sábado, 27 de junho de 2015

INTERSTELLAR - Greg Keyes (Parte 26)



Murph olhou para as equações que ela tinha acabado de escrever, depois para o relógio. Se levantou e correu pelos corredores da base. Na pressa, esbarrou em alguém, Getty, mas não diminuiu seu ritmo. Seu pai. Depois de todos esses anos, ele estava de volta!

Chegou à baía de lançamento, a estação espacial cilíndrica gigantesca que nunca tinha sido destinada a voar, não tinha sido nada mais do que um trabalho para manter as pessoas ocupadas. Lembrou-se do orgulho do Professor Brand mostrando a coisa toda, mesmo acreditando que nunca iria funcionar.
Caminhou até a grade, maravilhando-se com ela, com os milhares de trabalhadores que ainda estavam realizando suas tarefas com afinco.
Getty a seguira e alcançou-a, com um olhar curioso no seu rosto.
Então ela virou-se para o enorme buraco e gritou o mais alto que pode.

– EURECA!

Viu o sorriso mudar a expressão n rosto de Getty.
– Bem, é tradição – disse ela atirando as folhas para o alto. – Eureca! – Repetiu, enquanto os papéis caiam pelo ar, atraindo o olhar dos trabalhadores para ela.
Então beijou os lábios de um muito surpreso e confuso Doutor Getty.

***

Cooper olhou ao longo da linha temporal do relógio, viu que parecia ramificar-se infinitamente.

– Será que funcionou? – Perguntou a TARS.
– Acho que sim. – O robô respondeu.
– Por quê? 
– Porque os seres estão fechando o tesseract – TARS respondeu de imediato.



Cooper olhou novamente para longe e viu que alguma coisa estava acontecendo. As linhas estavam a tornar-se folhas, e então volumes, como se a representação tridimensional criada para o cérebro humano voltasse para a sua realidade de cinco dimensões. Como se o universo colapsasse sobre ele.

– Você não entendeu ainda, TARS? Não são “Eles”, somos nós. Tentando ajudar como eu tentei ajudar Murph...
– Humanos não poderiam ter construído isto.
– Ainda não, mas um dia. Não eu e você. Outras pessoas. Uma civilização que terá evoluído além das quatro dimensões que conhecemos. 

Quando a expansão em cinco dimensões se apossou dele, Cooper pensou em Murph, e Tom, esperando que os tivesse salvo. Pensou que ele pelo menos teve um papel nisso tudo.
Não havia muito mais o que poderia pedir.

O que acontece agora? Pensou em voz alta.

 
Em seguida foi arrastado como se por uma enorme onda, como a Ranger no mundo de Miller. Não, foi mais como um rio em movimento rápido. Ou uma correnteza.
Além dele, viu estrelas e planetas nascendo, morrendo, decaindo em partículas, depois nascendo de novo, mais rápido e mais rápido através do espaço-tempo, um pedaço de papel, uma caneta abrindo um furo que... Onde estava indo agora? Estava feito, não? Conseguiu fazer o que pretendia fazer, agora era com Murph. E Brand.

Se perguntou onde Brand estava e o que estaria fazendo. Gostaria de poder explicar-lhe por que ele teve que deixá-la sozinha.

À sua frente viu uma distorção vítrea, dourada, e nela a Endurance, e por uma fração de segundo pensou que seu desejo tinha trazido-o até ela, mas depois viu que esta Endurance estava nova em folha, sem danos, prestes a entrar no buraco de minhoca.
Flutuou através dela e viu Brand e Romilly. Brand, veio chegando na sua direção.




Será que poderia se comunicar com ela? Provavelmente não, ou pelo menos nada de importante, uma vez que este era o passado. Para sua surpresa, ela o viu e estendeu a mão para ele, e ele percebeu que poderia se comunicar. Algo que talvez fosse importante.
Assim, na esperança de sentir o calor da mão dela, deu-lhe um aperto carinhoso. Mas quando seus dedos se uniram distorceram um ao outro, não foi tão comovente assim.

Um momento de silêncio em meio ao caos.
Ele viu o rosto dela, maravilhado.
Então, de repente foi arrastado para adiante.
O orbe sulfuroso de Saturno, de repente surgiu imenso...
Então tudo ficou em paz.


Cooper abriu os olhos ao ouvir a batida seca de um bastão de beisebol.
Sentiu uma leve brisa tocá-lo.
Piscou tentando se orientar.

Não está mais no traje espacial e sim deitado em uma cama de lençóis brancos. A cama estava em um quarto, e o quarto tinha uma janela que dava não para o espaço, mas deixava entrar luz do sol.
A visão foi obscurecida por cortinas, mas podia ouvir crianças rindo além.

