sábado, 27 de junho de 2015

INTERSTELLAR - Greg Keyes (Final)



Amélia assistia chorando, enquanto CASE desenterrava o módulo de Wolf, soterrado sob uma enorme pedra. Apenas o robô e o deserto testemunharam a sua dor.
Seu olhar vagou sobre a areia cinza pálida, lavrada pelo vento e as rochas onde Edmunds passara seus últimos dias. Estava no crio-sono quando o desmoronamento aconteceu, dormindo à espera de um resgate que poderia levar anos.

***



Cooper aguardava ansiosamente, observando a porta do hangar trancada pelo último mecânico ao deixar o local. Esperou alguns minutos, até que de repente a porta se abriu, e ele sorriu para TARS.

***

Amélia se ajoelhou na frente da pequena cruz e nela pendurou a placa de identificação de Wolf.
O primeiro a morrer aqui, pensou, mas não o último. Estendeu a mão e abriu o selo em seu capacete. Tirou-o e sentiu o ar frio no rosto. Arriscou uma respiração lenta e profunda.
“Sozinha em uma galáxia estranha...”

***

Cooper apontou para um dos Rangers e TARS logo começou a trabalhar no mecanismo da escotilha, enquanto Cooper mantinha a vigilância no corredor.

***



Amélia respirou mais uma vez e outra. Sentiu o ar muito seco, cheirava a algo como sal e agulhas de pinheiro.
”Talvez agora, ela estivesse pensando em uma longa soneca.”

***

Com TARS ao seu lado, Cooper prendeu-se na cadeira do piloto, estudando os controles. O robô executou uma sequência de comandos e a porta do hangar abriu-se para a familiar escuridão entremeada de estrelas do espaço.
Cooper sorriu. Amanhã, todo mundo terá uma pequena surpresa.



***

Ainda provando o ar, Amélia colocou de lado seu capacete e olhou na direção do belo pôr do sol.
“A luz do nosso novo sol...”
Virou as costas para a estrela desaparecendo no horizonte e voltou para o acampamento. Havia muito ainda o que fazer, e ela era a única para fazê-lo. Mas sentiu, de alguma forma, que tudo agora ia ficar bem.
“Em nossa nova casa.”





FIM

INTERSTELLAR - Greg Keyes (Parte 26)



Murph olhou para as equações que ela tinha acabado de escrever, depois para o relógio. Se levantou e correu pelos corredores da base. Na pressa, esbarrou em alguém, Getty, mas não diminuiu seu ritmo. Seu pai. Depois de todos esses anos, ele estava de volta!

Chegou à baía de lançamento, a estação espacial cilíndrica gigantesca que nunca tinha sido destinada a voar, não tinha sido nada mais do que um trabalho para manter as pessoas ocupadas. Lembrou-se do orgulho do Professor Brand mostrando a coisa toda, mesmo acreditando que nunca iria funcionar.
Caminhou até a grade, maravilhando-se com ela, com os milhares de trabalhadores que ainda estavam realizando suas tarefas com afinco.
Getty a seguira e alcançou-a, com um olhar curioso no seu rosto.
Então ela virou-se para o enorme buraco e gritou o mais alto que pode.

– EURECA!

Viu o sorriso mudar a expressão n rosto de Getty.
– Bem, é tradição – disse ela atirando as folhas para o alto. – Eureca! – Repetiu, enquanto os papéis caiam pelo ar, atraindo o olhar dos trabalhadores para ela.
Então beijou os lábios de um muito surpreso e confuso Doutor Getty.

***

Cooper olhou ao longo da linha temporal do relógio, viu que parecia ramificar-se infinitamente.

– Será que funcionou? – Perguntou a TARS.
– Acho que sim. – O robô respondeu.
– Por quê? 
– Porque os seres estão fechando o tesseract – TARS respondeu de imediato.



Cooper olhou novamente para longe e viu que alguma coisa estava acontecendo. As linhas estavam a tornar-se folhas, e então volumes, como se a representação tridimensional criada para o cérebro humano voltasse para a sua realidade de cinco dimensões. Como se o universo colapsasse sobre ele.

– Você não entendeu ainda, TARS? Não são “Eles”, somos nós. Tentando ajudar como eu tentei ajudar Murph...
– Humanos não poderiam ter construído isto.
– Ainda não, mas um dia. Não eu e você. Outras pessoas. Uma civilização que terá evoluído além das quatro dimensões que conhecemos. 

Quando a expansão em cinco dimensões se apossou dele, Cooper pensou em Murph, e Tom, esperando que os tivesse salvo. Pensou que ele pelo menos teve um papel nisso tudo.
Não havia muito mais o que poderia pedir.

O que acontece agora? Pensou em voz alta.

 
Em seguida foi arrastado como se por uma enorme onda, como a Ranger no mundo de Miller. Não, foi mais como um rio em movimento rápido. Ou uma correnteza.
Além dele, viu estrelas e planetas nascendo, morrendo, decaindo em partículas, depois nascendo de novo, mais rápido e mais rápido através do espaço-tempo, um pedaço de papel, uma caneta abrindo um furo que... Onde estava indo agora? Estava feito, não? Conseguiu fazer o que pretendia fazer, agora era com Murph. E Brand.

Se perguntou onde Brand estava e o que estaria fazendo. Gostaria de poder explicar-lhe por que ele teve que deixá-la sozinha.

À sua frente viu uma distorção vítrea, dourada, e nela a Endurance, e por uma fração de segundo pensou que seu desejo tinha trazido-o até ela, mas depois viu que esta Endurance estava nova em folha, sem danos, prestes a entrar no buraco de minhoca.
Flutuou através dela e viu Brand e Romilly. Brand, veio chegando na sua direção.




Será que poderia se comunicar com ela? Provavelmente não, ou pelo menos nada de importante, uma vez que este era o passado. Para sua surpresa, ela o viu e estendeu a mão para ele, e ele percebeu que poderia se comunicar. Algo que talvez fosse importante.
Assim, na esperança de sentir o calor da mão dela, deu-lhe um aperto carinhoso. Mas quando seus dedos se uniram distorceram um ao outro, não foi tão comovente assim.

Um momento de silêncio em meio ao caos.
Ele viu o rosto dela, maravilhado.
Então, de repente foi arrastado para adiante.
O orbe sulfuroso de Saturno, de repente surgiu imenso...
Então tudo ficou em paz.


Cooper abriu os olhos ao ouvir a batida seca de um bastão de beisebol.
Sentiu uma leve brisa tocá-lo.
Piscou tentando se orientar.

Não está mais no traje espacial e sim deitado em uma cama de lençóis brancos. A cama estava em um quarto, e o quarto tinha uma janela que dava não para o espaço, mas deixava entrar luz do sol.
A visão foi obscurecida por cortinas, mas podia ouvir crianças rindo além.

– Senhor Cooper? Senhor Cooper?

Olhou para cima e encontrou um jovem com um queixo pronunciado e olhos verdes olhando para ele. Ao seu lado estava uma mulher com cabelo preto preso em um rabo de cavalo.
Não os conhecia e mesmo seu cérebro ainda atordoado, viu que estavam vestidos com roupas médicas, e que era um quarto de hospital.







Sentou-se, tentando lembrar como tinha vindo parar ali.
Tinha visto Brand, e depois... Saturno... Qualquer modalidade de salvamento levaria dois anos até alcançá-lo.
Então, por que não estava morto?
– Vá devagar senhor – o médico o advertiu. – Lembre-se que não é mais um jovem. Na verdade, você tem 124 anos. – Sorriu.
Cooper não se sentia mais velho do que quando tinha deixado a Terra. Dilatação do tempo, pensou.
– Você foi extremamente sortudo – continuou o homem. – Os Rangers o encontraram minutos antes de seu suprimento de oxigênio acabar. 
Rangers? Em torno de Saturno? Por quê? Teria havido outra expedição?
– Onde estou? – Perguntou por fim.

O médico olhou um pouco surpreso, mas, em seguida, foi até a janela e abriu as cortinas.
Não havia propriamente um céu, apenas a curva superior de um enorme cilindro, com casas de cabeça para baixo, árvores, campos, e piscinas.
Cooper sabia que tinha visto isso antes, ou algo assim. De volta à base da NASA na montanha.

– Estamos na Estação Cooper – disse o médico. – Atualmente na órbita de Saturno. 
Lutou para levantar-se e a enfermeira veio em seu auxílio, ajudando-o a ficar de pé e caminhar lentamente para a janela. Lá fora, sob o céu de cabeça para baixo, algumas crianças estavam jogando beisebol.  Um rebatedor acabara de acertar a bola que zuniu para o alto. Ele seguiu-a subindo, diminuindo a velocidade, quase parando no ar e então acelerando novamente quando cruzou o eixo imaginário da estação e continuou ‘caindo para cima’.

As crianças gritavam advertências quando a bola quebrou uma claraboia literalmente no outro lado do mundo.

– Interessante a nomearem em minha homenagem – ele disse.
A enfermeira deu uma risadinha. Mas quando olhou, o médico estava dando a ela um olhar divertido.
– O quê? – Perguntou Cooper.
– Não foi em sua homenagem, foi em homenagem à sua filha...
Cooper sorriu de seu erro.  Claro que sim.
– Embora ela sempre frise o quão importante você foi. – Acrescentou o médico rapidamente.
Isso trouxe à tona uma dúvida que ele não tinha certeza se queria que fosse esclarecida. Se ele tinha cento e vinte e quatro, se oitenta e tantos anos se passaram desde que deixou a Terra...
– Ela... ainda está viva?
– Sim. Ela virá para cá em algumas semanas. Está muito velha para ser transferida, mas ao saber que você tinha sido encontrado... Afinal, é de Murph Cooper que estamos falando.
– Sim, é.
– Nós teremos que fazer-lhe um check-up por um par de dias – o médico afirmou. Então, ele e a enfermeira deixaram Cooper sozinho.
O plano A, pensou olhando para a estação. A fantástica obra do Professor Brand alcançara seu objetivo, algo que o velho nunca acreditara que iria ocorrer.

O doido plano A.

***

O administrador da Estação Cooper era um rapaz muito alegre e jovem. Trinta anos no máximo, sem nenhum indício de fios brancos em seu cabelo preto encaracolado.

– Ficará animado ao ver o que temos guardado para você– disse para Cooper, levando-o ao longo de uma passarela dentro de um hangar.

