A colhedora não estava sozinha. Dezenas de máquinas agrícolas automatizadas tinham chegado ao seu jardim da frente e pararam, cutucando sua varanda como se estivessem esperando para entrar.
A cena lembrou Cooper da natividade, com as máquinas tomando o lugar dos animais.
Assim que ele e Murph saíram do caminhão para apreciar o quadro bizarro, Boots chegou. O cabelo branco dizia que era um pouco mais velho do que Cooper. Não era um grande pensador, mas conhecia do negócio de fazendas como ninguém.
– Uma por uma, foram saindo dos campos – disse Boots.
Cooper caminhou até a colheitadeira, abriu a cabine, e olhou para o painel do piloto automático.
– Alguma coisa está interferindo com a bússola– Boots continuou. – Magnetismo ou algo assim...
Isso era óbvio, pensou Cooper. Mas o que havia na casa que poderia exercer esse tipo de força magnética? Pensou no drone, que também tinha sido atraído por algo desconhecido, não até sua casa, pelo menos para a mesma área. Quais eram as chances de ambas as coisas acontecerem no mesmo dia? Poucas.
Virou-se e caminhou em direção da casa, sem saber ao certo o que estava procurando. Fosse o que fosse, iria encontrá-lo. Não viu nada na cozinha, no entanto.
Murph entrou atrás dele.
– O que foi, pai?
Antes que ele pudesse responder, houve um ‘tum’ alto, acima deles. Cooper correu para as escadas, em seguida subiu-as com cautela, com todos os tipos de pensamentos atravessando sua mente. Talvez alguém tivesse tentado sequestrar o avião, e agora estava invadindo a sua casa? Talvez fosse outra coisa, outro drone colidira com o andar de cima, chamando desesperadamente por seu camarada alado em algum código de comando que estava afetando as máquinas agrícolas.
Estava convicto de que não poderia ter sido uma coincidência, o drone, a forma como as colheitadeiras estavam agindo. Tinha que haver uma conexão!
Hesitou um pouco no limiar do quarto de Murph. A porta estava aberta, e ele podia ver o interior. Uma parede inteira ocupada por uma estante, do chão ao teto. A maioria dos livros que estavam lá tinham pertencido a sua esposa, Erin, assim como o quarto tinha sido dela, quando era uma menina. Muito antes de terem se casado. Agora era o quarto de Murph.
Percebeu as lacunas na estante. Os livros estavam no chão. De repente lembrou-se dos comentários de Murph, no início do dia.
– Não há nada de especial sobre os livros – disse Murph entrando no quarto. – Estou trabalhando nisso, como você disse.
Ela levantou o caderno em que estava desenhando. A página estava coberta por um padrão que parecia algo como um código de barras.
– Contei os espaços – disse ela, como se isso explicasse tudo.
– Por quê? – Perguntou Cooper.
– No caso de o fantasma estar tentando dizer algo – explicou. – Eu estou tentando Morse.
– Morse?
– Sim, pontos e traços, usados para...
– Murph, – disse ele tentando ser gentil – sei o que é código Morse. Eu só não acho que a sua estante está tentando falar com você.
Ela olhou para ele com uma mistura de dor e constrangimento e nem sequer tentou responder.
Donald ofereceu-lhe uma cerveja. Cooper tomou-a e olhou sem rumo em direção aos campos escuros, o velho sentado ao lado dele em uma cadeira que era provavelmente tão antiga quanto ele.
– Tive que reiniciar toda bússola e GPS para compensar a anomalia – disse Cooper.
– O que foi que houve? – Perguntou Donald.
Cooper tomou um gole de cerveja. Estava fria, e sentiu-a em sua garganta, mas para ele
o gosto não estava certo. Cerveja deveria ser feita de cevada, não de milho. Mas a cevada estava com os dinossauros agora, cortesia da praga.
– Não tenho ideia – disse ele finalmente admitindo que não tinha uma explicação mais científica do que o fantasma de sua filha.
– Se a casa foi construída sobre minério magnético, teríamos visto acontecer assim que ligássemos um trator.
Donald assentiu e tomou um gole de sua bebida. Ele não iria pressioná-lo ainda mais. Em vez disso, mudou para um assunto menos agradável.
– Parece que a sua reunião na escola não foi tão boa.
Cooper suspirou, pensando no encontro, tentando identificar exatamente o que o tinha deixado tão irritado. Fora a mentira sobre a Apolo? Parcialmente. Mas isso foi apenas parte de algo maior.
– Nós esquecemos quem somos, Donald. Exploradores, pioneiros, não trabalhadores braçais.
Donald assentiu pensativo. Cooper esperou, sabendo que Donald tomaria seu tempo se ele achasse que tinha algo importante a dizer, ponderar suas palavras com quilos de milho.
– Quando eu era criança – finalmente disse. – Parecia que eles faziam algo novo a cada dia. Engenhocas, ideias. Como se todos os dias fossem Natal. Seis bilhões de pessoas... – Balançou a cabeça. – Basta tentar imaginar isso. E cada uma delas tentando ter tudo.
Virou-se para Cooper.
– Este mundo não é tão ruim assim. Tom irá ficar bem, você é o único que não pertence a este lugar. Nasceu 40 anos tarde demais, ou 40 anos demasiado cedo. Minha filha sabia disso, Deus a abençoe. E os seus filhos sabem disso. Especialmente Murph.
Cooper voltou seu olhar para o céu, onde as estrelas estavam mostrando-lhe algo, um show que valia a pena. Poderia escolher as Sete Irmãs e o Cinturão de Orion, ou a levemente vermelha Marte. A humanidade tinha ido para lá, uma vez.
Ele também um dia iria, ou pelo menos, tinha sido esta a ideia geral.
– Nós costumávamos olhar para cima e imaginar nosso lugar entre as estrelas – disse ele. – Agora só olhamos para baixo e nos preocupamos com o nosso lugar na poeira.
A expressão de Donald foi simpática.
– Cooper, você era bom em alguma coisa, e nunca teve a chance de fazer nada com isso. Sinto muito. Mas isso não é culpa de seus filhos.
Cooper não tinha nada a dizer sobre isso, então nem sequer tentaria. Continuou assistindo o girar do céu noturno, milhares de estrelas que ele podia ver, os trilhões que não podia devido à atmosfera e à distância. Homens e mulheres tinham ido lá encima. Homens tinham ido à lua, e o reescrever de qualquer livro jamais iria mudar essa realidade.
Não importando o quão inconveniente este fato pudesse ser para os provedores.
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