sexta-feira, 20 de junho de 2014

A coisa - Alan Dean Foster (Parte 23)

 
Palmer explodiu com uma força inacreditável, direto contra Macready, arrastando o sofá com Garry e Childs ainda presos a ele.
Seu rosto estava se fragmentando como se algo lutasse para sair de trás da carnuda máscara humana.
— Cooper!  — O piloto gritou.
A sala estava cheia de gritos e xingamentos dos homens lutando contra as cordas.
Gritos e xingamentos e um profundo berro desumano.
O médico tentou acionar o gatilho, mas desconhecia os controles do maçarico.
Nesse tempo a coisa que tinha sido Palmer tinha se transformado o bastante, e saltou sobre o homem mais velho.
Macready mergulhou nas costas de Palmer e os três saíram rolando pelo chão.
Um enorme braço aracnídeo não completamente formado saiu da camisa e acertou o piloto.
Foi a distração suficiente para Cooper recuperar-se com o lança-chamas. Girou-o ao redor, tentando apontar.
A boca de Palmer se separou abrindo-se do queixo até a testa. Uma nova boca, escura e horrenda, avançou engolindo a totalidade da cabeça do médico.
O lança-chamas saiu voando, ricocheteando na parede. De pé, a coisa-Palmer espremia com vários braços o corpo suspenso do infeliz doutor. 
O resto dos homens estava histérico.
Sanders orava chorando, se recusando a abrir os olhos, na esperança que se não tivesse que olhar, o horror poderia ir embora.
Macready balançou as teias de aranha de seu cérebro e rastejou para pegar o lança-chamas. Levantou-o, apontou e disparou.
Nada aconteceu.  O golpe contra a parede tinha danificado-o.
Frustrado, ficou por detrás de Palmer, e começou a martelar seu crânio em transformação.
As costas da camisa de Palmer explodiu no rosto do piloto, expondo um braço, mas desta vez com um segundo conjunto de mandíbulas. Algo como um tentáculo pulou para fora da boca alcançando Macready, que conseguiu esquivar se, porém bateu contra a mesa de carteado e uivou ao queimar-se no bico de Bunsen.
Lutando para manter o equilíbrio, agarrou três bastões de dinamite e passou os pavios curtos sobre o queimador.
A coisa-Palmer indecisa, arrastava-se em círculos.
O corpo do médico despencara mole da boca contraída, quando a coisa virou-se para avançar sobre Macready.
A segunda boca cuspia grunhindo, continuando a tomar forma.
Macready esperou até  estar a um metro e meio distante antes de jogar os explosivos dentro do orifício em constante evolução que procurava por Mac.
O piloto mergulhou  para o sofá, cobrindo Garry e Childs com seu corpo.
Houve um ‘boom’ abafado.
Membros, pele e órgãos semi- formados, com propósito desconhecido, saíram voando em todas as direções. Havia muito pouco sangue ou qualquer outro tipo de líquido. Mas havia um monte de outra coisa qualquer, matéria-coisa.
Gotas de carne cremada continuavam a descolar-se do teto e cair sobre os homens entorpecidos.
Macready ajudou a erguer seus dois colegas. Demorou mais tempo do que o habitual, porque estava tremendo.
— Vocês dois estão ok? Childs? Garry? — Ambos fizeram um sinal de positivo.
Depois de se refazer, Macready puxou um dos maçaricos de sobre a mesa. Então passou dez gratificantes minutos fritando cada fragmento da coisa.
Quando terminou, sentou em uma cadeira quebrada e esperou.
Eventualmente se acalmou o suficiente para retomar ao teste.
Cooper não estava mais por perto para ajudá-lo. Sua mão tremia ainda um pouco enquanto aquecia o fio.
Checou a identificação da amostra: Nauls. Cooper tinha escrito. Cooper se fora.
Evitava pensar sobre isso, pois ainda não havia acabado. Olhou para o cozinheiro.
Nauls fechou os olhos, tenso, quando Macready tocou o fio quente na amostra. Isso gerou um leve silvo.
Macready expirou aliviado e Nauls abriu devagar os olhos. Nem sequer se incomodou com a segunda tentativa. Parece não ser necessária, não depois de verem como o sangue de Palmer tinha reagido.
Deu a volta ao redor da mesa e desamarrou o cozinheiro, mantendo um maçarico voltado para os outros.
Nauls aceitou a maçarico e assumiu os deveres de guarda, enquanto o piloto voltou para o queimador e reaqueceu o fio.
Sanders veio em seguinte.
Macready executou o teste e foi recompensado com outro assobio. O operador de rádio dobrou sobre os seus joelhos e chorou.
Macready acenou para Nauls para desamarrar Sanders, que enxugou o rosto com as mãos quando libertado.
Ganhou também um dos pequenos maçaricos.
Childs encarava estoicamente os homens mais jovens, e Macready.
— Vamos logo com isso, cara.


