sábado, 13 de junho de 2015

INTERSTELLAR - Greg Keyes (Parte 6)



Murph acordou na manhã seguinte, tentando descobrir o que estava errado. Onde estava? Ela certamente não estava em seu quarto, mas em um lugar muito fedorento.
Em seguida, a pilha de cobertores na cama bufou e ela entendeu, estava no quarto de Tom, por alguma razão. Então se lembrou de tudo. A tempestade de poeira, a janela aberta, as linhas de pó.

Antes de adormecer, queria desesperadamente saber o que o fantasma estava desenhado no chão de seu quarto. Então, por fim apagou e teve sonhos mais loucos do que costumava ter.
Agora, finalmente, a manhã havia chegado. Estava frio, se enrolou em um cobertor antes de sair do quarto de Tom pelo corredor até o seu quarto, preocupada se não haveria nada lá, apenas uma pilha de poeira. Apenas outra coisa para o pai descartaria como sendo nada. Apenas sua imaginação.

Ela estava sempre pronta para entrar em uma briga quando outras pessoas não a levavam a sério, como na escola.
Dirigiu-se ao seu quarto, preparando-se para a decepção. Mas, quando entrou, seu pai já estava lá, e percebeu em choque que ele estivera lá a noite toda.
A poeira baixara agora, deixando um manto fino em toda a casa, sobre tudo que precisava ser limpo, logo.
Menos o quarto dela.


Seu pai estava olhando para um padrão de linhas na poeira, algumas espessas, algumas mais finas. Lembrou-se de seu desenho do dia anterior e sentou-se ao lado de seu pai.
Primeiro ele não falou nada, apenas levantou uma moeda.

– Não é um fantasma – disse ele. Então jogou a moeda na direção do padrão.
No segundo que cruzou a linha, ela virou-se e caiu em linha reta para o chão.
– É gravidade. 



***

Donald encontrou Cooper e Murph no quarto que fora de sua filha Erin, agora pertencia a Murph.
Ambos ainda estudando a poeira do chão. Tinham estado lá durante toda a manhã, provavelmente durante toda a noite, também.
Nenhum deles olhou para ele quando entrou.



– Vou levar Tom à escola, – Donald informou – depois vou à cidade. – Olhou para o padrão no chão, para o pequeno projeto científico que Cooper e Murph estavam ambos obcecados. – Você pode fazer a limpeza quando tiver acabado de rezar para a poeira? – Grunhiu.

Nenhuma resposta. Tudo bem, então.
Quando Donald saiu, sem dizer nada Cooper pegou o caderno de Murph de suas mãos e começou a rabiscar nele.

***

Depois que vovô e Tom se foram, Murph passou muito tempo pensando sobre o fantasma dela, e o que ele estava tentando dizer. Estava feliz que papai finalmente prestara atenção às coisas estranhas que estavam acontecendo em seu quarto, mas de certa forma estava começando a sentir-se um pouco irritada. Era sua investigação, não? Ele a tinha desafiado a fazer tudo cientificamente.
Agora, quando viu algo estranho, era tudo dele.
Incluindo seu caderno.

Em algum momento sua barriga começou a rosnar, então ela desceu e fez sanduíches. Encheu dois copos de água e levou para seu quarto. Papai provavelmente estava com fome, também, já que ele não tinha tomado o café da manhã. Desta vez, quando entrou, ele olhou para ela.
– Descobri uma coisa – disse ele apontando para as linhas grossas e finas. – Binário. A linha grossa é um, a fina é zero. 
Ele estava animado, ela percebeu. Talvez mais animado do que jamais já tinha visto. Seus olhos estavam brilhantes e um sorriso pendurado no rosto. Levantou seu caderno e mostrou os pares de números que escrevera lá.
– Coordenadas – disse ele.

***

Poucos minutos depois ele tinha puxado um monte de mapas de um armário e os espalhado na mesa da cozinha. Tirou um par deles de uma pilha e jogou um de lado, em seguida, abriu-o, traçando com seu dedo ao longo dos contornos, cruzando os rabiscos azuis de córregos que agora estavam secos, para além dos nomes das cidades onde prédios vazios desintegravam-se gradualmente na poeira. Se perguntou se algum dia haveriam novos mapas. Podia ser. Mas não como este, feito por satélites. Não, os próximos mapas seriam feitos com fitas métricas e alidades, por homens e mulheres carregando machados para abrir o mato.
Se eles tiverem sorte. Se sobreviverem aos livros didáticos “revistos” .
Seu dedo tocou no local onde a longitude e latitude prescrevia. Não havia nada marcado no mapa, mas não esperava que houvesse.
Era hora de pegar a estrada, pensou ansiosamente.

Murph observava Cooper com uma expressão infeliz em seu rosto enquanto o pai colocava o saco de dormir, lanterna, e outros materiais na caminhonete.
– Você não pode me deixar para trás! – Ela protestou novamente.
– Vovô estará de volta em duas horas.
– Você não sabe o que vai encontrar!
– É por isso que eu não posso levá-la.





Porque ela não conseguia entender? Quando a gravidade escreve direções de um mapa no chão de sua casa, você não leva a sua filha pequena para descobrir como e por quê. Ele não era um idiota.
Ela piscou para ele com raiva, e em seguida correu de volta para a casa.
Vai ficar com raiva de mim por um tempo, imaginou. Vou encontrar uma maneira de fazer as pazes com ela depois. Era melhor do que colocá-la em risco.
Poucos minutos depois, satisfeito com os preparativos, Cooper voltou para dentro da casa para buscar os mapas e um pouco de água engarrafada. Hesitou por um momento, olhando para as escadas, provavelmente Murph se encontrava lá em cima, amuada em sua cama.