No hangar o olhar de Cooper encontrou uma fila de Rangers que não eram iguais aos que ele havia voado, mas uma nova geração, mais elegante do que a anterior. Agradáveis de se ver. O quão diferente seriam, se perguntou. Adoraria subir em um, e olhar os controles. Seriam impulsionados por algum tipo de unidade de gravidade, como a estação parecia ser?
Mas seu guia sequer olhou para as belas naves. Não era para onde estavam indo.

– Fiz um trabalho sobre você no ensino médio. Sei tudo sobre sua vida lá na Terra.
Entraram no que seria a praça da cidade, bastante comum, se não estivesse na órbita de Saturno.
– Então, quando fiz a minha sugestão para Miss Cooper, fiquei muito feliz ao saber que ela achou que seria perfeito. 

Cooper parou olhando para a fazenda.

 
O quintal, sua casa, a mesma varanda onde ele e Donald secavam algumas garrafas de cervejas à noite. O lugar onde seus filhos nasceram, onde Murph tinha virado as costas para ele.
Mas parecia limpa, recém-pintada.
Quando se aproximaram, um monitor veio à vida, e a imagem de um velho apareceu nele.


– 14 de maio. Nunca esquecerei. Claro como um sino. Você nunca imaginaria.
Depois Cooper viu o rosto de outro homem, também de idade, dando um depoimento.
– Quando a primeira das verdadeiras tempestades aconteceu – disse – pensei que era o fim do mundo. 
– É óbvio que eu não falei com ela pessoalmente. – Disse o guia de Cooper
– Claro, meu pai era um fazendeiro... outro monitor, e desta vez a voz de uma mulher, trêmula com a idade.

Logo estavam dentro da casa. Outra tela acordou quando entraram na cozinha, mais pessoas velhas falando sobre a poeira. Sua casa era agora uma peça de museu.
– Mas ela confirmou o quanto você amava a agricultura – concluiu o administrador com orgulho.
– Ela disse, hein? 
Bem, pelo que havia realizado, Murph ganhara o direito de fazer uma pequena piada às suas custas. Assim, ele iria viver em um museu, e ser sua exposição principal.
Quem sabe mostrar para as crianças como se plantava a moda antiga?
Notou uma coisa na sala que não se encaixava na cena pastoral, um robô, bastante familiar.

– É...? 
– O robô que encontramos perto de Saturno quando foi resgatado, sim. – O homem confirmou. – Sua fonte foi danificada, mas poderíamos adaptar outra, se quiser tentar. 
Cooper assentiu.
– Sim, por favor.



***

Naquela noite, Cooper voltou ao hangar e aos Rangers de patrulha, admirando suas linhas elegantes, invejando os pilotos enquanto deixavam as cabines.
Não estava completamente certo do que o levara até lá. Alguns dias atrás, fizera o máximo para retornar à Terra e nunca mais voltar ao espaço, ou entrar em uma nave espacial. Agora, bem, não tinha certeza do que queria fazer.
O plano A tinha acontecido, ele fora capaz de ajudar e Murph conseguira... isso era mais do que gratificante. Mais do que ele poderia pedir. Mas havia uma desvantagem de cento e vinte e quatro anos.

Nunca iria ver Tom novamente. Seu filho tinha morrido quase duas décadas atrás, e Cooper, seu neto tinha biologicamente idade para ser seu pai. Quase todo mundo que conhecia estava morto, menos Murph.
Quanto a Murph, não sabia como seria. Para ele havia passado pouco mais de anos desde que se sentaram juntos em sua cama. Para ela, no entanto, tinha sido uma vida inteira. Ele tinha estado longe a maior parte de sua vida.

Como se desculparia por isso?

Suspirando, fez o seu caminho de volta para a casa da fazenda transplantada, sem se apressar, observando as estranhas paisagens da Estação Cooper.

Como a Endurance, o enorme cilindro girava em seu eixo imaginário. A abertura através da qual as naves decolavam era essencialmente o polo norte. Também o sol estava lá. Espelhos refletiam a luz solar, enormes espelhos, grandes o suficiente para concentrar a luz do fraco e distante sol, ampliando o suficiente para iluminar o interior da estação. Computadores mantinham-no focado, e ao anoitecer, moviam-se para deixar de refletir, simulando assim o ciclo de sono da Terra, ou pelo menos algo parecido. O Mundo de Edmunds não tinha o mesmo ciclo de dia e noite como a Terra, e uma vez que o eventual objetivo era viver lá, a Estação Cooper e suas estações irmãs, gradualmente modificavam o comprimento de cada dia. O ritmo circadiano humano tinha sido o mesmo há milhões de anos, e pedir para um corpo mudar muito rapidamente, era geralmente considerada como uma má ideia.

Se perguntou como Brand estaria se virando. A dilatação do tempo tinha sido a mesma para eles. Quando saiu no espaço próximo a Saturno, ela ainda estaria chegando no mundo de Edmunds.
Quando pensava em tudo o que ela teria que realizar por conta própria, alcançar o mundo de Edmunds através de várias correções de curso, colocar a Endurance em uma órbita estável, carregar a bomba populacional no modulo de pouso, junto com qualquer outra coisa que fosse precisar, já que não haveria combustível suficiente para voltar a Endurance uma vez que tivesse pousado...Pousar por si só, já apresentava o seu próprio conjunto de desafios.
E se o ambiente fosse instável? Os outros planetas não tinham sido fáceis. Mesmo se o pequeno ponto vermelho fosse habitável, o que garantia que não tinha suas próprias surpresas?
E então, depois de tudo isso, teria que construir um acampamento, uma casa para as crianças que viriam.

É claro que não estava totalmente sozinha. Ela tinha CASE, e quem sabe Edmunds ainda vivo.
Ele tentou imaginar o encontro dos dois, mas descobriu que não queria pensar nisso. Sem dúvida, Wolf era um bom rapaz, e Cooper esperava, por Brand, que ele ainda estivesse vivo. Esperava que sim, de verdade. Mas não queria pensar muito sobre isso.

Talvez já tivessem enviado alguém para ajudá-la. Qualquer Ranger seria capaz de fazer a viagem, com o buraco de minhoca ainda estável, exatamente onde tinha estado.
Resolveu que perguntaria ao Administrador, quando o visse de novo.
Com ou sem Wolf, Brand precisaria de ajuda.

***

Quando ele voltou para a casa da fazenda, descobriu que a nova fonte de alimentação tinha sido trazida, como prometido, e assim começou o trabalho de trazer TARS de volta à vida.

– Configuração – TARS disse. – Configurações Gerais, ambiente de segurança. 
– Sinceridade, nova configuração – disse Cooper. – Cenário novo, 95%. 
– Confirmado – TARS respondeu. – Personalização adicional? 
– Sim – disse Cooper. – Humor 75%. Aguarde... 60%. 
– Este lugar – TARS disse. – Era assim a sua vida na Terra? 
– Bem, nunca foi tão limpo – respondeu Cooper olhando ao redor para a sala imaculada, e então além, através das janelas, as casas e as árvores que representavam um simulacro da Terra.
– Eu não tenho certeza se eu gosto de fingir que estamos de volta de onde viemos – murmurou.

***

Uma enfermeira estava esperando por Cooper quando ele, nervoso, chegou a sala de espera do hospital. Ele não tinha certeza do que aconteceria, não tinha certeza de como se sentia.

– Ela está...? – Ele interrompeu a pergunta, sem ter certeza do que ele queria perguntar.
– A família está toda lá – a enfermeira disse a ele.
– A família?
– Todos vieram vê-la. Ela esteve em crio-sono por quase dois anos – disse indicando a porta.
Cooper respirou fundo e abriu-a.
Ela estava na cama, cercada por pessoas que ele não conhecia, mas muitos deles tinham pequenos traços de Murph em seus rostos. Filhos, netos, bebês...

E Murph.


 A família se afastou quando ele se aproximou. Alguns deles estavam sorrindo, outros olharam curiosos, intrigados.
Um garotinho se escondeu atrás da perna de sua mãe.
Ela parecia muito velha, e muito frágil, mas em seus olhos ele podia ver sua filha, a menina com os cabelos flamejantes, e a bela mulher repreendendo-o pelo sistema de comunicação.
Murph, em todos seus estágios da sua vida.
Haviam lágrimas naqueles olhos, mas seu rosto estava alegre. Ela estendeu a mão para ele.

– Murph– disse ele com a voz embargada.
– Pai – ela sussurrou. Acenou para os outros, e eles silenciosamente recuaram.
– Você disse que eu gosto de agricultura – disse ele divertido.
Ela sorriu aquele mesmo sorriso travesso de quando a pegou escondida em seu caminhão.
– Murph – disse ele depois de um tempo. – Era eu. Eu era o seu fantasma. 
– Eu sei – respondeu ela levantando o punho, mostrando-lhe o relógio. – As pessoas não acreditaram em mim. Eles pensam que eu fiz tudo sozinha. Mas eu sabia quem era...
Ele olhou para ela espantado, orgulhoso, feliz e com o coração partido, tudo ao mesmo tempo.
– Um pai olha nos olhos de seu filho – Cooper disse – e pensa que talvez o filho vá salvar o mundo. 
Murph sorriu e agarrou sua mão um pouco mais apertada.
– Ninguém me acreditava, mas eu sabia que você ia voltar.
– Como? – Perguntou Cooper.
– Porque meu pai me prometeu – ela respondeu.
Cooper sentiu as lágrimas escorrendo pelo seu rosto.
– Eu estou aqui agora. Estou aqui por você Murph. 
Mas Murph balançou a cabeça e disse: – Nenhum pai deveria ver a filha morrer. Meus filhos estão aqui comigo. Vá. 
– Para onde? 
– É tão óbvio – Murph suspirou.

E ela lhe disse.

Quando terminou, poucos segundos depois, a família voltou, atraída por ela como se por gravidade.
Ele viu o amor que sentiam por ela, e ela por eles. E mesmo que também fosse sua família, era como se ele estivesse olhando-os de outra dimensão, como se mais uma vez fosse o fantasma de Murph.
Ele saiu do quarto, mas as palavras de sua filha ainda o remoendo.

“É tão óbvio. Brand. Ela está lá fora.”