O fio incandescente mergulhou e seguiu-se do familiar som sibilante inofensivo.
Os músculos do rosto do mecânico derreteram em um sorriso aliviado.
— Filhodapu... — Não conseguiu terminar a frase. De repente, ocorreu-lhe ao lado de quem poderia estar sentado. Começou a tentar afastar-se, com os olhos arregalados.
— Tirem-me daqui... fiquem longe de mim... me solta porra! Alguém me solta daqui!
Nauls apressou-se a romper as cordas com o bisturi, enquanto Sanders e Macready montavam guarda.
Garry, ignorando a histeria do mecânico, não se mexeu.
Childs quase caiu em sua pressa de sair do sofá e afastar-se do gerente da estação.
— Gasolina — disse Macready impassivelmente.
Sanders se apressou para sair da sala, voltando em minutos com dois galões de metal, cujo conteúdo começou a despejar sobre a cabeça do Garry.
Garry continuava sentado, imóvel no sofá, olhando para frente.
O operador de rádio recuou com o rosto cheio de medo, mas ainda assim pronto.
Ninguém respirava.
Childs tinha pego um maçarico. Seu dedo estava no gatilho, tenso,  observando Garry com expectativa.
Macready como se se preparando para o que estava por acontecer, lentamente trouxe o fio aquecido para a última lâmina.
Ouviu-se o silvo reconfortante da evaporação sangue.
O piloto fez uma careta e testou-o uma segunda vez, com o mesmo resultado.
O sangue ferveu e não fez nada para sugerir que poderia ser qualquer outra coisa exceto sangue humano normal.
Todo mundo soltou um suspiro de alívio.
Sanders chorava novamente, desta vez de felicidade.
Childs caiu exausto em uma cadeira vazia e Macready enxugou o rosto.
Houve um longo silêncio.


— Sei que os senhores já passaram por muita coisa — disse o gerente da estação em voz baixa — mas quando encontrarem tempo prefiro não passar o resto do inverno amarrado a este sofá.
Childs começou a rir. Pela primeira vez em dias, a tensão começou a desvanecer do rosto de Macready.
Nauls fez uma careta para o riso incontrolável de Childs.
O vento uivava acima, tentando rasgar o telhado. Nunca havia parado, mas naquelas últimas horas, tinha sido completamente esquecido. Agora era um familiar lembrete, um lembrete amigável de uma ameaça bastante comum.
Os homens a saudaram.
O cozinheiro colocou de lado a lanterna e caminhou para desatar Garry, resmungando com Childs.
— Tudo bem, cara, estamos todos felizes. Isso é o suficiente.
Childs conteve o riso e limpou as lágrimas restantes de seus olhos. Sentou-se e sorriu para Macready.
O sorriso, porém não durou mais do que alguns segundos.
O piloto estava olhando fixo, em silêncio e imóvel, qual uma pedra, para fora da janela.
A neve e o gelo golpeando o vidro triplo.
Childs franziu a testa, buscando alguns pensamentos há muito esquecidos. Seus olhos se arregalaram ao lembrar.
Macready tinha lembrado antes.
— Blair — sussurrou.



