domingo, 14 de junho de 2015

INTERSTELLAR - Greg Keyes (Parte 13)



O sol da Terra não ficava no centro da galáxia, mas perto da borda da mesma, onde as estrelas eram pequenas e distantes umas das outras; uma casa solitária numa grande planície.

Certamente não era um apartamento de luxo na cidade.

Este lugar, este céu além do buraco de minhoca, era mais como Nova York, ou Chicago, ao menos.
Estrelas brilhavam em todos os lugares, algumas eram brilhantes o suficiente para deixar impressões nas retinas de Cooper. Nebulosas drapeadas entre e através delas, colorindo quadrantes do espaço com luz refletida através do gás e da poeira, com o brilho de estrelas recém-nascidas.

Da Terra as únicas nebulosas que você podia ver a olho nu eram pequenas manchas que pareciam maçantes estrelas borradas. Aqui eram como nuvens de raios.
Se sua nova casa iria realmente ser aqui, teria um céu noturno muito mais interessante.

Provavelmente um céu mais interessante de dia também.

Estou em outra galáxia, pensou tentando entender o que tinha acontecido.

A estrela mais próxima da Terra era tão longe que a luz levava quatro anos para viajar entre elas. A galáxia mais próxima da Terra ficava a dois e meio milhões de anos-luz de distância. Dois e meio milhões de anos para uma viagem. Esta galáxia - poderia estar em qualquer lugar.
Se ele tivesse um telescópio poderoso o suficiente para ver a Terra a partir daqui, não veria seus filhos, mas dinossauros. Ou trilobitas. Ou a Terra ainda como uma bola de fogo arrefecendo. Ou nada, estando a mais de cinco bilhões de anos-luz a partir da Terra. O que facilmente poderia ser.

De acordo com Romilly, transpor o espaço de um trilhão de anos-luz pelo buraco de minhoca, seria o mesmo que dez quilômetros. Mas a distância depois da dobra continuava sendo real.
Assim, para alcançar os planetas destino, ainda tinham que fazer o seu caminho através de um monte de vácuo.

Estar longe de casa não descrevia como se sentia naquele momento.

***

Doyle estudava os dados de sua estação de trabalho. Com a manobra inicial feita, estavam todos de volta no módulo anelar, processando dados e sentimentos.



– Perdemos as comunicações – Doyle informou.
– Como? – Perguntou a doutora.
– A transmissão deste lado é arquivada – explicou enquanto continuava a análise. – Anos de dados básicos. Sem surpresa. Miller continua enviando sinais, assim como Mann..., mas o sinal de Edmunds desapareceu faz três anos. 
– Problemas no transmissor? – Perguntou Brand. Cooper percebeu a ansiedade em sua voz, e sentiu um pouco de pena dela.
– Talvez – respondeu Doyle. – Ele estava enviando corretamente até que ficou mudo.
– Miller ainda está ok? – Perguntou Romilly.

Como Doyle afirmou que sim, o astrofísico começou a desenhar um grande círculo em um quadro branco.

– Seu planeta está se aproximando rápido – disse. – Com uma complicação. Ele está muito mais perto de Gargantua do que esperávamos. 
– Gargantua? – Indagou Cooper sem ter certeza de que gostava do que ouvira.
– Um grande buraco negro – explicou Doyle. – Os planetas de Miller e do Dr. Mann estão a orbitá-lo. 

Brand olhou para o diagrama que Romilly estava trabalhando. Se o grande círculo era a circunferência Gargantua, então a órbita traçada era praticamente a mesma.

– Miller está no limite? – Indagou Brand.
– Uma bola de basquete ao redor do aro – confirmou Romilly. – Pousar lá nos levará perigosamente perto. Um buraco negro tão grande tem uma enorme força gravitacional.

Cooper estudou seus rostos sérios, perguntando por que eles estavam tão preocupados.
Parecia fácil para ele compensar a atração.

– Olha– ele disse – posso oscilar em torno dessa estrela de nêutrons para desacelerar...
Brand o cortou:  – Não se trata disso. É o tempo. A gravidade irá atrasar o nosso relógio, em comparação com o da Terra. Drasticamente!