INTERSTELLAR - Greg Keyes (Parte 25)



Murph estava em seu quarto, a luz avermelhada do crepúsculo desaparecendo além da vidraça da janela. Sentou-se na cama e olhou para dentro da caixa. Tirou o modelo do módulo lunar, lembrando-se um pouco com tristeza de como havia dado um soco no garoto que dissera que as missões Apolo foram falsificadas, mas mesmo agora, não lamentava aquilo ou a briga maior que se seguiu.
Ela olhou para os livros.

– Vamos Murph! – Ouviu Getty gritar do lado de fora. – Nós não temos muito tempo. 

***

Cooper viu algo saindo da escuridão, algo reluzente e branco, como um punhado de areia lançada por um gigante em um turbilhão. Conforme a Ranger mergulhou, tornou-se uma correnteza brilhante de diamantes do tamanho de granizo. Foi lindo e aterrorizante, mais ainda este último, uma vez que começou a bater contra o casco. A nave inteira estremeceu quando o granizo se tornou vermelhos como rebites quentes, rasgando a Ranger em pedaços.

– Sobrecarga da célula de combustível – o computador informou. – Destruição iminente. Iniciando ejeção. 



Ejetar para aquilo? Sua voz interior chiou. Mas ele não teve escolha, e pela segunda vez em sua vida, viu os controles serem arrancados involuntariamente de suas mãos, e ele foi atirado para fora, em meio a explosões, para o buraco do coelho infinito. Finalmente gritou, porque sua mente não podia lidar com aquilo, e tudo o que restava era uma parte dele que não podia pensar, mas só reagir, tão antiga quanto o primeiro primata, o primeiro mamífero, o primeiro verme.
Então, sem aviso, algo como uma grande mão invisível puxou-o para o lado, afastando-o da corrente de detritos. E em direção a alguma coisa. Algo que de alguma forma não parecia pertencer aquele lugar. Uma grade de algum tipo de uma série infinita de cubículos, cada abertura quadrada sucedendo quase idênticas...

Não, não cubículos, mas túneis.

Sem abrandar a velocidade foi arremessado de pé contra um deles, batendo dolorosamente contra a lateral. Ainda gritando, começou a chutar enquanto as paredes eram feitas, e sentiu que isso retardou sua queda. Era como se a passagem fosse feita de tijolos moles. E era estranhamente familiar, nada do que pensou que poderia encontrar dentro de um buraco negro. Chutou de novo, e acrescentou os braços no esforço de reduzir seu impulso para frente. Este diminuiu ainda mais, chegando, por fim, felizmente, a parar. Naquele momento, tudo era calma, não mais caia, não havia mais movimento, apenas flutuando em um espaço estranho que parecia mais familiar a cada instante. Teve tempo de se perguntar se estava morto, ou sonhando, ou apenas preso no horizonte de eventos do buraco negro, congelado no tempo, sua mente reproduzindo estranhas fantasias para o resto da eternidade.

Deixando de lado as possibilidades de que estava morto, ou sonhando, não podia fazer nada, se fosse verdade, estendeu a mão para a parede. Se realmente estava acontecendo, então onde diabos ele estava?

Como poderia um espaço transdimensional dentro de um buraco negro ser feito de tijolos?
Mas não se pareciam com tijolos... Por um lado, eram mais finos do que a maioria dos tijolos, e não tão densos. Cada um tinha duas bordas externas grossas juntando centenas de linhas muito finas, como papel de...
Como livros...



Se você estivesse na parede onde está encostada a estante. E cada livro transmitisse uma linha espectral da luz, como se cada livro deixasse um rastro.
A luz criava uma vasta matriz em torno dele, indo em todas as direções.
Empurrou um dos objetos, e este mudou de forma. Empurrou mais forte, e, em seguida mais, até que finalmente estalou completamente e sumiu de vista.
Espiando através da abertura ele a viu.




 
Ela tinha dez anos e seu cabelo estava molhado. Tinha uma toalha ao redor do pescoço, e estava se virando, assustada com o livro caído.

– Murph? – Ele chamou. – Murph? 

Mas ela não reagiu, ficou lá olhando para as prateleiras, para o livro no chão, que ele já não podia ver. Então ela veio com cautela em direção da prateleira e se abaixou. Quando apareceu de novo, estava segurando um brinquedo quebrado.
O módulo lunar.

***


 
No crepúsculo, Murph virou o modelo na mão, lembrando-se, perguntando-se.
Lá fora, Getty estava soando urgente. Mas ela sentia, de alguma forma, que havia algo ali.

***

Cooper viu sua filha de dez anos de idade, examinar o modelo quebrado.

– Murph! – Ele tentou de novo. – Murph!

Mas ela ainda não o ouviu. Ela virou-se e saiu, e ele sabia onde ela estava indo, para a mesa do café, onde ele iria castigá-la por ser não-científica, e não cuidar das “nossas coisas”.

Desesperado, olhou em volta e percebeu que estava em algo como um cubo, e cada parede do cubo exibia o quarto de Murph de um ângulo diferente, como se o quarto tivesse sido virado do avesso.
E não era apenas o quarto, a estante. Viu a matriz de luz de múltiplas iterações do quarto, talvez infinitos túneis e passagens que iam em todas as direções, emolduradas, em conjunto pela luz que fluía a partir dos livros, as paredes, os objetos do quarto.

Era desorientador, e ele desejou que Romilly estivesse ali para explicar o que estava acontecendo.
Tinha que pensar em mais dimensões, mas sua mente só fora construída para lidar com três.
E ele ainda estava em queda livre, flutuando ao redor e usando o impulso para mudar a cada iteração do quarto de Murph. Puxou e socou mais dois livros. Através da brecha resultante viu um quarto vazio. E não ficou vazio por muito tempo, no entanto. A porta abriu e ele entrou. Seu eu mais jovem, parecendo incomodado com alguma coisa. Um momento mais tarde, Murph entrou também.
Cooper se chocou com os livros, chutou outro para fora, furiosamente determinado a ter sua atenção.

***

Murph esfregou a mão sobre a mesa velha, lembrando-se de anos atrás, quando tinha empurrado-a para frente da porta bloqueando-a, com raiva e triste por que ele iria embora.

***

Cooper observou Murph colocar a cadeira em cima da mesa, completando a barricada da porta. Um instante depois, ele viu ela mover-se, como se alguém, não, não alguém, mas ele, tentava entrar.
– Vá embora – disse Murph. – Se você está indo embora, vá agora! 

***

Cooper se virou para outra parede, e viu a si mesmo do outro lado da porta.

– Não vá, seu idiota! – Gritou quando o outro Cooper fechou a porta, para deixar Murph esfriar a cabeça.

O movimento errado. – Não deixe seus filhos, maldito idiota! – Gritou.
Ele começou a socar as paredes, mas não cegamente. Sabia o que fazer.
– FI – disse ele. – FI...
Murph estava atenta agora. Ela não parecia assustada, mas espantada, animada e interessada.
– ...CA.
Parou para recuperar o fôlego, em seguida, assistiu a frustração de seu eu anterior.
– Fica, seu idiota! – Gritou. – Diga a ele, Murph, para ficar...
Ele assistiu entorpecido quando lhe deu o relógio e ela o atirou longe.
– Murph – implorou. – Diga a ele de novo! Não o deixe sair...
Começou a chorar, a enorme frustração de ter que assistir a tudo, e não ser capaz de fazer qualquer coisa, era demais para segurar. Mais uma vez, ele se perguntou se estava morto, se este era o Inferno. Porque ele tinha certeza que sim.

***

Murph pegou seu velho caderno e começou a pesquisar, parando quando chegou ao código Morse para a interpretação das lacunas nos livros.
FICA.
Ela olhou por sobre o caderno, de volta aos livros, e sentiu algo quase como uma rajada de vento passar por ela, como se algum lugar escondido tivesse sido de repente revelado.
Foi para as prateleiras, e começou puxando os livros para fora.
O cheiro de milho queimado veio do andar de baixo, pois a porta fora deixada aberta por ela.

***

 
– Murph – Cooper soluçou. – Não me deixe ir embora.
Mas seu outro eu se virou, indo para a porta.
Cooper gritou batendo nos livros com toda sua força. Um caiu, e o outro Cooper olhou para ele... e se foi.
Cooper colocou a cabeça contra os livros, chorando.

***

Murph olhou para as lacunas que tinha feito nos livros, e depois de volta para seu caderno.
A garganta apertada.
– Papai – sussurrou. – Foi você. Você era o meu fantasma...
Lágrimas surgiram, não de dor, raiva ou tristeza, mas da maior alegria que sentira em muitos, muitos anos.
Ele não a tinha abandonado. Ele tinha sido o fantasma dela o tempo todo.

***

Cooper ainda estava chorando quando ouviu seu nome, mas não havia ninguém lá, e ele
então percebeu a voz vinha de seu rádio e reconheceu-a.
TARS.

– Você sobreviveu – disse Cooper.
– Em algum lugar – TARS concordou – na quinta dimensão. “Eles” nos salvaram. 
– Quem são “Eles”? E por que iriam nos ajudar?
– Não sei, mas construíram esse espaço tridimensional na realidade penta dimensional deles, para você poder compreender. 
– Não está funcionando! – Cooper explodiu.
– Está sim. Você viu que o tempo aqui é representado como uma dimensão física. Você mesmo descobriu que pode exercer uma força através do espaço-tempo. 
Cooper franziu a testa, tentando entender. E então, de repente, conseguiu.

Os raios de luz a partir dos livros eram caminhos através do tempo. Mostrando que cada coisa no quarto de Murph estava indo e vindo no tempo. E a força que ele estava exercendo...

– Gravidade. Para enviar uma mensagem...
Ele olhou ao redor dos túneis infinitos, as infinitas Murphs, as linhas dos livros, prateleiras, tudo no quarto podia ser visto em toda e qualquer direção.
– Gravidade atravessa as dimensões, incluindo o tempo – disse.

Quando apertava uma tecla em um painel de controle, não era ela que agia sobre a nave. Era apenas algo que traduzia a sua intenção aos mecanismos que realmente podiam agir. Da mesma forma, embora sentisse como se estivesse socando os livros com seus punhos e pés, de fato não era possível. Seu corpo físico, esse corpo físico não conseguiria. Mas a gravidade sim. Como TARS disse, a gravidade atravessava as dimensões. Quando ele socava um livro, o que ele realmente estava fazendo era enviar um pulso através do espaço-tempo, uma alteração gravitacional que era responsável por mover os livros.

