sábado, 7 de junho de 2014

A coisa - Alan Dean Foster (Parte 10)



O vento agitava o deserto branco.

O helicóptero saltou e mergulhou. Macready lutava contra os controles enquanto cavalgavam as correntes, tentando ficar o mais perto do chão possível, para que não perdessem nada, ao mesmo tempo deixando margem de manobra suficiente para uma ação evasiva, no caso de serem pegos por uma corrente descendente. Era um trabalho duro do qual não se podia relaxar nem por um minuto.
A tempestade havia passado, mas o ar cristalino era enganoso. A única diferença para Macready era que quando não havia  neve ou gelo, dava para ver escolher onde iriam cair.
Palmer ocupara o assento do copiloto, enquanto Norris olhava por cima de seus ombros. O geofísico estava apontando para o mapa de plástico colado ao console de voo.
— Um dos locais deve estar diretamente nesta direção. Aquele que estamos procurando está a poucas centenas de metros mais ao sul.
— Eu sei. — Macready inclinou-se sobre os controles e o helicóptero adernou para estibordo. Um muro branco e alto, apareceu à sua frente.
Norris considerou-o profissionalmente. A simetria da formação dava a entender que mais do que a atividade normal de construção da montanha fora responsável por sua formação. A parede podia marcar a localização de uma linha de falha menor, ou um túnel de lava. Ou talvez não haja qualquer pedra presente, se era um cume de puro gelo.
O helicóptero subiu disparando por cima do topo do muro. Do outro lado uma planície glacial lisa e esticada em direção as altas montanhas distantes.
Instantaneamente ficara visível no centro da planície branca, como uma enorme mancha de tinta gigante, a cratera azul escura.

.

O laboratório estava cheio de cachorros mortos. Uma cena macabra, cada qual cuidadosamente etiquetado em uma perna. Clark tinha finalmente se recuperado, o suficiente para ajudar naquele trabalho desagradável, até que a dor finalmente tornou-se demasiada para ele e ele teve que fugir da sala. Cada um dos animais mortos tinha um nome, cada um tinha sido um amigo próximo.
Fuchs estava preparando novas amostras de tecido, que Blair estudava sob o microscópio. Duas células eram visíveis através da ocular. Estavam ativas, nem repouso, nem morto. Uma parecia bastante normal. Sua companheira não.
No momento as duas estavam unidas por uma fina corrente de protoplasma. O material da célula maior, longa e fina, fluía para a menor, esférica. Com isso a célula menor crescia visivelmente, até a parede celular fraturar em três lugares. Imediatamente a célula menor assumiu uma forma achatada como a outra e três novas correntes de material começaram a fluir para o exterior a partir do seu interior.
Blair afastou-se e franziu o cenho, depois olhou para o relógio. Tinha acionado o cronômetro. Desligou-o. A leitura resultante era muito intrigante.



Macready atirara o helicóptero à superfície, mas nem o aparelho nem os passageiros mostraram efeitos prejudiciais do violento pouso. O zumbido constante dos rotores foi diminuindo.
Ele baixou os óculos de neve e saiu. Norris e Palmer seguiam bem atrás dele
Bastou uma curta caminhada até a margem da cratera. Macready parou para chutar de lado um pedaço retorcido de metal cinza. O impacto reduziu-o a lascas. Outra peça era tão grande que tiveram que caminhar ao redor.


O enorme buraco tinha mais de quinze metros de profundidade. Consideravelmente mais. No fundo da cratera carbonizada, metal enegrecido. Tudo era cinza ou preto. Os fragmentos de metal estavam sem brilho, como antimônio, mas suave do mesmo jeito. Macready não sabia o que dizer de uma superfície metálica polida não reflexiva.
O gelo ao redor era liso como vidro, mas não tinha sido explodido ou vaporizado, havia derretido.
O contorno do orifício sugeria que este continha uma grande esfera. Macready encontrou os olhos de Norris e não disse nada. Só Palmer não tinha a pretensão de esconder sua admiração.
— Uau! Fosse o que fosse, era grande!
— Olhe para isso!
Macready mudou-se para a esquerda e pegou algo do gelo. Seus companheiros se reuniram ao redor.
— Reconhece? — Perguntou. Palmer balançou a cabeça, mas Norris assentiu rapidamente.
— Parece resto de térmite, carga média. Padrão militar. A NATO usa estas mesmas coisas.
— Sim — Macready jogou-a na direção do helicóptero.
Eles se espalharam um pouco e começou a circular ao redor da cratera.

