sábado, 29 de agosto de 2015

Aliens - Alan Dean Foster (Parte 7)



Era uma nave feia, surrada, usada em demasia.
Seus reparos deveriam ter sido substituídos por novos, porém, era mais fácil para seus donos atualizá-la e modificá-la do que construir uma a partir do zero.
De linhas desajeitadas, seus motores eram excessivamente grandes, uma montanha de metal, compostos e cerâmica, uma sucata flutuante, um monumento a guerra, abrindo brutalmente seu caminho pela região misteriosa chamada hiperespaço.
Como sua carga humana, ela era puramente funcional.
Seu nome era Sulaco.
Setenta e oito mil toneladas de infama reputação, quase 400 metros de comprimento, pertencente a classe de destroiers espaciais Conestoga.



Quatorze sonhadores nesta viagem.
Onze deles morfoseados em trajes simples e objetivos, tal como a nave que os conduzia pelo vazio. Outros dois eram mais individualistas, e a última sonhadora fora sedada para silenciar os efeitos de pesadelos recorrentes.

Quatorze sonhadores e aquele para quem o sono era uma abstração supérflua.

O oficial executivo Bishop verificava leituras e ajustava controles.
A longa espera terminara.




Um alarme soou em todo o comprimento do maciço transporte militar.
Máquinas dormentes, desligadas para economizar energia, voltavam à vida, assim também os seres humanos foram acordados após longo tempo em suas cápsulas hipersono. Ciente de que os colegas tinham sobrevivido a longa hibernação, Bishop colocou a Sulaco em uma órbita geoestacionária ao redor do mundo-colônia Acheron.



Ripley foi a primeiro dos sonhadores a despertar, não porque era mais adaptável do que seus companheiros de viagem, ou mais acostumada aos efeitos do hipersono, mas simplesmente porque sua cápsula fora a primeira a ser reativada.

Sentando-se na cama, esfregou os braços, e, em seguida, passou para as pernas.

Burke sentou-se na cápsula em frente a dela, e o tenente... qual era mesmo o seu nome? Oh, sim, Gorman.

As outras cápsulas continham o corpo militar da Sulaco: oito homens e três mulheres. Um grupo seleto que escolhera colocar suas vidas em risco na maior parte do tempo em que estavam acordados: indivíduos acostumados a longos períodos de hipersono seguidos por breves períodos despertos, mas sempre intensos.
O tipo de pessoas para quem se abre caminho em uma calçada ou espaço em um bar.

O soldado primeira classe Spunkmeyer era o chefe da equipe de embarque e desembarque, o homem responsável, juntamente com a oficial piloto Ferro, por transportar com segurança seus colegas até a superfície de qualquer mundo que visitassem e, em seguida, tirá-los novamente de lá.
Com urgência, se necessário.
Ele esfregou os olhos e gemeu.

— Estou ficando velho demais pra isso.

Ninguém prestou atenção a este comentário, uma vez que era bem conhecido (ou pelo menos amplamente espalhado em boatos) que Spunkmeyer tinha se alistado quando ainda era menor de idade. No entanto, ninguém brincava sobre sua maturidade, ou a falta dela, quando estavam em queda livre em direção à superfície de um novo mundo.

O soldado Drake estava rolando para fora da cápsula ao lado de Spunkmeyer.
Era um pouco mais velho que Spunkmeyer e muito mais feio. Além de compartilhar semelhanças com a Sulaco, na aparência do velho transporte. Drake era má companhia, um peso-pesado com braços do lendário marinheiro de um só olho, um nariz preso graças a cirurgiões plásticos, e uma cicatriz desagradável que fazia em sua boca um sorriso de escárnio permanente. Uma cirurgia poderia facilmente ter corrigido a cicatriz, mas Drake tomara gosto por ela. Era uma medalha que fora autorizado a exibir todo o tempo. Usava um boné justo, que nenhuma alma viva ousaria a se referir como ‘bonito’.
Drake era operador de uma M56 Smartgun. Era também hábil no uso de rifles, revólveres, granadas, lâminas variadas e os dentes.

— Não estão me pagando o suficiente para isso — murmurou.

— Não o bastante para acordar olhando para sua cara, Drake.

O gracejo veio da oficial Dietrich, que sem dúvida era o membro mais bem apessoado do grupo, exceto quando abria a boca.

— Chupa vácuo — Drake disse para ela. Olhou para o ocupante da outra cápsula recentemente aberta. — Ei, Hicks, você sabe.

Hicks era o oficial sênior e segundo no comando após o Sargento Apone. Não falava muito e sempre parecia estar no lugar certo na hora potencialmente letal, um fato muito apreciado por seus colegas fuzileiros. Mantinha sua opinião para si mesmo e quando falava, o que tinha a dizer geralmente valia a pena ouvir.

Ripley estava de volta aos pés, estimulando a circulação das pernas e soltando as articulações enrijecidas.

Examinou os soldados passando por ela em seu caminho para os armários.
Não havia nenhum super-homem entre eles, arquétipos não excessivamente musculosos, mas magros e rijos. Suspeitava que o menor dentre eles pudesse correr o dia inteiro pela superfície de um mundo qualquer carregando uma mochila completa de equipamentos, lutar uma batalha, e, em seguida, passar a noite reparando alguma máquina vital. Músculos e cérebro em grande quantidade, mesmo que preferissem falar como sujeitos durões de rua. O melhor que a força militar contemporânea tinha para oferecer.
Sentia-se um pouco mais segura, mas só um pouco.

O Sargento Apone foi até o corredor central, conversar brevemente com cada um de seus soldados recém-revividos. Ele parecia poder desmontar um caminhão de tamanho médio com as próprias mãos. Quando passava pelo oficial técnico Hudson, este reclamou: — O chão tá gelado!



— Você também há dez minutos atrás. Eu nunca vi um grupo assim de mulheres idosas. Quer que eu vá buscar seus chinelos, Hudson?

O cabo piscou para o sargento. — Será que poderia, senhor? Eu ficaria tão grato!
O que provocou algumas risadas ásperas.

Apone sorriu para si mesmo enquanto retomava sua caminhada, repreendendo seu pessoal e estimulando-os a acelerar o ritmo.

Ripley só observava. Era um grupo coeso, um organismo de luta com onze cabeças, e ela não fazia parte dele. Alguns deles acenaram na sua direção quando passou caminhando, e ouviu um ou dois “olás” superficiais.
Isso era tudo o que ela tinha o direito de esperar, mas não a fazia sentir mais relaxada.


A soldada de primeira classe Vasquez apenas olhou. Ripley tinha recebido olhares mais quentes de robôs. A outra operadora da Smartgun não piscou e não sorriu. Cabelo preto, olhos mais pretos ainda, lábios finos. Seria atraente se fizesse um pouco de esforço.
Era necessário um talento especial; uma combinação única de resistência, capacidade mental, e reflexos, para operar uma Smartgun. Ripley esperou que a mulher dissesse alguma coisa. Ela não abriu sua boca. Cada um dos soldados parecia durão. Drake e Vasquez estavam bem acima da média.




Seu parceiro de armas gritou para ela quando ela veio de seu armário.

— Ei, Vasquez, você já foi confundida com um homem?

— Eu não. E você?

Drake ofereceu-lhe uma palma aberta e ela acertou-a com a sua mão, seus dedos se entrelaçaram imediatamente. A pressão aumentou, mesmo que ambos permanecessem em silêncio, apesar do cumprimento doloroso. Estavam felizes por ter saido do hipersono e estarem vivos.

Finalmente ela bateu-lhe no rosto e suas mãos se separaram. Riram. Brincadeira típica de jovens dobermans. Drake era mais forte, mas Vasquez era mais rápida.
Ripley decidiu que se tivesse que ir até lá embaixo, tentaria mantê-los um de cada lado. Seria o lugar mais seguro.