– Senhor Cooper? Senhor Cooper?

Olhou para cima e encontrou um jovem com um queixo pronunciado e olhos verdes olhando para ele. Ao seu lado estava uma mulher com cabelo preto preso em um rabo de cavalo.
Não os conhecia e mesmo seu cérebro ainda atordoado, viu que estavam vestidos com roupas médicas, e que era um quarto de hospital.







Sentou-se, tentando lembrar como tinha vindo parar ali.
Tinha visto Brand, e depois... Saturno... Qualquer modalidade de salvamento levaria dois anos até alcançá-lo.
Então, por que não estava morto?
– Vá devagar senhor – o médico o advertiu. – Lembre-se que não é mais um jovem. Na verdade, você tem 124 anos. – Sorriu.
Cooper não se sentia mais velho do que quando tinha deixado a Terra. Dilatação do tempo, pensou.
– Você foi extremamente sortudo – continuou o homem. – Os Rangers o encontraram minutos antes de seu suprimento de oxigênio acabar. 
Rangers? Em torno de Saturno? Por quê? Teria havido outra expedição?
– Onde estou? – Perguntou por fim.

O médico olhou um pouco surpreso, mas, em seguida, foi até a janela e abriu as cortinas.
Não havia propriamente um céu, apenas a curva superior de um enorme cilindro, com casas de cabeça para baixo, árvores, campos, e piscinas.
Cooper sabia que tinha visto isso antes, ou algo assim. De volta à base da NASA na montanha.

– Estamos na Estação Cooper – disse o médico. – Atualmente na órbita de Saturno. 
Lutou para levantar-se e a enfermeira veio em seu auxílio, ajudando-o a ficar de pé e caminhar lentamente para a janela. Lá fora, sob o céu de cabeça para baixo, algumas crianças estavam jogando beisebol.  Um rebatedor acabara de acertar a bola que zuniu para o alto. Ele seguiu-a subindo, diminuindo a velocidade, quase parando no ar e então acelerando novamente quando cruzou o eixo imaginário da estação e continuou ‘caindo para cima’.

As crianças gritavam advertências quando a bola quebrou uma claraboia literalmente no outro lado do mundo.

– Interessante a nomearem em minha homenagem – ele disse.
A enfermeira deu uma risadinha. Mas quando olhou, o médico estava dando a ela um olhar divertido.
– O quê? – Perguntou Cooper.
– Não foi em sua homenagem, foi em homenagem à sua filha...
Cooper sorriu de seu erro.  Claro que sim.
– Embora ela sempre frise o quão importante você foi. – Acrescentou o médico rapidamente.
Isso trouxe à tona uma dúvida que ele não tinha certeza se queria que fosse esclarecida. Se ele tinha cento e vinte e quatro, se oitenta e tantos anos se passaram desde que deixou a Terra...
– Ela... ainda está viva?
– Sim. Ela virá para cá em algumas semanas. Está muito velha para ser transferida, mas ao saber que você tinha sido encontrado... Afinal, é de Murph Cooper que estamos falando.
– Sim, é.
– Nós teremos que fazer-lhe um check-up por um par de dias – o médico afirmou. Então, ele e a enfermeira deixaram Cooper sozinho.
O plano A, pensou olhando para a estação. A fantástica obra do Professor Brand alcançara seu objetivo, algo que o velho nunca acreditara que iria ocorrer.

O doido plano A.

***

O administrador da Estação Cooper era um rapaz muito alegre e jovem. Trinta anos no máximo, sem nenhum indício de fios brancos em seu cabelo preto encaracolado.

– Ficará animado ao ver o que temos guardado para você– disse para Cooper, levando-o ao longo de uma passarela dentro de um hangar.

No hangar o olhar de Cooper encontrou uma fila de Rangers que não eram iguais aos que ele havia voado, mas uma nova geração, mais elegante do que a anterior. Agradáveis de se ver. O quão diferente seriam, se perguntou. Adoraria subir em um, e olhar os controles. Seriam impulsionados por algum tipo de unidade de gravidade, como a estação parecia ser?
Mas seu guia sequer olhou para as belas naves. Não era para onde estavam indo.

– Fiz um trabalho sobre você no ensino médio. Sei tudo sobre sua vida lá na Terra.
Entraram no que seria a praça da cidade, bastante comum, se não estivesse na órbita de Saturno.
– Então, quando fiz a minha sugestão para Miss Cooper, fiquei muito feliz ao saber que ela achou que seria perfeito. 

Cooper parou olhando para a fazenda.

 
O quintal, sua casa, a mesma varanda onde ele e Donald secavam algumas garrafas de cervejas à noite. O lugar onde seus filhos nasceram, onde Murph tinha virado as costas para ele.
Mas parecia limpa, recém-pintada.
Quando se aproximaram, um monitor veio à vida, e a imagem de um velho apareceu nele.


