sábado, 13 de junho de 2015

INTERSTELLAR - Greg Keyes (Parte 5)



Alguma coisa no rosto mudou.
Seus olhos estavam olhando para algo que não podia ver. Não deveria ver.

– 14 de maio – disse. – Nunca me esqueci. Você nunca pensaria que...
O rosto de outro homem, também de idade, sua expressão é parecida a do primeiro.
– Quando o primeiro dos grandes apareceu – disse: – Pensei que era o fim do mundo.


O som da batida do bastão trouxe a mente vagante de Cooper de volta para o jogo, pelo menos por um momento. Assistiu a bola subir como um foguete determinado a romper a estratosfera, apenas para um lento e breve arco e bruscamente de volta a luva esperando para pegá-la.
Olhou em volta para as arquibancadas, onde um punhado de aplausos não adicionava entusiasmo a partida.

– Na minha época tínhamos jogadores de verdade – Donald reclamou. – Quem são esses vagabundos?
A equipe no campo tinha “New York Yankees” impressos em seus uniformes.
– Bem, na minha época de criança as pessoas estavam lutando por alimento, não davam atenção ao beisebol – Cooper lembrou-o, – portanto considero isso como um progresso.
Murph chegou com um saco de pipoca para Donald.
– Tudo bem – o velho resmungou olhando para o saco, como se fosse estrume. – Mas pipoca em um jogo de beisebol não é natural. Quero um cachorro-quente.



Cooper observou o rosto confuso de sua filha.
– O que é um cachorro-quente? – Perguntou ela.

Cooper olhou para Tom, sentado ao seu lado. Eles não se falavam desde sua conversa com o diretor, mas era provavelmente hora de tratar disso. Então, depois de um momento, com alguma hesitação, colocou o braço ao redor do menino.

– A escola diz que você vai seguir meus passos. Eu acho que é ótimo.
Tom disse cético: – Você acha que isso é ótimo?
– Você odeia a agricultura, pai – Murph ressaltou. – Foi o vô que disse!
Donald não estava ajudando... Cooper fez uma carranca de volta para Donald, que apenas levantou os ombros. Não ajudava em nada.
Sentindo-se um pouco menos animado, Cooper voltou sua atenção para Tom.
– O que é importante é como você se sente sobre isso, Tom. 
O menino ficou em silêncio por um momento, como se pensasse.
– Eu gosto do que você faz – disse Tom e não estava brincando, ou tentando ser irônico, mas respondera com sinceridade. – Eu gosto da nossa fazenda. 

Cooper ouviu o bastão de novo, mas desta vez a multidão não reagiu. Na verdade, os jogadores no campo também não, ninguém estava correndo para as bases ou atrás da bola.
Em vez disso, um por um, seus olhares se voltavam para longe.
Cooper olhou também.

***

– Você nunca viu nada igual.– O velho disse, com sua voz cheia de medo ao relembrar. – Escuridão. Só escuridão. 

***

A tempestade estava no horizonte, uma parede negra de poeira indo na direção deles.
Cooper sempre pensou que eram mais como tsunamis do que tempestades, e esta, bem mais do que a maioria. O ar estava cheio de ozônio, o vento seco, uma frente fria empurrara o ar quente pra longe. A temperatura já baixara alguns graus. Os cabelos em seus braços estavam de pé, linhas tortas de fogo azul-branco dançavam na tempestade como demônios de alguma mitologia antiga, que clamava por um sacrifício. Talvez isso fosse o passo seguinte, Cooper pensou. Sacrifícios para apaziguar a poeira, para afastar a praga. Porque não rejeitar o último século e meio de realizações científicas? Por que não voltar logo a Babilônia e a Suméria?

O jogo acabara, isso era certo. As pessoas já estavam deixando o estádio, lenços sobre o rosto prontos para quando a poeira os atingisse.
– Vamos, pessoal– chamou Cooper.

***

Cooper tinha no início a esperança de dirigir mais rápido do que a tempestade de poeira, mas sua esperança estava desvanecendo, juntamente com a luz do sol. Donald e as crianças freneticamente enchiam de trapos os respiradouros, rachaduras, e qualquer lugar por onde a insidiosa poeira pudesse entrar na caminhonete. Ele sabia por experiência própria que não seria o suficiente.
Através do espelho retrovisor, viu o monstro avançando, assistiu edifícios e estradas desaparecerem. O caminhão estava começando a chacoalhar e a balançar.

Em seguida, a parede atingiu-os, e tudo ficou escuro. O volante tentou pular de suas mãos enquanto Cooper lutava desesperadamente para permanecer na estrada, se é que estava mesmo ainda sobre ela. Não podia ver um metro além do para-brisa, e o pavimento estava tão rachado e erodido que mal sentia o terreno debaixo de seus pneus. Seria fácil se desviar. Como Jansen, que tinha caído em um leito seco e sido enterrado pela tempestade. Claro que Jansen nunca teve muita perícia na direção.

– É um dos grandes – Donald disse.
Sério, pensou Cooper. A tempestade que havia enterrado Jansen não tinha sido tão ruim quanto aquela. Não tinha qualquer dúvida de que elas estavam piorando conforme o passar dos anos. A Mãe Natureza reafirmava sua superioridade com crescente entusiasmo.

