sábado, 20 de junho de 2015

INTERSTELLAR - Greg Keyes (Parte 19)


A luz de uma madrugada enlameada era filtrada através da poeira suspensa no céu, quando Murph chegou ao caminhão. No horizonte, pilares de fumaça negra de campos ardentes, como oferendas a algum antigo deus selvagem.

– Você tem certeza? – Dr. Getty perguntou do banco do passageiro.
– A solução dele está correta. Ele a encontrou há anos. 
– É inútil? 
– É metade da resposta – disse ela. Viu mais poeira a frente, provavelmente do tráfego na estrada.
– Como você vai encontrar a outra metade? 

Ela lançou uma mão do volante e apontou para o céu.

– Lá, em um buraco negro. 

Estavam perto o suficiente para ver o comboio agora, caminhões e carros repletos de roupas, móveis, pertences de famílias inteiras reduzidos ao que um carro poderia aguentar. Seus donos acondicionados onde encontravam espaço.






– Acham que é só arrumar as malas e ir embora – Getty observou. – O que eles estão esperando encontrar? 
– Sobrevivência – disse ela. Em seguida, viu o muro de poeira, a nevasca preta vindo sobre eles como um rolo compressor que não podia ser detido.
– Droga! – Ela disse vendo a tempestade eclipsar a estrada, as fachadas vazias e abandonadas das casas, apagando tudo. Dentro da nuvem, poderia muito bem ser noite. Ela desligou o motor. Sentaram-se lá, enquanto o caminhão balançava ao vento, com o pó tentando enterrá-los. Lembrou-se de outra tempestade, em que estivera junto com sua família, antes das coordenadas aparecerem no chão do quarto.

Lembrou-se da concentração de seu pai, sua determinação para levá-los para casa em segurança. Lembrou também de como se sentiu ao chegarem em casa, quando viu o padrão, e ele a levou a sério. Tinha se sentido vitoriosa. Seu fantasma. Os livros.

Haveria algo que ela não entendera ainda, uma visão maior que havia sido obscurecida por sua raiva? Por ele tê-la abandonado? Ela confiou tanto no professor porque precisava sentir que tinha alguém de confiança em sua vida? Ela deveria ter visto o que ele estava fazendo, ou melhor, não fazendo, por anos. Em vez disso, escondeu-se atrás da sua barreira auto imposta por décadas.

Falta de visão. Assim como o pai.

O problema com a gravidade, tentando unir a teoria da relatividade com a teoria quântica. Ambos trabalharam muito bem em descrever a natureza do universo, cada um em uma escala diferente,  muito grande no caso da relatividade, e pequena na teoria quântica. Mas lado a lado, ainda eram contraditórias. Na singularidade, dentro de um buraco negro, as duas deveriam se unir e se mesclar.

Como no universo, ela existia e funcionava. De alguma forma. Assim, a aparente contradição não estava no mundo físico, e sim era resultado de dados imperfeitos, uma maneira errada de ver as coisas. Equações baseadas em suposições equivocadas.

Seu fantasma escrevia com gravidade, empurrava livros de suas prateleiras. Seu fantasma contou a seu pai aonde ir, em seguida, pediu-lhe para ficar. Poderia essa contradição se reconciliar, ou uma era fim da outra, de uma equação simplesmente errada?
Ela tinha dez anos na época. Talvez a interpretação do código Morse fosse produto de seu desejo, uma tentativa de interpretar os dados do jeito que ela queria que fosse interpretado.

O padrão de piso, afinal, era binário. E Morse era binário, de certa forma...

– As pessoas não têm o direito de saber sobre o que vai acontecer com elas? – Perguntou Getty interrompendo suas ruminações.

Ela tinha pensado sobre isso, ponderou sobre a mentira.

– Pânico não vai ajudar. Temos que continuar trabalhando, como sempre. 
– Mas isso não é exatamente o que o professor Brand queria...? 
– Ele desistiu de nós – ela retrucou, sua raiva queimando. – Eu ainda estou tentando resolver.
– Então, você tem uma ideia? 
– Não. Eu tenho um sentimento.

Ela sentiu seu olhar sobre ela enquanto olhava para o pó.

– Eu te falei sobre o meu fantasma.
Lembrou-se de ter dez, saindo do chuveiro, com o cabelo molhado, uma toalha em volta do pescoço, encontrado o livro no chão e o modelo de módulo lunar quebrado ao lado dele. 
Ela colocou a mão na janela do carro, observando a poeira, procurando padrões na mesma. Equações. Código Morse.

– Meu pai achava que eu o chamava assim porque tinha medo dele. Mas eu nunca tive medo.

Chamava assim porque achava... que parecia uma pessoa. “Ele” tentava me dizer algo. 
Se afastou da janela e olhou para o Dr. Getty mais uma vez. Por que estava lhe contando isso? Talvez fosse porque ele não era um matemático, ou um astrofísico. Ele não saberia quando ela estava entrando na terra do imaginário. Ou talvez fosse apenas um bom ouvinte.

O pó foi diluindo conforme o vento diminuía. Ela ligou o motor.

– Se existe uma resposta na Terra, está lá. De alguma forma, naquele quarto. Então preciso encontrá-la.

Trouxe de novo o carro para a estrada dizendo: – Eu tenho que encontrar. 

Passaram por uma picape recheada quase comicamente com pertences e passageiros. Mas não havia nada cômico sobre as duas crianças no banco de trás, o pó espalhado em seus rostos e roupas, os olhares perdidos.

– Estamos correndo contra o tempo. 


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