sexta-feira, 20 de junho de 2014

A coisa - Alan Dean Foster (Parte 21)

 
Norris e os outros se reuniram em torno, inspecionando o pano atentamente.
Nauls soltou um longo assobio e dolorosamente ficou de pé.
— Estava escondido. O vento deve ter desalojado-o. Não acho que ele me viu encontrá-lo. Na verdade, eu sei que não, ou não estaria aqui mostrando-o a vocês.
Os homens continuaram a inspecionar a contunde prova, ainda achando difícil acreditar.
— Na volta, cortei o cabo guia.
Sanders estava incrédulo. — Eu não posso acreditar! Macready?
Nauls balançou a cabeça lentamente.
— Eu sei que é difícil, mas com certeza explica muita coisa. Ele é um deles. Não é de admirar que estivemos andando em círculos por tanto tempo. Lembre-se de como ele pegou a arma e o comando de Garry? Ele nos fez perseguir nossas caudas por horas, jogando com a gente. Ele é uma daquelas coisas!
— Quando você acha que aconteceu? — Sanders perguntou.
— Poderia ter sido a qualquer hora — Palmer murmurou desconsoladamente. — E em qualquer lugar.
Childs franzira a testa para Nauls. Algo o estava incomodando desde que o exausto cozinheiro havia chegado.
— “Se” aquilo o pegou...
Nauls se voltou contra ele.
— Olha aqui, cara...
— Quando as luzes se apagaram — Palmer estava murmurando.
— Teria sido o momento perfeito — acrescentou Norris.
— Certo — Palmer concordou. — Garry estava fora. E Sanders — acrescentou incisivamente.
— Foda-se, Palmer!



O operador de rádio saltou sobre seu acusador. Childs e Norris tiveram que separá-los.
— Aqui vamos nós de novo, — disse o geofísico respirando com dificuldade — estamos agindo exatamente como ele quer. Vocês dois cérebros de titica! Não é possível que isso entre em seus crânios? Eu não acho que...
Um novo martelar na porta interrompeu-o e fez todo mundo pular para trás.
Nauls se encolheu atrás de todos os outros, olhando com terror para a porta.
O som da voz de Macready era inconfundível:
— Abram!
Ninguém respondeu.
Norris e Childs levantaram seus maçaricos.
— Ei, alguém! — a voz continuou. — Abram! Sou eu, Macready. Vamos lá, droga! O cabo guia se rompeu! Vim rastejando como uma foca até aqui. Deixem-me entrar!
O sussurro de Nauls soou direto. — Besteira! Ele sabe muito bem que eu o cortei!
Os homens mantiveram suas vozes baixas enquanto debatiam como proceder.
— Vamos abrir" Palmer sugeriu indicando as tochas. — Nós temos como detê-lo, se tentar qualquer coisa!
Childs olhou para ele, ignorando as batidas na porta.
— Claro que não! Eu estava lá no gelo quando a coisa pegou Bennings. Você não pode acreditar o quão rápido essas coisas podem se mover. A porta permanece fechada!
Sanders estava tremendo e não deu a mínima se alguém notou. — Vocês acham que ele foi pego por uma dessas coisas?
Norris olhou para o relógio. — Não teve tempo suficiente.
— Como você sabe, cara? — O operador de rádio perguntou.
— Blair disse que é preciso pelo menos uma hora.
— Blair não sabe de nada. Blair, o louco. Talvez não leve uma hora. Talvez apenas trinta minutos.
— É a melhor estimativa que temos — argumentou Norris. — É a única estimativa que temos! Admito que não tenho certeza sobre quanto tempo ele esteve fora, mas eu não acho que foi uma hora.
Childs estava olhando para a porta, falando sozinho.
— Nada humano poderia ter feito o caminho de volta neste tempo, sem uma corda-guia...
O vento rugia além da porta, acentuando o ponto do mecânico.
— Onde estão todos? — Macready exigiu saber do outro lado. Sua voz era fraca, cansada. — Estou meio que congelando aqui!
Palmer deu um passo hesitante em direção à porta. — Vamos abrir! Agora!
— Por que você está tão ansioso para deixá-lo entrar? — Childs perguntou venenosamente.
Palmer tremia ligeiramente.
— Ele está tão perto. Se ele mudou, é nossa melhor chance para queimá-lo.
Childs vetou a ideia. — Não. Por que arriscar? Basta deixá-lo congelar lá fora.
A voz de Sanders falhou quando falou:
— E se estivermos errados? E se esse lá fora for o verdadeiro Macready, tentando entrar? Ele vai congelar até a morte! E se estivermos errados, cara?
— Então, estamos errados — Childs disse-lhe friamente.
Eles esperaram. Vários minutos se passaram. As batidas diminuíram, finalmente pararam completamente.
— Talvez esteja inconsciente — Sanders arriscou. — Poderíamos abrir a porta e dar-lhe uma rápida verificada.
Norris balançou a cabeça.
— Se está curioso, olhe pela janela!
Sanders hesitou, depois foi pressionar o rosto contra o vidro, tentando ver a porta.
— Não vejo nada!
Palmer olhou pela outra janela.
— Nem eu. Se ele caiu contra a porta, estaria fora das nossas linhas de visão. Está mais escuro do que o covil de uma bruxa!
Um ruído abafado chegou até eles. Todos se viraram ao ouvir o som de vidro quebrando.
Os olhos de Palmer arregalaram-se.
— A janela do armazém G. Não é um painel triplo!
Sanders, pressionado contra a parede disse apavorado:
— O que vamos fazer? O que vamos fazer?
— Controle-se, homem! — Norris ordenou. — Se você for ao fundo do poço, ninguém vai parar para segurar sua mão!
O operador de rádio assentiu lentamente, respirando profundamente.
Os dedos do geofísico apertaram ao redor do maçarico. Olhou resolutamente pelo corredor.
— Tudo bem, nós não temos escolha agora.
Ele e Childs lideraram o caminho, arrastando os outros atrás deles.


