sábado, 7 de junho de 2014

A coisa - Alan Dean Foster (Parte 9)




Naquela manhã a sala de recreação lentamente se encheu de homens exaustos.
As faces mostravam os efeitos da preocupação e do pouco sono. Não havia muita conversa, e nenhuma delas muito alta. Conversavam em sussurros e apontavam para o meio da sala.
 
Blair olhou em silêncio para os corpos gravemente queimados em cima da mesa central.
Havia dois infelizes cães lá, e a outra coisa. Os corpos estavam ligados entre si como gêmeos siameses, unidos em um abraço inextricável que não tinha nada a ver com amor.
Um animal usava o resto de bandagem de Clark e assim foi facilmente identificável como o visitante norueguês. Era muito maior do que o seu companheiro, e havia aspectos que eram tudo, menos canino.
Dos quadris até o peito principal o torso estava rachado como gesso velho e com descamação à volta das bordas. Parecia que algo tinha explodido dentro do intestino do animal e estava tentando força para fora.





Apêndices estranhos, um tipo peculiar de cordões orgânicos envolviam os corpos, conectando a carne de cada um. Lembravam desconfortavelmente aquele corpo do norueguês deformado que Cooper, Blair e Fuchs tinham dissecado.


Clark sentou em uma cadeira contra a parede oposta. Seus olhos ainda vidrados, mas Cooper havia administrado um relaxante ao adestrador de cães, que aos poucos emergia do choque. Nauls estava ao lado dele, falando devagar e com paciência, tentando consolar o amigo.

Childs estava perto, puxando fumo. Não havia prazer na fumaça, não esta manhã. Seus olhos estavam fixos no chão. Quando ele incendiou a coisa que estava sobre a mesa, lá no canil, um grito terrível correu o acampamento, e ele agora não conseguia apagar este lamento desumano de sua cabeça.
Os cadáveres queimados de dois outros cães estavam deitados ao chão no meio da sala, perto da mesa com o seu fardo horrível. Pelo menos, estes pareciam cães.
 
Blair voltou a atenção deles para a caricatura de vida sobre a mesa. A expressão de seu rosto mostrava preocupação crescente. Virou-se e caminhou até um interfone na parede, e apertou o botão da enfermaria.
— Fuchs?
A resposta demorou a chegar. — É você, Blair?
— Sim. Como está indo?
O biólogo assistente se virou e olhou para a mesa de cirurgia. Mais três cães esperavam seus cuidados. Todos foram sedados, mas ainda estavam vivos.
— Devagar. Não sou veterinário.
— Nem Clark.
Blair olhou através da sala para onde o tratador ainda estava atordoado em sua cadeira.
— Ele ainda não está em forma para ajudar.
— Eu sei.
 O homem mais jovem mordeu o lábio inferior. — Estou fazendo o melhor que posso.
— Tudo bem. Até mais.
— Ei, você não descobriu nada ainda?
— Ainda não. Tchau!
Fuchs afastou-se do interfone e começou a desembrulhar novas bandagens. Um dos cães na mesa guinchou.
— Calma, rapaz. Nós vamos dar um jeito em você, o mais rápido que podemos. Vou ver a sua perna em um minuto.
Encaminhou-se para a mesa.



Nauls bateu de leve no ombro de Clark, tentando levantar o ânimo do outro homem. — Ei, está tudo bem agora, cara. Ele está morto. Acabou! — Fez um gesto em direção a mesa. — Tá vendo? Não há nada que se preocupar!
A cabeça de Clark virou-se lentamente e ele concedeu um sorriso ao cozinheiro. — Eu sei. Childs o matou. Eu vi. Ontem à noite, não?
Nauls soltou um suspiro aliviado. — É isso mesmo, cara. 
O senso de tempo de Clark tinha retornado, o que era um sinal de que ele iria ficar bem. Pelo menos, era o que Cooper tinha dito. Esperava fervorosamente que sim, pois gostava de Clark. Ele não era esnobe como alguns dos cientistas.
Nauls olhou para o biólogo sênior. — O que aconteceu com os cães, Blair?
O cientista olhou para ele, depois para a mesa. — Me diz você, Nauls. Me diz você.

