sábado, 27 de junho de 2015

INTERSTELLAR - Greg Keyes (Parte 23)



Quando o módulo rugiu dentro da noite eterna do espaço, Cooper mudou-se para o lado de CASE. Sua garganta e nariz ainda doíam, e sabia, o dano poderia ser fatal. Seus pulmões podiam estar prestes a irromper em hemorragia. No momento, no entanto, ele estava vivo e não fazia sentido pensar no pior. Tudo o que importava era parar Mann.
Bateu no transmissor.

– Dr. Mann? Dr. Mann, por favor, responda.

Não houve retorno. De certa forma, ficou surpreso. Mann parecia terrivelmente apaixonado por ouvir a si mesmo falando e desesperado para justificar-se. Ele deve, Cooper adivinhou, a esta altura, ter ido além da necessidade de discursos bonitos. Estava concentrado em alcançar a Endurance. Essa era uma má notícia, significava que ele havia desistido deles de vez. E tinha também uma grande vantagem para eles recuperarem.



– Ele não conhece o procedimento de acoplamento– CASE apontou.
– O piloto automático o fará– Cooper respondeu pensando em como estavam ferrados. Não tinham como vencê-lo.
– Não se TARS o desativar – disse CASE.
Cooper olhou para a câmara e o robô chamuscado. Sentiu respeito por ele.
– Ótimo – disse. – Qual é seu ajuste de confiança, TARS? 
– Menor do que o seu, aparentemente – TARS respondeu.

***

– Dr. Mann? – A voz de Cooper veio novamente. Mann ignorou-a. Em vez disso, estudou o painel de navegação.
– Dr. Mann, se você tentar acoplar...
Mann desligou o receptor. O que ele não precisava agora era de qualquer tipo de distração. Não quando estava tão perto.

 
***

Murph olhou em volta seu antigo quarto, o quarto que tinha sido de sua mãe. As estantes tinham falado com ela. Será que falaria com ela de novo? Seu fantasma ainda estava aqui?
Ela esperou, mas os livros permaneceram em seus lugares, então avistou a caixa.
Cautelosamente, como se guardasse uma cobra, foi até ela e olhou para dentro.


Mann deu um suspiro de alívio quando viu surgiu a Endurance. De acordo com seus instrumentos, tinha uma vantagem significativa sobre Cooper, dando-lhe tempo suficiente para garantir a abordagem.
Ligou o piloto automático para que pudesse terminar os complicados procedimentos de ancoragem.

– Sequência de acoplagem automática bloqueada – relatou o computador.

Mann conferiu na tela. Por que diabos a sequência estaria bloqueada?

– Ignorar – disse para a máquina.
– Não autorizado – o computador respondeu.

Bem, isso era um problema. Não tinha sido treinado para isso. Não parecia que tinha uma escolha. Teria que fazê-lo manualmente.
Enquanto alcançava a órbita, Cooper pode ver que Mann estava em posição de atracar, mas que não era tão fácil como poderia parecer. A nave anular não estava girando, e ainda estava se movendo em órbita, e Mann tinha que igualar as velocidades. Tentou o transmissor novamente:

– Dr. Mann, não tente acoplar. Dr. Mann? 

Estática foi sua única resposta.

***

Mann sabia que iria conseguir uma órbita sincrônica, então deixou os controles e foi rapidamente para a câmara de ar, que rapidamente se alinhava com uma escotilha no Endurance. Começou a trabalhar com a garra mecânica, tentando agarrar a outra nave e manter as duas câmaras pressurizadas alinhadas de modo que pudesse acoplar. Estava funcionando. As naves colidiram. No meio de um suspiro de alívio o computador falou de novo: – Contato imperfeito. Escotilha fechada. 

 
Mann fez uma pausa, furioso. Como assim imperfeito? Tudo o que tinha a fazer era manter unida por poucos segundos. O tempo necessário para ele atravessar. Então, ele poderia selar a partir do outro lado. Ele poderia perder um pouco de ar no processo, com certeza, mas ainda haveria muito, e ele seria o único a bordo. Precisava chegar a bordo agora.

– Ignorar – ordenou.
– Bloqueio da escotilha suspenso – o computador informou.

Graças a Deus! Se mudou para os controles da câmara de ar.
Tão perto...
Cooper olhou para as naves unidas. Parecia que o filhodamãe conseguira, pensou.

