sábado, 14 de junho de 2014

A coisa - Alan Dean Foster (Parte 19)

Os três homens pararam à saída externa, acima das escadas.
O vento soprava maligno em torno deles.
Ao menos as luzes exteriores estavam de volta, embora ainda fossem necessárias as lanternas para iluminar a passarela de madeira.

— Ok, prestem atenção agora — Macready gritou. Uma rajada poderosa de vento pareceu dar impulso às suas palavras. — Esta tempestade vai cair em cima de nós a qualquer momento. Não quero ficar preso aqui fora quando acontecer. Sanders, você verificar o galpão de armazenamento de produtos químicos.
 O operador de rádio assentiu e seguiu pela direita através de uma passagem enterrada sob meio metro de neve escorregadia.
— Vamos lá, Nauls.


Com o cozinheiro ao seu lado, o piloto liderou o avanço pela passarela à frente deles, inclinando-se contra o vento. Tinha avançado cerca de um metro quando escorregou e quase caiu. O feixe de luz estava fraco demais para penetrar no ar da noite gelada.
— Precisamos de luz — gritou para Nauls.
O cozinheiro assentiu. Cada homem puxou do bolso um sinalizador e girou a cabeça para acendê-lo. O brilho intenso iluminou consideravelmente o caminho.
Seguiram em direção do galpão de Blair. As cordas de guia que ladeavam a passarela eram tudo o que os mantinha na direção certa.



Childs abriu a porta com cuidado e olhou para dentro da sala. Vazia. Fechou a porta silenciosamente, abriu a divisória do corredor.
O corredor à frente também estava deserto.
— Por que temos que fazer essas coisas, afinal? — Uma voz disse logo atrás dele.
O mecânico virou-se e encarou Palmer. O piloto estava resmungando para si mesmo, alguns passos atrás de seu companheiro.
O olhar de Childs deixou Palmer um tanto assustado.
— O que é...?
— Não ande atrás de mim!
— Não andar atrás de você...? Oh, tá certo... — mudou-se para o outro lado do mecânico. — Melhor?
— Muito melhor — Childs sussurrou.
Passaram para a próxima seção do corredor.
Cooperação mútua não diminuiria a tensão entre eles.

O vento uivava em torno das paredes do barraco, quando Nauls e Macready pararam à frente da porta.O piloto olhou ao redor do lado esquerdo do edifício, em seguida, à direita. Nenhuma das placas que cobriam as janelas parecia ter sido retirada.
— Vamos deixá-lo quieto, — Nauls insistiu — talvez a coisa esteja aqui fora, ele parece calmo...
Macready balançou a cabeça e falou bruscamente: — Não dá para ouvi-lo daqui. Não com este vento.
Nauls lambeu os lábios, amaldiçoando-se quando uma crosta de gelo imediatamente formou-se sobre eles. Olhou para as placas pesadas de vedação.
— O que vamos fazer? Seguir em frente?
— Não, a menos que seja necessário.
A pequena janeleta situada na porta estava completamente embaçada. Macready espiava por ela, enquanto Nauls dançava atrás dele, tanto de nervosismo quanto para manter-se aquecido.
— Vê alguma coisa?
Macready olhou um pouco mais e então finalmente balançou a cabeça.
— Embaçado demais. A visão das janelas laterais deve estar melhor. Vamos ver!
As janelas também estavam embaçadas, mas não tanto. Macready olhou para dentro.



Blair estava sentado à mesa central, pouco visível no brilho pálido da lâmpada pendurada. Comia de uma lata. Uma forca  pendurada em uma das vigas do teto. Macready colocar a boca perto do vidro, tendo cuidado para não deixar os lábios entrarem em contato com o vidro.
— Ei, Blair!
O biólogo pulou, derrubando sua cadeira e derramando o conteúdo da lata. Sua expressão agitada desmentia sua serenidade aparente. Procurou freneticamente a fonte do grito, antes de seu olhar achar a janela lateral.
— Mac, é você?
— É,... eu e Nauls. Calma, Blair!
O biólogo pareceu relaxar um pouco, andou até a janela e olhou para o piloto. Seus olhos estavam vermelhos, o cabelo despenteado e sua roupa amassada. Macready pensou como parecia horrível.
— O que quer, Mac?
— Viu Fuchs aqui fora?
Macready estudou-o, tentando determinar se era confiável, mas não podia decidir. Desejou que Cooper estivesse presente, mas Cooper estava sob suspeita.
— Mudei de ideia, Mac. Eu... eu gostaria de voltar para o acampamento. Não quero mais ficar aqui. Ouço coisas engraçadas aqui.
Aposto que sim, pensou Macready silenciosamente. O problema é que você já estava ouvindo coisas antes de vir para cá.
— Perguntei se você viu Fuchs.
Blair fez um esforço e se obrigou a responder a pergunta.
— Fuchs? Não, não vi. Você tem que me deixar entrar, não vou prejudicar ninguém. Prometo! Você escondeu todas as coisas agora, tenho certeza. Eu... eu não posso fazer mais danos!
— Vamos pensar sobre isso, Blair — Macready se afastou da janela. — Tenho que verificar outras coisas em primeiro lugar.
Nauls seguiu o piloto para longe do galpão.
A voz em pânico de Blair seguiu-os.
— Eu prometo! Estou muito melhor agora! Estou bem, estou bem... Não me deixe aqui! Mac, não me deixe aqui!
O vento engoliu o resto de seus gritos enquanto Macready e Nauls se moviam um pouco mais rápido.