Bishop estava se movendo em silêncio entre o grupo, ajudando com massagens e uma garrafa de líquido especial pós-hipersono, agindo mais como um massagista do que um oficial da nave. Aparentava ser mais velho do que qualquer um dos soldados, incluindo o tenente Gorman. Quando passou perto dela, Ripley notou o código alfanumérico tatuada nas costas de sua mão esquerda.
Seu corpo todo enrijeceu ao compreender do que se tratava, mas não disse nada.

— Ei — o soldado Frost disse para alguém fora da vista de Ripley — você pegou minha toalha? — Frost era tão jovem quanto Hudson, mas de melhor aparência.

Spunkmeyer foi até perto dele, ainda reclamando.

— Preciso de uma folga, cara. Como é que nos mandam direto de volta para a ação? Não é justo! Precisamos de uma folga, cara!

Hicks murmurou baixinho: — Você teve três semanas. Quer gastar toda a sua vida em tempo de folga?

— Quero respirar de verdade, não esta coisa gelada. Três semanas no congelador não é descanso de verdade.

— É chefe, o que diz sobre isso? — Dietrich queria saber.

— Sabe que não depende de mim — Apone ergueu a voz acima do desabafo. — Vamos lá pessoal, vamos! Primeira reunião em quinze minutos. Quero que todo mundo parecendo seres humanos, então a maioria de vocês vai ter que fingir. Vamos!

Devido ao desgaste do hipersono as roupas foram atiradas na unidade de eliminação. Era mais fácil cremar os restos e dar novo traje fresco para a viagem de volta do que tentar reciclar shorts e camisas que haviam se agarrado a um corpo por várias semanas.

Os corpos nus e musculosos foram para o chuveiro. Jatos de água de alta pressão limpavam o suor e a sujeira acumulada.

Hudson, Vasquez e Ferro observavam Ripley se secar.

— Quem é a carne fresca? — Vasquez perguntou.

— Ela deve ser algum tipo de consultor. Não sei muito sobre ela — Ferro lavava sua barriga, que era tão chata e musculosa como uma placa de aço. — Ela viu um alien uma vez. É o que comentam.

— Whooah! — Hudson fez uma careta. — Estou impressionado.

Apone gritou com eles. Já estava na sala de secagem, enxugando os ombros. Era tão desprovido de gordura como aqueles de sua tropa, 20 anos mais jovens.

— Vamos, vamos! Bando de bunda-moles! Se sequem. Vamos!




Segregação informal era a ordem do dia na sala de encontro. Era algo automático. Não havia necessidade de palavras sussurradas ou pequenas placas de identificação.

Apone e seus soldados requisitaram a grande mesa enquanto Ripley, Gorman, Burke, e Bishop sentaram-se na outra menor. Todos com seus cafés, chás, refrescos ou água, enquanto aguardavam a cozinha automática da nave preparar imitações de ovos e bacon, torradas e a gororoba condimentada de sempre, e suplementos vitamínicos.


Você poderia identificar cada soldado pelo seu uniforme. Não havia dois exatamente iguais. Era o resultado não da insígnia que identificava a especialização, mas o gosto individual. Na Sulaco não havia um quartel e em Acheron não havia desfile de tropas. Ocasionalmente Apone tinha que chamar a atenção de alguém por conta de uma adição particularmente inadequada, como quando Crowe tinha aplicado por computador o retrato de sua última namorada na sua armadura de batalha. Mas a maior parte do tempo deixava os soldados usarem as roupas como quisessem.

— Ei, Chefe — Hudson chiou. — Qual é a parada?

— Sim — Frost soprou seu chá. — Tudo que eu sei é que recebi ordens de embarque e não tive tempo para dizer olá-adeus para Myrna.

— Myrna? — O soldado Wierzbowski ergueu uma sobrancelha. — Achei que era Leina?

Frost pareceu momentaneamente confuso. — Acho que Leina foi há três meses. Ou seis.

— É uma missão de resgate — Apone tomou um gole de café. — Temos que resgatar algumas suculentas filhas de colonos.

Ferro fez um olhar decepcionada. — Que inferno, me deixe de fora dessa!

— Até parece... — Hudson disse olhando de soslaio para ela e ela jogou açúcar nele. Apone apenas ouviu e viu. Não havia razão para intervir. Ele poderia ter acalmado-os, poderia ter jogado ‘pelo livro’. Em vez disso, deixou correr solto, apenas porque sabia que seu grupo era o melhor. Entraria em uma batalha com qualquer um deles guardando suas costas e não se preocuparia com o que não podia ver, sabendo que estaria protegido de forma tão eficiente como se tivesse olhos na parte de trás de sua cabeça. Deixe-os brincar, deixe-os amaldiçoar a ECA, a Companhia e ele também. Quando chegasse a hora, a brincadeira iria parar, e cada um deles cuidaria de fazer o certo.

— Colonos idiotas — Spunkmeyer olhou para seu prato onde o alimento surgiu como uma aparição. Depois de três semanas adormecido ele estava morrendo de fome, mas não tanta assim que não coubesse um comentário culinário.

— O que deveria ser isso?

— Ovos, estúpido! — Ladrou Ferro.

— Eu sei o que é um ovo, cérebro de bolha. Quero dizer essa coisa chata e amarela encharcada na lateral.

— Pão de milho, eu acho — Wierzbowski acrescentou distraidamente. — Ei, eu não me importaria de ter um pouco mais de tempo com uma menina Arcturan. Lembra aquela vez?

Hicks estava sentado em seu lado direito. O cabo olhou brevemente, em seguida, olhou para seu prato.



— O novo tenente parece se achar bom demais para comer com a gente. Puxa-saco do representante da empresa.

Wierzbowski olhou para o oficial, não se importando se alguém notasse seu olhar.

— Sim.

— Isso não importa, desde que saiba fazer seu trabalho — disse Crowe.

Frost cortando seus ovos comentou: — Nós vamos descobrir.

Talvez fosse a juventude de Gorman que lhes incomodava, embora fosse mais velho do que a metade dos soldados. Era mais provável que se devesse a sua aparência: cabelo curto e bem arrumado, mesmo depois de semanas no hipersono, vincos no lugar, botas brilhando como metal negro. Sua aparência era impecável.




Enquanto comiam e conversavam baixo, Bishop veio e tomou o lugar vazio ao lado de Ripley. Ela imediatamente se levantou e mudou-se para o outro lado da mesa.
Ele pareceu se incomodar.




— Sinto muito que você se sinta dessa forma sobre os sintéticos, Ripley.

Ela o ignorou e olhou direto para Burke, dizendo num tom acusador: — Você nunca disse nada sobre a existência de um androide a bordo! Por que não disse? Não minta para mim.

Burke pareceu perplexo.

— Bem, não me ocorreu. Não sei por que você está tão chateada. É política da empresa para os próximos anos ter sempre um sintético a bordo de cada transporte. Eles não precisam do hipersono, é muito mais barato do que contratar um piloto humano para supervisionar os saltos interestelares. Eles não vão ficar loucos por trabalhar tanto. Não é nada demais.

— Eu prefiro o termo ‘pessoa artificial’ — Bishop interrompeu suavemente. — Existe algum problema? Talvez eu possa ajudar.

— Eu penso que não — Burke limpou ovo de seus lábios. — Um sintético falhou na última viagem dela. Ocorreram mortes.

— Estou chocado. Foi há muito tempo?


— Bastante tempo, na verdade — Burke respondeu, sem entrar em detalhes, no que Ripley ficou grata.

— Deve ter sido um modelo antigo.

— Um Hyperdine 120A/2.

Curvando-se para trás, tentando ser conciliador, Bishop se virou para Ripley.

— Bem, isso explica tudo. Os antigos /2 sempre foram um pouco nervosos. Isso nunca poderia acontecer agora, não com os novos inibidores comportamentais implantados. Seria impossível para mim prejudicar ou, por omissão, permitir  a um ser himano ser prejudicado. Os inibidores vem instalados de fábrica, junto com o resto das minhas funções cerebrais. Ninguém pode alterá-los . Então como vê, sou inofensivo.