Em outras palavras, ele era a fonte da anomalia gravitacional, e “Eles” haviam lhe dado o controle da maneira mais natural possível, fazendo-o com seus sentidos, o controlador.
Percebeu de repente que havia um motivo para tal. Algo além de observá-lo cometer o maior erro de sua vida, de novo e de novo. Ele só tinha que entender as ferramentas que lhe haviam sido dadas, e determinar o que fazer com elas.
Começou a contar os livros.

– Você tem os dados quânticos – disse Cooper para TARS.
– Estou transmitindo-o em todos os comprimentos de onda– TARS confirmou – mas nada está acontecendo. 
– Eu consigo fazer isso...

Estendeu a mão para uma das linhas de tempo, e puxou na sua direção. Para sua delícia, uma onda correu pela linha, como uma corda de violão vibrando, afetando o livro onde queria.
– São dados complicados – disse TARS. – para enviar a uma criança.
– Não é qualquer criança – afirmou Cooper.

***

Na penumbra do quarto, ela olhava intrigada para o caderno.
Sabia que devia haver algo mais agora. Uma resposta.
Seu pai tinha estado aqui, como fantasma. Onde estaria agora?
– Murph! – Getty gritou, soando mais frenético do que nunca. – Vamos!


Cooper viu Murph olhando pela janela, e sabia que o Cooper daquele tempo estava dirigindo em direção a NASA, da Endurance.

– Mesmo se você conseguir se comunicar – TARS declarou – ela não irá reconhecer a importância da mensagem por muitos anos...
Cooper se sentiu irritado. Depois de todo o medo e frustração, que queimavam dentro dele, aquele novo sentimento proporcionou uma mudança bem-vinda.

– Pense em algo! – Retrucou. – Todo mundo na Terra vai morrer!
– Cooper – TARS disse: – Eles não nos trouxeram aqui para mudar o passado.
É claro que eles não. Cooper fez uma pausa, acalmando-se. Não se podia mudar o passado. Mas havia outra coisa... algo sobre o que TARS dissera. “Eles” não me trouxeram aqui para mudar o passado. “Eles”...
– Nós nos trouxemos até aqui – disse ele, e impulsionou seu corpo para outra posição, encontrou outro ângulo, viu o quarto em um momento um pouco diferente, cheio de poeira da tempestade, a tempestade que desabou sobre eles no jogo de beisebol. Murph havia deixado a janela aberta.
– TARS – disse estudando a poeira. – Me passe as coordenadas da NASA em binário. 
Com os dedos traçou o padrão, as linhas que tinha encontrado no quarto.

***

Ela passou o dedo ao longo da janela e examinou a poeira, lembrando-se do padrão ao chão naquele dia, e de como ficou feliz que seu pai acreditara nela. Mais ou menos. Ele nunca acreditou completamente, apenas a parte que queria acreditar, essa parte que dizia que ele tinha sido escolhido para ir para o espaço. E ainda assim ele era o fantasma. Ambos. Dando-se as coordenadas que o levaria a NASA, mas também dizendo a si mesmo para ficar.
Contradição. Como a própria gravidade.
Ela olhou ao redor, procurando alguma coisa para reconciliar-se. Esta seria a última vez ali, pois Tom nunca iria deixá-la entrar em casa novamente.
– Vamos lá, papai – implorou. – Tem mais alguma coisa aqui? 

***

Cooper olhou o padrão traçado.
– Você não vê, TARS? Eu me trouxe para cá. Estamos aqui para nos comunicar com o mundo tridimensional. “Nós” somos o elo!
Mudou-se ao longo de outra versão do quarto. Murph estava lá, pulando da cama, agarrando o relógio que tinha atirado longe e correndo porta afora...

***

Murph enfiou a mão na caixa e pegou o relógio, pensando no pequeno momento de esperança, a pequena experiência que ela e seu pai fariam juntos, até perceber quanto tempo ele ficaria longe dela, sem mesmo saber se voltaria.
Passada a raiva, ela manteve-o junto dela e esperou. E ele não retornou. Nunca puderam compará-los.
Foi na direção da estante.

***

Cooper empurrou-se ao longo das linhas dos livros, seguindo as posições no tempo.
– Eu pensei que “eles” haviam me escolhido – disse Cooper. – Nunca fui eu. “Eles” escolheram Murph. 
– Por quê? – Perguntou TARS.
– Para salvar o mundo!
Ele assistiu Murph com dez anos voltar ao quarto, chorando, segurando o relógio. Era difícil de assistir, mas ele o fez.
Depois de um momento, ela colocou o relógio em uma prateleira.

***

Murph suspirou e colocou a caixa na prateleira.
Se alguma vez tinha havido qualquer outra coisa ali, agora tinha ido embora.
Tinha que salvar o que podia. E agora significava salvar Lois e Coop.

***

Cooper se movimentava rápido agora, quarto após quarto através do espaço-tempo.
Foi do quarto de Murph para um quarto abandonado, com vislumbres do que poderia ser um menino, embora ele nunca teve uma visão perfeitamente clara.

– Tudo isso é o quarto de uma garota. Cada momento. É infinitamente complexo. “Eles” têm acesso ao tempo-espaço infinito, mas não são presos a nada – disse para TARS. – Não conseguem achar um lugar específico no tempo para se comunicar. Por isso estou aqui. Acharei como contar para ela, assim como achei este momento...
– Como? – Perguntou TARS.
– Amor, TARS. O amor, assim como Brand disse. É assim que encontramos as coisas aqui. O amor, como gravidade, se move através do tempo e das dimensões.
– Então, o que devemos fazer?
Cooper olhou para os livros. Não serviria, e também não seria o modelo do módulo lunar. Mas o relógio na prateleira, até onde ele podia ver...
– O relógio. É isso. Ela vai voltar por ele. 
– Como você sabe?

E mais uma vez ele sentiu a certeza, um puxão tão forte quanto um buraco negro. Forte como a atração que tinha lhe trazido até ali. Isso traria Murph de volta também.

– Porque eu dei a ela. 

Examinou o relógio por um momento. Teria de ser algo simples, binários, ou...

– Mandaremos os dados através do ponteiro dos segundos. TARS, converta os dados em Morse e me transmita...
Ele agarrou a linha do tempo que ligava o ponteiro dos segundos com todas as suas iterações, e puxou o tempo, longo e curto; ponto e traço.
– E se ela nunca voltar por ele? – Perguntou TARS.
– Ela vai – ele insistiu, enquanto o pequeno ponteiro começou sacudindo para trás e para a frente.
– Ela vai. Eu posso sentir isso.

***

Murph estava se virando para sair quando Getty gritou histericamente que Tom estava vindo. Mas, ainda assim algo a segurava. Ela se voltou para a caixa, tirou o relógio de dentro e observou-o.

– Murph? – Getty gritava. – Murph!

***

Quando ela saiu de casa, Getty segurava uma barra de ferro, assistindo a um Tom irritado, saltando da caminhonete preta de fuligem. Lois e Coop assistiam com medo em seus rostos.
Mas Murph correu direto para o irmão.

– Tom! Ele voltou... ele voltou!
A expressão feroz de Tom deu lugar a perplexidade.
– Quem? 
– Papai. Era ele. Ele veio nos salvar. 

 
Triunfante ela levantou o relógio com o ponteiro de segundos se comportando estranhamente.

INTERSTELLAR - Greg Keyes (Parte 24)

 
O interior da Endurance estava uma bagunça só. Tudo o que poderia ser solto tinha sido, juntamente com algumas coisas que supostamente não podiam. Sem gravidade os detritos giravam loucamente, por todos os lugares, fora os jatos de vapor e ar escapando a partir de rupturas no casco danificado.
CASE e TARS lidavam com os sistemas em estado crítico enquanto Cooper e Brand faziam um inventário do resto da nave.

Até aquele momento, Cooper poderia dizer que a bomba populacional ainda estava intacta e funcional. Brand faria uma análise mais profunda depois. Pessoalmente, ele descobriu que odiava a visão daquela coisa. Podia significar vida para a raça humana, mas representava a morte de seus filhos. Na verdade, a raça humana era mais do que uma coleção de organismos biológicos solitários. Era o resultado de um milhão de anos de existência da espécie, um milhão de anos de histórias, mitos, ideias importantes e sem sentido, poesia, filosofia, engenharia, ciência.

Ser humano era herdar um pai, um irmão, uma família, uma comunidade, uma cidade, uma cultura, uma civilização. Os seres humanos não tinham sido somente objetos biológicos desde antes de se tornarem humanos.

Claro que ele e Brand poderiam trazer alguns milhares de entidades biologicamente humanas à vida com aquela coisa, mas poderiam os dois realmente substituir a imensa teia de herança? Realmente estariam salvando a raça humana? Recuperar uma única semente de uma floresta antes que fosse queimada, não significa que salvou a floresta. Você nunca poderia replicar sua arquitetura intrincada, seu ecossistema único.

Embriões humanos descongelados não iriam “salvar” a raça humana.

A raça humana, como ele conhecia, iria morrer. O que quer que saísse daquela máquina, seria algo diferente. Talvez melhor, talvez pior, mas não o mesmo.

CASE pediu por sua atenção. – Estamos indo na direção de Gargantua. Devo usar os motores principais? 
– Não!– disse Cooper, com firmeza. – Deixe-nos deslizar enquanto pudermos. 
Ele estava pensando sobre isso. Não podia ter certeza de tudo, mas sabia que evitar Gargantua não iria levá-los a qualquer lugar. Tomou impulso contra uma parede e voou para onde TARS soldava um anteparo.
– Então, o que temos? 
– Temos boas e más notícias – TARS começou.
– Conheço essa história, TARS. Diga de uma vez!


***

Amélia sentiu um arrepio de pavor quando Cooper entrou. Parecia que estavam presos a sucessivos desastres, um após o outro. Seja qual fosse a notícia que pudesse ter, as chances eram de que não seria nada de bom.

Ela estava tentando se ocupar com seus deveres, principalmente fazendo o possível para poderem implementar o plano B. A bomba populacional tinha sido bastante agredida, mas nada que não conseguisse consertar com uma pequena ajuda de CASE. Fizeram uma correção temporária que exigiu canibalizar o crio-leito de Romilly, ele não iria mais precisar dele. Uma vez que descessem ao planeta, ela poderia usar algumas partes da Endurance para terminar o conserto.

