sábado, 27 de junho de 2015

INTERSTELLAR - Greg Keyes (Parte 25)



Murph estava em seu quarto, a luz avermelhada do crepúsculo desaparecendo além da vidraça da janela. Sentou-se na cama e olhou para dentro da caixa. Tirou o modelo do módulo lunar, lembrando-se um pouco com tristeza de como havia dado um soco no garoto que dissera que as missões Apolo foram falsificadas, mas mesmo agora, não lamentava aquilo ou a briga maior que se seguiu.
Ela olhou para os livros.

– Vamos Murph! – Ouviu Getty gritar do lado de fora. – Nós não temos muito tempo. 

***

Cooper viu algo saindo da escuridão, algo reluzente e branco, como um punhado de areia lançada por um gigante em um turbilhão. Conforme a Ranger mergulhou, tornou-se uma correnteza brilhante de diamantes do tamanho de granizo. Foi lindo e aterrorizante, mais ainda este último, uma vez que começou a bater contra o casco. A nave inteira estremeceu quando o granizo se tornou vermelhos como rebites quentes, rasgando a Ranger em pedaços.

– Sobrecarga da célula de combustível – o computador informou. – Destruição iminente. Iniciando ejeção. 



Ejetar para aquilo? Sua voz interior chiou. Mas ele não teve escolha, e pela segunda vez em sua vida, viu os controles serem arrancados involuntariamente de suas mãos, e ele foi atirado para fora, em meio a explosões, para o buraco do coelho infinito. Finalmente gritou, porque sua mente não podia lidar com aquilo, e tudo o que restava era uma parte dele que não podia pensar, mas só reagir, tão antiga quanto o primeiro primata, o primeiro mamífero, o primeiro verme.
Então, sem aviso, algo como uma grande mão invisível puxou-o para o lado, afastando-o da corrente de detritos. E em direção a alguma coisa. Algo que de alguma forma não parecia pertencer aquele lugar. Uma grade de algum tipo de uma série infinita de cubículos, cada abertura quadrada sucedendo quase idênticas...

Não, não cubículos, mas túneis.

Sem abrandar a velocidade foi arremessado de pé contra um deles, batendo dolorosamente contra a lateral. Ainda gritando, começou a chutar enquanto as paredes eram feitas, e sentiu que isso retardou sua queda. Era como se a passagem fosse feita de tijolos moles. E era estranhamente familiar, nada do que pensou que poderia encontrar dentro de um buraco negro. Chutou de novo, e acrescentou os braços no esforço de reduzir seu impulso para frente. Este diminuiu ainda mais, chegando, por fim, felizmente, a parar. Naquele momento, tudo era calma, não mais caia, não havia mais movimento, apenas flutuando em um espaço estranho que parecia mais familiar a cada instante. Teve tempo de se perguntar se estava morto, ou sonhando, ou apenas preso no horizonte de eventos do buraco negro, congelado no tempo, sua mente reproduzindo estranhas fantasias para o resto da eternidade.

Deixando de lado as possibilidades de que estava morto, ou sonhando, não podia fazer nada, se fosse verdade, estendeu a mão para a parede. Se realmente estava acontecendo, então onde diabos ele estava?

Como poderia um espaço transdimensional dentro de um buraco negro ser feito de tijolos?
Mas não se pareciam com tijolos... Por um lado, eram mais finos do que a maioria dos tijolos, e não tão densos. Cada um tinha duas bordas externas grossas juntando centenas de linhas muito finas, como papel de...
Como livros...



Se você estivesse na parede onde está encostada a estante. E cada livro transmitisse uma linha espectral da luz, como se cada livro deixasse um rastro.
A luz criava uma vasta matriz em torno dele, indo em todas as direções.
Empurrou um dos objetos, e este mudou de forma. Empurrou mais forte, e, em seguida mais, até que finalmente estalou completamente e sumiu de vista.
Espiando através da abertura ele a viu.




 
Ela tinha dez anos e seu cabelo estava molhado. Tinha uma toalha ao redor do pescoço, e estava se virando, assustada com o livro caído.

– Murph? – Ele chamou. – Murph? 

Mas ela não reagiu, ficou lá olhando para as prateleiras, para o livro no chão, que ele já não podia ver. Então ela veio com cautela em direção da prateleira e se abaixou. Quando apareceu de novo, estava segurando um brinquedo quebrado.
O módulo lunar.

***


 
No crepúsculo, Murph virou o modelo na mão, lembrando-se, perguntando-se.
Lá fora, Getty estava soando urgente. Mas ela sentia, de alguma forma, que havia algo ali.