Ele ofereceu-lhe um prato cheio de retângulos amarelos dizendo: — Quer mais pão de milho?

O prato quebrou quando atingiu a parede depois que Ripley acertou-o.
O pão de milho esfarelado, assim como o prato, ficaram ao chão.



— Basta ficar longe de mim, Bishop! Você entendeu? Fique longe de mim!

Wierzbowski observou a cena em silêncio, depois deu de ombros e voltou para sua comida.

— Ela também não gosta do pão de milho.

A explosão de Ripley provocou o término das conversas e assim que os soldados terminaram de comer, se retiraram para a sala de instruções. Fileiras de toda sorte de armamento cobriam as paredes. Alguns fuzileiros se agruparam em torno de uma mesa e começaram um jogo improvisado de dados que terminou quando Gorman e Burke chegaram. Apone latiu para eles.



 — Atenção!

Os homens e mulheres responderam com os braços na vertical ao lado do corpo, olhos para a frente, e focados apenas no que o sargento poderia dizer-lhes em seguida.




Os olhos de Gorman analisaram a linha de corpos em sentido. Os soldados estavam mais imóveis do que quando congelados em hipersono.
Esperou por mais um momento antes de falar.

— À vontade! — A linha relaxou. — Sinto muito, mas não tivemos tempo para informar-lhe antes de sairmos, mas...

— Senhor? — Interrompeu Hudson.

Irritado, Gorman olhou para o altão. Não podia deixá-lo terminar sua primeira frase, antes de começar com as perguntas. Não que ele esperava outra coisa. Ele tinha sido avisado que este grupo poderia ser difícil.

— Sim, o que é, Hicks?

Hudson acenou para o homem de pé ao lado dele.

— Hudson, senhor. Ele é Hicks.

— Qual é a pergunta, soldado?

— Será que isso vai ser uma luta ao ar livre, senhor, ou em espaço confinado?




— Se você esperar um momento, pode encontrar algumas de suas perguntas, Hudson. Eu posso entender sua impaciência e curiosidade. Não há muito a explicar. Tudo o que sabemos é que perdemos contato com a Colônia. Bishop tentou contactar Hadley no instante em que a Sulaco alcançou uma distância de saudação de Acheron e não obteve uma resposta. O satélite planetário está ok, então esse não é o motivo para a falta de contato. Nós não sabemos o que é ainda.

— Alguma idéia? — Perguntou Crowe.

— Há uma possibilidade, apenas uma possibilidade, neste momento, que um xenomorfo possa estar envolvido.

— Um o que? — Perguntou Wierzbowski.

Hicks se inclinou em direção a ele e sussurrou baixinho. — Será uma caçada — e então mais alto, para o tenente, — Então, o que são essas coisas?

Gorman acenou para Ripley, que deu um passo adiante.
Onze pares de olhos fixos nela como a mira de uma arma: alertas, atentos, curiosos e especulativos. Ainda não tinham certeza se ela pertencia a mesma turma de Burke e Gorman ou a outro lugar. Não se importavam com ela nem gostavam dela, porque não a conheciam ainda.

Ela colocou um punhado de discos minúsculos sobre a mesa à frente.

— Aqui tem o que eu sei sobre ele. Vocês podem lê-los em seus quartos.

— Eu sou um leitor lento — Apone disse e sorriu um pouco. — Nos dê uma palhinha.

— Sim, vamos ouvir uma prévia — Spunkmeyer encostou-se num bloco com explosivos suficientes para colocar abaixo um prédio pequeno.




— Ok. Em primeiro lugar é importante entender o ciclo de vida do organismo. Ele é, na verdade, duas criaturas. A primeira é um esporo, numa espécie de ovo grande. Em seguida, ela salta na vítima e injeta um embrião dentro dela, se destaca e morre. É essencialmente um órgão reprodutor que anda. Então o...

— Parece com você, Hicks — Hudson sorriu para o homem mais velho, que respondeu com seu sorriso tolerante habitual.

Ripley não achou engraçado. Não achava nada engraçado sobre um alienígena.
Os soldados ainda não estavam convencidos de que ela estava descrevendo algo que existia fora de sua imaginação. Ela teria que tentar ser paciente com eles.
Não ia ser fácil.




—...O embrião, a segunda forma, se hospeda no corpo por várias horas. É o período de gestação. Então... — teve que engolir, lutando contra uma repentina secura na garganta —...ele emerge. Diferente. Cresce rapidamente. A forma adulta avança rapidamente através de vários estágios intermediários, até que amadurece na forma de...

Desta vez foi Vasquez que interrompeu: — Tá, tudo bem, mas eu só preciso saber uma coisa.

— Sim?



— Onde eles estão —  apontou o dedo para um espaço vazio entre Ripley e a porta, levantou o polegar e disparou em um intruso imaginário.

Vaias e gargalhadas de aprovação vieram de seus colegas.

— Dá-lhe Vasquez! — Como sempre Drake demonstrou prazer diante da sede de sangue de sua parceira. Seu apelido era “pivete assassino”, não a toa.

Ela assentiu com a cabeça bruscamente.

— A qualquer hora. Em qualquer lugar.

Hudson recostou-se na cadeira, de braços cruzados dedilhando uma arma com um carregador longo e estreito.

— Ela acha que são ‘imigrantes ilegais*’.   *(alien=imigrante)

— Foda-se! — Vasquez mostrou ao técnico um dedo.

Ele respondeu imitando-a: — A qualquer hora. Em qualquer lugar.

O tom de Ripley foi tão frio quanto o casco da Sulaco.




— Lamento interromper a conversa, Sr. Hudson? Sei que a maioria de vocês está olhando para isso como se fosse apenas, mais outra ação policial típica. Posso assegurar a vocês que é bem mais do que isso. Eu vi essa criatura. Eu vi o que ela pode fazer. Se você for para um encontro com aquilo, posso garantir que você não vai rir.

Hudson murchou. Ripley mudou sua atenção para Vasquez.

— Espero que vá ser tão fácil como você faz parecer, soldado. Eu realmente espero.

Seus olhos se encontraram. A mulher não desviou o olhar.

Burke caminhou entre elas.

— Isso é o bastante para uma pré-visualização. Sugiro a todos vocês que encontrem tempo para estudar os discos de Ripley, pois serão úteis para se prepararem. Eles contêm informações básicas adicionais, bem como alguns gráficos altamente detalhados especulativos da imagem. Eu acredito vão achar interessante. Eu prometo que vai prender a atenção de vocês.

Ele deu lugar para Gorman. O tenente soava como um comandante, mesmo que não chegasse a parecer um.

— Obrigado Sr. Burke e Ripley.

Seu olhar vagava sobre os rostos indiferentes de seu esquadrão.

— Alguma pergunta?

Uma mão acenou casualmente na parte de trás do grupo e ele suspirou resignado.



— Sim, Hudson?

— Como saio dessa?

Gorman fez uma careta e absteve-se de oferecer o primeiro pensamento que veio à mente. Ele agradeceu Ripley novamente com gratidão, ela sentou-se.

— Tudo bem. Eu quero que esta operação corra dentro dos números. Quero DCS completos e assimilação de banco de dados tático em zero-oito-trinta.

Alguns gemidos subiram do grupo, mas nada na forma de um forte protesto.
Nada menos do que o que eles esperavam.

— Carregar munição, checar armas, e preparar para desembarcar em sete horas. Quero tudo e todos prontos a tempo. Vamos fazer isso corretamente. Você já tiveram três semanas de descanso.


sábado, 22 de agosto de 2015

Aliens - Alan Dean Foster (Parte 6)



O apartamento estaria tranquilo se não fosse a tela de parede ligada.




Ripley ignorou o programa de tv e concentrou-se na fumaça do cigarro sem nicotina, formando padrões obscuros e preguiçosos no ar estagnado.

