domingo, 14 de junho de 2015

INTERSTELLAR - Greg Keyes (Parte 14)



Amélia seguiu Doyle e CASE pelo mar raso. Cooper permaneceu a bordo.

Ela experimentava caminhar enquanto CASE parou para se orientar. Ela sentia a água mais pesada do que deveria. Mais viscosa. Poderia ser seu traje espacial, mas não pensava que fosse. Eles haviam praticado com eles debaixo d'água, na Terra, em preparação para a missão. Aqui, porém, era diferente.

– Por aqui – CASE disse. – Cerca de duzentos metros.



Amélia olhou na direção que o robô indicara. A água se estendia até o horizonte, onde encontrava uma cordilheira enevoada como uma longa crista. A visão do horizonte alienígena a deteve por um momento. Queria que não estivessem com tanta pressa. Fazia tempo que sonhava com seus primeiros momentos em um planeta extra-solar, e não estava transcorrendo como ela imaginara.

Deveria haver uma pequena cerimônia, do tipo “Este é um pequeno passo...”
Ao invés disso, estavam afobados, sentia-se completamente incompetente. Mas era como tinha que ser. Não estavam aqui para fincar bandeiras e tirar fotos.
Então, ela seguiu em frente. Os trajes espaciais, ela percebeu depois de alguns metros, não eram projetados para percorrer longas distâncias. Eram pesados, desajeitados, e não passavam a sensação da superfície em que estavam andando. E isso não era a única coisa que tornava difícil qualquer progresso.

– É a gravidade nos punindo – Doyle ofegava.
– Flutuamos no espaço por muito tempo? – Amélia brincou.
– Cento e trinta por cento da gravidade da Terra– CASE os informou.

Certo, isso explica muita coisa, pensou Amélia. Não era a gravidade ideal, mas era algo que as pessoas conseguiriam se adaptar. Água era um bom sinal, e com alguma sorte, haveria terra habitável ao pé das montanhas...
Continuam adiante, com CASE à frente e Doyle ao final.

***

Depois do que pareceu uma eternidade, CASE parou.

– Deveria estar aqui – disse, e começou a se mover em um padrão de pesquisa. Amélia juntou-se a ele.
– O sinal está vindo daqui – disse ela, sem entender.

O sinalizador devia estar a bordo da nave, mas a nave claramente não estava aqui. Mesmo se Miller tivesse se acidentado, a água não era profunda o suficiente para esconder os destroços.
Para onde teria ido?
De repente CASE caiu e começou a afundar. Lembrou um filme que Amélia tinha visto uma vez, de um urso pescando em um rio. Isto é, se o urso fosse retangular, e metálico ao invés de ter pelos.

***

Cooper observava Brand, Doyle e CASE com crescente mal estar. Quase podia sentir o relógio em sua cabeça assinalando o tempo passado na Terra. Como a humanidade poderia esperar viver em um mundo tão irremediavelmente fora de sincronia com o resto do universo?
Sentiu o peito apertar e respirou fundo, tentando acalmar-se. Olhou fixamente para as montanhas. Algo nelas o lembrava de casa, mas não conseguia descobrir o por que. Recordou-se de ir até as montanhas com Murph, seguindo a instruções deixadas por “eles” no chão do quarto. Mas não era isso. As montanhas que escondiam a antiga instalação NORAD eram relativamente jovens picos; irregulares, cobertos de neve. Estas formavam um cume surpreendentemente uniforme, como uma longa crosta do planeta.

Então se deu conta de que sua lembrança não eram propriamente montanhas. 
A tempestade de pó, uma parede preta cruzando o terreno.

***

Doyle finalmente alcançou-os, completamente sem fôlego.

– O que ele está fazendo? – Perguntou Doyle, apontando a criatura metálica.

CASE respondeu puxando alguma coisa do leito do mar, se é que poderia ser chamado assim.
Sedimentos escorriam para fora daquilo, sugerindo que tinha sido parcialmente enterrado.



