sábado, 20 de junho de 2015

INTERSTELLAR - Greg Keyes (Parte 22)



No módulo de pouso, Romilly ainda estava tentando entender o que estava vendo.

Sentiu a mesma frustração de quando na Endurance; anos sozinho com o dados, falando para si mesmo, a ponto de enlouquecer. Se lembrou do que Mann tinha dito sobre deixar os arquivos de KIPP intactos. Mas isso... isso era intolerável. Por que Mann reagira daquela maneira? Tinha armazenado dados pessoais? KIPP testemunhara e registrara Mann agindo como louco? Romilly conseguiria entender isso. O mesmo se passara com ele. Mas o fato era que haviam algumas contradições fundamentais que só uma varredura dos arquivos poderia esclarecer.

Mann, provavelmente, nunca saberia, e se descobrisse, seria muito mais fácil para obter seu perdão do que sua permissão.

– Esses dados não fazem sentido – disse ele para TARS. – Acesse o arquivo.

***



Aqui está bom, Murph disse para si mesma antes de pular para fora do caminhão, pegar a lata de gasolina na traseira, e começar a encharcar os pés de milho. Lembrou de vagar pelos campos quando pequena, completamente envolvida por eles, como em seu próprio labirinto secreto. Gostava do milho, o cheiro das folhas, suas franjas, o amarelo do pólen. O doce sabor de quando ainda verde, no leite, antes de começar a endurecer em grão. Era um verdadeiro luxo, milho-verde, um desperdício de todo o potencial do milho para alimentar a humanidade, mas um deleite impressionante para uma criança. Para ela, seria sempre o gosto do verão, e de sua juventude.
A ideia de queimar o milho parecia errada a ponto de ser um sacrilégio e ainda estava pensando nisso quando pôs fogo.

***

Cooper rolou de costas, com os olhos fixos no céu, mas não via nada lá.
Você já vê seus filhos?
Viu Tom, sorrindo, dirigindo o caminhão pela primeira vez e mais jovem, rindo enquanto Donald o fazia girar na frente da casa, antes da poeira assumir. Tom, segurando Jesse, o neto que ele nunca conheceu nem conheceria, porque o menino estava morto antes dele mesmo saber que ele existia. E viu Murph, uma coisinha enrugada nos braços da mãe, um único cacho de cabelo vermelho em sua careca. Murph, no caminhão, fingindo que pilotava uma nave Apollo, que o câmbio era a alavanca de impulso, dependendo do que ele precisava em qualquer ponto do seu voo fictício.
Murph mais tarde, mudava as marchas para que ele pudesse beber o seu café enquanto dirigia. 
E Murph em seu quarto, olhando para o relógio que ele lhe dera. O rosto coberto de lágrimas.
Murph, sinto muito.

***

Murph olhou para o fogo saltando através do milho, uma criatura viva, alegre, com fome, como qualquer recém-nascido. Seu desgosto com o que tinha feito foi rapidamente desaparecendo, o milho de Tom que matava aos poucos Coop. Se queimar o milho, dando vida ao fogo, significasse uma nova vida para Coop e Lois, então valeria a pena.
Tom iria ver a fumaça. Ele viria. E ela não queria estar por perto. Voltou para o caminhão e partiu. Ele iria descobrir quem fez isso, em breve. E ela estaria muito longe, Lois e Coop junto dela.

***

Brand viu a paisagem de nuvens geladas abrir-se numa enorme planície branca, exceto pelo que parecia ser uma minúscula boneca quebrada, deitada junto da borda de um profundo buraco azul.
– Estou vendo ele – disse CASE.

***




Cooper sentiu um baque duro no gelo, e no começo pensou que não era nada, apenas uma ultima e aleatória sensação de seu corpo moribundo. Mas então forçou seus olhos a ficarem abertos e através do gelo batido pelo vento e suas próprias lágrimas congeladas, viu o módulo de pouso e alguém pulando para fora dele. Mann devia ter voltado para acabar comigo, pensou, tentando reunir a energia para rastejar novamente. Seus braços e as pernas tinham virado chumbo. Em seguida, um momento depois, alguém puxou seu capacete inútil para fora e viu o rosto de Brand através de seu próprio visor.  Ela empurrou algo sobre seu nariz, e ele de repente estava chupando o doce ar viciado e enlatado.
Isso era tudo o que ele queria fazer, respirar.

***

TARS não parecia estar tendo sorte com KIPP, e virou-se para Romilly.