Apesar de ser final do dia, tinha conseguido até então evitar o confronto com um espelho. Ainda bem, pois sua aparência desleixada só poderia deprimi-la ainda mais.

O apartamento estava em melhor forma do que ela. Apenas alguns poucos toques decorativos suficientes para mantê-lo espartano. Nenhum deles se podia chamar pessoal. Isso era compreensível. Sobrevivera a tudo que poderia ser considerado como pessoal. A pia estava cheia de pratos sujos, mesmo que a máquina de lavar louça abaixo dela estivesse vazia.



No quarto ao lado, lençóis e cobertores em uma pilha sobre o colchão.
Jones rondava a cozinha, caçando pedaços de comida negligenciados. Não iria encontrar nenhum. A cozinha mantinha-se razoavelmente antisséptica apesar da deliberada falta de cooperação de sua proprietária.

— Ei, Bob! — a tela baliu de forma insípida. — Ouvi dizer que você e sua família estão de saída para as colônias!

— A melhor decisão que já tomei na vida, Phil — respondeu uma nulidade estúpida sorridente.— Começaremos uma nova vida a partir do zero em um mundo limpo. Nada de crime, nada de desemprego...

Os dois artistas atuavam repetindo a lengalenga aprovado pela administração colonial.

O anel verde da costa leste, Ripley pensou sarcasticamente enquanto escutava com metade de um ouvido. Gente dos condomínios de Cape Cod com vista para Martha’s Vineyard ou Hilton Head, ou algum outro refúgio esnobe não poluído, para os poucos afortunados que sabiam faturar e como dançar o ritmo do “Simsinhô” quando os caciques corporativos estalavam os dedos. Nada disso era para ela. Nada do cheiro de sal, nem a brisa fresca da montanha. Para ela restarara Innercity, e tinha sorte de ter tanto.


Eles queriam mantê-la quieta por um tempo, até que ela se acalmasse. Ficariam felizes em ajudá-la a ser realocada e voltar ao serviço. Depois, convenientemente a esqueceriam. Ela era apenas uma trabalhadora comum, e não queria nada com a Companhia mais do que a Companhia se importava com ela.

Se tivessem suspendido sua licença, ela já estaria longe.

A campainha da porta tocou forte e ela pulou.

Jones simplesmente olhou para cima e miou, antes de ir em direção ao banheiro.
Ele não gostava de estranhos. Sempre fora um gato esperto.

Ela colocou o cigarro (garantido não conter substâncias cancerígenas, nem nicotina, e nenhum tabaco, e ser inofensivo para a sua saúde, era o que o rótulo de advertência no lado do pacote insistia em dizer) de lado e foi abrir a porta. Não se preocupou em verificar pelo olho mágico, pois era um edifício de segurança completa. Não que, depois de suas experiências recentes houvesse alguma coisa em uma cidade da Terra que pudesse assustá-la.


Carter Burke usava de seu habitual sorriso de desculpas. De pé ao lado dele um homem mais jovem vestido com o uniforme de um oficial dos fuzileiros coloniais.

— Oi, Ripley — Burke indicou seu companheiro. — Este é o tenente Gorman da...

A porta, ao fechar-se, cortou a frase pela metade.
Ripley virou as costas, mas tinha esquecido de desligar o interfone do corredor. A voz de Burke chegou até ela através do alto-falante camuflado.

— Ripley, precisamos conversar.

— Não, não temos. Esqueça, Carter! E leve o seu amigo com você.

— Não posso. É importante!

— Para mim não é. Nada é importante para mim.

Burke ficou em silêncio, mas sentiu que ele não iria embora. Ela o conhecia bem o suficiente para saber que ele não iria desistir facilmente. O representante da Companhia não era exigente, mas um bajulador bem sucedido.

E ele não precisava discutir com ela. Tudo o que precisou fazer foi dizer uma frase.

— Perdemos contato com a colônia em Acheron.

A sensação de vazio interior refletiu-se nas ramificações da inesperada declaração. Bem, talvez não totalmente inesperada. Hesitou um momento mais antes de abrir a porta. Não fora uma manobra. Isso era evidente na expressão de Burke. O olhar de Gorman passou de um para o outro. Ele estava claramente desconfortável em ser ignorado, mesmo tentando não o demonstrar.



Ela deu um passo para o lado: — Entrem.

Burke inspecionou o apartamento e não disse nada, se afastando de futilidades do tipo “que belo lugar você tem aqui”, quando obviamente não era. Também se absteve de dizer, “Você parece bem”, desde que também teria constituído uma inverdade óbvia.
Ela o respeitava por isso. Fez um gesto em direção à mesa.

— Querem alguma coisa? Café, chá, refresco?

— Café seria bom — respondeu ele. Gorman acrescentou um aceno de cabeça.

Ela foi até a cozinha compacta e teclou acima de alguns copos. Sons borbulhan
tes começaram a emanar do processador quando ela se virou de volta para a sala.

— Você não precisava trazer os fuzileiros — sorriu levemente para ele. — Minha fase violenta está passando. Os psiquiatras atestaram,  está lá no meu gráfico. Para que a escolta?

— Estou aqui como representante oficial.

Gorman estava claramente desconfortável e mais do que disposto a deixar Burke lidar com a maior parte da conversa. Perguntou-se o quanto ele sabia, ou o que tinham lhe dito sobre ela? Ficaria desapontado em não encontrar uma megera? Não que sua opinião sobre ela importasse.

Ela fingiu indiferença. — Então?

Burke olhou para sua pasta.

— Temos que ir até lá verificar. E rápido. Todas as comunicações se foram. Eles têm sido pressionados para interromper a operação devido à falha de equipamento. Acheron está no negócio há anos. São pessoas experientes, e têm sistemas de backup adequados. Talvez estejam tentando corrigir o problema neste instante. Mas o silêncio está durando muito tempo. As pessoas estão ficando nervosas. Alguém tem que ir e ver pessoalmente. É a única maneira de acalmar a todos. Provavelmente eles vão conseguir corrigir o problema enquanto a nave estiver a caminho, e toda a viagem será um desperdício de tempo e dinheiro, mas é hora de partir!


Ela foi até a cozinha e trouxe os cafés. Enquanto Gorman deu um gole, ela começou a andar. A sala era demasiada pequena para uma caminhada, mas  tentou, de qualquer maneira. Burke apenas esperou.

— Não — ela disse finalmente. — Sem chance!

— Ouça-me. Não é o que você pensa.

Ela parou e olhou para ele, incrédula.

— Não é o que eu penso? Não é o que eu penso? Eu não tenho que pensar, Burke. Fui virada ao avesso, cozida no vapor por vocês, e querem que eu volte lá? Esqueça!



Ela tremia enquanto falava. Gorman interpretaria errado a sua reação como sendo raiva, mas era puro medo. Ela estava com medo. Tentava mascará-lo com indignação. Burke sabia o que ela estava sentindo, mas continuou. Não tinha escolha.

— Olhe — começou na sua melhor forma conciliatória. — Nós não sabemos o que está acontecendo lá. Se o satélite de retransmissão caiu, ou o transmissor está quebrado, a única maneira de corrigi-lo é com uma equipe de socorro. Não há nenhuma nave espacial na Colônia. Se for esse o caso, então eles estão lá sentados xingando a Companhia para não enviar de pronto uma tripulação de reparo. Se for o satélite, a equipe de socorro não vai nem mesmo ter que pôr o pé no planeta. Mas nós não sabemos qual é o problema, e se não for isso, então eu gostaria de sabê-lo. Isso é tudo.

Gorman baixou o café.

— Você iria junto com as tropas, assumindo que aceite. Posso garantir sua segurança.

Ela revirou os olhos e olhou para o teto.

— Eles não são policiais da cidade ou o exército, Ripley — Burke disse com firmeza. — São fuzileiros coloniais, homens com alto poder de fogo. Não há nada com que não possam lidar. Certo, Tenente?