– Seu sinalizador – disse Amélia com o coração apertado. Onde estaria Miller?
CASE obedientemente começou a carregar o sinalizador de volta ao Ranger.
– Destroços – observou Doyle ecoando seus próprios pensamentos. – Onde está o resto? 
Ela viu alguns destroços maiores adiante.
– Para as montanhas! – Começou a avançar o mais rápido que pôde, no instante em que a voz de Cooper estalou no rádio: – Não são montanhas!  – Sua voz soava estranha.
Ela fez uma pausa e olhou para o Ranger. Pareciam um pouco mais distante do que antes? Ou era uma espécie de ilusão de ótica?
– São ondas... – a voz desencarnada de Cooper provocou-lhe um choque elétrico.

Ondas não, mas uma onda... absurdamente grande.


Podia ver a pequena linha branca de espuma no topo dela. Quão longe? Um quilômetro? Mais?
A perspectiva tornava impossível precisar. E estava se movendo para longe deles, graças a Deus.
Precisava encontrar o gravador do módulo de pouso de Miller. Tinha que estar por aqui!
Correu como pôde em direção aos destroços.

***

Cooper ouviu algumas batidas abaixo conforme CASE embarcava o sinalizador. Assistiu a onda monstro recuar e, em seguida, um sentimento peculiar em seu estômago, quando viu a próxima onda pairar apagando o céu.

– Brand! Volte aqui! – Gritou freneticamente
– Precisamos do gravador – protestou ela.
Antes que ele pudesse dizer qualquer coisa, a voz de Doyle estalou no rádio: – CASE – Doyle gritou. – Vá buscá-la!
Cooper bateu com o punho no painel. Que diabos ela estava fazendo?
– Maldição, Brand, volte!
Mas ela ainda estava lá fora, correndo como podia.
– Nós não podemos deixar os dados – Brand insistiu.
– Você não tem tempo!
Viu CASE passar por Doyle, que estava voltando para a Ranger, lutando contra a água e a gravidade.
– Vai, vai! – Doyle gritava com o robô.

CASE abria uma esteira atrás de si, enquanto fazia um caminho mais curto em direção a Brand. Cooper correu para a escotilha aberta. À distância, viu Brand tentando puxar algo para fora da água. Viu a onda que se aproxima, sabendo que ela devia ter milhares de metros de altura, tentando avaliar o quão perto estava, o quão rápido se movia, mas a escala tornava difícil para sua mente compreender.

– Volte aqui, agora! – Ele gritou.

Brand ainda puxava alguma coisa, não podia ver o que era, mas depois de um momento de luta ela escorregou e caiu para trás. Fosse o que fosse estava em cima dela. Ela não conseguia ficar de pé, embora pudesse ver seus braços em movimento. Seu rosto se virou e mesmo àquela distância viu-o transformar-se, ante a montanha de água arremessada na direção deles.

– Cooper, vai! – Ela gritou. – Eu não consigo fazer isso!
– Levanta, Brand!
– Saia daqui! 



Mas CASE estava lá. Arremessou os destroços para longe, jogou-a nas suas costas, e correu de volta para a Ranger.
Foi quando Cooper viu Doyle, paralisado ante a onda impossível.

– Doyle! – Ele gritou. – Vamos! CASE a pegou!
O homem começou a correr o melhor que conseguia, lutando a cada passo.
Cooper pulou de volta para dentro da cabine e começou a ligar os sistemas. Tudo o que podia ver agora era a onda.
– Vamos, vamos... – murmurou. O tempo se esgotava.
Desesperado, correu de volta para a escotilha. Doyle estava ao pé da escada, e CASE quase chegara trazendo Brand. Arfando, Doyle se afastou para abrir caminho para o robô.
– Vai! – Gritou Doyle.
CASE obedientemente passou por ele, sacudindo-se escada acima, e sem a menor cerimônia despejou Brand dentro da câmara de ar da nave. Depois virou-se para ajudar Doyle, que lutava para subir a escada.

Antes que CASE pudesse alcança-lo, o Ranger saltou atingido pela vanguarda da onda que se erguia da linha rasa d’água. A nave inclinou bruscamente e a água do mar atingiu Doyle e CASE, que veio rolando através da escotilha. A nave foi levantada e tudo correu para o lado.
Rápido assim, num piscar de olhos, Doyle tinha desaparecido.
Naquele segundo Cooper vira Doyle ser varrido e sabia com cristalina certeza de que não havia absolutamente nada que pudesse fazer. Nada além de tentar salvar a si mesmo e os outros.