Não poderiam descongelar todos os embriões de uma só vez, a bomba precisaria continuar a funcionar durante décadas, pelo menos.
Ela se perguntou quantos filhos ela e Cooper seriam capazes de criar, agora que eram apenas os dois. Cinco? Dez? Pelo menos ele tinha alguma experiência nesse sentido.
Você quer uma família grande, Coop? Esta iria ser uma conversa estranha. Provavelmente dolorosa também, ao menos para ele. Mas tudo podia ser em vão, de qualquer maneira, a Endurance podia não ser capaz de transportá-los, por conta do dano que sofrera. E, mesmo se pudesse, o planeta de Edmunds seria melhor do que os outros? E se “Eles”, quem quer que fossem os misteriosos arquitetos, estivessem realizando uma peça cruel com eles, este tempo todo? Ou, talvez pior, não possuíam qualquer conceito real do que os seres humanos precisavam para estabelecer uma nova casa?

Se fosse pedido a uma pessoa comum encontrar um novo ambiente adequado para bactérias que viviam de quimiossíntese em torno de fontes hidrotermais, ela saberia por onde começar? E se a diferença entre tais bactérias e o Homo Sapiens não fosse significativa para  seres que vivem em cinco dimensões e conversavam através de gravidade?
Alguns organismos da Terra bem que poderiam viver muito bem em ambos os planetas, de Miller ou Mann. Só que não serviriam para a vida humana. Se realmente sabiam o que estavam fazendo, por que não poderiam apontar um mundo bom para eles?
Mas então ela se lembrou da imagem distorcida quando passavam pelo buraco de minhoca, e não teve coragem de acreditar que havia um engano envolvido nisso tudo. E ainda tinha fé em Wolf, em seu planeta, em tudo que ela tinha dito naquele dia, tentando convencer Cooper e Romilly sobre ser a melhor opção.

O planeta de Edmunds era onde eles precisavam ir. Só tinham que chegar lá. O que, para ela, já não parecia provável.
Esperou que Cooper dissesse o que tinha vindo dizer a ela.
Ele parou ao alcance do braço dela. Ambos ainda selados em seus trajes espaciais, mas ainda assim sentiu-se confortável com esta proximidade.

– O sistema de navegação foi totalmente destruído. E não temos suporte de vida o suficiente para voltar a Terra. Mas... – acrescentou – acho que conseguiremos chegar ao planeta de Edmunds. 

Ela tentou ler seu tom de voz, sua expressão. Ela sabia que isso tinha que ser devastador para ele, e o alívio, não, a felicidade que ameaçava dominá-la teve de ser mantido sob controle. Ela não podia deixá-lo ver. Wolf podia estar vivo, ou morto. Mas para saber, saber com certeza, só fazendo a viagem.

– E quanto ao combustível?  – Perguntou ela, tentando fixar-se nos aspectos práticos da situação.
– Não é o suficiente. Mas eu tenho um plano. Vamos deixar Gargantua atrair-nos até perto do horizonte e, em seguida, usamos esta atração para escapar e nos impulsionar até Edmunds. 
Ele explicou com tanta facilidade que poderia muito bem ter falado sobre fazer um passeio em uma caminhonete. No entanto, ela sabia que não era assim tão fácil.
– Manualmente? 

Cooper tinha se mostrado um grande piloto, mas ainda assim era apenas humano. Como faria uma manobra ‘estilingue’ em torno de um buraco negro sem o sistema de navegação? O menor erro iria mandá-los para Gargantua e sua singularidade.


– É para isso que fui treinado – disse ele confiante.
Se não conseguissem, inferno. Provavelmente não iriam sentir de qualquer maneira.
– E a dilatação do tempo?  – Ela perguntou em voz baixa.
Sua boca se transformou em um pequeno sorriso melancólico, e ela viu os traços de sua tristeza.
– Nenhum de nós pode se dar ao luxo de se preocupar com a relatividade agora – disse ele, e ela viu algo mais em sua expressão. Uma espécie de tranquilidade, como se em sua tristeza, encontrasse algum tipo de paz.
– Eu sinto muito Cooper – disse Brand, e sem pensar direito, foi abraçá-lo. Em trajes espaciais, é claro, havia pouca sensação física, mas tocar os visores dos capacetes no momento era tudo que podiam.




Mais uma vez caíam na direção ao nada escancarado de Gargantua.
Na Ranger que sobrou, Cooper sentou-se sozinho em preparação. Viu como TARS separou o módulo da sofrida Endurance.
Desejava ter tido mais alguns momentos com seus filhos. Cada segundo valera ouro.

***

O efeito estilingue não era nada novo. Cometas tinham feito isso desde antes da formação das estrelas. Os seres humanos tinham utilizado da manobra desde quando se aventuraram pelo espaço. O projeto Mariner 10 havia sido o primeiro, enviando a nave espacial não tripulada passando por Vênus para explorar Mercúrio, seguida pela Voyager e a Galileo.
Basicamente se enviava uma nave espacial na direção de um corpo celeste com enorme atração gravitacional, digamos, um planeta. A nave ganha velocidade na medida em que “cai” em direção ao planeta, e esta mesma velocidade é usada para escapar de sua atração gravitacional, escolhendo uma trajetória diferente. E já que o planeta está em movimento, a nave pode pegar velocidade orbital do planeta, adicionando-a a sua própria velocidade. Desta forma, pode alcançar o alvo final sem queimar um pingo a mais de combustível.
Isso era o que Cooper pretendia fazer.

Naturalmente, Gargantua não era um planeta, nem mesmo no sentido convencional, uma estrela. E mesmo Romilly classificando-o como um buraco negro – mais suave – as chances eram mínimas. Romilly, em seus vinte e tantos anos de anotações havia meticulosamente medido e elucidado a rotação de Gargantua. Uma manobra estilingue a partir de um buraco negro era perfeitamente plausível, mas um pouco mais complicado do que com um planeta.
Cooper verificara tudo pela enésima vez, na esperança de que Romilly não tivesse surtado enquanto sozinho, porque Gargantua não iria conceder-lhes a menor clemência para o menor erro.

***

De volta a Endurance, Amélia assistiu o módulo se soltar enquanto Cooper e TARS preparavam a manobra.
A voz de Cooper veio pelo rádio.

– Uma vez que reunirmos bastante velocidade em torno de Gargantua, usaremos os propulsores foguetes dos módulos um e dois para nos empurrar para fora de gravidade do buraco negro – explicou ele, enquanto o módulo um era atracado na parte de trás do anel.
– A ligação entre eles está destruída – disse Cooper. – Então vamos controlar manualmente. Quando o módulo um se esgotar, desacoplaremos TARS... Que será sugado para o buraco negro. 

Amélia pensou que estavam brincando no início. TARS e Cooper faziam isso um com o outro. Às vezes, ela queria poder mudar as configurações de humor em ambos. Mas algo lhe disse que, desta vez não havia qualquer humor envolvido.
– Por que desacoplar TARS? 
– Temos que reduzir o peso para escapar da gravidade – explicou Cooper. – A Terceira Lei de Newton. A única forma dos homens chegarem a algum lugar é deixando algo para trás.
Doyle, Romilly, Mann, seu pai, e agora TARS? Quanta perda ela poderia suportar?
– Cooper, você não pode pedir a TARS para fazer isso...
– Ele é um robô, Amélia. Eu não tenho que lhe pedir para fazer coisa alguma.
– Cooper – ela retrucou. – Seu imbecil!
– Desculpe – disse Cooper. – O sinal está falhando um pouco...




Ela estava pronta para lançar um discurso inflamado, mas TARS intercedeu: – É o que planejamos, doutora Brand. É nossa única chance de salvar o povo da Terra. Se eu achar uma forma de transmitir dados quânticos, talvez ainda sobrevivam. 
A calma do robô, o tom razoável aplacou sua raiva.

– Vamos torcer que haja alguém lá para ser salvo – ela permitiu-se dizer, sentindo-se mais vazia do que nunca.
Seria possível? Será que ainda fazia sentido?

Mas se houvesse uma maneira de provar que seu pai estava errado, para resgatar o plano A, eles tinham que tentar, mesmo parecendo tão errado que TARS seria o único a fazer o sacrifício. Deveria ser ela, mas já era tarde demais para discutir. E para ser justo, nem os robôs nem Cooper sabiam o bastante sobre a bomba populacional. Ela teria que estar lá. Logicamente, deveria ser TARS, e não ela.
Mas ainda assim era difícil assistir de um lugar seguro, alguém pagando o pato por ela.

***



Conforme os motores empurravam para frente, cada vez mais rápido, a nave começou a tremer. Amélia apertou seu cinto e tentou não pensar o que aconteceria se Cooper estivesse ligeiramente errado em seus cálculos. Estavam tão perto agora que tudo o que ela podia ver era um maciço oceano envolto em ouro e gás brilhante.
Parecia impossível escaparem, caíam mais e mais rápido.
Nada tão frágil e mortal como a Endurance teria uma chance diante de tal fome cósmica.
Mas ela tinha que acreditar, tinha que acreditar que Cooper poderia conseguir.

***

E, assim de repente, eles estavam lá, no ponto mais crítico da queda. Pelo menos ela pensava que fosse.

– Velocidade máxima alcançada – CASE anunciou. – Preparar ignição dos propulsores de escape. 
– Pronto – TARS disse.
– Pronto – Cooper ecoou.

Amélia não conseguia desviar os olhos do horizonte impossível, o monstro de coração negro que jazia abaixo deles.

– Ignição do motor principal em três, dois, um, agora! – CASE entoou.



O casco vibrou quando os principais motores dispararam, somando-se a inércia já chicoteada por Gargantua, com a gravidade do buraco negro contra eles, em uma demonstração de jiu-jitsu estelar. Mas o gigante não iria desistir sem lutar. A Endurance foi levada aos seus limites, como uma picape de tração nas quatro rodas tentando sair de um buraco de areia, com as rodas girando e deslizando.
Inércia não era suficiente. Nem os motores principais. Era necessário mais impulso.