– Ele precisa que alguém desbloqueie a sua função de leitura do arquivo – o robô lhe informou. E se mexeu um pouco para o lado, deixando Romilly chegar até a tela de dados e iniciar o procedimento.
Em seguida, ouviram uma voz pequena, longe, gritando com ele.





Percebeu que a voz vinha do seu capacete ao chão. Quando o alcançou, KIPP agitou-se como se retornando à vida. Romilly levantou o capacete, a voz ficou mais clara e identificável.
– Brand? – Perguntou impressionado com o quão urgente soava.
Mas nunca chegou a ouvir o resto.

***

Mann lutava através do gelo, tentando manter a coerência de sua história em sua mente. Ele teria perdido seu próprio transmissor de longo alcance, justificando que Cooper acidentalmente tinha arrancado-o, quando Mann tentou salvá-lo.
Deveria tê-lo deixado cair no buraco, mas não iria voltar lá agora.
Sentiu o tremor no gelo em primeiro lugar, e, em seguida, o som e o choque e partículas congeladas lançadas contra ele. A princípio, pensou que tivesse havido alguma mudança aleatória nas massas geladas e o gelo tinha partido, mas depois viu a bola de fogo.



No cume de sua colina, onde ele tinha permanecido por tanto tempo no exílio.
KIPP.
Sentiu uma nova onda de terror. Tudo girando fora de controle.

– Droga, Romilly – murmurou. Ele não o avisou? Não era culpa dele!

Ligou o rádio novamente. A voz de Brand veio alta.

– Vamos lá, Cooper– ela dizia. – Só mais alguns passos...

Ele sabia que tinha que cuidar de Cooper, pois esperava ter os outros como companheiros na missão. Desesperadamente esperava. Não queria ficar sozinho novamente. Fora o que o havia quebrado, a solidão. Se havia um pensamento intolerável, era ficar sozinho novamente.
Mas agora ele não tinha escolha. Não poderia consertar as coisas com Cooper e Romilly estava morto, e iriam culpá-lo.

Brand... Ainda assim ele poderia se apegar ao fato de que havia ainda o mundo de Edmunds e um plano B. Ele não estaria sozinho para o resto de sua vida. E se Wolf tivesse sobrevivido ou não, haveria as crianças. Ele poderia voltar ao isolamento de novo, desde que soubesse que haveria um objetivo para ele. E talvez fosse capaz de salvar Brand. De alguma forma. Ninguém tinha maior participação nessa missão do que ela. Para que pudesse ter sucesso, teria que fazê-la enxergar a realidade. Antes que ele pudesse apelar para seu senso de razão, ou, pelo sucesso da missão, tinha que ter o controle da situação. Ter as cartas na mão.

Correu em direção da Ranger.

***

– Brand, me desculpe... – Cooper conseguiu dizer quando lhe tiraram o respirador do rosto. – Brand mentiu. 
Assim que ele falou, a expressão dela não foi de horror, mas de compreensão.
– Oh, não...

***

Quando Murph estacionou junto da casa, o caminhão de Tom não estava visível. Conforme o esperado, ele estaria lutando contra o fogo, tentando salvar a lavoura.
– Fique de olho – disse ela para Getty, e saiu correndo em direção a porta da frente.
– Lois! – Gritou quando chegou no alpendre.

***

– Houve uma explosão – CASE informou-os, quando o módulo se levantou e girou em meio a nuvens de vapor e gelo.
– Onde? – Perguntou Brand.
– No módulo do Dr. Mann. 
Romilly, Cooper pensou. TARS. TARS estava com ele. O que Mann teria feito com eles?

***

Mann prendeu-se ao assento na cabine da Ranger e deu aos sistemas uma rápida espiadela, e então começou a acionar os motores. Quando a nave disparou para o céu, sentiu uma alegria inesperada. Este planeta tinha sido sua prisão, e na maior parte do tempo, tinha acreditado que seria seu túmulo.
O fizera pensar que nunca iria realizar seus planos, e só agora é que ele podia entender o quanto ele desprezava-o, pelo que o fizera crer. Tinha erguido um espelho para ele, um espelho que não via seu rosto, mas sua alma, e não tinha gostado do que viu.



No entanto, aceitar a escuridão em seu caráter era melhor do que morrer lá. Ele poderia viver com tudo o que havia feito, e tudo o que ele iria fazer, desde que não tivesse que voltar para lá. Para aquele planeta. O que ele não faria. Estava tudo acabado agora. Apesar das probabilidades, ele conseguira fugir de lá. Onde quer que a morte finalmente o apanhasse, não seria naquele túmulo gelado.