Norris estava cansado. Os últimos dias tinham sido difíceis. Ele não era tão jovem quanto a maioria dos caras. Nem tão saudável.
Dividia a atenção entre o trio sedado no sofá, e as várias entradas para a sala de recreação.
Uma dor surda latejava em seu peito. Ele esfregou o esterno estremecendo.
— Estou ficando preocupado com você — disse Cooper do sofá. — Você deveria fazer um eletrocardiograma.
Norris conscientemente moveu a mão para longe de seu peito e tentou parecer indiferente.
— Não vamos nos preocupar com mais nada agora.
O médico bocejou, não inteiramente como resultado da sedação. Estava exausto também.
— Tudo bem. Primeiro a coisa.
Norris acenou concordando.
Algo fez um barulho do lado de fora da porta da cozinha. E de novo, um ruído fraco e mecânico. Relé de comutação, pensou relaxando novamente. Olhou para o médico e murmurou:
— Quando esta confusão acabar...


O vento lá fora já não era somente forte, era decididamente cruel.
Macready e Nauls tinham que usar as cordas guia para arrastar-se ao longo do caminho, fazendo um progresso dolorosamente lento em direção à barraca do piloto. O suave declive parecia uma subida de sessenta graus.
Usavam tanto a lanterna quanto os sinalizadores agora.
O único sinal de vida era fornecido pelo brilho alaranjado das luzes exteriores tentando sem sucesso penetrar a neve soprada.
Uma violenta rajada bateu nos pés de Macready, dando-lhe uma rasteira. Ele ficou pendurado na corda com as duas mãos.
Suas botas chutavam a neve, de costas, meio no calçadão, meio deitado na neve branca.
Nauls parou quando a lanterna do piloto e o sinalizador foram soprados na direção dele. Mergulhou, segurando a corda com a outra mão, à tempo de conseguir pegá-los, antes que o vento os carregasse para fora da vista.
Macready lutou para ficar de pé, dolorosamente consciente de sua vulnerabilidade, deitado de costas contra o gelo escorregadio.
O piloto viu através dos óculos sujos de neve, o cozinheiro, uma visão surreal de parka e botas de neve.
Nauls estendeu-lhe a lanterna. Tentando não demonstrar seu alívio, Macready finalmente conseguiu ficar sobre os próprios pés novamente.
— Obrigado — gritou por cima do vento. Nauls apenas balançou a cabeça e juntos retomaram a caminhada em direção ao galpão.

Normalmente, cabos elétricos corriam em linhas separadas, paralelas ao longo da parede da cozinha, como pítons prateadas.
Agora estavam retorcidos e rasgados, como se uma pequena bomba tivesse explodido-os. Sem proteção, o cobre brilhava na luz fluorescente.
Childs e Palmer foram examinar os danos.
 — Linha auxiliar de energia — Childs murmurou com raiva quando cutucou o cabo especial. — É por isso que o gerador reserva não foi acionado, e as baterias de reserva também.
— Os cabos de força auxiliares — Palmer repetiu e se inclinou mais perto, sentindo-se atraído. — Foi cortado por alguém.
— Cortado... que besteira! — Childs olhou ao redor na cozinha deserta, já sem os cheiros familiares e amigáveis, ou a cacofonia sonora de Nauls. — Foram estraçalhados!
— Podemos repará-los?
— Provavelmente. Cortar as pontas e colocar emendas novas. Se tivermos tempo para isso.Vamos. Quero ver as baterias de reserva. Provavelmente estão bem, mas quero ter certeza.

Apesar de o vento ter se intensificado, Macready e Nauls conseguiram chegar ao topo da pequena colina.
O barracão fornecia alguma proteção contra a tempestade que se fortalecia.
Estava muito escuro. A luz fraca do complexo principal fora completamente vencida pelo sopro da neve.



Macready gesticulou e Nauls assumiu uma posição alerta da outra lateral da porta. Com uma mão enluvada o piloto virou o trinco pesado, respirou fundo, empurrou a porta e entrou, segurando uma chama à sua frente.
A primeira coisa que se fez foi acionar o interruptor de luz perto da porta, mas nenhuma luz amigável surgiu.
Seu olhar se voltou para cima.
Não havia mais luminária.
Ela se fora juntamente com a maior parte do telhado.
Os cantos dobrados mostravam onde as junções de metal tinham sido arrancadas. O vento era tão forte dentro como fora, agora que o telhado tinha ido embora. O interior estava varrido pela neve.
Demorou um pouco até estar ciente de que Nauls estava gritando com ele.
— Onde está o telhado?
O cozinheiro estava de pé na soleira da porta, olhando abismado. Entrou e fez um círculo lento olhando para o céu.
— A tempestade fez isso?
Macready sacudiu a cabeça. Antes de entrarem pela porta, ele estava assustado. Agora com raiva.
— É possível, mas não provável — disse Mac. — Devia pesar uma tonelada e meia. O bastante para suportar ventos de 240 quilômetros por hora. Este vento não chega nem perto.
Calmamente inspecionaram a ruína que havia sido a casa de Macready longe de casa. O jogo de xadrez era um pedaço quebrado de plástico vermelho e preto. Fora lançado a um canto, e algumas das peças estavam visíveis acima da neve acumulada. Um peão aqui, um rei quebrado lá.
Nauls chutou uma cadeira. Ao fazê-lo, algo pálido e inchado surgiu por debaixo. Soltou um grito e instintivamente empurrou seu sinalizador contra aquilo. Acertou bem no meio da senhora inflável. Houve um som de ar escapando violento.
Macready girou para ver Nauls tropeçar e cair para trás.
Atingido pelas rajadas de vento, o látex frouxo subiu passando pelo teto ausente, e desapareceu na noite.
— Merda — Macready murmurou, não por causa da perda de sua companheira, mas pelo susto do alarme falso.
O cozinheiro ao chão, limpava a neve de seu casaco.
— Malditas mulheres — resmungou sombriamente. — Nunca sabemos o que elas farão...

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