– 14 de maio. Nunca esquecerei. Claro como um sino. Você nunca imaginaria.
Depois Cooper viu o rosto de outro homem, também de idade, dando um depoimento.
– Quando a primeira das verdadeiras tempestades aconteceu – disse – pensei que era o fim do mundo. 
– É óbvio que eu não falei com ela pessoalmente. – Disse o guia de Cooper
– Claro, meu pai era um fazendeiro... outro monitor, e desta vez a voz de uma mulher, trêmula com a idade.

Logo estavam dentro da casa. Outra tela acordou quando entraram na cozinha, mais pessoas velhas falando sobre a poeira. Sua casa era agora uma peça de museu.
– Mas ela confirmou o quanto você amava a agricultura – concluiu o administrador com orgulho.
– Ela disse, hein? 
Bem, pelo que havia realizado, Murph ganhara o direito de fazer uma pequena piada às suas custas. Assim, ele iria viver em um museu, e ser sua exposição principal.
Quem sabe mostrar para as crianças como se plantava a moda antiga?
Notou uma coisa na sala que não se encaixava na cena pastoral, um robô, bastante familiar.

– É...? 
– O robô que encontramos perto de Saturno quando foi resgatado, sim. – O homem confirmou. – Sua fonte foi danificada, mas poderíamos adaptar outra, se quiser tentar. 
Cooper assentiu.
– Sim, por favor.



***

Naquela noite, Cooper voltou ao hangar e aos Rangers de patrulha, admirando suas linhas elegantes, invejando os pilotos enquanto deixavam as cabines.
Não estava completamente certo do que o levara até lá. Alguns dias atrás, fizera o máximo para retornar à Terra e nunca mais voltar ao espaço, ou entrar em uma nave espacial. Agora, bem, não tinha certeza do que queria fazer.
O plano A tinha acontecido, ele fora capaz de ajudar e Murph conseguira... isso era mais do que gratificante. Mais do que ele poderia pedir. Mas havia uma desvantagem de cento e vinte e quatro anos.

Nunca iria ver Tom novamente. Seu filho tinha morrido quase duas décadas atrás, e Cooper, seu neto tinha biologicamente idade para ser seu pai. Quase todo mundo que conhecia estava morto, menos Murph.
Quanto a Murph, não sabia como seria. Para ele havia passado pouco mais de anos desde que se sentaram juntos em sua cama. Para ela, no entanto, tinha sido uma vida inteira. Ele tinha estado longe a maior parte de sua vida.

Como se desculparia por isso?

Suspirando, fez o seu caminho de volta para a casa da fazenda transplantada, sem se apressar, observando as estranhas paisagens da Estação Cooper.

Como a Endurance, o enorme cilindro girava em seu eixo imaginário. A abertura através da qual as naves decolavam era essencialmente o polo norte. Também o sol estava lá. Espelhos refletiam a luz solar, enormes espelhos, grandes o suficiente para concentrar a luz do fraco e distante sol, ampliando o suficiente para iluminar o interior da estação. Computadores mantinham-no focado, e ao anoitecer, moviam-se para deixar de refletir, simulando assim o ciclo de sono da Terra, ou pelo menos algo parecido. O Mundo de Edmunds não tinha o mesmo ciclo de dia e noite como a Terra, e uma vez que o eventual objetivo era viver lá, a Estação Cooper e suas estações irmãs, gradualmente modificavam o comprimento de cada dia. O ritmo circadiano humano tinha sido o mesmo há milhões de anos, e pedir para um corpo mudar muito rapidamente, era geralmente considerada como uma má ideia.

Se perguntou como Brand estaria se virando. A dilatação do tempo tinha sido a mesma para eles. Quando saiu no espaço próximo a Saturno, ela ainda estaria chegando no mundo de Edmunds.
Quando pensava em tudo o que ela teria que realizar por conta própria, alcançar o mundo de Edmunds através de várias correções de curso, colocar a Endurance em uma órbita estável, carregar a bomba populacional no modulo de pouso, junto com qualquer outra coisa que fosse precisar, já que não haveria combustível suficiente para voltar a Endurance uma vez que tivesse pousado...Pousar por si só, já apresentava o seu próprio conjunto de desafios.
E se o ambiente fosse instável? Os outros planetas não tinham sido fáceis. Mesmo se o pequeno ponto vermelho fosse habitável, o que garantia que não tinha suas próprias surpresas?
E então, depois de tudo isso, teria que construir um acampamento, uma casa para as crianças que viriam.