***

Cooper viu sua filha de dez anos de idade, examinar o modelo quebrado.

– Murph! – Ele tentou de novo. – Murph!

Mas ela ainda não o ouviu. Ela virou-se e saiu, e ele sabia onde ela estava indo, para a mesa do café, onde ele iria castigá-la por ser não-científica, e não cuidar das “nossas coisas”.

Desesperado, olhou em volta e percebeu que estava em algo como um cubo, e cada parede do cubo exibia o quarto de Murph de um ângulo diferente, como se o quarto tivesse sido virado do avesso.
E não era apenas o quarto, a estante. Viu a matriz de luz de múltiplas iterações do quarto, talvez infinitos túneis e passagens que iam em todas as direções, emolduradas, em conjunto pela luz que fluía a partir dos livros, as paredes, os objetos do quarto.

Era desorientador, e ele desejou que Romilly estivesse ali para explicar o que estava acontecendo.
Tinha que pensar em mais dimensões, mas sua mente só fora construída para lidar com três.
E ele ainda estava em queda livre, flutuando ao redor e usando o impulso para mudar a cada iteração do quarto de Murph. Puxou e socou mais dois livros. Através da brecha resultante viu um quarto vazio. E não ficou vazio por muito tempo, no entanto. A porta abriu e ele entrou. Seu eu mais jovem, parecendo incomodado com alguma coisa. Um momento mais tarde, Murph entrou também.
Cooper se chocou com os livros, chutou outro para fora, furiosamente determinado a ter sua atenção.

***

Murph esfregou a mão sobre a mesa velha, lembrando-se de anos atrás, quando tinha empurrado-a para frente da porta bloqueando-a, com raiva e triste por que ele iria embora.

***

Cooper observou Murph colocar a cadeira em cima da mesa, completando a barricada da porta. Um instante depois, ele viu ela mover-se, como se alguém, não, não alguém, mas ele, tentava entrar.
– Vá embora – disse Murph. – Se você está indo embora, vá agora! 

***

Cooper se virou para outra parede, e viu a si mesmo do outro lado da porta.

– Não vá, seu idiota! – Gritou quando o outro Cooper fechou a porta, para deixar Murph esfriar a cabeça.

O movimento errado. – Não deixe seus filhos, maldito idiota! – Gritou.
Ele começou a socar as paredes, mas não cegamente. Sabia o que fazer.
– FI – disse ele. – FI...
Murph estava atenta agora. Ela não parecia assustada, mas espantada, animada e interessada.
– ...CA.
Parou para recuperar o fôlego, em seguida, assistiu a frustração de seu eu anterior.
– Fica, seu idiota! – Gritou. – Diga a ele, Murph, para ficar...
Ele assistiu entorpecido quando lhe deu o relógio e ela o atirou longe.
– Murph – implorou. – Diga a ele de novo! Não o deixe sair...
Começou a chorar, a enorme frustração de ter que assistir a tudo, e não ser capaz de fazer qualquer coisa, era demais para segurar. Mais uma vez, ele se perguntou se estava morto, se este era o Inferno. Porque ele tinha certeza que sim.

***

Murph pegou seu velho caderno e começou a pesquisar, parando quando chegou ao código Morse para a interpretação das lacunas nos livros.
FICA.
Ela olhou por sobre o caderno, de volta aos livros, e sentiu algo quase como uma rajada de vento passar por ela, como se algum lugar escondido tivesse sido de repente revelado.
Foi para as prateleiras, e começou puxando os livros para fora.
O cheiro de milho queimado veio do andar de baixo, pois a porta fora deixada aberta por ela.

***

 
– Murph – Cooper soluçou. – Não me deixe ir embora.
Mas seu outro eu se virou, indo para a porta.
Cooper gritou batendo nos livros com toda sua força. Um caiu, e o outro Cooper olhou para ele... e se foi.
Cooper colocou a cabeça contra os livros, chorando.

***

Murph olhou para as lacunas que tinha feito nos livros, e depois de volta para seu caderno.
A garganta apertada.
– Papai – sussurrou. – Foi você. Você era o meu fantasma...
Lágrimas surgiram, não de dor, raiva ou tristeza, mas da maior alegria que sentira em muitos, muitos anos.
Ele não a tinha abandonado. Ele tinha sido o fantasma dela o tempo todo.

***

Cooper ainda estava chorando quando ouviu seu nome, mas não havia ninguém lá, e ele
então percebeu a voz vinha de seu rádio e reconheceu-a.
TARS.