– Murph! – Chamou, mas ela não respondeu. O que não era surpreendente.
Se perguntou se ele deveria ir falar com ela, mas parecia que seria apenas perda de tempo.

– Murph, espere aqui pelo vovô– gritou. – Diga a ele que eu vou chamá-lo no rádio.

Então saiu, entrou em seu caminhão, e partiu.
Não sabia o que esperar. Sua filha tinha uma anomalia gravitacional em seu quarto. Bem, haviam anomalias gravitacionais em todo o mundo, muitos delas você nem sequer reparava. Gravidade e massa estavam intimamente ligadas, quanto mais massa uma coisa possuía, mais inclinava o espaço-tempo, mais atraia outros corpos. Mas anomalias não aparecem no curso de um dia, no quarto de alguém. E não apresentavam padrões que acabam por ser coordenadas de um mapa, ao serem traduzidas em código binário. Coordenadas para um lugar relativamente perto.
Abriu o mapa sobre o volante e olhou em volta procurando uma caneta. Não havia uma no banco do passageiro, ou no porta-luvas. Estendeu a mão para o espaço dos pés do lado do passageiro, onde um cobertor cobria um monte de coisas. Levantou o cobertor.
Um rosto sorridente apareceu, enquadrado pelo cabelo vermelho.

– Jesus! – Ele gritou tirando a mão com surpresa.
Rindo, Murph subiu ao banco do carona.




– Não é engraçado – ele começou a dizer, mas ela simplesmente continuou gargalhando. Ele começou a repreendê-la de novo, então ela riu e ele riu também.
– Você não estaria aqui se não fosse por mim – ela argumentou.
Sentiu-se bem, rindo com ela. Compartilhando isso com ela.
Ainda não gostava da ideia de colocá-la em perigo, mas poderia ser uma coisa boa, a longo prazo, esta pequena viagem juntos.
Cooper lhe passou o mapa.
– É justo – disse suprimindo uma última risada. – Seja útil então. 
Mais à frente, do outro lado da planície, entre as montanhas no horizonte, em algum lugar entre os picos, iriam encontrar o seu destino. Pensou que quando chegassem, já estaria escuro.

***

Murph adormeceu um pouco antes de alcançarem o local. Olhou para ela à luz do crepúsculo, para suas características que tão estranhamente se misturavam com as da mãe. Perguntou-se, o que ela se tornaria, quem ela seria. Não seria agricultor, tinha certeza disso. Nem esposa de um fazendeiro, neste mundo onde as pessoas acostumavam-se gradativamente a cada vez ter menos opções, até que não houvesse mais nenhuma.

Voltou sua atenção novamente para o caminho escuro, sua mente viajava no código binário que
infestara sua casa. Será que realmente fazia sentido? Havia encontrado mesmo significado em um padrão aleatório? Como alguém poderia se recusar a acreditar que a humanidade tinha ido a lua? Não culpava Murph por brigar com essas crianças.
Cooper tomou um caminho, e depois outro, curvas ao longo de uma estrada estreita.
Estavam já na montanha quando a noite caiu completa, e suas velhas amigas as estrelas começaram a olhar para baixo através do ar rarefeito. Sentiu um desejo que pensou ter esquecido. Sentiu como se de alguma forma deixasse o mundo que conhecia, indo para outro mundo, anterior, mais jovem. No escuro, com montanhas ao redor e não o milho que era visto de qualquer parte, vinte anos atrás, ou mais.

Exceto pela menina, dormindo no banco ao lado.

Ainda estava pensando na tirânica entropia quando alcançou as coordenadas.
Ele estava lá, ou o mais próximo que poderia chegar, com uma cerca de arame em seu caminho.
Olhou para ela por um momento, se perguntando por que este lugar, por que aqui?
Não viu nada de especial além da cerca, certamente nada cósmico o suficiente para justificar uma mensagem escrita com gravidade. Mas era isso, iria saber agora se fora inspirado ou delirante.
A resposta residia a poucos metros de distância. E era negada a ele por uma cerca.
Sua filha ainda estava dormindo.

– Murph – disse gentilmente. Ela abriu os olhos e olhou em torno meio grogue, tentando sentar-se.

Ele balançou a cabeça para fora.
– Acho que isso é o mais longe que conseguiremos ir. 
Murph olhou para a cerca e, em seguida, fechou os olhos novamente.
– Por quê?  – Perguntou, sonolenta. – Você não trouxe alicate?
Ele sentiu um sorriso espalhar-se em sua face.
– Essa é minha garota. 

Saiu da cabine e buscou o alicate na caixa de ferramentas na parte de trás, sentindo o cabo frio ao toque, na palma da mão. Olhou para a estrada, mas não havia luz, nem som, apenas o silêncio de uma noite na montanha.
Caminhou rápido até a cerca e estendeu a mão colocando a garra de aço no metal.
Uma luz ofuscante explodiu contra ele, e levantou as mãos para proteger os olhos.
Uma voz ecoou áspera, artificial e eletrônica.

– Afaste-se da cerca!

Largou o alicate e levantou as mãos no ar. Ainda não conseguia ver nada, devido ao brilho dos holofotes.
– Não atire! – Gritou. – Minha filha está no carro! Estou desarmado! Minha filha...

***

Murph ouviu um estalo agudo e imediatamente sentou-se. Viu um flash de luz azul quando seu pai caiu como um saco de grãos. Sentiu um tremor e ouviu passos. Tentava não pensar no que tinha acontecido com seu pai, quando a porta subitamente escancarou e uma luz forte ofuscou-a

– Não tenha medo – disse a voz estranha e desumana.

Mas ela teve, e gritou.

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