– Feche a escotilha – gritou para CASE.

CASE obedeceu enquanto Cooper lutava com a inclinação para voltar para os controles.

A emoção voltou. Sentia-se como um covarde por ter abandonado Doyle, embora soubesse que
manter a porta aberta significaria o fim deles. Sentiu uma fúria simples, sem rodeios.
Voltou-se para Brand.

Já estavam a centenas de metros no ar, sugados para os lados até a montanha de água, e Cooper se viu atirado como uma boneca pela cabine quando o Ranger começou a rolar. Conseguiu agarrar Brand e atirá-la no seu assento, e era tudo o que podia fazer para não vomitar ou perder consciência.
Era como o Estreito, tudo de novo; todo o controle se fora, à mercê do universo...




Depois de uma eternidade, a nave parou de rolar e se manteve estável. Cooper chacoalhado em seu assento enquanto a água escorria da cobertura, pode enxergar ao redor.

Estavam no topo da onda gigante. Um olhar sobre os seus instrumentos lhe disse que estavam a absurdos mil e duzentos malditos metros acima da superfície. Por um momento, a Ranger surfou ao longo das costas de espuma do leviatã. A vista era irreal. As nuvens lembrando papel acima, o mar que se estendia para todas as direções, muito abaixo deles, a parte traseira distante da última vaga no horizonte, uma linha fina e branca na outra direção.
Cooper olhou para além, a incrível queda que estava prestes a acontecer. E aconteceu. Mais uma vez, sentiu a queda livre, mas desta vez ele sabia que haveria um fim.

***



Tudo era uma mistura de dor, terror e desorientação quase que absolutas, e que parecia durar para sempre.

***


Quando a nave finalmente parou, Cooper caiu grogue contra o painel de controle, suas mãos voando sobre os controles, acionando a força. Milagrosamente tudo respondeu de imediato, assim não perdeu tempo em dar partida aos motores que tossiram, estalaram, porém nada mais. Claro.
Sentiu o trem de pouso tirando-os da água, e tentou os motores novamente. Ainda nada.

– Motores inundados. Precisamos desligar. Deixe escoar. – Disse Brand.
– Maldição! – Cooper gritou, martelando o console.
– Eu disse para você me deixar lá! – Gritou Brand com ele.



– Eu lhe disse para trazer o seu rabo de volta – ele respondeu. – A diferença é que, apenas um de nós estava pensando na missão. 
– Cooper, você estava pensando em chegar em casa. Eu estava tentando fazer a coisa certa!
– Diga isso a Doyle – ele rebateu.
A mágoa mostrou-se em seus olhos, e ele ficou satisfeito. Olhou para o relógio.
– Quanto tempo para drenarmos a água, CASE? 
– De quarenta e cinco a uma hora – o robô informou.

Cooper balançou a cabeça e retirou seu capacete. A cabine continuava pressurizada. mas não cheirava como água do mar ou de um lago. Cheirava a água destilada que tinha sido despejada em rochas quentes, mineral, mas não sal.

– A essência da vida, né?  O que isso vai nos custar, Brand?
– Muito. Décadas. – Sua voz era sem emoção.

Cooper se sentiu como se não pudesse respirar. Décadas. Tom e Murph já eram adultos. Quantos anos? Parecia impossível. Esfregou o rosto tentando compreender.
Viu a onda se afastar, sabendo que haveria outra, e logo. Tentou voltar seu foco para a missão.

 – O que aconteceu com Miller? 
– A julgar pelo naufrágio – Brand disse – foi atingido por uma onda logo após o pouso. 
– Como os destroços ainda estão aqui depois de todos esses anos? – Perguntou em voz alta.
– Por causa da dilatação do tempo. Ele pousou aqui a apenas algumas horas atrás. Pode ter morrido a minutos atrás. 

CASE indicou o farol sinalizador, na câmara de ar.