Gorman se permitiu um leve sorriso.

— Nós estamos treinados para lidar com o inesperado. Temos lidado com problemas em mundos piores do que Acheron. Nosso índice de baixas para este tipo de operação é em torno de zero. Espero que o percentual melhore um pouco mais após esta visita.

Se esta declaração destinava-se a impressionar Ripley, falhou miseravelmente.
Ela olhou de volta para Burke.

— E você? Qual é o seu interesse nisso?

— Bem, a Companhia co-financia a Colônia em conjunto com a Administração Colonial. Direitos minerais e uma parte dos lucros de desenvolvimento de longo prazo. Estamos diversificando, entrando no negócio de terraformação em uma escala galáctica. Construindo os melhores mundos.

— Sim, sim — ela murmurou. — Vi os comerciais.

— A Corporação não verá os lucros substanciais de Acheron até a terraformação estar completa, um grande empreendimento como este tem que ser considerado a longo prazo.

Vendo que o discurso não surtira nenhum efeito sobre ela, Burke escolheu outro rumo.

— Eu ouvi dizer que você está trabalhando nas docas de carga de Portside?

A resposta de Ripley foi defensiva, como era de se esperar.

— Está certo. O que sabe sobre isso?

Ele ignorou o desafio.

— Lidar com carregadeiras, empilhadeiras, andaimes de suspensão,... esse tipo de coisa?

— É tudo o que eu quero. Ficaria louca se tivesse que viver de caridade por toda a minha vida. De qualquer forma, mantém minha mente sã... Dias de folga são o pior. Demasiado tempo para pensar. Eu prefiro me manter ocupada.

— Você gostaria de que tipo de trabalho?

— Você está tentando ser engraçado?

— E se eu disser que eu poderia reintegrá-la como oficial de vôo? Conseguir sua licença de volta? E que a Companhia concordasse em contrata-la? Nada mais de aborrecimentos com a comissão. A reprimenda oficial será apagada de seu registro sem deixar vestígios. Será como se você estivesse ausente, de licença. Perfeitamente normal após uma longa viagem de serviço. Vai ser como se nada tivesse acontecido. Não vai nem mesmo afetar sua pensão.

— E sobre a ECA e os caras dos Seguros?

— A questão do seguro está resolvida. Eles estão fora. Uma vez que nada irá aparecer em seu registro, você não será considerada mais um risco do que antes de sua última viagem. Quanto ao ECA, eles gostariam de vê-la na equipe de socorro também. Uma questão de cuidado.



— Se eu for.

— Se você for.

Ele balançou a cabeça, inclinando-se ligeiramente em sua direção.
Não estava exatamente implorando. Era mais como um discurso de um vendedor.



— É uma segunda chance, garota. A maioria das pessoas julgadas culpadas pela Comissão de inquérito nunca têm essa oportunidade. Se o problema for nada mais do que um satélite de retransmissão quebrado, tudo que você tem a fazer é sentar-se em seu cubículo enquanto os técnicos cuidam dele. Isso e sonhar com o gordo salário de viagem enquanto estiver em hipersono. Quando acabar, todos os dissabores vão ter passado e tudo vai voltar como costumava ser. Pensão completa, e tudo mais. Eu vi o seu registro. Você se qualifica para o certificado de capitão. E vai ser a melhor coisa do mundo, você enfrentar esse medo e vencê-lo. Você tem que se levantar, sacudir a poeira e dar a volta por cima.

— Poupe-me, Burke — disse ela friamente. — Eu fiz a minha avaliação psicológica do mês.

Seu sorriso enfraqueceu, mas o tom de voz ficou mais determinado.

— Bem, ok, vamos deixar de papo furado então. Li suas avaliações. Você acorda todas as noites, o mesmo pesadelo recorrente...

— Não. A resposta é não.



Ela pegou as duas xícaras de café, embora nem estivessem vazias.
Era outra forma de mandá-los embora.

— Agora, por favor saiam! Sinto muito.

Os dois homens trocaram um olhar. A expressão de Gorman era ilegível, mas tinha a sensação de que sua atitude tinha mudado de curioso para desdenhoso. O que ele sabia? Burke extraíu do bolso um cartão translúcido, e colocou-o sobre a mesa antes de se dirigir para a porta. Fez uma pausa no portal para sorrir para ela.



— Pense nisso.

Em seguida foram embora, deixando-a sozinha com seus pensamentos.
Uma companhia desagradável.



Vento. Vento e areia e um céu gemendo. O disco pálido de um sol alienígena como um entalhe de papel na atmosfera agitada. Um urro, subindo de tom e intensidade, chegando mais perto, até que estava em cima de você, sufocando você, cortando sua respiração.

Com um gemido gutural Ripley se sentou em sua cama, apertando o peito.
Respirava com dificuldade, dolorosamente.



Olhou ao redor do pequeno quarto. Sob a luz fraca, paredes nuas e a cabeceira iluminada, uma cômoda, lençóis chutados para o pé da cama. Jones estava deitado em cima da cômoda, o ponto mais alto na sala, olhando impassível para ela.
Era um hábito que o gato tinha adquirido logo após o seu regresso. Quando ia para a cama, se enroscava ao lado dela, apenas para abandoná-la logo depois que ela adormecia em favor da segurança da cômoda.
Ele sabia que o pesadelo estava a caminho e lhe dava espaço.

Ela usou do lençol para enxugar o suor da testa e bochechas.
Seus dedos abriram a gaveta do criado mudo, procurando até encontrar um cigarro. Esfregou a ponta e esperou que o cilindro se inflamasse.

Alguma coisa se mexeu, ela girou a cabeça. Nada, apenas o leve zumbido do relógio. Não havia mais nada no quarto. Apenas Jones e ela. Certamente, nenhum vento.

Inclinando-se para a esquerda, localizou em outra gaveta o cartão que Burke tinha deixado para ela. Virou-o entre os dedos e em seguida inseriu-o em uma fenda no console de cabeceira.
Na tela imediatamente a palavra AGUARDE. Esperou impacientemente até que o rosto de Burke aparecesse. Tinha a barba por fazer, tendo sido despertado de um sono profundo, mas conseguiu exibir um sorriso quando viu quem estava chamando-o.



— Olá? Oh, Ripley. Oi!

— Burke, diga-me uma coisa.

Ela esperava que houvesse luz suficiente no seu quarto para o monitor poder reproduzir sua expressão, tão bem como a sua voz.


— Você está indo lá para matá-los, não para estudá-los, não para trazer um de volta. Simplesmente queimá-los, exterminá-los para sempre.

Ele acordava rapidamente, ela notou.

— Esse é o plano. Se tiver algo perigoso andando por lá, nós acabaremos com ele. Temos uma colónia para proteger. Não brincamos com organismos potencialmente perigosos. É política da Companhia. Se encontrarmos algo letal, qualquer coisa, nós fritamos. Os cientistas podem ir pro inferno. Dou minha palavra!

Uma longa pausa e ele inclinou-se, seu rosto apareceu grande na tela de parede.

— Ripley. Ripley? Você ainda está aí?

Não havia mais tempo para pensar. Talvez fosse hora de parar de pensar e de fazer.

— Tudo bem... Estou dentro.

De alguma forma, ela conseguira dizer.
Parecia que ele queria responder, felicitar ou agradecê-la, mas a ligação se desfez.
Antes que ela pudesse dizer uma palavra, um baque soou no lençol próximo, e ela se virou para olhar com carinho para Jones esfregando-se contra seu quadril, ronronando.

— E você, meu querido, vai ficar aqui.



O gato piscou para ela conforme ela continuava a acariciar com os dedos suas costas. Duvidava que ele entendesse suas palavras ou a essência da conversa no recente telefonema, mas mesmo assim, não se ofereceu para acompanhá-la.