O vento que rugia agarrou os três homens que se seguravam ao longo das cordas guia.
Cada homem carregava uma lanterna, um sinalizador e um maçarico. Além disso, na parka de Macready havia dinamite suficiente para demolir todo o acampamento.
Os sinalizadores tremeluziam fracamente no vendaval, mas longe de ofuscar os feixes das lanternas.
Gelo se formara às barbas, picando os rostos dos homens e tentando congelar seus óculos de neve.
Não muito longe ficava o galpão onde tinham aprisionado Blair, mas a tempestade fez parecer como quinze quilômetros.
O vento gelado tentava rasgar suas mãos enluvadas seguras às cordas de guias. Sem elas facilmente seriam enviados tal qual cegos, a vagar pela noite Antártica.
A vinte metros a mancha laranja das luzes externas fora eliminada do campo de visão pelo soprar constante da neve.
Sem sinalizadores e lanternas, o trio ficaria completamente cego.
Macready e Childs se prepararam ao se aproximarem do galpão.
Nauls colidiu com eles, e os homens trocaram olhares irritados, mas ninguém disse nada.
Podiam ver claramente agora o galpão. As pesadas placas jaziam espalhadas na neve. Tinham sido quebradas ou arrancadas.
A porta batia na moldura, contra a parede frontal.
Pararam em frente à porta, tentando firmar-se contra o vento.
Macready e Childs tinham seus sinalizadores estendidos na frente deles.
— Vê alguma coisa? — Gritou Childs.
O vento fez a sua voz parecia vir de muito longe, mas estavam de pé um ao lado do outro.
— Não!
Com um gesto Macready acenou para Childs que compreendeu. Entraram juntos.
Era muito mais silencioso dentro do galpão.
Ao contrário do barraco de Macready, o telhado velho ainda estava intacto. 
Caminhavam ao redor do quarto individual. Nauls verificou o banheiro. De um lado do quarto estava o único catre, duas pilhas de enlatados, um belo monte de cobertores e uma grande lata cheia de água potável.
O calor do aquecedor portátil de propano derramava-se no local.
Tudo parecia normal e intacto, exceto pela porta quebrada, e por não haver nenhum sinal de Blair.
Childs caiu na escuridão e proferiu um xingamento. Olhou para baixo para ver no que ele tinha tropeçado.
— Ei, Mac, Nauls... venham aqui!
Se juntaram a ele. Uma tábua meio solta do assoalho saiu facilmente ao ser puxada.
Nauls virou a lanterna para baixo, enquanto Childs e Macready usavam dos sinalizadores sobre a abertura.
Em vez de gelo sob a madeira, viram um grande buraco.
O cozinheiro moveu a luz ao redor, mas não conseguiu localizar uma parede lateral.
No buraco, algo grande e inorgânico refletiu a luz.
A voz de Macready soou abafada. 
— Vamos tirar o resto das tábuas.
Childs inclinou-se para dar-lhe uma ajuda. Não demorou muito tempo para removerem boa parte do assoalho. As tábuas estavam frouxas, removidas na unha. Tinham sido colocadas cuidadosamente de volta no lugar, exceto por aquela na qual tropeçara Childs.
A escavação ocupava o interior inteiro do galpão e o objeto metálico enchia quase todo o buraco.
Sua estrutura metálica era grosseira, mas simples. Folhas de onduladas de aço empilhadas em um canto, prensadas entre si para formar chapas grossas. Não havia nenhum sinal de parafusos ou solda.
Lacunas na construção mostraram partes ainda incompletas.


— O que é isso? — Nauls murmurou tentando procurar sentido naquilo.
— Tudo o que está faltando no acampamento — disse Macready. — Os magnetos, componentes eletrônicos e outros suprimentos. Aposto que seu processador de alimentos está lá também, em algum lugar. O motor dele, pelo menos. Todas essas coisas que faltavam estavam sendo utilizadas para construir... isso.
— Um nave espacial, de algum tipo — Childs sussurrou em reverência.
— Espero que não — rebateu Macready. — Se a coisa é tão esperta assim, talvez devêssemos nos entregar e deixá-la assumir. Mas eu não apostaria nisso!
Inclinou-se para dentro do buraco e mudou-se a direção do sinalizador, iluminando diferentes partes do veículo incompleto.
— Não sou nenhum engenheiro, mas sei um pouco sobre máquinas de voar. Não vejo como ele poderia fazer o casco da espessura suficiente, ou onde ele iria conseguir os elementos para fazer um poderoso propulsor. Claro, talvez ele não precise de paredes espessas. talvez ele use algum tipo de escudo de energia no lugar. Merda, talvez ele apenas suba a bordo e apareça em outro lugar... Mas ainda assim eu apostaria na teoria da nave espacial.
— E então? — Perguntou Childs.
Macready continuou a observá-la, o brilho vermelho do sinalizador.
— É uma espécie de nave, com certeza. Uma vez que não possa ser uma nave espacial, eu apostaria em algum tipo de aeronave. Ou um foguete de curto alcance. Filho da mão inteligente! Juntou peça por peça. E todo esse tempo que nos preocupamos com o pobre diabo preso aqui, o louco Blair, aposto que não era Blair já há algum tempo.
Puxou a cabeça para fora do buraco e acenou com a cabeça para trás na direção do complexo principal.
— Todos os outros, Palmer e os cães, eram apenas chamarizes para nos manter longe daqui, nos manter ocupados para que a coisa pudesse trabalhar em paz. Quase funcionou, se não tivéssemos resolvido a questão com o novo teste.
Nauls olhou para o buraco.  — Onde estaria tentando ir?
— Para qualquer lugar longe daqui — respondeu Macready.
Desabotoou o casaco e procurou dentro, desembaraçar um pacote de dinamite.
— Mas ele não vai muito longe.
Um grito, agudo e distante, sufocado pelo vendaval soprando do lado de fora, fez Macready se contorcer.
— Depressa — Childs disse.
Macready balançou a cabeça, e, em seguida, usou o seu isqueiro para acender o pavio e jogou-o na escavação.
Um minuto depois já estavam na passarela, segurando as cordas guia, que serviam tanto de apoio quanto de orientação, quando o gelo saltou atrás deles.
Mesmo na tempestade foi um estouro bastante. Fragmentos de metal e madeira passaram por eles.