Sentiu-se bem. Como um novo começo. Mas para isso precisava alcançar a Endurance antes dos outros.

***

Não havia nada para ser visto do módulo de Mann, além da fumaça negra oleosa.
Cooper sabia que Romilly estava morto. A história de Mann sobre os dados em KIPP tinha sido uma mentira, KIPP tinha recolhido provas de que o planeta era inabitável, e Mann o tinha desligado.

Também preparado uma armadilha, no caso de alguém ficar curioso sobre estes dados.
Mann fora pupilo do Professor Brand, um mentiroso também. Mas o professor tinha justificado suas mentiras como sendo necessárias para salvar a raça humana, a menos foi assim que ele entendeu. Mann havia mentido para salvar a si mesmo. Cooper lembrou dos comentários de Mann sobre como o professor havia se tornado um monstro, o “sacrifício final”,  dizer ao mundo o que precisava ser dito. Será que Mann estava falando de si mesmo? Era assim que ele justificaria tudo isso, na sua mente doentia?

Romilly, provavelmente, não sentiu coisa alguma, pensou Cooper. Graças a Deus!
Ele e Brand observaram as chamas, afundados em desespero demais para poder falar. De repente, algo explodiu em meio a fumaça. Por um momento horrível pensou que era Romilly, queimando até a morte, mas, em seguida, a figura feita de blocos mostrou-se.
TARS.

CASE virou a naveta e abriu a comporta. TARS saltou para dentro com um som maciço. Então CASE tomou rumo para o céu. Só uma coisa importava agora, Cooper sabia.
Quem chegaria primeiro na Endurance.



– Você tem a posição da Ranger? – Ele perguntou a CASE.
– Está entrando em órbita – o robô respondeu.
– Se ele assumir o controle da Endurance, estamos mortos.
– Ele nos abandonou para morrer? – Perguntou Brand tendo dificuldades para chegar a uma conclusão sobre o comportamento de um dos melhores e mais brilhantes cientistas da NASA.

Lembrou-se da conversa que tiveram antes de entrar em hipersono. Parecia ter sido há muito tempo.
“Cientistas, exploradores, isso é o que eu amo. Lá fora, nos deparamos com grandes probabilidades. Morte. Mas não para o mal.”

Como se por alguma razão, cientistas e exploradores fossem incapazes de fazer o mal. Cortez? Haber, o cara que inventou a guerra química? Os sinais estavam em toda parte. Pena que ela não tinha aceito isso antes. Se tivesse mantido sua capacidade de suspeitar de todos, Romilly ainda estaria vivo. E eles não estariam naquele apuro.

– Ele está nos abandonando – afirmou Cooper.

***

Lois amava Tom, mas ela já havia perdido um filho, e sabia que seu filho Coop estava doente, e só iria ficar mais doente. Então Murph não teve muita dificuldade em convencê-la. Esperou nervosa, enquanto Lois reunia algumas coisas para ela e para o menino. Murph olhou para as escadas.
Será que nunca voltaria? Não parecia provável. Não tinha certeza se queria. Lembrou-se de momentos felizes com seu pai e o irmão, com o avô, e lembranças mais antigas de sua mãe.

A parte externa da casa sempre parecia desgastada, corroída, a sua pintura e a madeira descascada por anos incansáveis de vento e poeira. Lembrou-se do avô, todos os dias, duas vezes por dia, varrendo a varanda, tentando manter a poeira de fora. E funcionara,  dentro da casa estavam a salvo. Era seu lar.
Mas agora ele parecia esvaziado. Talvez tivesse começado na noite quando ela deixou sua janela aberta, convidando a poeira para dentro da casa.
Em questão de dias, o pai tinha ido embora, e nada deu certo novamente. Sem o pai e o avô lá, a casa era como alguém que tinha conhecido certa vez muito bem, mas que agora estava nos últimos estágios da doença de Alzheimer.

Ainda havia algo que ela precisava fazer ali. Uma última coisa.

Sem realmente pensar sobre isso, deixou seus pés a levarem até as escadas, até seu antigo quarto. Ouviu Lois e Coop do lado de fora com Getty, esperando, sabendo que, se Tom voltasse agora, todo o plano estaria condenado.
Mas alguma coisa, algo lhe disse que ela precisava estar ali, agora, e não apenas por Lois e Coop.

– Vamos, Murph! – Ouviu Getty gritar.

Mas aquela atração era como a gravidade. Ela tinha que ir.

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