Cooper entendeu então o motivo de suas expressões. Os buracos negros faziam coisas malucas com o tempo. Ele até mencionara isso a Murph, mas nunca tinha acreditado até então de que seria realmente um problema com que ele precisaria lidar na prática.
Como em tantas outras coisas, ele estava errado.

– Quão ruim? – Perguntou já imaginando que provavelmente ele não queria saber.
– Cada hora que passamos naquele planeta será talvez... Romilly fez os cálculos mentais. – Sete anos na Terra. 
– Jesus... Cooper sussurrou.
– Isso é a relatividade, amigos – exclamou Romilly.

Cooper sentiu como se o chão tivesse sido retirado debaixo de seus pés. De repente o planeta de Miller parecia bastante menos hospitaleiro.

– Nós não podemos descer lá sem considerar as consequências.
– Cooper, temos uma missão – entreviu Doyle.
– É fácil para você dizer. Você não tem ninguém na Terra te esperando, não é?
– Você não tem ideia do que é fácil para mim – Doyle atacou de volta, franzindo a testa.
Brand veio em seu auxílio, desta vez.
– Cooper está certo. Temos que pensar no tempo como um recurso, como oxigênio e alimento. Ir até lá vai nos custar. 

Doyle cedeu, e foi até a tela.

– Olhem. Os dados do Dr. Mann parecem promissores, mas só vamos chegar lá em meses. Edmunds está ainda mais longe. Miller não enviou muita coisa, mas confirmou água, é promissor, orgânicos. 
– Você não acha isso todo dia. – Brand admitiu.
– Não, não mesmo – Doyle concordou, seus olhos azuis intensos. – Então, pense sobre os recursos que utilizaríamos para voltar até aqui...

Sim, Cooper assentiu. Ele tinha razão. Em essência, sair do planeta de Miller para Mann exigiria escalar o profundo poço gravitacional de Gargantua. Seria nadar contra a corrente. O que provavelmente não iria deixar combustível suficiente para uma viagem de volta à Terra. Se a escolha estava entre voltar um pouco mais tarde e não voltar, ele sabia qual seria a decisão.


– Quão distante do planeta teríamos que ficar para não sermos afetados pela dilatação temporal? – Perguntou Cooper.
Romilly apontou para o seu desenho do buraco negro e do planeta além do seu horizonte.
– Basta ficar longe da borda – respondeu.
– Então, em vez de viajarmos na mesma órbita do planeta, o que pouparia combustível mas nos faria perder tempo, podemos pegar outra órbita, contornando Gargântua, paralela ao planeta de Miller e fora da dilatação temporal. Descemos com a Ranger, pegamos Miller e as amostras, voltamos e analisamos. Entramos e saímos. Gastamos combustível, mas poupamos tempo. 
– Isso vai funcionar – afirmou Brand.
– Não há tempo para conversa fiada – enfatizou Cooper. – TARS, é melhor você esperar aqui. Quem mais? 

Romilly levantou a cabeça e disse: – Se estamos falando de um par de anos, eu poderia usar esse tempo na questão da gravidade, para fazer observações do buraco de minhoca. Tudo o que o Professor Brand mais quer.

Um par de anos, Cooper pensou. Olhou para Romilly, e se perguntou se o homem realmente entendia o que estava dizendo. Estaria sozinho ali por anos. Dos quatro, Romilly tinha provado ser aquele menos confortável no espaço, mais suscetível física e psicologicamente ao desastre. No entanto, também seria o menos útil na superfície, e o mais útil aqui.

Parecia uma grande decisão para tão pouco tempo, e não apenas por causa de Romilly.
Como Brand disse, tempo era um recurso para eles como o ar. Não se tratava somente de ver seus filhos novamente. Se perdessem muito tempo, não haveria raça humana para salvar, exceto para os embriões que trouxeram com eles.

Resultado final: Plano A.

– Tudo bem – concluiu Cooper. – TARS, fatore uma órbita para pegarmos uma carona gravitacional de Gargântua, mínima, para economizarmos combustível.
– Não se preocupe – TARS disse. – Eu não iria deixá-la para trás... De repente, se afastou de Cooper. –...Dra. Brand – completou sardonicamente.
Cooper imaginou se seria uma boa ideia diminuir sua configuração de humor mais um ponto ou dois.