– Máscaras, rapazes – gritou Cooper. Murph e Tom obedeceram imediatamente, puxando máscaras cirúrgicas do porta-luvas e colocando-as em seus rostos.

O caminhão estremeceu quando a tempestade uivou em torno deles.
Cooper dirigia através das breves pausas na escuridão. A visibilidade podia ser medida em centímetros e o vento agitava o caminhão sem parar.
Uma vantagem de Cooper era que o terreno ao redor era bastante plano, não havendo colinas ou descidas. Se sentia algo assim, significaria que estava fora da rota, e ele instantaneamente pisaria no freio e esperaria.

No final, foi principalmente a memória muscular que lhes permitiu que chegassem a casa. Ele tinha feito a viagem até a cidade com tanta frequência que a distância e as curvas estavam gravadas em seu cérebro. À medida que se aproximavam da fazenda, finalmente teve tempo para se preocupar sobre que dano enfrentaria desta vez, quantos painéis solares iriam precisar de substituição, quantas janelas tinham sido quebradas. Assim como a parte da safra que iria encontrar achatada. Quanto tempo seria necessário para tirar o maldito pó do chão, das roupas de cama, copos, pires, jarros, da roupa de baixo.




Parou perto da casa, a visão dela indo e vindo dentro da nevasca negra.
Recuou instintivamente quando uma folha de metal bateu no para-brisa. Esperaram alguns minutos para recuperar do susto, então Donald abriu a porta do passageiro, tomou o braço de Tom e os dois começaram a avançar de olhos fechados, em direção da casa.
Cooper pegou Murph e arrastou-a para fora do veículo. Mesmo com os olhos fechados, a poeira entrava, e mesmo com a máscara, uma parte dela chegava aos pulmões. E era fácil de se perder em uma dessas tempestades, mesmo quando você sabia que estava a poucos metros de distância da segurança ou pelo menos proteção contra o vento que transformava em projéteis tudo que não estava bem pregado.

Protegendo Murph com seu próprio corpo, chegou ao alpendre, sentiu a madeira debaixo de seus pés, e seguiu Donald e Tom pela porta da frente.
Não era, afinal, a sua primeira tempestade.
No interior, persianas batiam, a poeira atravessava através de fendas nas tábuas e janelas, e rolava pela porta da frente em grandes rajadas até Donald fecha-la atrás deles.
Cooper inspecionava os danos, e de repente percebeu uma nuvem escura descer as escadas.
Cooper olhou para seus filhos.– Vocês fecharam suas janelas? – Tom acenou que sim, mas a expressão no rosto de Murph disse a ele o que ele já sabia. Num piscar de olhos ela estava subindo as escadas, correndo para consertar seu erro.

– Espere! – Gritou ele seguindo-a.

Quando chegou ao seu quarto, ela estava lá de pé, olhando para o chão, com a janela ainda aberta. A tempestade uivava abrindo seu caminho pelo quarto. Engolindo algumas palavras deselegantes, ele cruzou o quarto, agarrou a moldura da madeira e a fechou com raiva, emudecendo a tempestade.
Sem o vento, a poeira fina pairava no ar como grafite em pó.

Murph apenas estava lá, olhando estupidamente para o chão, com os olhos arregalados como pratos de jantar. Em seguida, Cooper viu por quê. Estrias estavam formando-se na poeira suspensa, como se um pente gigante e invisível estivesse atravessando o ar do chão ao teto. Então percebeu que a poeira estava realmente escorrendo com velocidade que não era natural, caindo ao chão; não de forma aleatória, mas em linhas que formavam um padrão distinguível.

– O fantasma – sussurrou Murph.

O fantasma. Cooper não se preocupou em contradizê-la neste momento. Estava muito ocupado olhando a poeira juntando-se como se estivesse caindo sobre fios, mas não havia fios.
Lembrou-se de um brinquedo muito antigo, que tinha sido de seu tio quando ele era um menino.

Basicamente consistia de um pedaço de papelão com um rosto humano desenhado nele, coberto por uma bolha de plástico transparente e plana. Havia limalha de ferro no interior da bolha. O brinquedo vinha com um ímã em forma de lápis, e se você passasse o ímã por trás do cartão, você podia alterar e formar o cabelo e a barba no rosto. Visto de frente parecia que uma força invisível estava arrastando a limalha num formato específico, o que, claro era o caso, já que o campo magnético é invisível ao olho humano. No entanto, a fonte do campo magnético, o ímã, poderia facilmente ser descoberto por qualquer observador que olhasse por trás do cartão.

Não era isso que estava acontecendo diante de seus olhos.



A poeira não era metálica. Não era atraída pelos campos magnéticos. E o padrão visto no chão; nenhuma mão humana ou não, empunhava um imã escondido. No entanto, inegavelmente, algo estava atraindo a poeira, e não era de forma aleatória.
Alguém estava por detrás do cartão com... alguma coisa.

Sentiu um leve formigamento nas costas, na espinha. O drone. As colheitadeiras. Agora isso.

– Pegue seu travesseiro – disse para Murph. – Vá dormir com Tom.

Ela foi, mas bastante hesitante.

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