É claro que não estava totalmente sozinha. Ela tinha CASE, e quem sabe Edmunds ainda vivo.
Ele tentou imaginar o encontro dos dois, mas descobriu que não queria pensar nisso. Sem dúvida, Wolf era um bom rapaz, e Cooper esperava, por Brand, que ele ainda estivesse vivo. Esperava que sim, de verdade. Mas não queria pensar muito sobre isso.

Talvez já tivessem enviado alguém para ajudá-la. Qualquer Ranger seria capaz de fazer a viagem, com o buraco de minhoca ainda estável, exatamente onde tinha estado.
Resolveu que perguntaria ao Administrador, quando o visse de novo.
Com ou sem Wolf, Brand precisaria de ajuda.

***

Quando ele voltou para a casa da fazenda, descobriu que a nova fonte de alimentação tinha sido trazida, como prometido, e assim começou o trabalho de trazer TARS de volta à vida.

– Configuração – TARS disse. – Configurações Gerais, ambiente de segurança. 
– Sinceridade, nova configuração – disse Cooper. – Cenário novo, 95%. 
– Confirmado – TARS respondeu. – Personalização adicional? 
– Sim – disse Cooper. – Humor 75%. Aguarde... 60%. 
– Este lugar – TARS disse. – Era assim a sua vida na Terra? 
– Bem, nunca foi tão limpo – respondeu Cooper olhando ao redor para a sala imaculada, e então além, através das janelas, as casas e as árvores que representavam um simulacro da Terra.
– Eu não tenho certeza se eu gosto de fingir que estamos de volta de onde viemos – murmurou.

***

Uma enfermeira estava esperando por Cooper quando ele, nervoso, chegou a sala de espera do hospital. Ele não tinha certeza do que aconteceria, não tinha certeza de como se sentia.

– Ela está...? – Ele interrompeu a pergunta, sem ter certeza do que ele queria perguntar.
– A família está toda lá – a enfermeira disse a ele.
– A família?
– Todos vieram vê-la. Ela esteve em crio-sono por quase dois anos – disse indicando a porta.
Cooper respirou fundo e abriu-a.
Ela estava na cama, cercada por pessoas que ele não conhecia, mas muitos deles tinham pequenos traços de Murph em seus rostos. Filhos, netos, bebês...

E Murph.


 A família se afastou quando ele se aproximou. Alguns deles estavam sorrindo, outros olharam curiosos, intrigados.
Um garotinho se escondeu atrás da perna de sua mãe.
Ela parecia muito velha, e muito frágil, mas em seus olhos ele podia ver sua filha, a menina com os cabelos flamejantes, e a bela mulher repreendendo-o pelo sistema de comunicação.
Murph, em todos seus estágios da sua vida.
Haviam lágrimas naqueles olhos, mas seu rosto estava alegre. Ela estendeu a mão para ele.

– Murph– disse ele com a voz embargada.
– Pai – ela sussurrou. Acenou para os outros, e eles silenciosamente recuaram.
– Você disse que eu gosto de agricultura – disse ele divertido.
Ela sorriu aquele mesmo sorriso travesso de quando a pegou escondida em seu caminhão.
– Murph – disse ele depois de um tempo. – Era eu. Eu era o seu fantasma. 
– Eu sei – respondeu ela levantando o punho, mostrando-lhe o relógio. – As pessoas não acreditaram em mim. Eles pensam que eu fiz tudo sozinha. Mas eu sabia quem era...
Ele olhou para ela espantado, orgulhoso, feliz e com o coração partido, tudo ao mesmo tempo.
– Um pai olha nos olhos de seu filho – Cooper disse – e pensa que talvez o filho vá salvar o mundo. 
Murph sorriu e agarrou sua mão um pouco mais apertada.
– Ninguém me acreditava, mas eu sabia que você ia voltar.
– Como? – Perguntou Cooper.
– Porque meu pai me prometeu – ela respondeu.
Cooper sentiu as lágrimas escorrendo pelo seu rosto.
– Eu estou aqui agora. Estou aqui por você Murph. 
Mas Murph balançou a cabeça e disse: – Nenhum pai deveria ver a filha morrer. Meus filhos estão aqui comigo. Vá. 
– Para onde? 
– É tão óbvio – Murph suspirou.

E ela lhe disse.

Quando terminou, poucos segundos depois, a família voltou, atraída por ela como se por gravidade.
Ele viu o amor que sentiam por ela, e ela por eles. E mesmo que também fosse sua família, era como se ele estivesse olhando-os de outra dimensão, como se mais uma vez fosse o fantasma de Murph.
Ele saiu do quarto, mas as palavras de sua filha ainda o remoendo.

“É tão óbvio. Brand. Ela está lá fora.”

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