Não havia detritos sólidos e grande parte do que restava era grande demais para ser transportada.
Norris se ajoelhou e tirou um par de pequenos tubos de plástico de um bolso. Usando uma picareta portátil, ele começou a recolher amostras de gelo e pó do perímetro da cratera.
Não havia muito para os dois pilotos a fazer senão esperar pelo cientista.
Palmer continuou a maravilhar-se com o tamanho da cratera. O Gelo Glacial neste extremo sul era sólido como rocha. Nenhuma carga de térmite conseguiria rasgar a superfície.
Macready se cansou de andar, refez seus passos e inclinou-se ao lado de Norris. O geofísico estava examinando um pequeno pedaço de metal. Usava de minúsculos frascos de reagentes e catalisadores que retirara de uma caixa. Palavras estavam escritas na parte interna da tampa. Algumas das palavras eram em inglês, o restante em palavras de muitas sílabas.
Os símbolos foram completamente estranhos para ele.
Enquanto observava, Norris derrubou um líquido vermelho de um dos frascos sobre detritos. Nada aconteceu e o fluido fugiu para a neve. O conteúdo de um segundo frasco proporcionou o mesmo resultado. Um cheiro forte se levantou do líquido e as narinas de Macready se contraíram.
Norris olhou para ele. — No começo eu pensei que era alguma liga de magnésio. É leve o suficiente. Mais é leve demais.
Cuidadosamente limpou a lasca cinza contra o gelo, então com o lado de sua bota.
— Eu nunca vi metal com uma baixa gravidade desta. Tem algumas das características de lítio metálico, mas isso é uma loucura. Coisas como essa não podem ser trabalhadas como metal normal. Pelo menos até onde eu sei.
Cuidadosamente colocou o último frasco que tinha utilizado no seu lugar na caixa.
— É ácido sulfúrico concentrado. Poderia muito bem ser água também, dado o efeito que teve sobre esta coisa.
Bateu o fragmento com um dedo da luva. — No entanto, alguns se transformam em pó ao menor golpe nele.
— Então você não sabe o que é? — Macready perguntou.
Norris balançou a cabeça. — Não faço a menor ideia. Algum tipo de liga. Gostaria de saber mais de metalurgia. Mas eu apostaria um período sabático de dois anos que este material é único.
Virou-se para contemplar o buraco vazio com uma expressão de desgosto.
— E esses pobres idiotas tinham que explodir o inferno.
— Dê-lhes uma chance, Norris — disse Macready. — Tenho certeza de que eles plantaram suas cargas com cuidado. Eles provavelmente estavam apenas tentando quebrar o gelo suficiente para tornar mais fácil a tarefa de cavar.
— Acho que sim — Norris não soou muito compreensivo.
Macready pegou a lasca e olhou para ela. — Alguns dos que pulverizam-se, como esta peça, resistem ao ácido forte. Então, como eles a explodiram?
— Algo no metal, ou algo que vaporizou durante a explosão, deve ter reagido quimicamente com a térmite. Ou talvez fosse o calor que fez isso, eu não sei.
Pegou a amostra de volta de Macready, colocou-a em um tubo de ensaio de plástico e começou a escrever sobre ele.
Macready ficou de pé, estudando o horizonte.
— Tem havido uma grande quantidade de acampamentos temporários nesta área. Poderiam os soviéticos ou os australianos ou alguém, ter cavado uma estação de curto prazo aqui e, em seguida, puxado para cima com estacas, levando tudo com eles?
—  Como o quê, por exemplo?
— Sabe os grandes tanques que usamos para armazenar combustível para os helicópteros e o trator? Poderia o térmite ter detonado todo o gás restante?
— Desculpe, Mac — o geofísico rebateu. — Em primeiro lugar a forma da cratera está errada. Segundo, esse gelo é glacial, não é recente. Você não enterra um tanque de armazenamento temporário abaixo de vinte metros de gelo sólido. Além disso, propano e gasolina, qualquer tipo de combustível, é estritamente racionado em qualquer posto. ninguém iria embora deixando uma grande quantidade de combustível valioso para trás. Custa caro.
— Talvez tivessem a intenção de voltar.
— Talvez, mas eu não penso assim — Norris levantou uma luva cheia de gelo lascado. — Isso não mostra nenhum dos sinais indicadores de ter sido perturbado. Eles fariam isso se tivesse uma base aqui. Haveria marcas.
Ele se levantou.
— Claro que podemos verificar isso quando fizermos contato com McMurdo novamente. Eles têm registros de tudo por aqui.
— E se os soviéticos ou um dos consórcios europeus orientais, como a equipe da Alemanha Oriental romena estavam com uma operação clandestina aqui?
— Vamos, Mac — Norris repreendeu-o. — Há uma abundância de gelo tão interessante quanto esta, muitíssimo mais perto de suas instalações permanentes.
O piloto chutou a superfície. — Sim, mas talvez não haja qualquer petróleo lá.
Norris considerou por um momento. — É uma possibilidade. 
Ele olhou para Macready, depois de um momento o piloto sorriu timidamente. — Ok, eu desisto, eu também não acredito.
Sua expressão ficou séria mais uma vez. — Então o que você acha?
— Sem chance de ser um tipo de aparelho experimental.
Norris balançou a cabeça.
— Não. Este gelo é muito velho. A atividade sísmica tem empurrando esta região para cima por muito tempo, e não o contrário.
Ele levantou outra amostra de gelo. — É difícil ter a certeza, mas eu diria que esse gelo tem mais de cem mil anos de idade. Pleistoceno, pelo menos.
Alguém grito atrás deles e os dois homens olharam em volta. Palmer estava acenando para eles.
— O que é que ele encontrou? — Perguntou Norris. Ele e Macready caminharam até ficar ao lado do homem mais jovem.
Palmer estava de pé cerca de cinquenta metros da borda da cratera. Um pedaço grande, retangular de gelo tinha sido cortado a partir da superfície perto de seus pés. A escavação tinha cerca de quinze metros de comprimento, seis de largura e cerca de oito de profundidade, de acordo com estimativa de Norris. Todos os três homens olharam em silêncio para o buraco.
Não havia nada lá, exceto mais gelo.





A neve girou em torno de suas botas como laços brancos...

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