– Você sobreviveu – disse Cooper.
– Em algum lugar – TARS concordou – na quinta dimensão. “Eles” nos salvaram. 
– Quem são “Eles”? E por que iriam nos ajudar?
– Não sei, mas construíram esse espaço tridimensional na realidade penta dimensional deles, para você poder compreender. 
– Não está funcionando! – Cooper explodiu.
– Está sim. Você viu que o tempo aqui é representado como uma dimensão física. Você mesmo descobriu que pode exercer uma força através do espaço-tempo. 
Cooper franziu a testa, tentando entender. E então, de repente, conseguiu.

Os raios de luz a partir dos livros eram caminhos através do tempo. Mostrando que cada coisa no quarto de Murph estava indo e vindo no tempo. E a força que ele estava exercendo...

– Gravidade. Para enviar uma mensagem...
Ele olhou ao redor dos túneis infinitos, as infinitas Murphs, as linhas dos livros, prateleiras, tudo no quarto podia ser visto em toda e qualquer direção.
– Gravidade atravessa as dimensões, incluindo o tempo – disse.

Quando apertava uma tecla em um painel de controle, não era ela que agia sobre a nave. Era apenas algo que traduzia a sua intenção aos mecanismos que realmente podiam agir. Da mesma forma, embora sentisse como se estivesse socando os livros com seus punhos e pés, de fato não era possível. Seu corpo físico, esse corpo físico não conseguiria. Mas a gravidade sim. Como TARS disse, a gravidade atravessava as dimensões. Quando ele socava um livro, o que ele realmente estava fazendo era enviar um pulso através do espaço-tempo, uma alteração gravitacional que era responsável por mover os livros.

Em outras palavras, ele era a fonte da anomalia gravitacional, e “Eles” haviam lhe dado o controle da maneira mais natural possível, fazendo-o com seus sentidos, o controlador.
Percebeu de repente que havia um motivo para tal. Algo além de observá-lo cometer o maior erro de sua vida, de novo e de novo. Ele só tinha que entender as ferramentas que lhe haviam sido dadas, e determinar o que fazer com elas.
Começou a contar os livros.

– Você tem os dados quânticos – disse Cooper para TARS.
– Estou transmitindo-o em todos os comprimentos de onda– TARS confirmou – mas nada está acontecendo. 
– Eu consigo fazer isso...

Estendeu a mão para uma das linhas de tempo, e puxou na sua direção. Para sua delícia, uma onda correu pela linha, como uma corda de violão vibrando, afetando o livro onde queria.
– São dados complicados – disse TARS. – para enviar a uma criança.
– Não é qualquer criança – afirmou Cooper.

***

Na penumbra do quarto, ela olhava intrigada para o caderno.
Sabia que devia haver algo mais agora. Uma resposta.
Seu pai tinha estado aqui, como fantasma. Onde estaria agora?
– Murph! – Getty gritou, soando mais frenético do que nunca. – Vamos!


Cooper viu Murph olhando pela janela, e sabia que o Cooper daquele tempo estava dirigindo em direção a NASA, da Endurance.

– Mesmo se você conseguir se comunicar – TARS declarou – ela não irá reconhecer a importância da mensagem por muitos anos...
Cooper se sentiu irritado. Depois de todo o medo e frustração, que queimavam dentro dele, aquele novo sentimento proporcionou uma mudança bem-vinda.

– Pense em algo! – Retrucou. – Todo mundo na Terra vai morrer!
– Cooper – TARS disse: – Eles não nos trouxeram aqui para mudar o passado.
É claro que eles não. Cooper fez uma pausa, acalmando-se. Não se podia mudar o passado. Mas havia outra coisa... algo sobre o que TARS dissera. “Eles” não me trouxeram aqui para mudar o passado. “Eles”...
– Nós nos trouxemos até aqui – disse ele, e impulsionou seu corpo para outra posição, encontrou outro ângulo, viu o quarto em um momento um pouco diferente, cheio de poeira da tempestade, a tempestade que desabou sobre eles no jogo de beisebol. Murph havia deixado a janela aberta.
– TARS – disse estudando a poeira. – Me passe as coordenadas da NASA em binário. 
Com os dedos traçou o padrão, as linhas que tinha encontrado no quarto.