Pelo menos um de nós ainda tem algum juízo, pensou antes de deslizar sob as cobertas.

sábado, 15 de agosto de 2015

Aliens - Alan Dean Foster (Parte 5)



Não era o melhor dos tempos, mas certamente o pior dos lugares.
Impulsionados por forças sobrenaturais meteorológicas, os ventos de Acheron martelavam incessantemente a superfície árida do planeta.
Eram tão antigos quanto o próprio mundo rochoso. Sem quaisquer oceanos para competir com eles, varriam a paisagem por eras, sem ter as forças inquietas das profundezas basálticas, empurrando novas montanhas e planaltos pra cima.

Os ventos da Acheron estavam em guerra com o planeta que lhes deu a vida.



Até agora não tinha havido nada para interferir com seu fluxo incessante. Nada para interromper as suas tempestades de areia, nada que se opusesse aos vendavais em vez de simplesmente admitir o domínio deles, até que seres humanos vieram para Acheron e o reclamaram para o seu uso próprio.

Primeiro, a própria atmosfera fora transformada, o metano renunciou a sua posição dominante para o oxigênio e o nitrogênio. Em seguida os ventos seriam treinados, e então a superfície. O resultado final seria um clima benigno cujo resultado se manifestaria na forma de neve e chuva, e das coisas que crescem.

Este seria um legado para as gerações futuras.

Por enquanto os habitantes de Acheron trabalhavam nos processadores e se esforçavam para fazer um sonho tornar-se realidade, sobrevivendo com uma ração de determinação, humor, e gordos cheques de pagamento. Não viveriam o bastante para ver Acheron se tornar a terra de leite e mel.
Apenas a Companhia viveria o suficiente para isso.
A Companhia era imortal, como nenhum deles jamais poderia ser.

O senso de humor comum a todos os pioneiros que viviam em condições difíceis, era evidente em toda a colônia, mais notavelmente numa placa de aço em um poste de concreto.

HADLEY HOPE - População 159
BEM-VINDO A ACHERON

Sobre a qual, algum idiota local tinha, sem autorização oficial, acrescentado com tinta spray indelével:

TENHA UM BOM DIA!

Os ventos ignoravam o desejo. Partículas de areia e cascalho tinham corroído grande parte da placa de aço. Um novo visitante de Acheron, por cortesia dos processadores atmosféricos, tinha acrescentado seu próprio comentário com um floreio marrom: as primeiras chuvas tinha produzido a primeira ferrugem.





Além da placa que caracterizava o estabelecimento da colônia em si, havia um conjunto de estruturas metálicas e plasticoncreto unidos entre si por plataformas aparentemente muito frágeis para suportar os ventos do Acheron. Não eram tão impressionantes ao olhar quanto o terreno circundante com suas formações rochosas e montanhas, mas eram quase tão sólidas e muito mais caseiras. Protegiam dos vendavais, e da atmosfera ainda fina, confortando aqueles que trabalharam no interior dela.



Tratores e outros veículos de rodas gigantescas arrastavam-se para baixo pelas estradas abertas entre os prédios, emergindo ou desaparecendo em garagens subterrâneas como tantos veículos tipo besouro comunais. Luzes de néon piscaram irregularmente em edifícios comerciais, anunciando os poucos e lamentáveis, mas sinceros, entretenimentos a preços exorbitantes que eram pagos sem comentários. Grandes e gordos cheques sempre geram pequenos negócios operados por homens e mulheres com gordos sonhos. A Companhia não tinha interesse em controlar tais operações em si, mas de bom grado vendiam concessões para aqueles que desejavam fazê-lo.

Além do complexo da colônia estava o primeiro processador atmosférico. Movido à fusão nuclear, arrotava uma tempestade constante de ar purificado no envelope gasoso que cercava o planeta.

O material particulado e os gases perigosos eram removidos, por incineração ou por decomposição química; oxigênio e nitrogênio eram jogados de volta para o céu escuro. Entrava o ar ruim, saia o ar bom.
Não se tratava de um processo complicado, mas era demorado e muito caro.

Mas quanto vale um mundo? E Acheron não era tão ruim como alguns que a Companhia havia investido antes. Pelo menos possuía uma atmosfera capaz de ser modificada. Era muito mais fácil afinar a composição do ar de um mundo do que fornecê-lo a partir do zero. Acheron tinha uma gravidade normal.

Um verdadeiro paraíso.

O brilho de fogo que emanava da coroa do processador atmosférico se assemelhava a de um vulcão em erupção, sugerindo outra coisa, outro reino.
Nada deste simbolismo era ignorado pelos colonos, apenas inspirava o humor local. Afinal, eles não tinham concordado em vir para Acheron por causa do clima.

Nos corredores da colônia não havia corpos moles ou pálidos, ou rostos frágeis. Até as crianças pareciam duronas. Não em maldade, mas fortes, tanto dentro como fora.
Não havia lugar aqui para os valentões. A importância da cooperação era uma lição aprendida desde cedo. Crianças cresciam mais rapidamente aqui do que outras iguais na Terra, e aquelas que viviam em mundos mais ricos e mais suaves.
Elas e seus pais pertenciam a uma raça própria. Focados, mas interdependentes.
Não eram únicos.
Seus antecessores tinham viajado em vagões, ao invés de naves estelares.

Ajudava a pensar em si mesmo como pioneiros.
Soava muito melhor do que uma descrição numérica de trabalho.



No centro deste gânglio de homens e máquinas, uma construção alta conhecida como  Controle. Ela se elevava acima de qualquer outra estrutura artificial em Acheron com excepção das estações de processamento atmosferico.
Do lado de fora parecia espaçosa. Dentro, não havia um metro quadrado vazio, tudo era tomado pela instrumentação, o espaço de piso e teto, seqüestrado pela aparelhagem. Nunca havia espaço suficiente. Pessoas apertavam-se de modo que os computadores e as suas máquinas de serviços pudessem caber. Todo papel era empilhado nos cantos, apesar dos esforços incessantes para reduzir a informação em bytes eletrônicos.
O novo equipamento recém-chegado da fábrica, rapidamente adquiria uma infinidade de arranhões, mossas caseiras e anéis escuros deixados por canecas de café.



Dois homens comandavam o Controle e, portanto, a Colônia. Um deles era o gerente de operações, o outro seu assistente. Eles chamavam um ao outro pelo primeiro nome. Formalidade não estava em voga em mundos fronteiriços. A insistência em títulos e sobrenomes, assim como a arrogância, poderia levar um homem a se ver um dia do lado de fora, sem um traje de sobrevivência ou comunicador.

Seus nomes eram Simpson e Lydecker, e um parecia mais acelerado do que o outro. Ambos tinham a expressão de homens para os quais o sono era uma amante raramente visitada. Lydecker parecia um contador assombrado por uma grande dedução fiscal extraviada dez anos antes. Simpson, um tipo grande e corpulento, teria sido mais feliz dirigindo um caminhão da Colônia. Infelizmente tinha sido preso pelo cérebro, apesar dos músculos, e não tinha conseguido esconder isso de seus empregadores. A frente de sua camiseta estava perpetuamente suada.



— Viu a previsão do tempo para a próxima semana?

Simpson estava mastigando algo perfumado, que manchava o interior de sua boca. Provavelmente ilegal, Lydecker sabia. E não disse nada sobre isso. Era problema dele, era da conta de Simpson. Além disso, ele estava considerando tambem pedir um pouco daquilo emprestado. Pequenos vícios não eram incentivados em Acheron, mas enquanto eles não interferissem com o trabalho de uma pessoa, nem o expusesse ao ridículo, tudo bem. Já era duro o suficiente manter sua sanidade, difícil ainda mais sobreviver.

— O que tem ela? — Perguntou o gerente de operações.

— Vamos ter um verdadeiro verão indiano. Ventos de até a quarenta nós.

— Bom. Vou precisar de protetor solar. Droga, eu me contentaria com apenas um vislumbre honesto do sol local.

Lydecker balançou a cabeça, com um ar de reprovação simulada.