– Ele acoplou? 
– Acoplagem imperfeita – informou CASE.

Cooper agarrou o transmissor.

– Dr. Mann! Dr. Mann! Repito, não abra a escotilha. Se você...

 
Mann olhou para as garras. Estavam abrindo e fechando, tentando completar a selagem, mas ele sabia que não tinha tempo para ficar perfeito. O módulo estava quase lá, e se ele perdesse o engate parcial que já conseguira, poderia ter que começar tudo de novo, o que seria um desastre. Cooper sem dúvida sabia a sequência de engate, e tinha os robôs à sua disposição. Ele iria conseguir sem dificuldade, e então iria estar no controle.
Isso não podia acontecer.

– O que acontece se ele abrir a escotilha? – Cooper perguntou a CASE.
– Nada de bom – respondeu o robô.

Inferno! Estava claro que ele faria isso, Cooper tinha certeza disso. Mann não era um piloto, KIPP se encarregara disso. Qualquer que tenha sido seu treinamento de voo não teria incluído as habilidades necessárias para o engate manual. Cooper por outro lado, tinha praticado centenas de vezes, sem nunca deixar de conseguir uma vedação perfeita. Apesar de seus méritos, Mann era, como os outros, um homem de teoria. Somente através do conhecimento da física, ele não iria ter uma chance. Ele não estava pensando nisso agora. Seu único objetivo era chegar até o Endurance, e rápido.

– Certo, vamos recuar. Ativar propulsores traseiros! – Cooper ordenou.

CASE acionou os propulsores, e a Endurance começou a diminuir lá fora.
Em seguida, fez-se silêncio. Cooper percebeu que estava quase sem respirar.

– CASE – Brand disse. – Redirecione ao computador de bordo minha mensagem de emergência. 
Finalmente, pensou Cooper. Brand estava de volta no jogo. Isso era bom, porque ele com certeza precisava dela.
– Dr. Mann – falou com calma Brand. – Eu repito. Não abra a...
Mann estava chegando na alavanca para soltar a escotilha interna quando a voz de Brand de repente invadiu.
– Eu repito. Não abra escotilha interna!
Assustado, ele alcançou o transmissor e ligou-o.
– Brand – ele disse – não sei o que você falou para Cooper, mas vou assumir o controle da Endurance, e só então vamos falar sobre como continuar a missão. Não se trata da sua sobrevivência, ou a de Cooper, trata-se de salvar a humanidade. 

E puxou a alavanca.


Tudo aconteceu em silêncio, é claro, e na distância, para Cooper, foi quase irreal.

Era como estivesse assistindo um de seus modelos de montar, suspenso na linha de pesca, na frente de um fundo de estrelas. Primeiro viu uma labareda de fogo e, em seguida, uma nuvem a partir do local onde as duas naves se tocavam, seguido por um jorro constante de vapor branco.

Não precisava perguntar o que era, era ar jorrando para fora da Ranger e da Endurance, cristalizando quase que instantaneamente no vácuo do espaço. A perda de ar era um problema, mas o efeito secundário foi um desastre. O ar em ambas as naves era pressurizado a cerca de doze libras por polegada quadrada, por isso jorrava com velocidade suficiente para agir como um foguete direcional.
Cooper assistiu horrorizado a Endurance começar a girar, no início moderadamente, mas com velocidade, como fogos de artifício amarrado a um cata-vento de 4 de Julho. Assistiu os encaixes das câmaras de ar se torcerem e romperem, e depois a Ranger se partiu no processo, rompendo um dos módulos da Endurance. Mais ar para congelar no vazio, adicionando mais velocidade à rotação da nave.

Conforme girava, a mão fantasmagórica da gravidade planetária assumiu e a grande nave-anular começou a cair em direção do planeta congelado abaixo.

– Oh, meu Deus – deixou escapar Brand.
Cooper tomou o controle, disparando os propulsores. Mergulharam abaixo da nave estelar, esquivando-se dos restos da Ranger.

