domingo, 14 de junho de 2015
INTERSTELLAR - Greg Keyes (Parte 16)
– Não queria me intrometer, mas é que nunca te vi aqui – disse uma voz suave enquanto Murph enxugava as lágrimas. Ela virou-se e encontrou o Professor Brand. Não tinha ouvido a sua cadeira de rodas.
Murph se levantou.
– Nunca estive aqui antes – disse ela. Sem pensar muito, tomou as alças na parte de trás da cadeira de rodas e começou a conduzi-lo para o corredor.
Ela chegou a pensar que ele nunca iria se render à cadeira, tinha tentado as muletas no início, o que levou a mais quedas. Em algum momento ela tinha conseguido fazê-lo ver que ele poderia fazer o que era realmente importante mesmo sentado.
– Eu falo com Amélia o tempo todo – disse o professor. – Isso ajuda. Fico feliz que você começou a falar também.
– Eu não comecei. – Murph respondeu. – Eu só precisava desabafar uma coisa.
Professor Brand tinha sido parte de sua vida por um longo tempo. Ele a tirou da escola, a trouxe para ser educada sob sua asa. Dado a ela algo real para fazer.
Seu pai havia estado por dez anos em sua vida. O professor tinha sido uma parte dos dias de sua existência por quase três vezes este tempo. Ela o amava de certa forma, e ele provavelmente diria a mesma coisa sobre ela. Mas ele respeitava sua mágoa. Nunca tentou discutir pensamentos e sentimentos ao redor dos quais ela montou fortes defesas, e por sua vez, respeitava seus silêncios.
Ele falava sobre Amélia muitas vezes, o suficiente para que Murph quase sentisse que ela a conhecia, apesar de terem se visto só uma vez, há muito tempo. Mas nas vezes que o professor falava dela, havia algo que ele nunca admitia. Algo que Murph sabia intuitivamente.
Ele acreditava que não voltaria a ver sua filha novamente. Isso ela conseguia entender e solidarizar-se. Era um vínculo que os unia, esse medo não dito.
Chegaram ao escritório do professor. Ele foi até sua escrivaninha.
– Eu sei que eles ainda estão lá fora – disse.
– Eu sei – respondeu Murph.
Ela não tinha tanta certeza assim, mas o professor precisava de incentivo.
– Há muitas razões para as comunicações não mais poderem passar pelo buraco de minhoca.
– Eu sei, Professor.
– Não sei do que tenho mais medo. Deles nunca voltarem...ou voltarem e descobrirem que fracassamos.
– Então vamos ter sucesso.
Ele parecia velho, esgotado e algo mais. Algo que ela não conseguiu identificar.
O professor apertou os lábios, assentiu e apontou para a fórmula que preenchia todos os quadros-negro de seu escritório.
– Voltemos à quarta iteração. Vamos testar novos campos.
– Com todo o respeito, professor, já tentamos centenas de vezes.
– Só precisa dar certo uma vez.
Ela encolheu os ombros, e com relutância começou a seguir as suas instruções.
***
Mais tarde, se sentaram em uma passarela da casamata de construção, para comer sanduíches, observando a grande nave. Seus olhos vagavam sobre o cilindro gigantesco, e ela viu o orgulho no rosto de Professor Brand, como nos velhos tempos, como quando ele a trouxe ali pela primeira vez depois que seu pai partiu. Foi quando ela começou a aprender sobre a missão, e a acreditar.
E a entender o propósito de sua vida.
– Cada rebite que eles fixam poderia ser uma bala produzida. Fizemos o bem neste mundo, resolvamos ou não a equação antes de eu bater as botas.
– Não seja mórbido, Professor– ela repreendeu-o de leve, mas o fato é que a morte do professor era algo que ela realmente não queria pensar. Quase todos que importavam para ela estavam mortos, ou poderiam muito bem estar. Havia apenas o Professor Brand e Tom, e quanto a ela e Tom, bem, algo se quebrara entre eles.
– Eu não tenho medo da morte, Murph. Sou um físico de idade. Tenho medo do tempo.
Sua declaração fez cócegas na parte de trás de seu cérebro, mas não durou além do almoço.
Quando de volta ao seu escritório, o que eram cócegas tornou-se uma pancada epifânica.
– Tempo – ela disse. – Você está com medo do tempo... Professor, a equação...?
Ele olhou para seu trabalho. Ela respirou fundo.
– Estamos tentando resolver a equação sem mudar a premissa básica do tempo – ela disse.
– E?