– Módulo um – continuou CASE – motores no meu comando... três, dois, um, acionar!
– Acionar – TARS repetiu, e a Endurance protestou ainda mais. Seu esqueleto de metal de forma audível protestava conforme o pequeno módulo esvaziava suas reservas de combustível em uma queima maciça, no máximo.
– Ranger dois, motores ao meu comando – disse CASE. – Três, dois, um, acionar!
– Acionar! – Ela ouviu Cooper gritar.

Amélia viu as estrelas novamente quando se afastaram de Gargantua, em direção ao grande espetáculo do céu noturno, muito mais brilhante do que o do sistema solar. E em algum lugar lá fora, ofuscado por nebulosas e pulsares estava o ponto vermelho fraco para o qual apontavam.
O planeta de Edmunds.
Inacreditavelmente, o estilingue estava funcionando.

– Essa pequena manobra custou-nos 51 anos – informou Cooper.
– Você não parece mal para alguém de cento e vinte anos – Amélia respondeu um pouco tonta.
– Módulo um, prepare-se para desacoplar – disse CASE. – Três...

Ela podia ver o módulo com TARS nos controles, e sua breve alegria desapareceu tão rapidamente quanto veio. O combustível do módulo fora gasto, e agora era apenas um peso morto. Como TARS.
Algo era útil, ou um peso morto, e se fosse um peso morto você deixa para trás. Eles haviam se livrado de peso desde o lançamento quando ainda estavam na atmosfera da Terra. Como sabia, você tem que deixar algo para trás para poder seguir adiante.
Será que seu pai havia se sentido assim sobre a Terra, e o resto da raça humana? Era peso morto, deveriam ser removidos, de modo que um punhado conseguisse seguir em frente?

Mas TARS não era um peso morto. TARS era TARS. Ele tinha humor...

– Dois, um, agora!– disse CASE.
Através da janela da cabine, viu TARS em movimento.
– Separar.
E o módulo desapareceu.
– Adeus, TARS – disse ela.


 
– Vejo você do outro lado, Coop – despediu-se TARS com otimismo.
Amélia franziu a testa. O que isso queria dizer?
O módulo começou a cair velozmente em direção ao buraco negro.
– CASE?  – Ela ouviu Cooper. – Excelente voo imprudente. 
– Aprendi com o mestre – o robô respondeu.
Os motores da Ranger estalaram e morreram, também esgotara seu combustível.
– Ranger dois – CASE disse: – prepare-se para separar! 

Por um instante, ela pensou que tinha ouvido mal, mas então olhou para o rosto de Cooper e viu um pedido de desculpas escrito nele.

– Não! – Ela gritou agarrando as fivelas de seu equipamento.
– Ao meu comando – disse CASE.
Livre dos cintos, ela jogou-se na direção da janela.

– O que você está fazendo? – Perguntou ela.
– A terceira lei de Newton– Cooper respondeu. – Você tem que deixar algo para trás. 
... Dois...

Ela empurrou o visor do capacete contra a janela.

– Você me disse que tinha recursos suficientes para nós dois!
... um.
Cooper sorriu para ela com carinho.
– Ei. Nós concordamos em noventa por cento. 
– Agora!
Ela enxergou Cooper através das joias de suas lágrimas a deriva, formando esferas perfeitas dentro de seu capacete. Ele olhou para ela uma última vez, em seguida apertou o botão.
– De... começou a dizer, e então engoliu em seco. – Desacoplar! 

E Cooper e a Ranger se foram.



Cooper observou a unidade principal da Endurance diminuir de tamanho ao ponto de parecer com uma estrela, acelerando para longe de Gargantua, enquanto ele caia em direção a enorme escuridão morta.

Sua respiração acelerou quando se perguntou o que iria sentir. Olhou para o horizonte, a luz distorcida das estrelas,  a ultima luz, pensou ele, que iria ver.
Olhando para cima, no entanto, viu o universo como se através de uma janela circular, uma vigia para o infinito. Havia uma beleza nisso, pensou, enquanto observava uma corrente de jato de plasma incandescente em seu campo de visão. Nunca imaginou que poderia equilibrar o terror em uma mão e o deslumbre em outra, tão perfeitamente. E, de fato, conforme a queda acelerou, o terror começou a prevalecer.


– TARS? Você está aí?
Sua única resposta foi estática, enquanto observava o nariz da Ranger para baixo, para a escuridão. Logo em seguida, percebeu que ele estava perdendo a luta contra o pânico.
Esperava terminar com alguma dignidade, mas agora tudo o que podia fazer era não gritar.

***

Muito acima, Amélia ouviu a respiração de Cooper. Tornava-se cada vez mais alta. Chorando, ela fechou os punhos tão apertados que suas unhas marcaram suas palmas.
E então, de repente, enquanto sua respiração subia num crescendo, o rádio silenciou.
Olhou para o espaço, a última sobrevivente da tripulação humana do Endurance.
Gargantua ainda preenchia seu campo de visão, mas cada respiração dela colocava milhares de quilômetros entre ela e o buraco negro.
Durante muito tempo, não conseguiu desviar o olhar. Mas afinal olhou para a esfera vermelha distante que agora era seu destino.
Olhava para aquele ponto vermelho com esperança.

***


– É totalmente preto – Cooper disse, sabendo que provavelmente ninguém poderia ouvi-lo. – Não há luz. – Fez uma pausa. – Brand? Você pode me ouvir? 





INTERSTELLAR - Greg Keyes (Parte 23)



Quando o módulo rugiu dentro da noite eterna do espaço, Cooper mudou-se para o lado de CASE. Sua garganta e nariz ainda doíam, e sabia, o dano poderia ser fatal. Seus pulmões podiam estar prestes a irromper em hemorragia. No momento, no entanto, ele estava vivo e não fazia sentido pensar no pior. Tudo o que importava era parar Mann.
Bateu no transmissor.

– Dr. Mann? Dr. Mann, por favor, responda.

Não houve retorno. De certa forma, ficou surpreso. Mann parecia terrivelmente apaixonado por ouvir a si mesmo falando e desesperado para justificar-se. Ele deve, Cooper adivinhou, a esta altura, ter ido além da necessidade de discursos bonitos. Estava concentrado em alcançar a Endurance. Essa era uma má notícia, significava que ele havia desistido deles de vez. E tinha também uma grande vantagem para eles recuperarem.



– Ele não conhece o procedimento de acoplamento– CASE apontou.
– O piloto automático o fará– Cooper respondeu pensando em como estavam ferrados. Não tinham como vencê-lo.
– Não se TARS o desativar – disse CASE.
Cooper olhou para a câmara e o robô chamuscado. Sentiu respeito por ele.
– Ótimo – disse. – Qual é seu ajuste de confiança, TARS? 
– Menor do que o seu, aparentemente – TARS respondeu.

***

– Dr. Mann? – A voz de Cooper veio novamente. Mann ignorou-a. Em vez disso, estudou o painel de navegação.
– Dr. Mann, se você tentar acoplar...
Mann desligou o receptor. O que ele não precisava agora era de qualquer tipo de distração. Não quando estava tão perto.

 
***

Murph olhou em volta seu antigo quarto, o quarto que tinha sido de sua mãe. As estantes tinham falado com ela. Será que falaria com ela de novo? Seu fantasma ainda estava aqui?
Ela esperou, mas os livros permaneceram em seus lugares, então avistou a caixa.
Cautelosamente, como se guardasse uma cobra, foi até ela e olhou para dentro.


Mann deu um suspiro de alívio quando viu surgiu a Endurance. De acordo com seus instrumentos, tinha uma vantagem significativa sobre Cooper, dando-lhe tempo suficiente para garantir a abordagem.
Ligou o piloto automático para que pudesse terminar os complicados procedimentos de ancoragem.

– Sequência de acoplagem automática bloqueada – relatou o computador.

Mann conferiu na tela. Por que diabos a sequência estaria bloqueada?

– Ignorar – disse para a máquina.
– Não autorizado – o computador respondeu.

Bem, isso era um problema. Não tinha sido treinado para isso. Não parecia que tinha uma escolha. Teria que fazê-lo manualmente.
Enquanto alcançava a órbita, Cooper pode ver que Mann estava em posição de atracar, mas que não era tão fácil como poderia parecer. A nave anular não estava girando, e ainda estava se movendo em órbita, e Mann tinha que igualar as velocidades. Tentou o transmissor novamente:

– Dr. Mann, não tente acoplar. Dr. Mann? 

Estática foi sua única resposta.

***

Mann sabia que iria conseguir uma órbita sincrônica, então deixou os controles e foi rapidamente para a câmara de ar, que rapidamente se alinhava com uma escotilha no Endurance. Começou a trabalhar com a garra mecânica, tentando agarrar a outra nave e manter as duas câmaras pressurizadas alinhadas de modo que pudesse acoplar. Estava funcionando. As naves colidiram. No meio de um suspiro de alívio o computador falou de novo: – Contato imperfeito. Escotilha fechada. 

 
Mann fez uma pausa, furioso. Como assim imperfeito? Tudo o que tinha a fazer era manter unida por poucos segundos. O tempo necessário para ele atravessar. Então, ele poderia selar a partir do outro lado. Ele poderia perder um pouco de ar no processo, com certeza, mas ainda haveria muito, e ele seria o único a bordo. Precisava chegar a bordo agora.

– Ignorar – ordenou.
– Bloqueio da escotilha suspenso – o computador informou.

Graças a Deus! Se mudou para os controles da câmara de ar.
Tão perto...
Cooper olhou para as naves unidas. Parecia que o filhodamãe conseguira, pensou.

– Ele acoplou? 
– Acoplagem imperfeita – informou CASE.

Cooper agarrou o transmissor.

– Dr. Mann! Dr. Mann! Repito, não abra a escotilha. Se você...

 
Mann olhou para as garras. Estavam abrindo e fechando, tentando completar a selagem, mas ele sabia que não tinha tempo para ficar perfeito. O módulo estava quase lá, e se ele perdesse o engate parcial que já conseguira, poderia ter que começar tudo de novo, o que seria um desastre. Cooper sem dúvida sabia a sequência de engate, e tinha os robôs à sua disposição. Ele iria conseguir sem dificuldade, e então iria estar no controle.
Isso não podia acontecer.

– O que acontece se ele abrir a escotilha? – Cooper perguntou a CASE.
– Nada de bom – respondeu o robô.