– Cooper – disse CASE – não há razão em usar o nosso combustível para...
– Analise a rotação da Endurance – disse ele cortando CASE.
– O que você está fazendo? – Perguntou Brand.
– Preparando para atracar – Cooper respondeu.
Deu propulsão total, tentando igualar a rotação da nave maior.
– A rotação da Endurance está em sessenta e sete, sessenta e oito rotações por minuto– CASE informou.
– Preparem-se para acionarmos os retro propulsores – alertou Cooper.
– Não é possível– CASE argumentou.
– Não, mas é necessário.
Viram que a Endurance se desfazia, disparando pedaços dela mesma, girando no vazio.
– A Endurance está entrando na atmosfera– CASE disse.
– Ela não tem escudo de calor! – falou Brand.



Cooper manobrava por debaixo da roda a apenas alguns metros da nave estelar. A câmara de ar estava, dada a queda descendente da Endurance, mantendo-se mais ou menos estável. Mas isso não era nem perto do que precisava ser. A doca estava girando em uma velocidade incrível. Velocidade que teriam que atingir.

– CASE, você esta pronto? – Perguntou Cooper.
– Pronto.

Cooper olhou novamente para a Endurance, e sentiu que talvez CASE estivesse certo. Eles ainda tinham o módulo e talvez pudessem voltar nele, provavelmente não, mas talvez. E se falhassem, tudo estaria acabado. Todos eles morreriam.

– Cooper – disse CASE – Esta não é a hora para ser cauteloso. 
Cooper senti um sorriso no rosto. Ele estava certo.
– Se eu desmaiar, assuma os controles TARS, se apronte para ativar o mecanismo de acoplagem... Brand, se segure! 
– A Endurance está começando a queimar – CASE observou.
– Agora! – Cooper gritou e de imediato sentiu os retrofoguetes, e o módulo começou a girar, ganhando velocidade rapidamente quando as duas naves projetavam-se em direção ao gelo que os esperava abaixo.

As forças G aumentaram, empurrando-os contra seus encostos, tentando esmagá-los. Cooper sentiu o sangue correr para longe de sua cabeça, e se esforçou para permanecer consciente. Não se tratava mais de queda livre, a atmosfera estava empurrando-os para trás, fazendo saltar e guinando a pequena nave.

O planeta de Mann parecia estar em toda parte, e a curva de seu horizonte rapidamente se endireitou. Viu TARS abrir a comporta. O Endurance ainda estava girando em relação a eles, mas lentamente, conforme as rotações se igualavam.
Depois de vários instantes de parar o coração, finalmente estavam alinhados, e TARS disparou a garra de atracamento, mas as escotilhas fugiram do alinhamento e a garra não pegou nada.
Cooper viu que Brand tinha desmaiado, e sabia que não estava muito longe disso. Prendeu seu olhar nos instrumentos, em vez de encarar o turbilhão selvagem do planeta de Mann.

– Vamos lá TARS. Vamos lá...
Cooper ouviu o disparo e de repente a nave balançou violentamente.
– Consegui! – TARS anunciou.
– Suave agora, CASE– Cooper murmurou, meio fora de si.

O planeta de Mann girava com menor frequência, apenas uma vez a cada poucos segundos, até que finalmente não mais.

– Preparando para nos levar para cima – alertou Cooper.
Mas talvez já fosse tarde demais. Ainda estavam caindo, e a Endurance estava começando a queimar seriamente, peças derretendo e desprendendo-se dela, tornando-se meteoritos que riscavam a atmosfera.

Cooper aliviou os propulsores principais, com medo de parti-la.

– Vamos lá. Você consegue...



O potente motor começou a desacelerar a queda, mas estavam tão perto, tão dentro da atmosfera... Os minutos tornaram-se horas, como se mais uma vez estivessem nas garras do buraco negro, como se horas fossem dias, arrastavam infinitamente, ao invés de ser somente um punhado de segundos. Cooper sentia a queda lenta quase glacial, então de repente, pararam de cair. Finalmente, e dolorosamente, começaram a escapar do poço gravitacional que era o mundo de Mann.
O horizonte sumiu atrás deles. Só então se atreveu a respirar,

Cooper puxou os manetes e permitiu-se um momento de triunfo silencioso.
Brand agitou-se. Cooper permitindo-se um sorriso real disse: – OK. Agora para o nosso próximo truque...

– Este vai ter que ser bom– CASE disse. – Estamos sofrendo a atração de Gargantua. 

Droga! Cooper pensou. Alguns dias é melhor não sair da cama. Soltou o cinto.


– CASE, assuma o controle. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Diga...