Estava escuro como breu dentro da sala de abastecimento. Macready caçava freneticamente um interruptor de luz.
Estava fraco e sofrendo de leve hipotermia.
Vozes soavam do lado de fora.
— O que está acontecendo? — Macready gritou com raiva. — Por que é que ninguém me deixou entrar? Seus babacas, não me digam que não me ouviram!
Palmer ficou de lado, segurando a tocha, enquanto Childs experimentou a maçaneta. Fechada.
— Diabo — o mecânico praguejou lembrando-se. — Macready tem as chaves do depósito!
— Não tem outra?
Childs parecia duvidar.
— Garry pode ter outra escondida em algum lugar, mas ele está muito dopado para pensar direito. Enfim, não podemos dar ao luxo de esperar tanto tempo.
Em seguida caminhou para o outro lado e arrancou um machado de incêndio do seu painel. Norris, Palmer e os outros recuaram, quando Childs começou a quebrar a porta.
A voz confusa de Macready ecoou do outro lado.
— O que vocês estão fazendo?
— Você é um homem morto, Macready! — Childs levantou o machado e balançou-o novamente. — Ou uma coisa morta, seja lá o que você for!
— Vocês estão loucos?
— Não! E não vamos deixar você nos manipular mais!
O machado mordeu profundamente a madeira.
Macready estava em silêncio, embora pudessem ouvi-lo lá dentro.
Fuja, Palmer estava pensando. Vá congelar lá fora, para que não tenhamos que fazer o que vamos fazer com você.
— Nós encontramos as roupas! — Childs estava gritando. — A que você tentou queimar.
— Que roupa? — Macready exigiu saber.
— Esqueça, Macready!
O mecânico estava brandindo o machado como um louco. — Você se ferrou! Tá tudo acabado!
— Alguém está tentando me sacanear, seu maluco!
Eles podiam ouvi-lo fazendo algo com os suprimentos lá dentro.
Childs advertiu Palmer e Norris, enquanto preparava o último golpe.
— Cuidado! Ele pode estar pendurado no telhado, ou algo assim, então não olhem somente pra frente. Prontos?
Os dois homens concordaram.
Com um último golpe, fechadura e maçaneta cederam.
Childs chutou forte o que restava da porta e deu um passo para o lado.
Palmer tomou a frente, o dedo tenso no gatilho do maçarico, com Norris atrás dele.
Eles congelaram com o que viram.
Macready, bem à frente deles, segurava o bico de um lança chamas em sua mão esquerda.
Seu cabelo e barba, brancos de neve, mas os olhos claros e atentos. As bochechas e o nariz escurecidos pelo congelamento.
Debaixo de seu braço direito, uma caixa onde se lia "DINAMITE", cuja tampa faltando, deixava à vista os cilindros vermelhos.