– Os dados que Doyle recebeu eram o eco do status inicial – disse ele.
Cooper sentiu a garganta fechar-se.
– Nós não estamos preparados para isso, Brand – disse. – Vocês são um bando de nerds com as habilidades de um grupo de escoteiros.
– Chegamos aqui com nossos cérebros – disse ela na defensiva. – Mais longe do que qualquer ser humano na história. 
– Não é o suficiente. Estamos presos aqui até que não haja mais ninguém na Terra para salvar. 
– Eu estou contando cada segundo, como você, Cooper.

Ele digeriu em silêncio por um tempo. Não era o único que havia deixado alguém para trás. Seu pai ainda estaria vivo? Quantos anos ele tinha quando o deixaram? E Edmunds, talvez ainda esperando, esperando para virem resgatá-lo.

– De alguma forma podemos saltar no buraco negro e voltar alguns anos? – Perguntou finalmente.
Ela descartou a ideia com um abanar de cabeça.
– Não basta balançar sua cabeça para mim! – Ele retrucou.
– Tempo é relativo – disse Brand. – Ele pode esticar e comprimir, mas não pode correr para trás. A única coisa que pode mover-se através das dimensões, como o tempo, é a gravidade.

Ele sabia disso. Tinha lido isso. Mas não estava pronto para desistir. Brand não sabia tudo, o que estava bem claro.

– Os seres que nos trouxeram até aqui – disse ele. – Eles se comunicam através da gravidade. Eles poderiam estar falando com a gente do futuro? 
Ela ficou em silêncio por um momento.
– Talvez.
– Bem, se eles podem...
Brand o interrompeu.
– Preste atenção Cooper, eles são seres de cinco dimensões. Para eles, o tempo pode ser outra dimensão física. Para eles, o passado pode ser um desfiladeiro que eles descem, e o futuro, uma montanha que sobem. Mas para nós, não é assim, está bem? 
Ela tirou o capacete e fitou-o com franqueza.
– Sinto muito, Cooper, estraguei tudo. Mas você sabia sobre a relatividade. 
– Minha filha tinha dez anos – disse ele amargamente. – Eu não expliquei as teorias de Einstein antes de eu sair. 
– Você não poderia dizer que estava indo salvar o mundo? 
– Não. Como pai, a coisa mais importante é deixar seus filhos se sentindo seguros. O que exclui contar a uma menina de dez anos de idade, que o fim do mundo chegou. 
– Cooper? – Irrompeu CASE com urgência.

Ele olhou, embora já soubesse o que iria ver. Outra onda. Tinham tido mais do que sorte para sobreviver a primeira. E havia condições de fazê-lo novamente. Mas mesmo que conseguissem, seriam alagados novamente, e teriam que esperar mais um par de décadas.
Era agora ou nunca.

– Quanto tempo para os motores? – Perguntou.
– Um ou dois minutos – respondeu CASE.
– Nós não temos isso! – Cooper disparou. Tentou novamente os motores enquanto a onda pairava sobre eles. Tossiram e soltaram vapor. Mas foi só isso. Tentou novamente. Nada. E mais uma vez.
– Coloquem os capacetes – Gritou quando a onda veio sobre eles.

Cooper sentiu a nave sendo erguida conforme a água começava a subir. Sua mente correu desesperadamente através do painel de instrumentos, indicadores de potência.
Tinha que haver uma resposta... Talvez houvesse.

– Libere o oxigênio da cabine através dos principais propulsores – disse para CASE. – Vamos inflamá-lo. 

O robô não perdeu tempo. Houve um grito de ar saindo da cabine, aspirado para os motores.
Brand mal conseguiu colocar seu capacete a tempo.

– Vamos, agora!– Disse acionando os motores novamente.





Só tinham uma única chance.

Desta vez os motores explodiram com vida, impulsionando o Ranger para fora da onda em direção ao céu, mas a onda não estava disposta a desistir deles. Cooper observou a parede de água, o coração martelando. No último instante a nave venceu a crista monstruosa, livre.
Em seu último vislumbre da superfície, Cooper pensou ter visto o corpo sem vida de Doyle deitado na superfície, mas, em seguida, a onda eclipsou sua visão.

Virou o Ranger em direção ao céu e despejou potência.

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