— E então é isso — gritou Nauls.
— Sim. — Childs bateu-lhe no ombro. — Cuidado para onde você está indo!
Uma rajada de vento acertou-os lateralmente.  Suas botas giraram sobre a superfície lisa e ele agarrou a corda com as duas mãos, de joelhos, tentando se firmar. Em seguida, a corda se foi e tudo desapareceu. A ponta da corda saiu assobiando com o mecânico lutando ao vento.
Macready agarrou-se a seu próprio fragmento de corda, vendo Childs desaparecer na escuridão.
Algo esbarrou nele por trás e ele gritou. Aquilo gritou de volta para ele, deslizando e rolando para longe na neve.
Adeus Nauls.
O guincho foi de novo ouvido, desta vez mais alto, em algum lugar atrás de Mac.
Freneticamente, Macready lutou para se orientar. O complexo tinha que estar lá, sempre em frente.
Pensou que poderia orientar-se pelo brilho ofuscante da iluminação exterior, mas não tinha certeza. Talvez a exaustão fizesse enxergar luzes onde não havia. Lutou para seguir em frente sobre as mãos e joelhos, esperando estar rastejando na direção certa.
Um terrível lamento estava crescendo e cada vez mais perto. Estaria vindo atrás dele? Lembrou-se do que havia acontecido com Cooper, a abominação em que se tornou, saída daquela boca, antes que ele a alimentasse com dinamite.
Podia estar em seus calcanhares agora, sacudindo-se sobre a neve, procurando por ele, esperando para envolvê-lo e puxá-lo para dentro...

Perdeu a entrada para o canil, deixou de ver Nauls rastejando sobre a borda aberta a sumindo rampa adentro. Havia colidido contra o complexo principal. Desesperadamente começou a procurar uma porta ao longo da parede. A janela da sala de alimentação, que antes tinha usado para entrar, havia sido bloqueada, mas devia estar por perto, um pouco para a direita.

 
E então estava caindo.  Uma queda curta e inesperada.
As plantas queimadas e congeladas em que aterrissou, nada fizeram para amortecer sua queda. Rolou segurando um ombro latejante. Ao menos não estava quebrado.
Levantando-se, fez uma avaliação das redondezas, viu a claraboia quebrada pela qual cairá, e tentou se orientar. Onde diabo estava? Não poderia ser... ah sim, o ilegal porém tolerado jardim de Childs.
Tropeçou e apoiou contra a porta aberta recuperando o fôlego.
Algo gritou alto, seguido por um som de metal. Olhou para a claraboia. Algo estava dobrando as barras de aço de apoio para fora, alargando a abertura para que pudesse entrar.
Junto à porta, o cadáver congelado de Fuchs estava lá para cumprimentá-lo, ainda preso à madeira pelo machado profundamente afundado ao peito. O corpo bloqueava a maçaneta da porta.
Um som de algo se partindo cresceu derrepente atrás dele. Algo preto e nodoso debatia-se já dentro do jardim.
Macready saiu correndo pelo corredor, derrapando, cada porta de cada seção funcionava como um bloqueio atrás dele. Seu coração estava batendo em suas costelas enquanto corria para a sala de recreação.
Algo bateu nele na próxima junção e ele gritou.
— Merda, cara! — Disse Nauls quase chorando. — Você não olha pra onde anda?
— Cristo!
Macready olhou para o cozinheiro dos pés a cabeça. Não tinham sido separados por muito tempo. Certamente não houvera tempo suficiente para a coisa ter dominado-o.
— De onde diabos você veio?
— Entrei pela casinha de cachorro — Nauls disse lutando para respirar.  — E você?
Macready olhou para trás. O corredor estava calmo, vazio. Sabia que não iria ficar assim por muito tempo.
— Entrei pela claraboia do jardim de Childs. Você sabe, naquele cubículo que Palmer e Childs transformaram para suas plantações. A coisa estava bem atrás de mim.
— O que vamos fazer agora? — Nauls implorava por segurança.
Tal coisa Macready não poderia lhe dar, mas tinha uma ideia.
— Sei que não gosta de frio. A coisa, ela pode tolerá-lo, mas apenas por um tempo. Nós explodimos seu transporte e isso significa que não pode ficar por aí dando sopa, tem de encontrar outro corpo vivo para assumir. Venha comigo!

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