***





Amélia Brand observava o buraco negro.

Se o buraco de minhoca era um buraco tridimensional sendo possível enxergar através dele, mesmo que de uma maneira distorcida, Gargântua por sua vez era um buraco tridimensional em nada.
Um buraco negro comum, no passado distante, havia sido uma estrela, e, provavelmente, grande e feliz na sua fusão de hidrogênio em hélio, emitindo energia suficiente para manter sua própria gravidade evitando assim o colapso. Mas, eventualmente, ao longo de bilhões de anos, o hidrogênio era totalmente consumido, e começava a usar hélio como combustível. E quando o hélio acabava, ela
progressivamente se tornava mais pesada, devido a elementos mais pesados.
Até que um dia ela entregava os pontos, perdia a luta para a gravidade criada por ela própria. A força necessária para mantê-la brilhando, não era suficiente para sustentar sua massa. Então ela entrava em colapso, a gravidade vitoriosa esmagando seus átomos em elementos mais e mais densos, até que, finalmente esmagava os próprios átomos em neutros.

O tamanho físico da estrela tornava-se cada vez menor, enquanto sua gravidade crescia exponencialmente. No final, até mesmo a luz não podia escapar de sua atração, e ainda crescendo, engolia nebulosas, planetas, estrelas.

No entanto, Gargântua não se encaixava na média. Formada quando o universo era jovem, talvez no centro de uma galáxia, pode ter sido produto da união de muitos pequenos buracos negros, até sua massa alcançar pelo menos uma centena de milhões de vezes a do Sol.

Nos dias presentes Gargântua era assustador em seu nada. No entanto, passado o seu horizonte, além do ponto de não retorno, além até mesmo do que a luz não conseguia voltar, Amélia podia ver um efeito qual o de um disco brilhante rodeando o buraco negro, gás e partículas capturadas pela imensa gravidade, girando em torno dele como água que escoa pelo ralo. Então, incrivelmente rápidos os átomos colidiam uns com os outros, lançando rajadas de energia acelerando-a com luz, como um vento soprado para fora, através do disco, criando belos arabescos plasmáticos de tirar o fôlego.

Mais profundo, onde aquela mortalha sobrenatural brilhante encontrava o horizonte de eventos de Gargântua... havia um nada horripilante.

– Literalmente o coração das trevas – deixou escapar Doyle.
Isso não pareceu suficiente para Amélia, condenar Gargântua a débeis elogios.
Desviou o olhar do nada aterrorizante do buraco negro para um pequeno ponto brilhante.

O planeta de Miller.

***



Cooper se virou para CASE, o robô, que estava no assento do copiloto.

– Pronto? – Perguntou para ele.
– Sim – respondeu o robô.
– Não é de falar muito, não é? – disse Cooper ironicamente.
– TARS fala por nós dois.
Cooper riu, e virou um interruptor.
– Desacoplar. – Viu em seguida o módulo anelar afastar-se deles, e sentiu um momento de hesitação. Gargântua então os pegou, afastando a Ranger 1 da Endurance, ridiculamente rápido.
– Romilly, você está vendo isso? – Perguntou ele sem acreditar.
– Inacreditável! – As palavras de Romilly estalaram no rádio e Cooper percebeu a emoção na voz dele. – Se enxergássemos a estrela que gerou o buraco, sua singularidade, resolveríamos a equação da gravidade. 

Cooper olhou para a ferida negra no universo.

– Não há forma de conseguir fugir dele? – Perguntou.
– Nada escapa do horizonte – Romilly respondeu breve. – Nem mesmo a luz. A resposta está lá, apenas não conseguimos vê-la!
Cooper dirigiu a atenção para os instrumentos e depois a visão do horizonte de eventos de Gargântua, aproximando-se rápido. Verificou a trajetória mais uma vez.
– Será muito rápido para uma entrada atmosférica. Usaremos os propulsores para reduzir a velocidade? – Quis saber CASE.
– Vamos usar da aerodinâmica do Ranger para economizar combustível – Cooper respondeu à máquina.
– Frenagem a ar?

Cooper anotou mentalmente para uma referência futura o que, aparentemente, era um caso para acerto da configuração.  – Você está brincando comigo? Quer entrar rápido, não é?