– E isso significa que cada iteração torna-se uma tentativa de provar sua própria prova. É recursiva. Não faz sentido...
– Você está chamando o trabalho da minha vida de 'absurdo', Murph?
– Não. Estou dizendo que tenta terminá-lo com um braço... Não, com os dois braços atados nas suas costas. – De repente sentiu-se não insegura, mas... cautelosa. – Eu não entendo por que, – ela terminou.
O Professor olhou para o chão, e em seguida, começou a afastar-se na cadeira de rodas.
– Eu sou um homem velho, Murph. Será que podemos discutir isso noutra hora? Eu gostaria de falar com o minha filha.
Ela assentiu com a cabeça, vendo-o afastar-se, perguntando o que diabos estava acontecendo.
***
Amélia Brand assistia seu pai envelhecer diante de seus olhos.
Ele falou sobre a missão, perguntou como ela estava, comentou sobre pequenas dores e sobre pessoas que ela poderia se lembrar. Alguém chamado Getty tornou-se um médico. No início, ela não sabia quem seria, porque o Getty que ela se lembrava, era um ciberneticista, até que lembrou de que ele tinha um filho de dez ou doze anos de idade, quando ela partiu. Ela tinha sido sua babá, uma ou duas vezes.
Disse-lhe também que tinha uma nova e brilhante assistente: a filha de Cooper. A menina Murph, estava trabalhando com ele na equação de gravidade, e ele parecia confiante de que conseguiriam resolvê-la.
À medida que os anos se passaram, ele continuou a ser otimista e ela tinha a esperança de que na próxima mensagem ele gritaria “EURECA”, mas no curso das mensagens de duas décadas, nunca aconteceu. Ainda assim, o plano A avançava rapidamente, garantiu ele. A primeira das grandes estações entrara em fase de conclusão, apenas aguardando algo para livrá-la da tirania da gravidade planetária.
Ele nunca disse nada a respeito, mas em algum momento ela percebeu que ele estava em uma cadeira de rodas, e provavelmente permanentemente. E, no entanto, ainda tão frágil quanto ele parecia, podia ainda ouvir a paixão em sua voz, ver em seus olhos. Ele não se curvou ao tempo, e ele não esperava que qualquer outra pessoa o fizesse.
– Ao adentrar o universo, devemos encarar a realidade de uma viagem interestelar. Devemos alcançar além da nossa expectativa de vida. Temos que pensar não como indivíduos, mas como uma espécie.
***
Cooper assentiu quando Brand se juntou a eles.
Era hora de decidirem o que fazer a seguir, parar de lamber as feridas e seguir em frente.
– TARS manteve a Endurance onde precisávamos dela – disse Cooper. – Mas levamos alguns anos a mais do que pensamos...
Uma órbita era uma queda controlada, e não era estável ao longo do tempo. Isso Newton já provara, utilizando-se de galões de tinta, tentando descobrir por que os planetas não caiam no sol ou perdiam-se soltos no espaço. No final, o seu melhor palpite foi de que Deus simplesmente não queria que fosse assim.
As imagens dos planetas restantes estavam na tela: o ponto branco de Mann, e o vermelho de Edmunds.
– Não temos combustível para visitar ambos – disse Cooper. – Nós temos que escolher um.
– Como? – Perguntou Romilly. – Ambos são promissores. Os dados de Edmunds são melhores, mas o doutor Mann é o único que ainda está transmitindo.
– Não temos por que suspeitar da solidez dos dados de Edmunds. Tem elementos-chave para sustentar a vida humana.
– Como o do Dr. Mann– Cooper ressaltou.
– Cooper– Brand disse, lançando-lhe um olhar sério – esta é a minha área. E eu realmente acredito que o planeta de Edmunds é o de melhor perspectiva.
– Por quê?
– Gargantua, é por isso. Veja o planeta de Miller. Hidrocarbonetos e orgânicos, sim. Mas nenhuma vida, estéril.
– Por causa do buraco negro? – Perguntou Romilly.
Ela assentiu com a cabeça.
– Lei de Murphy. O que pode acontecer, irá. Acidentes são o primeiro passo da evolução, mas perto de um buraco negro, pouca coisa pode acontecer. Ele atraí os asteroides, os cometas... e demais eventos que poderiam acontecer. Precisamos ir além desta área.
Lei de Murphy. Em um instante, estava de volta em casa, explicando a Murph que seu nome não era ruim, que era uma afirmação de que a vida trazia surpresas, boas e más. Que ele e Erin estavam preparados para lidar com as coisas conforme surgissem.