Os fusíveis individuais tinham sido cortados em comprimentos de cinco centímetros.
 — Se qualquer um de vocês se meter comigo — disse ameaçadoramente — mando o acampamento pro inferno!
Nenhum dos homens de pé no corredor estava ansioso para testar a ameaça de Macready.
Ficaram olhando para ele, sem poder fazer nada, esperando para ver o que ele faria em seguida.
— Ponham estes maçaricos no chão e recuem... lentamente.
De olho em Macready, Norris inclinou e gentilmente pousou o maçarico.
Childs colocou cuidadosamente o machado ao lado dele, seguido por Sanders e Palmer.
Macready avançou, forçando-os a bater em retirada. — É isso aí, pra longe!
Agora estavam todos no corredor, seguindo na direção da sala de recreação. Não tinham ido muito longe quando Macready começou a procurar por cima do ombro.
— Ei, onde está o resto da...
Nauls e Norris vinham correndo do depósito de abastecimento e se lançaram contra o piloto. Tinham dado a volta pelo lado de fora e entrado através da janela, como Macready. Tentaram tirar-lhe o lança-chamas.
Macready atirou Nauls contra Norris, enviando o homem mais velho violentamente contra a parede. Nauls rolou e agarrou as pernas de Macready, que foi jogado de joelhos. Os outros investiram.
Mas ainda no controle, Macready levou a chama até a dinamite.
— Se é o que vocês querem, — gritou com eles com a voz embargada — eu vou atendê-los!
Nauls soltou as pernas do piloto, rolando para o lado.


 — Tá legal, cara — o cozinheiro ganiu desesperadamente. — Não vamos chegar perto, cara. Calma!
— Sim, verdade, — um frenético Palmer acrescentou com os olhos fixos na caixa. — Relaxe!
— Qualquer um que me tocar de novo, — Macready advertiu-os, os olhos correndo de um rosto para o outro — vamos pro espaço!
Norris ainda estava deitado no chão onde tinha caído depois de bater na parede.
Tossiu forte, recuperando o fôlego. Todo seu corpo estremeceu e então desmaiou lá mesmo.
Nauls arrastou-se até o geofísico e sacudiu-o.
— Acho que não está respirando!


Abaixou a cabeça e colocou o ouvido no peito do homem mais velho.
Macready de pé, observava o cozinheiro. Um pouco de preocupação penetrou em sua voz.
— Vai desamarrar o doutor e traga-o até aqui. Traga os outros também — sorriu ameaçadoramente. — De agora em diante ninguém sai da minha vista!
Quando começaram a se mover, fez um gesto ameaçador com a chama.
— Não! Childs, Sanders e vocês ficam aqui! Você vai, Palmer! E rápido.
O assistente de piloto acenou, feliz pela oportunidade de ficar longe da dinamite. Saiu correndo pelo corredor.
Eles esperaram.
Nauls sentou-se ao lado da forma imóvel de Norris. Olhava acusadoramente para Macready.
— Ele não está respirando. Você o matou!
— Cala a boca, Nauls. Você fala demais!
Palmer voltou apressado, apoiando o médico com um braço ao redor de suas costas. Garry e Clark tinham se recuperado o bastante para cambalear atrás deles.
Cooper avistou Macready, sua postura beligerante, o lança-chamas e a caixa de dinamite.
— Mac, o que em nome de Deus...
— Guarde a saudação para mais tarde, doutor.
Fez um gesto na direção de Norris.
Cooper assentiu compreensivamente e ajoelhou-se ao lado do corpo. Nauls afastou-se. O doutor verificou os olhos do homem, ouviu seu peito e em seguida olhou de volta para Macready.
— Vamos levá-lo para a enfermaria. Rápido! É a única chance dele.
Macready concordou com a cabeça e olhou para os outros.
— Childs, Sanders e Nauls carregam Norris. Quero ver todo mundo na minha frente, entenderam? Não quero ninguém se esquivando por um cômodo aberto, esperando para me pegar. Eu poderia tropeçar ou ficar nervoso, ou ambos.