— Você nunca está satisfeito, não é? Não é o bastante saber que ele está lá em cima?

— Eu sou ganancioso. Eu deveria calar a boca e contar minhas bênçãos, certo? Você tem outra coisa em sua mente, Lydecker, ou você está apenas em um de seus intervalos para o café?

Verificou uma leitura impressa.

— Você se lembra de que enviou alguns prospectores para um planalto inexplorado pra lá de Ilium Range, alguns dias atrás?

— Sim. Tivemos alguns informes de radiação de lá, por isso pedi voluntários, e um cara chamado Jorden levantou a sua luva. Eu disse a eles para irem olhar se quisessem. Alguns outros podem ter seguido para lá também. O que tem?



— Tem um cara no rádio, equipe de pesquisa. Quer saber se seus direitos de posse serão respeitados.

— Todo mundo é advogado hoje em dia. Às vezes eu acho que eu mesmo deveria me tornar um.

— O que, e arruinar a sua imagem sofisticada? Além disso, não há muita procura por advogados por ai. E você ganha bem!

— Continue dizendo isso. Me ajuda muito.

Simpson balançou a cabeça e virou-se para olhar para uma tela verde.

— Algum almofadinha em um escritório confortável na Terra diz para darmos uma olhada em um quadrante no meio do nada, nós olhamos. Eles não dizem o porquê, e eu não pergunto. Eu não pergunto por que leva duas semanas para obter uma resposta de volta de lá, e a resposta é sempre ‘Não discuta’! Ás vezes me pergunto por que me preocupo.

— Eu lhe digo o motivo. Dinheiro.

O assistente de operações recostou-se contra um console.

— Então, o que eu digo pro cara?

Simpson virou-se para olhar para a tela que cobria a maior parte de uma parede.
Um mapa topográfico gerado por computador da parte explorada de Acheron.
O mapa não era muito amplo e os recursos ilustrados faziam o deserto de Kalahari parecer a Polinésia. Simpson raramente conseguia ver a superfície de Acheron em pessoa. Seus deveres o faziam permanecer perto do Controle o tempo todo, e gostava disso.



— Diga a ele — falou para Lydecker — que se ele encontrar alguma coisa, é dele. Qualquer um com a coragem de rastejar por aí merece ter o que achar.



***



O trator Daihotei tinha seis rodas, laterais blindadas, pneus de grandes dimensões e a parte inferior da carroçaria era resistente à corrosão. Não era completamente à prova de Acheron, mas, nenhum equipamento da colônia era. Adesivos e soldagem tinham transformado o exterior liso do trator em uma colagem de manchas coloridas de metal, de solda e selante epóxi.

Vencia o vento e a areia, seguindo de forma constante para frente. Isso era o suficiente para as pessoas lá dentro abrigadas.




No momento o trator chacoalhava em seu caminho até um declive suave, os pneus cuspindo sprays de poeira vulcânica que o vento rapidamente levava.
Arenito e xisto corroído desmoronava sob o seu peso.
Um vendaval oeste uivava lá fora contra seus flancos blindados, explodindo contra as janelas e portas numa tentativa incessante para cegar o veículo e aqueles dentro dele.
A determinação daquele que o conduzia, combinada com o motor confiável, o mantinha se movendo. O motor cantarolava tranqüilizador, enquanto os filtros de ar lutavam para manter a poeira e areia fora do sacrossanto interior. A máquina precisava de ar puro para respirar, tanto quanto seus ocupantes. Estes não eram tão a prova da atmosfera externa como seu veículo, mas Russ Jorden possuia a aparência inconfundível de alguém que tinha passado tempo o bastante em Acheron.

Desbastado e gasto.


Em menor grau, a mesma descrição poderia ser aplicada a sua esposa, Anne, embora não para as duas crianças que saltavam na parte traseira da grande cabine central.
De alguma forma elas conseguiam correr em torno de equipamentos de amostragem portátil e caixotes sem serem esmagadas contra as paredes. Seus ancestrais haviam aprendido na tenra idade, como montar algo chamado cavalo. O balanço do trator não era muito diferente daquele do quadrúpede, e as crianças tinham dominado-o quase tão logo quanto aprenderam a andar.

Suas roupas e rostos estavam sujos de poeira, apesar do interior inviolável do veículo. Este era um fato da vida em Acheron, não importava o quanto você tentava selar, a poeira sempre conseguia penetrar veículos, escritórios, residências. Um dos primeiros colonos tinha inventado um nome para esse fenômeno que era mais descritivo do que científico. Chamou de “partícula-osmose”. Ciência acheroniana. Os colonos mais imaginativos insistiam que o pó era senciente, que se escondia e esperava que as portas e janelas se abrissem para deliberadamente correrem para dentro. Donas de casa se perguntavam zombando se era mais rápido lavar a roupa ou raspá-la.

Russ Jorden lutava com o enorme trator em torno de pedregulhos grandes demais para subir e achava um caminho através das fendas estreitas no planalto, auxiliado pelo “PING” constante do localizador. O som ficava mais alto quanto mais perto eles chegaram da fonte de perturbação eletromagnética, mas ele se recusava a abaixar o volume. Cada “PING” era uma alegria em si, como o som das caixas registradoras de antigamente. Sua esposa monitorava as condições do trator e os sistemas de suporte de vida enquanto o marido dirigia.

— Olhe para este lindo perfil magnético! — Jorden bateu na pequena leitura à sua direita. — E é minha, toda ela, minha! Lydecker disse que Simpson falou que sim, e temos  isso gravado. Eles não podem tirar isso de nós agora. Nem mesmo a Companhia pode tirar isso de nós. Minha, toda minha!

— Metade sua, querido — disse sua esposa quando olhou para ele e sorriu.

— E metade minha!

Esta alegre profanação da matemática básica veio de Newt, a filha dos Jordens.
Tinha seis anos de idade e mais energia do que seus pais e o trator juntos.
O pai sorriu carinhosamente, sem tirar os olhos do console.

— Eu tenho muitos parceiros.

A menina brincava com Tim, seu irmão mais velho, até que finalmente se entediou.

— Papai, quando é que vamos voltar para a cidade?

— Quando ficarmos ricos, Newt.

— Você sempre diz isso.

Ela arrastou-se sobre seus pés, tão ágil como uma lontra.

— Quero voltar! Eu quero jogar ‘Labirinto dos monstros!’

Seu irmão enfiou o rosto no dela.

— Você vai jogar sozinha desta vez. Você trapaceia demais!

— Não — ela levou pequenos punhos aos quadris não formados. — Eu sou apenas a melhor, e você está com ciúmes!

— Não estou! Você pode ir a lugares que eu não posso!

— Então, é por isso que eu sou melhor!

A mãe deles tirou o olhar de seu banco de monitores e leituras.



— Parem com isso! Se eu pegar um de vocês dois brincando nos dutos de ar da Colônia, vou arrancar suas peles. Não só é contra os regulamentos, é perigoso. E se um de vocês perder o equilíbrio e cair pelo eixo vertical?

— Ah, mãe. Ninguém é burro o bastante para fazer isso. Além disso, todas as crianças brincam, e ninguém se feriu. Somos cuidadosos — seu sorriso voltou. — E eu sou a melhor porque eu entro em lugares que ninguém consegue entrar.

— Como um pequeno verme — seu irmão mostrou a língua para ela.

— Nyah, Nyah! Ciumento, ciumento!

Ele tentou agarrá-la e ela soltou um grito infantil e se escondeu atrás de um analisador portátil de minério.

— Parem, vocês dois! — Havia mais carinho do que a raiva na voz de Anne Jorden. — Vamos tentar nos acalmar durante dois minutos, ok? Estamos quase terminando aqui. Nós vamos voltar para a cidade logo e...

Russ Jorden tinha subido no seu assento para olhar pelo pára-brisa.
Confrontos infantis temporariamente colocados de lado, sua esposa se juntou a ele.