Inferno! Estava claro que ele faria isso, Cooper tinha certeza disso. Mann não era um piloto, KIPP se encarregara disso. Qualquer que tenha sido seu treinamento de voo não teria incluído as habilidades necessárias para o engate manual. Cooper por outro lado, tinha praticado centenas de vezes, sem nunca deixar de conseguir uma vedação perfeita. Apesar de seus méritos, Mann era, como os outros, um homem de teoria. Somente através do conhecimento da física, ele não iria ter uma chance. Ele não estava pensando nisso agora. Seu único objetivo era chegar até o Endurance, e rápido.

– Certo, vamos recuar. Ativar propulsores traseiros! – Cooper ordenou.

CASE acionou os propulsores, e a Endurance começou a diminuir lá fora.
Em seguida, fez-se silêncio. Cooper percebeu que estava quase sem respirar.

– CASE – Brand disse. – Redirecione ao computador de bordo minha mensagem de emergência. 
Finalmente, pensou Cooper. Brand estava de volta no jogo. Isso era bom, porque ele com certeza precisava dela.
– Dr. Mann – falou com calma Brand. – Eu repito. Não abra a...
Mann estava chegando na alavanca para soltar a escotilha interna quando a voz de Brand de repente invadiu.
– Eu repito. Não abra escotilha interna!
Assustado, ele alcançou o transmissor e ligou-o.
– Brand – ele disse – não sei o que você falou para Cooper, mas vou assumir o controle da Endurance, e só então vamos falar sobre como continuar a missão. Não se trata da sua sobrevivência, ou a de Cooper, trata-se de salvar a humanidade. 

E puxou a alavanca.


Tudo aconteceu em silêncio, é claro, e na distância, para Cooper, foi quase irreal.

Era como estivesse assistindo um de seus modelos de montar, suspenso na linha de pesca, na frente de um fundo de estrelas. Primeiro viu uma labareda de fogo e, em seguida, uma nuvem a partir do local onde as duas naves se tocavam, seguido por um jorro constante de vapor branco.

Não precisava perguntar o que era, era ar jorrando para fora da Ranger e da Endurance, cristalizando quase que instantaneamente no vácuo do espaço. A perda de ar era um problema, mas o efeito secundário foi um desastre. O ar em ambas as naves era pressurizado a cerca de doze libras por polegada quadrada, por isso jorrava com velocidade suficiente para agir como um foguete direcional.
Cooper assistiu horrorizado a Endurance começar a girar, no início moderadamente, mas com velocidade, como fogos de artifício amarrado a um cata-vento de 4 de Julho. Assistiu os encaixes das câmaras de ar se torcerem e romperem, e depois a Ranger se partiu no processo, rompendo um dos módulos da Endurance. Mais ar para congelar no vazio, adicionando mais velocidade à rotação da nave.

Conforme girava, a mão fantasmagórica da gravidade planetária assumiu e a grande nave-anular começou a cair em direção do planeta congelado abaixo.

– Oh, meu Deus – deixou escapar Brand.
Cooper tomou o controle, disparando os propulsores. Mergulharam abaixo da nave estelar, esquivando-se dos restos da Ranger.

– Cooper – disse CASE – não há razão em usar o nosso combustível para...
– Analise a rotação da Endurance – disse ele cortando CASE.
– O que você está fazendo? – Perguntou Brand.
– Preparando para atracar – Cooper respondeu.
Deu propulsão total, tentando igualar a rotação da nave maior.
– A rotação da Endurance está em sessenta e sete, sessenta e oito rotações por minuto– CASE informou.
– Preparem-se para acionarmos os retro propulsores – alertou Cooper.
– Não é possível– CASE argumentou.
– Não, mas é necessário.
Viram que a Endurance se desfazia, disparando pedaços dela mesma, girando no vazio.
– A Endurance está entrando na atmosfera– CASE disse.
– Ela não tem escudo de calor! – falou Brand.



Cooper manobrava por debaixo da roda a apenas alguns metros da nave estelar. A câmara de ar estava, dada a queda descendente da Endurance, mantendo-se mais ou menos estável. Mas isso não era nem perto do que precisava ser. A doca estava girando em uma velocidade incrível. Velocidade que teriam que atingir.

– CASE, você esta pronto? – Perguntou Cooper.
– Pronto.

Cooper olhou novamente para a Endurance, e sentiu que talvez CASE estivesse certo. Eles ainda tinham o módulo e talvez pudessem voltar nele, provavelmente não, mas talvez. E se falhassem, tudo estaria acabado. Todos eles morreriam.

– Cooper – disse CASE – Esta não é a hora para ser cauteloso. 
Cooper senti um sorriso no rosto. Ele estava certo.
– Se eu desmaiar, assuma os controles TARS, se apronte para ativar o mecanismo de acoplagem... Brand, se segure! 
– A Endurance está começando a queimar – CASE observou.
– Agora! – Cooper gritou e de imediato sentiu os retrofoguetes, e o módulo começou a girar, ganhando velocidade rapidamente quando as duas naves projetavam-se em direção ao gelo que os esperava abaixo.

As forças G aumentaram, empurrando-os contra seus encostos, tentando esmagá-los. Cooper sentiu o sangue correr para longe de sua cabeça, e se esforçou para permanecer consciente. Não se tratava mais de queda livre, a atmosfera estava empurrando-os para trás, fazendo saltar e guinando a pequena nave.

O planeta de Mann parecia estar em toda parte, e a curva de seu horizonte rapidamente se endireitou. Viu TARS abrir a comporta. O Endurance ainda estava girando em relação a eles, mas lentamente, conforme as rotações se igualavam.
Depois de vários instantes de parar o coração, finalmente estavam alinhados, e TARS disparou a garra de atracamento, mas as escotilhas fugiram do alinhamento e a garra não pegou nada.
Cooper viu que Brand tinha desmaiado, e sabia que não estava muito longe disso. Prendeu seu olhar nos instrumentos, em vez de encarar o turbilhão selvagem do planeta de Mann.

– Vamos lá TARS. Vamos lá...
Cooper ouviu o disparo e de repente a nave balançou violentamente.
– Consegui! – TARS anunciou.
– Suave agora, CASE– Cooper murmurou, meio fora de si.

O planeta de Mann girava com menor frequência, apenas uma vez a cada poucos segundos, até que finalmente não mais.

– Preparando para nos levar para cima – alertou Cooper.
Mas talvez já fosse tarde demais. Ainda estavam caindo, e a Endurance estava começando a queimar seriamente, peças derretendo e desprendendo-se dela, tornando-se meteoritos que riscavam a atmosfera.

Cooper aliviou os propulsores principais, com medo de parti-la.

– Vamos lá. Você consegue...



O potente motor começou a desacelerar a queda, mas estavam tão perto, tão dentro da atmosfera... Os minutos tornaram-se horas, como se mais uma vez estivessem nas garras do buraco negro, como se horas fossem dias, arrastavam infinitamente, ao invés de ser somente um punhado de segundos. Cooper sentia a queda lenta quase glacial, então de repente, pararam de cair. Finalmente, e dolorosamente, começaram a escapar do poço gravitacional que era o mundo de Mann.
O horizonte sumiu atrás deles. Só então se atreveu a respirar,

Cooper puxou os manetes e permitiu-se um momento de triunfo silencioso.
Brand agitou-se. Cooper permitindo-se um sorriso real disse: – OK. Agora para o nosso próximo truque...

– Este vai ter que ser bom– CASE disse. – Estamos sofrendo a atração de Gargantua. 

Droga! Cooper pensou. Alguns dias é melhor não sair da cama. Soltou o cinto.


– CASE, assuma o controle. 

sábado, 20 de junho de 2015

INTERSTELLAR - Greg Keyes (Parte 22)



No módulo de pouso, Romilly ainda estava tentando entender o que estava vendo.

Sentiu a mesma frustração de quando na Endurance; anos sozinho com o dados, falando para si mesmo, a ponto de enlouquecer. Se lembrou do que Mann tinha dito sobre deixar os arquivos de KIPP intactos. Mas isso... isso era intolerável. Por que Mann reagira daquela maneira? Tinha armazenado dados pessoais? KIPP testemunhara e registrara Mann agindo como louco? Romilly conseguiria entender isso. O mesmo se passara com ele. Mas o fato era que haviam algumas contradições fundamentais que só uma varredura dos arquivos poderia esclarecer.

Mann, provavelmente, nunca saberia, e se descobrisse, seria muito mais fácil para obter seu perdão do que sua permissão.

– Esses dados não fazem sentido – disse ele para TARS. – Acesse o arquivo.

***



Aqui está bom, Murph disse para si mesma antes de pular para fora do caminhão, pegar a lata de gasolina na traseira, e começar a encharcar os pés de milho. Lembrou de vagar pelos campos quando pequena, completamente envolvida por eles, como em seu próprio labirinto secreto. Gostava do milho, o cheiro das folhas, suas franjas, o amarelo do pólen. O doce sabor de quando ainda verde, no leite, antes de começar a endurecer em grão. Era um verdadeiro luxo, milho-verde, um desperdício de todo o potencial do milho para alimentar a humanidade, mas um deleite impressionante para uma criança. Para ela, seria sempre o gosto do verão, e de sua juventude.
A ideia de queimar o milho parecia errada a ponto de ser um sacrilégio e ainda estava pensando nisso quando pôs fogo.

***

Cooper rolou de costas, com os olhos fixos no céu, mas não via nada lá.
Você já vê seus filhos?
Viu Tom, sorrindo, dirigindo o caminhão pela primeira vez e mais jovem, rindo enquanto Donald o fazia girar na frente da casa, antes da poeira assumir. Tom, segurando Jesse, o neto que ele nunca conheceu nem conheceria, porque o menino estava morto antes dele mesmo saber que ele existia. E viu Murph, uma coisinha enrugada nos braços da mãe, um único cacho de cabelo vermelho em sua careca. Murph, no caminhão, fingindo que pilotava uma nave Apollo, que o câmbio era a alavanca de impulso, dependendo do que ele precisava em qualquer ponto do seu voo fictício.
Murph mais tarde, mudava as marchas para que ele pudesse beber o seu café enquanto dirigia. 
E Murph em seu quarto, olhando para o relógio que ele lhe dera. O rosto coberto de lágrimas.
Murph, sinto muito.