***

Ela passou o dedo ao longo da janela e examinou a poeira, lembrando-se do padrão ao chão naquele dia, e de como ficou feliz que seu pai acreditara nela. Mais ou menos. Ele nunca acreditou completamente, apenas a parte que queria acreditar, essa parte que dizia que ele tinha sido escolhido para ir para o espaço. E ainda assim ele era o fantasma. Ambos. Dando-se as coordenadas que o levaria a NASA, mas também dizendo a si mesmo para ficar.
Contradição. Como a própria gravidade.
Ela olhou ao redor, procurando alguma coisa para reconciliar-se. Esta seria a última vez ali, pois Tom nunca iria deixá-la entrar em casa novamente.
– Vamos lá, papai – implorou. – Tem mais alguma coisa aqui? 

***

Cooper olhou o padrão traçado.
– Você não vê, TARS? Eu me trouxe para cá. Estamos aqui para nos comunicar com o mundo tridimensional. “Nós” somos o elo!
Mudou-se ao longo de outra versão do quarto. Murph estava lá, pulando da cama, agarrando o relógio que tinha atirado longe e correndo porta afora...

***

Murph enfiou a mão na caixa e pegou o relógio, pensando no pequeno momento de esperança, a pequena experiência que ela e seu pai fariam juntos, até perceber quanto tempo ele ficaria longe dela, sem mesmo saber se voltaria.
Passada a raiva, ela manteve-o junto dela e esperou. E ele não retornou. Nunca puderam compará-los.
Foi na direção da estante.

***

Cooper empurrou-se ao longo das linhas dos livros, seguindo as posições no tempo.
– Eu pensei que “eles” haviam me escolhido – disse Cooper. – Nunca fui eu. “Eles” escolheram Murph. 
– Por quê? – Perguntou TARS.
– Para salvar o mundo!
Ele assistiu Murph com dez anos voltar ao quarto, chorando, segurando o relógio. Era difícil de assistir, mas ele o fez.
Depois de um momento, ela colocou o relógio em uma prateleira.

***

Murph suspirou e colocou a caixa na prateleira.
Se alguma vez tinha havido qualquer outra coisa ali, agora tinha ido embora.
Tinha que salvar o que podia. E agora significava salvar Lois e Coop.

***

Cooper se movimentava rápido agora, quarto após quarto através do espaço-tempo.
Foi do quarto de Murph para um quarto abandonado, com vislumbres do que poderia ser um menino, embora ele nunca teve uma visão perfeitamente clara.

– Tudo isso é o quarto de uma garota. Cada momento. É infinitamente complexo. “Eles” têm acesso ao tempo-espaço infinito, mas não são presos a nada – disse para TARS. – Não conseguem achar um lugar específico no tempo para se comunicar. Por isso estou aqui. Acharei como contar para ela, assim como achei este momento...
– Como? – Perguntou TARS.
– Amor, TARS. O amor, assim como Brand disse. É assim que encontramos as coisas aqui. O amor, como gravidade, se move através do tempo e das dimensões.
– Então, o que devemos fazer?
Cooper olhou para os livros. Não serviria, e também não seria o modelo do módulo lunar. Mas o relógio na prateleira, até onde ele podia ver...
– O relógio. É isso. Ela vai voltar por ele. 
– Como você sabe?

E mais uma vez ele sentiu a certeza, um puxão tão forte quanto um buraco negro. Forte como a atração que tinha lhe trazido até ali. Isso traria Murph de volta também.

– Porque eu dei a ela. 

Examinou o relógio por um momento. Teria de ser algo simples, binários, ou...

– Mandaremos os dados através do ponteiro dos segundos. TARS, converta os dados em Morse e me transmita...
Ele agarrou a linha do tempo que ligava o ponteiro dos segundos com todas as suas iterações, e puxou o tempo, longo e curto; ponto e traço.
– E se ela nunca voltar por ele? – Perguntou TARS.
– Ela vai – ele insistiu, enquanto o pequeno ponteiro começou sacudindo para trás e para a frente.
– Ela vai. Eu posso sentir isso.

***

Murph estava se virando para sair quando Getty gritou histericamente que Tom estava vindo. Mas, ainda assim algo a segurava. Ela se voltou para a caixa, tirou o relógio de dentro e observou-o.

– Murph? – Getty gritava. – Murph!

***

Quando ela saiu de casa, Getty segurava uma barra de ferro, assistindo a um Tom irritado, saltando da caminhonete preta de fuligem. Lois e Coop assistiam com medo em seus rostos.
Mas Murph correu direto para o irmão.

– Tom! Ele voltou... ele voltou!
A expressão feroz de Tom deu lugar a perplexidade.
– Quem? 
– Papai. Era ele. Ele veio nos salvar. 

 
Triunfante ela levantou o relógio com o ponteiro de segundos se comportando estranhamente.

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