O pequeno cubículo de trabalho estava cheio de caixas de arquivos com fichas de três por cinco, fitas, pequenas ferramentas, e potes de plástico cheios de pedaços de rocha. Norris sentou-se à única mesa. Uma luminária pairava sobre ele, seu pescoço metálico flexível estava dobrado em um ângulo conveniente, dando a aparência de uma cobra. Os mapas que o geofísico inspecionava estavam todos ali. Algumas anotações nos mapas feitas em norueguês, outras em Inglês.
Eventualmente ele encontrava a ficha que estava caçando e colocava-a acima de um dos mapas noruegueses.
Usava uma caneta preta para fazer anotações idênticas em ambos.
— Aqui —  sussurrou de forma confidencial. — Este é o lugar onde eles estavam passando a maior parte de seu tempo. Cruzei os dados das notas. Eles usaram notação numérica na maioria das vezes, no entanto.
Continuou a marcar os mapas com pequenas pontas e pontos.
Macready parou olhando por cima do ombro de Norris. Bennings enfiou a cabeça para dentro do quarto.
— E então? — Macready perguntou.
— Bastante desagradável lá fora, Mac. Trinta e cinco nós.
— Alguma chance da coisa melhorar lá por cima?
— É difícil dizer. Eu não contaria com isso. Há uma coisa boa, no entanto.
— O que?
— Não há muita neve em suspensão no momento. Está bem claro, e você não deve ter nenhum problema de formação de gelo. Mas não é o que eu chamaria de voo de lazer.
Macready virou-se para olhar por cima do ombro de Norris novamente. — Dane-se. Estou indo de qualquer maneira.Vou levar Palmer como um auxiliar, para o caso de topar com algum problema.
Seus olhos estavam concentrados na parte inferior dos dois mapas.
— Você tem certeza que podemos encontrar esse lugar, Norris?
O geofísico assentiu tranquilizador e se levantou da cadeira. — As coordenadas são as mesmas em ambos os mapas. Nós vamos encontrá-lo! — Começou a enrolar os mapas juntos e apagou a luz.

Garry entrou na sala de recreação, olhou momentaneamente para o ainda atordoado Clark e o atento Nauls, em seguida caminhou até juntar-se a Blair, que admirava as formas dos animais interligados. O gerente da estação usava agora uma camisa limpa.
A Magnum descansava no coldre da cintura, limpa e recarregada.
— O que você descobriu, Blair?
— À exceção de estar ficando louco com isso, não muito. 
Ele pegou nos fragmentos de bandagem ainda ligados a uma perna.
— Isso com certeza não veio de fora. Tenho certeza que o canil estava trancado. Nós verificamos a portinhola de acesso externo. Ela ainda estava fechada por dentro.
— Foi o novo cão. O cão dos noruegueses.
Garry parecia duvidar. — Eu só não consigo entender. Era só um cachorro.
Um riso de escárnio afiada soou do outro lado da sala. Não havia humor na voz de Childs.
— Não era nenhum cão, chefe. Eu não tenho que ter nenhum diploma para descobrir isso.
— A fita que Macready nos mostrou no início desta manhã — Blair murmurou baixinho. — Eu pedi a ele para tentar localizar o local onde eles estavam trabalhando. Onde aquele buraco peculiar no gelo estava, onde a explosão quebrou a câmera de vídeo. Ele levará Palmer com ele. Norris se ofereceu para ir junto. Tudo bem para você?
— Claro, se você acha que é aconselhável.
— Não posso pensar em mais nada.
— Você acha que há uma conexão?
— Talvez. — Virou-se para olhar de volta para a mesa e o enigma sobre ela. — De qualquer forma, como eu disse, não tenho outras ideias brilhantes. Você tem alguma?
O gerente da estação tentou dar sentido aos acontecimentos insanos, mas só conseguiu balançar a cabeça tristemente.

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