemos como aproveitar a gravidade. Então eu comecei a trabalhar na teoria, e começamos a construção desta estação.
Cooper percebeu algo no tom do professor.
– Mas você ainda não a resolveu – adivinhou, e o homem mais velho assentiu tristemente.
– É por isso que há um plano B – interrompeu a Dra. Brand com seus olhos escuros estudando-o.
Ela fez um gesto e levou Cooper para um laboratório perto dali, cheio de dispositivos construídos para fins incompreensíveis. Chegaram a frente de uma abóbada de vidro e aço. Ela abrigava uma série de móveis e prateleiras com fechos brancos circulares. Dra. Brand agarrou uma alça e a virou. O selo se abriu e ela tirou de dentro uma unidade cilíndrica de aço, que abrigava uma infinidade de frascos de vidro. A condensação suspirou na cavidade agora vazia, como um sopro em um dia frio.
– O problema é a gravidade – ela explicou. – Como levar uma quantidade viável de vida humana para fora deste planeta. Esta é uma maneira. O Plano B, uma bomba populacional. Quase cinco mil óvulos fertilizados, conservados em containers pesando novecentos quilos.
Cinco mil crianças, pensou Cooper. Cinco mil neste pequeno cofre, à espera de serem trazidos para o mundo.
– Como você irá fazê-los crescer? – Perguntou Cooper.
– Com os equipamentos a bordo, incubaremos os dez primeiros– Brand respondeu, como se ela estivesse falando sobre plantio de milho. – Depois disso com barriga de aluguel, o crescimento torna-se exponencial. Dentro de 30 anos, podemos ter uma colônia de centenas de pessoas. A dificuldade real da colonização é a diversidade genética. – Apontou para os frascos de vidro lacrados. – Isso vai resolver.
Uma sensação de desconforto surgiu crescente no fundo da mente de Cooper. Diversidade genética com certeza, cinco mil óvulos fertilizados poderia representar toda a gama de variação humana. Eficiente, talvez, mas clínico, frio. E apresentava um problema enorme.
– Então, nós apenas desistimos das pessoas aqui na Terra? – Perguntou.
– É por isso que o plano A é muito mais divertido – respondeu Brand.
Cooper pensou na enorme estação. Quanto custou? Uma aposta gigantesca! Cada centavo gasto aqui fora um centavo que não fora gasto tentando vencer a praga, para alimentar o planeta. O professor tinha realmente certeza de que poderia realizar este milagre? Parecia ter ao menos convencido as pessoas certas de que poderia.
Talvez o professor estivesse certo, refletiu. Ele sabe muito mais do que eu sobre o cenário maior. Talvez quem estivesse estudando a praga tinha decidido de que ela não podia ser combatida, que, como o professor disse, era apenas uma questão de tempo. Talvez estivessem gastando recursos nesse projeto porque, não importava o quão absurda a coisa toda parecia, era a única esperança da humanidade.
Várias pessoas, pessoas realmente inteligentes, tiveram que comprar a ideia. É claro que, mesmo pessoas inteligentes podem estar erradas. Ainda assim, era melhor do que o que ele temia a princípio. Eles não haviam se voltado para as armas, e a guerra (obrigado Deus). Não havia um plano para tirar o pouco que sobrou de outros, não estavam tentando espremer as últimas gotas restantes da vida a partir da sujeira. Não, em vez de olhar para baixo, estavam olhando para cima.
Eles haviam se voltado para as estrelas.
***
Mais tarde, o professor mostrou-lhe as equações. Cooper tinha se envolvido com matemática no passado, mas tinha sido mais aplicada do que teórica, então tudo o que viu ia muito além do que sabia. Equações cobriam mais de uma dezena de quadros no escritório do professor, com diagramas que poderiam significar qualquer coisa.
– Até onde você chegou? – Perguntou Cooper.
– Quase lá – o Professor assegurou.
– Quase? Você está me pedindo para arriscar tudo por “quase”?–
– Estou pedindo para você confiar em mim – disse. Seus olhos estavam queimando com o que parecia uma paixão sem limites, e Cooper percebeu que o velho tinha dado tudo de si. Acreditava realmente que poderia ser feito. Cooper tinha visto vislumbres desse fervor antes, no passado, mas nunca tinha entendido o que estava por trás.
Agora ele sabia. A sobrevivência da raça humana.
– Todos esses anos. Você nunca me disse.
– Nós não podemos estar sempre abertos sobre tudo, Coop, mesmo quando queremos. – Fez uma pausa, e, em seguida, disse: – O que você vai dizer a seus filhos sobre esta missão?
Esse foi um ponto sensível, que ele já estava pensando. O que ele iria dizer a Tom e Murph? Que o mundo estava acabando? Que ele estava indo para o espaço para tentar salvá-los?
– Encontre-nos uma nova casa – falou o professor. – Quando você voltar, eu vou ter resolvido o problema da gravidade. Você tem a minha palavra.
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