O corpo de Norris foi colocado na mesa de exame.
O frigorífico e seu legado de sangue arruinado estava próximo, lembrando a todos da última vez que tinham estado naquela sala.
Cooper virou-se para alcançar algo e quase caiu, ainda tonto da morfina. Palmer e Sanders e seguraram. Macready estava em um canto, com as costas contra a parede, assistindo tudo.
Cooper largou uma máscara de oxigênio no rosto de Norris, ligada a um cilindro. Torceu a válvula de controle e um som de assobio encheu a sala. A marcação sobre o regulador saltou viva.
Curvando-se sobre Norris, o médico rasgou a camisa do homem. Trabalhava arduamente, mesmo sob os efeitos secundários da droga ainda correndo por seu corpo. Não olhava para Macready. Quando o piloto falou, continuou atento ao seu paciente.
— Então, meus queridos, vocês já fizeram um julgamento. Posso, se quiserem, aplicar a sentença letal, Nauls.
O cozinheiro cuspiu nele.
— Você já pode ter feito isso com Norris.
Copper espalhava no peito do geofísico, uma substância oleaginosa reluzente.
Macready permitiu-se um sorriso irônico. — Alguma vez ocorreu ao júri que poderiam ter armado para mim, queimando minhas roupas, dando-lhes uma aparência incriminatória?
Seu tom era casual, mas a sua atitude não era. A chama ainda pairava perigosamente perto da dinamite.
— Não engolimos essa! — Disse Childs de forma grosseira.
— Querem parar de brigar e me dar uma mão? — Cooper gritou com eles. — Alguém traga o desfibrilador.
— O quê? — Perguntou Childs.
— Aquela máquina lá, rápido! — Cooper respondeu exasperado.
Mantendo um olhar cauteloso sobre o piloto, Sanders pegou as alças do carrinho e empurrou-o para perto da mesa. Cooper prontamente subiu na mesa e sentou-se no peito de Norris.
Com Cooper e Norris ocupando a mesa e Sanders ao desfibrilador, Clark prestava atenção em Macready. Casualmente deixou sua mão direita aproximar-se da bandeja de instrumentos cirúrgicos. Descartou o brilhante fórceps e as pinças, mantendo vigilância sobre Macready. Ninguém viu seus dedos ao redor do punho do bisturi reluzente. Escondeu a lâmina na palma da mão.
Cooper girou para a direita.
— Palmer, aumente o oxigênio para nove, e mantenha a máscara sobre o rosto. Childs, você agarra os ombros.
— Certo!
O mecânico passou pra frente da mesa, com muito cuidado para não se aproximar de Macready e colocou as mãos enormes em ambos os lados da cabeça de Norris, se inclinando para frente.
Cooper estendeu a mão e pegou um par de almofadas anexadas à máquina por meio de grossos cabos. Enquanto esperava, Childs aproveitou a oportunidade para sorrir para Macready.
— Você vai ter que dormir em algum momento.
Cooper olhou para ele. — Fiquem calmos. — Acenou para Sanders. — Ligue!
Os dedos de Sanders cutucaram um botão. Uma luz de aviso localizada logo abaixo da chave acendeu e um zumbido baixo veio de dentro da máquina.
— Agora segure-o! — Cooper instruiu o mecânico.
— Tenho sono leve, Childs — Macready devolveu o sorriso.
— Cale a boca, Macready! — Disse Cooper inclinando-se para frente. Pressionou as duas placas de contato acolchoadas contra o peito do geofísico. O corpo de Norris saltou para cima, quando a corrente passou através dele. Houve um ligeiro ruído de respiração e um chiado estranho por detrás da máscara de oxigênio.
Cooper removeu as almofadas. O peito de Norris não se mexeu. O doutor falou enérgico com Sanders. — Mais uma vez!
Cooper se inclinou para trás e apontou. — Há um seletor ao lado do interruptor. Está em três. Vire para seis!
Sanders assentiu, e fez como indicado.
Outro zumbido da máquina. Sanders observou-o ansiosamente. Clark trouxe o bisturi escondido da mão para a manga da camisa. Ele o fazia o mais discretamente que podia. Ninguém prestou atenção.
— E se alguém tentar me acordar — Macready estava dizendo — meu pequeno alarme vai colocar todo mundo para dormir para sempre — e deu um tapinha do lado da caixa de dinamite com o bocal e a chama ainda queimando.
Palmer fez uma careta.
— Maldito seja, Macready, já chega! — Cooper repreendeu-o e pressionou os contatos no peito de Norris novamente.
Desta vez a reação foi diferente, explosiva e violenta, totalmente inesperada.

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