***

Murph olhou para o fogo saltando através do milho, uma criatura viva, alegre, com fome, como qualquer recém-nascido. Seu desgosto com o que tinha feito foi rapidamente desaparecendo, o milho de Tom que matava aos poucos Coop. Se queimar o milho, dando vida ao fogo, significasse uma nova vida para Coop e Lois, então valeria a pena.
Tom iria ver a fumaça. Ele viria. E ela não queria estar por perto. Voltou para o caminhão e partiu. Ele iria descobrir quem fez isso, em breve. E ela estaria muito longe, Lois e Coop junto dela.

***

Brand viu a paisagem de nuvens geladas abrir-se numa enorme planície branca, exceto pelo que parecia ser uma minúscula boneca quebrada, deitada junto da borda de um profundo buraco azul.
– Estou vendo ele – disse CASE.

***




Cooper sentiu um baque duro no gelo, e no começo pensou que não era nada, apenas uma ultima e aleatória sensação de seu corpo moribundo. Mas então forçou seus olhos a ficarem abertos e através do gelo batido pelo vento e suas próprias lágrimas congeladas, viu o módulo de pouso e alguém pulando para fora dele. Mann devia ter voltado para acabar comigo, pensou, tentando reunir a energia para rastejar novamente. Seus braços e as pernas tinham virado chumbo. Em seguida, um momento depois, alguém puxou seu capacete inútil para fora e viu o rosto de Brand através de seu próprio visor.  Ela empurrou algo sobre seu nariz, e ele de repente estava chupando o doce ar viciado e enlatado.
Isso era tudo o que ele queria fazer, respirar.

***

TARS não parecia estar tendo sorte com KIPP, e virou-se para Romilly.

– Ele precisa que alguém desbloqueie a sua função de leitura do arquivo – o robô lhe informou. E se mexeu um pouco para o lado, deixando Romilly chegar até a tela de dados e iniciar o procedimento.
Em seguida, ouviram uma voz pequena, longe, gritando com ele.





Percebeu que a voz vinha do seu capacete ao chão. Quando o alcançou, KIPP agitou-se como se retornando à vida. Romilly levantou o capacete, a voz ficou mais clara e identificável.
– Brand? – Perguntou impressionado com o quão urgente soava.
Mas nunca chegou a ouvir o resto.

***

Mann lutava através do gelo, tentando manter a coerência de sua história em sua mente. Ele teria perdido seu próprio transmissor de longo alcance, justificando que Cooper acidentalmente tinha arrancado-o, quando Mann tentou salvá-lo.
Deveria tê-lo deixado cair no buraco, mas não iria voltar lá agora.
Sentiu o tremor no gelo em primeiro lugar, e, em seguida, o som e o choque e partículas congeladas lançadas contra ele. A princípio, pensou que tivesse havido alguma mudança aleatória nas massas geladas e o gelo tinha partido, mas depois viu a bola de fogo.



No cume de sua colina, onde ele tinha permanecido por tanto tempo no exílio.
KIPP.
Sentiu uma nova onda de terror. Tudo girando fora de controle.

– Droga, Romilly – murmurou. Ele não o avisou? Não era culpa dele!

Ligou o rádio novamente. A voz de Brand veio alta.

– Vamos lá, Cooper– ela dizia. – Só mais alguns passos...

Ele sabia que tinha que cuidar de Cooper, pois esperava ter os outros como companheiros na missão. Desesperadamente esperava. Não queria ficar sozinho novamente. Fora o que o havia quebrado, a solidão. Se havia um pensamento intolerável, era ficar sozinho novamente.
Mas agora ele não tinha escolha. Não poderia consertar as coisas com Cooper e Romilly estava morto, e iriam culpá-lo.

Brand... Ainda assim ele poderia se apegar ao fato de que havia ainda o mundo de Edmunds e um plano B. Ele não estaria sozinho para o resto de sua vida. E se Wolf tivesse sobrevivido ou não, haveria as crianças. Ele poderia voltar ao isolamento de novo, desde que soubesse que haveria um objetivo para ele. E talvez fosse capaz de salvar Brand. De alguma forma. Ninguém tinha maior participação nessa missão do que ela. Para que pudesse ter sucesso, teria que fazê-la enxergar a realidade. Antes que ele pudesse apelar para seu senso de razão, ou, pelo sucesso da missão, tinha que ter o controle da situação. Ter as cartas na mão.

Correu em direção da Ranger.

***

– Brand, me desculpe... – Cooper conseguiu dizer quando lhe tiraram o respirador do rosto. – Brand mentiu. 
Assim que ele falou, a expressão dela não foi de horror, mas de compreensão.
– Oh, não...

***

Quando Murph estacionou junto da casa, o caminhão de Tom não estava visível. Conforme o esperado, ele estaria lutando contra o fogo, tentando salvar a lavoura.
– Fique de olho – disse ela para Getty, e saiu correndo em direção a porta da frente.
– Lois! – Gritou quando chegou no alpendre.

***

– Houve uma explosão – CASE informou-os, quando o módulo se levantou e girou em meio a nuvens de vapor e gelo.
– Onde? – Perguntou Brand.
– No módulo do Dr. Mann. 
Romilly, Cooper pensou. TARS. TARS estava com ele. O que Mann teria feito com eles?

***

Mann prendeu-se ao assento na cabine da Ranger e deu aos sistemas uma rápida espiadela, e então começou a acionar os motores. Quando a nave disparou para o céu, sentiu uma alegria inesperada. Este planeta tinha sido sua prisão, e na maior parte do tempo, tinha acreditado que seria seu túmulo.
O fizera pensar que nunca iria realizar seus planos, e só agora é que ele podia entender o quanto ele desprezava-o, pelo que o fizera crer. Tinha erguido um espelho para ele, um espelho que não via seu rosto, mas sua alma, e não tinha gostado do que viu.



No entanto, aceitar a escuridão em seu caráter era melhor do que morrer lá. Ele poderia viver com tudo o que havia feito, e tudo o que ele iria fazer, desde que não tivesse que voltar para lá. Para aquele planeta. O que ele não faria. Estava tudo acabado agora. Apesar das probabilidades, ele conseguira fugir de lá. Onde quer que a morte finalmente o apanhasse, não seria naquele túmulo gelado.

Sentiu-se bem. Como um novo começo. Mas para isso precisava alcançar a Endurance antes dos outros.

***

Não havia nada para ser visto do módulo de Mann, além da fumaça negra oleosa.
Cooper sabia que Romilly estava morto. A história de Mann sobre os dados em KIPP tinha sido uma mentira, KIPP tinha recolhido provas de que o planeta era inabitável, e Mann o tinha desligado.

Também preparado uma armadilha, no caso de alguém ficar curioso sobre estes dados.
Mann fora pupilo do Professor Brand, um mentiroso também. Mas o professor tinha justificado suas mentiras como sendo necessárias para salvar a raça humana, a menos foi assim que ele entendeu. Mann havia mentido para salvar a si mesmo. Cooper lembrou dos comentários de Mann sobre como o professor havia se tornado um monstro, o “sacrifício final”,  dizer ao mundo o que precisava ser dito. Será que Mann estava falando de si mesmo? Era assim que ele justificaria tudo isso, na sua mente doentia?

Romilly, provavelmente, não sentiu coisa alguma, pensou Cooper. Graças a Deus!
Ele e Brand observaram as chamas, afundados em desespero demais para poder falar. De repente, algo explodiu em meio a fumaça. Por um momento horrível pensou que era Romilly, queimando até a morte, mas, em seguida, a figura feita de blocos mostrou-se.
TARS.

CASE virou a naveta e abriu a comporta. TARS saltou para dentro com um som maciço. Então CASE tomou rumo para o céu. Só uma coisa importava agora, Cooper sabia.
Quem chegaria primeiro na Endurance.



– Você tem a posição da Ranger? – Ele perguntou a CASE.
– Está entrando em órbita – o robô respondeu.
– Se ele assumir o controle da Endurance, estamos mortos.
– Ele nos abandonou para morrer? – Perguntou Brand tendo dificuldades para chegar a uma conclusão sobre o comportamento de um dos melhores e mais brilhantes cientistas da NASA.

Lembrou-se da conversa que tiveram antes de entrar em hipersono. Parecia ter sido há muito tempo.
“Cientistas, exploradores, isso é o que eu amo. Lá fora, nos deparamos com grandes probabilidades. Morte. Mas não para o mal.”

Como se por alguma razão, cientistas e exploradores fossem incapazes de fazer o mal. Cortez? Haber, o cara que inventou a guerra química? Os sinais estavam em toda parte. Pena que ela não tinha aceito isso antes. Se tivesse mantido sua capacidade de suspeitar de todos, Romilly ainda estaria vivo. E eles não estariam naquele apuro.

– Ele está nos abandonando – afirmou Cooper.

***

Lois amava Tom, mas ela já havia perdido um filho, e sabia que seu filho Coop estava doente, e só iria ficar mais doente. Então Murph não teve muita dificuldade em convencê-la. Esperou nervosa, enquanto Lois reunia algumas coisas para ela e para o menino. Murph olhou para as escadas.
Será que nunca voltaria? Não parecia provável. Não tinha certeza se queria. Lembrou-se de momentos felizes com seu pai e o irmão, com o avô, e lembranças mais antigas de sua mãe.

A parte externa da casa sempre parecia desgastada, corroída, a sua pintura e a madeira descascada por anos incansáveis de vento e poeira. Lembrou-se do avô, todos os dias, duas vezes por dia, varrendo a varanda, tentando manter a poeira de fora. E funcionara,  dentro da casa estavam a salvo. Era seu lar.
Mas agora ele parecia esvaziado. Talvez tivesse começado na noite quando ela deixou sua janela aberta, convidando a poeira para dentro da casa.
Em questão de dias, o pai tinha ido embora, e nada deu certo novamente. Sem o pai e o avô lá, a casa era como alguém que tinha conhecido certa vez muito bem, mas que agora estava nos últimos estágios da doença de Alzheimer.

Ainda havia algo que ela precisava fazer ali. Uma última coisa.

Sem realmente pensar sobre isso, deixou seus pés a levarem até as escadas, até seu antigo quarto. Ouviu Lois e Coop do lado de fora com Getty, esperando, sabendo que, se Tom voltasse agora, todo o plano estaria condenado.
Mas alguma coisa, algo lhe disse que ela precisava estar ali, agora, e não apenas por Lois e Coop.

– Vamos, Murph! – Ouviu Getty gritar.

Mas aquela atração era como a gravidade. Ela tinha que ir.