— O que foi, Russ?

Ela colocou a mão em seu ombro para se firmar quando o trator deu uma guinada para a esquerda.

— Tem algo lá fora. As nuvens de pó se abriram por apenas um segundo, e eu vi. Eu não sei o que é, mas é grande! E é nossa! Seu e meu e das crianças!



A nave alienígena apequenou o trator de seis rodas que se aproximava.
Arcos gêmeos de vidro metálico varriam o céu em curvas graciosas, mas de uma forma perturbadora, a partir da popa abandonada. De certa distância se assemelhavam aos braços suspensos de um homem morto, de barriga para cima, em avançado rigor mortis. Um era mais curto do que o outro, e ainda assim não conseguia arruinar a simetria da nave.




O projeto era tão estranho quanto sua composição. Parecia ter sido cultivado em vez de construído. O bojo liso do casco exibia um brilho vítreo peculiar que o grão de areia de Acheron não conseguia completamente obliterar.

Jorden chamou os freios do trator.




— Gente, acertamos desta vez! Anne, vamos arrebentar! Será que o Hadley Café pode sintetizar champanhe?

Sua esposa ficou onde estava, olhando através do vidro resistente.

— Vamos dar uma olhada e voltar com segurança antes de começar a celebrar, Russ. Talvez nós não sejamos os primeiros a encontrá-la.

— Você está brincando? Não há nenhum sinalizador. Não há nenhum marcador do lado de fora. Ninguém esteve aqui antes de nós. Ninguém! Ela é toda nossa.

Ele estava indo em direção à parte traseira da cabine enquanto falava.

Anne ainda soava duvidosa. — É difícil acreditar que esse tipo de ressonância, deste tamanho, poderia estar aqui por tanto tempo sem ser notada.

— Besteira!

Jorden já estava subindo em seu traje, puxando as presilhas, fechando lacres com a facilidade da longa prática.

— Você se preocupa demais. Posso pensar em vários motivos para não ter sido descoberto até agora.

— Por exemplo?

Relutantemente ela se afastou da janela e juntou-se a ele, vestindo seu próprio traje.

— Por exemplo, estas montanhas podem estar bloqueando os detectores da Colônia, e você sabe que os satélites de vigilância são inúteis neste tipo de atmosfera.

— E quanto ao infravermelho?

Ela fechou o zíper da frente de seu traje.

— O infravermelho? Olhe para ele, mortinho da silva! Provavelmente isso está aqui a milhares de anos. Mesmo que tivesse pousado ontem, não veriam qualquer infravermelho nesta parte do planeta; o novo ar que sai do processador é muito quente.

— Então como o Controle tropeçou nisso?

Ele deu de ombros.

— Como diabos vou saber? Se está incomodando você, pode perguntar a Lydecker quando voltarmos. O importante é que nós somos os únicos que escolheram verificar este sítio. Nós tivemos sorte!

Se virou em direção à porta-estanque.

— Vamos lá, querida. Vamos pegar o baú do tesouro. Aposto que as entranhas desse bebê estão repletas de coisas valiosas.



Igualmente entusiasmada, mas consideravelmente mais controlada, Anne Jorden apertou os selos de seu próprio traje. Marido e esposa verificaram um ao outro: oxigênio, ferramentas, luzes, células de energia, tudo no lugar. Quando estavam prontos para deixar o trator, ela levantou a viseira corta-vento do capacete e olhou para sua prole com um olhar severo.

— Vocês crianças, fiquem dentro de casa!

— Ah, mãe — a expressão de Tim estava cheia de decepção infantil. — Não posso ir também?

— Não, você não pode. Nós vamos lhe contar tudo quando voltarmos.

E fechou a porta atrás dela.

Tim correu imediatamente para o visor mais próximo e pressionou o nariz contra o vidro. Fora do trator, a paisagem crepúscular era iluminada pelas luzes dos capacetes de seus pais.

— Eu não sei por que eu não posso ir também.

— Porque mamãe mandou — Newt respondeu ao irmão, enquanto pressionava seu próprio rosto contra outra janela. As luzes dos capacetes de seus pais ficaram turvas, à medida que avançavam em direção da estranha nave.

Algo a agarrou por trás. Ela gritou e virou-se para enfrentar seu irmão.

— Trapaceira! — ele zombou. Então se virou e correu para um lugar para se esconder. Ela o seguiu gritando.

***



A maior parte da nave alienígena pairava sobre estruturas bipedes partindo dos escombros que a cercava. O vento uivava em torno deles. A poeira obscureceu o sol.

— Não deveríamos batizá-la? — Anne admirou a massa polida.

— Vamos esperar até sabemos como chamá-la.

Seu marido chutara um pedaço de rocha vulcânica para longe de seu caminho.

— Que tal “grande coisa estranha”?

Russ Jorden virou-se para encará-la.

— Ei, qual é o problema, querida? Nervosa?

— Estamos nos preparando para entrar em uma nave alienígena abandonada. Pode apostar que eu estou nervosa.

Ele bateu nas costas dela. — Basta pensar no belo dinheiro. A nave por sí só vale uma fortuna, mesmo que esteja vazia. É uma relíquia de valor inestimável. Me pergunto quem a construiu, de onde vieram, e porque acabou caindo neste monte de cascalho esquecido por Deus.

Sua voz e expressão estavam cheios de entusiasmo, apontando para um corte escuro no costado da nave.

— Há uma abertura. Vamos verificar.

Se voltaram para o local. Quando se aproximaram, Anne Jorden estava inquieta.

— Eu não acho que seja consequência dos danos, Russ. Parece parte do casco para mim. Quem concebeu essa coisa, não gostava de ângulos retos.

— Não me importo com o que eles gostavam. Vamos entrar.

***


Uma única lágrima percorreu seu caminho pelo rosto de Newt Jorden.
Ela tinha estado olhando para fora, pelo pára-brisa dianteiro, por um longo tempo. Finalmente desceu e foi para cadeira do piloto onde seu irmão dormia. Fungou e limpou a lágrima, não querendo que Tim a visse chorando.

— Timmy, acorda, Timmy. Eles se foram faz muito tempo!

O irmão dela piscou os olhos, tirou os pés do console e sentou-se.
Conferiu despreocupadamente o cronômetro e, em seguida, olhou para a paisagem escura lá fora. Apesar do isolamento do trator, ainda se podia ouvir o vento soprando com o motor desligado. Tim chupou o lábio inferior.

— Vai ficar tudo bem, Newt. Papai sabe o que está fazendo.

Neste instante a porta estanque se abriu, deixando entrar vento, poeira e uma forma escura e alta. Newt gritou e Tim pulou do assento quando sua mãe arrancou a viseira e jogou-a de lado, sem se importar com o dano que poderia causar ao delicado instrumento.

Seus olhos ,transtornados, os tendões destacados em seu pescoço, passou pelos filhos empurrando-os para o lado.

Pegou o microfone e gritou: — Socorro! Socorro! Aqui é Alfa Kilo Dois Nove Quatro chamando Controle Hadley. Repito. Este é Alfa...

Newt mal ouviu sua mãe. Ela tinha as duas mãos pressionadas sobre sua boca enquanto respirava a atmosfera rarefeita. Atrás dela, os filtros do trator gemiam lutando com as particulas no ar. Ela estava olhando para a porta aberta. Seu pai estava lá fora, deitado de costas sobre as rochas. Sua mãe o havia arrastado por todo o caminho de volta da nave alienígena.

Havia algo em seu rosto.





Uma coisa plana com nervuras,  tinha pernas quitinosas de aranha e uma cauda longa, musculosa, circundando o pescoço do pai. A criatura parecia um caranguejo-ferradura mutante, com um exterior suave. Estava pulsando como uma bomba. Como uma máquina. Com excepção de que não era uma máquina. Era claramente, obviamente, obscenamente viva.



Newt começou a gritar novamente, e desta vez não parou.