Sabia que precisava se concentrar no momento. Entendeu o que Brand estava tentando dizer, e soou como um bom argumento. Mas ele também sabia que havia algo mais por rás de suas palavras, e o planeta de Edmunds estava muito mais longe...
– Você uma vez você se referiu ao Dr. Mann como o 'melhor de nós – disse Cooper.
– Ele é notável– Brand concordou sem hesitação. – Estamos aqui apenas por causa dele.
– E ele está lá no solo, enviando-nos uma mensagem inequívoca de que deveríamos ir para seu
planeta.
Os lábios de Brand afinaram, mas ela não disse nada. Romilly olhou para um e para o outro. Parecia um pouco desconfortável, talvez sentindo que havia algo acontecendo abaixo da superfície da conversa.
– Devemos votar? – Perguntou ele.
Cooper não se sentiu bem sobre o que estava prestes a fazer. Mas agora não era realmente o momento para se preocupar com os sentimentos de ninguém.
– Se nós vamos votar – disse para Romilly – há algo que você precisa saber. – Fez uma pausa. – Brand?
Ela não mordeu a isca, mas permaneceu em silêncio.
– Ele tem o direito de saber – insistiu Cooper.
– Isso não tem nada a ver – ela falou.
– O que? – Indagou Romilly confuso.
Cooper deu uma pausa, mas quando ela não se manifestou, ele o fez.
– Ela está apaixonada por Edmunds.
– Isso é verdade? – Perguntou Rom.
Brand parecia chocada.
– Sim – admitiu. – E isso me faz querer seguir o meu coração. Talvez passamos muito tempo tentando entender tudo com teoria...
– Você é uma cientista, Brand... – Cooper cortou.
– Eu sou. Então me escute quando eu digo que o amor não é algo que inventamos. É observável, poderoso. Por que isso não deveria significar alguma coisa?
– Significa. Utilidade social – disse Cooper. – Criação de filhos, laços sociais.
– Nós amamos pessoas que já morreram– Brand opôs. – Onde está a utilidade social nisso? Talvez signifique mais, algo que não podemos entender ainda. Talvez seja alguma evidência, algum artefato de maior dimensão que não podemos conscientemente perceber. Eu sou atraída por alguém que eu não vejo a uma década, e sei que pode, provavelmente, estar morto. O amor é a única coisa que somos capazes de perceber, que transcende as dimensões de tempo e espaço. Talvez devêssemos confiar, mesmo que não consigamos entender. – Disse lançando um olhar suplicante para Romilly, mas não conseguiu encontrar seus olhos. Cooper podia adivinhar o que ele estava pensando. Que Brand provavelmente perdera o juízo.
Ela se deu conta disso também.
– Cooper, sim– Brand admitiu cansada. – A possibilidade de ver mais uma vez Wolf, me excita. Mas não significa que estou errada.
Cooper teve uma súbita sensação de déjà vu, e lembrou sua conversa com Donald na varanda.
– Sinceramente, Amélia – Cooper disse gentilmente: – Talvez signifique.
Brand pareceu murchar. Sabia que tinha perdido. Ele sentia por ela, mas tinha que fazer o que fazia sentido.
– TARS – disse – defina um curso para o planeta do Dr. Mann.
Antes que se virasse, Cooper viu as lágrimas rolarem dos olhos de Brand.
***
Depois que eles estavam fora da órbita e numa nova trajetória, ele a encontrou. Ela fora verificar o bomba populacional.
– Brand, eu sinto muito – ele desculpou-se.
– Por quê? – Perguntou com a voz firme. – Você só estava sendo objetivo, a menos que você esteja me punindo por eu ter estragado tudo no planeta de Miller.
– Não foi uma decisão pessoal para mim.
Ela virou-se e o encarou. Ele sentiu sua dor e raiva como uma lâmpada quente no rosto.
– Bem, se você estiver errado, você vai ter uma decisão muito pessoal para fazer – disse ácida. – Seus cálculos de combustível incluem uma viagem de regresso. Arriscar o Planeta de Mann, significa que vamos ter que decidir se quer voltar para casa, ou tentar o planeta de Edmunds com o plano B. A colônia poderia nos salvar da extinção. Você pode ter que decidir entre ver seus filhos novamente... e o futuro da raça humana.
Ela sorriu, mas não havia nada feliz ou amigável no sorriso.
– Confio que você será igualmente objetivo – ela arrematou.
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