– Brand, Doyle, preparem-se – disse CASE.

Um robô não pode ficar nervoso, Cooper sabia disso, mas de alguma forma este parecia ansioso.
Observou o planeta abaixo. Daquela distância não parecia tão diferente da Terra, mas conforme se aproximavam, podia ver que era muito mais azul. Tentou identificar continentes, ilhas, mas tudo que podia ver eram nuvens. Em seguida alcançaram os arredores da atmosfera. Tudo começou como um sussurro, o ar passando fino como em relação ao nível do mar, do ar da Terra. Mas com a velocidade em que viajavam aquelas poucas moléculas eram comprimidas o suficiente para torná-las mais densas em sua interação com a nave que caia.



Isso era bom, na verdade, pois desta forma eles poderiam aliviar a aceleração da entrada. Bem, talvez não aliviar, pensou, enquanto a nave começou a tremer e o ar exterior gritou em protesto. O nariz do Ranger começou a brilhar com o atrito da atmosfera e cada solda da nave parecia reclamar quando Cooper tentou achatar seu curso o bastante para penetrar a atmosfera como um jato, ao invés de um meteorito.

Cooper olhou para seus instrumentos, e depois de volta para o horizonte.



– É melhor desacelerar... começou a dizer CASE.
– Mantenha as mãos onde eu possa vê-las, CASE! – Cooper gritou com o robô. – A última coisa que eu quero é uma máquina agindo no momento errado. 
– Um pouco de cautela, então – CASE implorou.
– Cautela mata igual a imprudência. 
– Cooper! – Doyle entrou na conversa. – Estamos rápidos demais!
– Eu consigo – disse Cooper, enquanto o veículo ameaçava partir-se ao redor deles. Os nós dos seus  dedos sobre os controles direcionais estavam brancos, enquanto suas mãos tentavam lutar contra a vibração.
– Devo ativar o estabilizador? – Perguntou CASE.
– Não! – Cooper explodiu. – Eu preciso sentir o ar...
O casco estava branco de tão quente agora, cortando através de uma camada de nuvens finas como lâminas de barbear.
– Temos uma confirmação do local do farol sinalizador?
– Sim. – CASE disse. – Você consegue manobrar? 
– Temos que ganhar mais velocidade. Vou tentar uma espiral para baixo. 

Um momento depois a superfície surgiu no meio das nuvens. Bem perto para Cooper, mas pelo menos pareciam estar sobre uma superfície plana...

– Apenas água – disse Doyle.
Cooper percebeu que ele estava certo. Um oceano.
– A essência da vida... – disse Brand.
– Mil e duzentos metros – CASE informou.
Cooper fazia o que podia, tentando ganhar mais velocidade. A superfície estava vindo rápida.
– É bastante raso – disse Brand. – Poucos metros de profundidade.
Agora estavam baixos o bastante para levantar uma cortina de respingos, como uma lancha.
– Setecentos metros– CASE entoou.
Cooper viu o oceano vindo na direção deles.
– Espere por...
– Quinhentos metros. 

Cooper puxou o manche para trás e gritou: – Disparar!
Os retrofoguetes os atiraram para cima, bem próximos da superfície. Ele tentou segurar a nave, mas ela girava para os lados quando o trem de pouso desceu.

Caíram, batendo na água, lançando um spray. O impacto quase arrancou os dentes de Cooper, mas em seguida quando o ar clareou, parecia tudo bem. Brand estava certa quanto a água. Era rasa, tanto que o trem de pouso mantinha o Ranger 1 acima da superfície.

– Um pouso gracioso – Brand ironizou. Cooper notou que ela e Doyle estavam olhando para ele. Ambos pareciam um pouco maltratados.
– Não. Mas foi eficiente.
Eles ainda o encaravam, porém Cooper ignorou-os, querendo saber quanto tempo havia passado na Terra. Dias? Meses? Decidiu que era melhor não pensar nisso, decidiu.
– O que vocês estão esperando? Vão!

Eles desapertaram seus cintos, verificando os capacetes. CASE descolou-se do seu nicho e rolou até a escotilha. Ao ser aberta, luz e respingos entraram na cabine. Isso pegou Cooper pelo estômago.

Estavam em outro mundo!


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