sábado, 14 de junho de 2014

A coisa - Alan Dean Foster (Parte 13)


O estouro veio de algum lugar perto da parte principal do acampamento.
Um som abafado pelo vento, mas ainda podia ser reconhecido como o disparo de uma arma.
Cristo, e agora? Mac largou a lanterna e deixou o helicóptero, certificando-se de que a porta estava trancada, e correu de volta ao passadiço, para o complexo central.
Uma vez lá dentro, se deparou com vozes confusas, gritos dos homens acordados.
Quase atropelou Palmer e Bennings.

— Mac, você está bem? — Palmer gritou para ele ao passar correndo por ele sem esperar a resposta, mais sóbrio do que o normal. Bennings o seguia e Macready perseguiu os dois.
— Sim, eu estou bem. Que diabos está acontecendo? Pensei ter ouvido um tiro.
— É Blair — o jovem disse-lhe enquanto corriam pelo corredor. — Ele enlouqueceu!
— Está na sala de comunicações — acrescentou Bennings. — Ouvi dizer que ele bateu em Sanders.

Macready livrava-se da roupa exterior enquanto corria.
Homens ladeavam a entrada para a sala de comunicações. Macready percebeu que ninguém estava em pé perto da porta aberta.
Garry inclinou-se e espiou para dentro.
Um disparo, surpreendentemente alto no corredor estreito, obrigou-o a voltar. Na sua esteira veio o som de plástico quebrado. O gerente da estação caiu de joelhos. Desta vez, foi capaz de olhar para dentro.
Sanders estava deitado no chão, gemendo e segurando a cabeça com as duas mãos. Havia um pouco de sangue.



Blair estava com uma pequena pistola em uma mão. Na outra, um machado de incêndio que Blair balançava sem jeito, mas com efeito considerável em relação ao equipamento de comunicações.
Garry estremeceu com a visão. Sanders não parecia gravemente ferido, mas o tom de voz do biólogo combinada com a expressão enlouquecida em seu rosto convenceu o gerente que não seria prudente fazer quaisquer movimentos precipitados.
— Qualquer que tentar interferir, eu mato! — O cientista estava gritando em direção ao corredor.
Whammm... o amplificador estava sendo transformado em sucata. — Ninguém entra ou sai deste acampamento!



 Macready dirigiu-se a seus companheiros. — Ele quebrou um dos helicópteros. Childs, vá ver o outro, e o trator de neve.
O mecânico corpulento concordou e saiu em disparada.
Mais uma vez o machado desceu sobre o console principal de rádio.
— Vocês acham que eu sou louco!



Blair gritou para eles, a arma apontando a entrada. — Tudo bem! Pensem o que quiser. A maioria de vocês não sabe o que está acontecendo, mas tenho certeza que alguns de vocês sabe!
Outra crise ecoou pelo corredor.
— A janela dos fundos — Norris sugeriu. — Alguns de nós talvez pudessem surpreendê-lo.
— E talvez não — argumentou Macready pensando rápido. — Muito perigoso!
— Ouvi vocês sussurrando ai fora! — Blair gritou. — Vão em frente e sussurrem, mas pelo amor de Deus, me escutem. Vocês acham que essa coisa quer se tornar animais? Os cães não podem levá-lo mil milhas por mar. Não há nenhuma ave mandrião nesta época do ano, nem um pinguim. Nada. Exceto nós. Vocês não entendem? Ele nos quer!
Trouxe o machado para baixo mais uma vez em algo delicado e irreparável.
Uma rajada de ar frio precedeu o retorno de Childs. Parou atrás de Macready, ofegando. Neve salpicando sua barba. Seu relatório era sombrio.
— Ele danificou os dois helicópteros e o trator.
— O trator também? — Bennings disse em descrença.
Childs assentiu vigorosamente. — Não sei o quão ruim está. O trator parece que está em melhor forma do que o helicóptero. É um aparelho mais resistente, controles simples. Mas não parei para verificar o que há sob o capô. Achei que ajudaria mais r voltando aqui.
Macready viu o gerente da estação, preparando sua Magnum. — Garry... espere um minuto.
— O que tem em mente, Mac?
O piloto olhou para Norris. — A caixa de fusíveis.
Garry considerou brevemente, em seguida, assentiu com a cabeça. Norris, no final do corredor, partiu rápido.

Macready foi por outro caminho. A sala de recreação estava deserta. Pegou uma das mesas de carteado, dobrou as pernas por baixo e voltou com ela para a sala de comunicação.
Blair ainda estava balbuciando, ainda balançando o machado.
— Vocês não entendem? — Estava delirando, falando com ninguém em particular. — Se uma célula dessa coisa encontrar um hospedeiro, um portador decente, pode infectar todos os seres vivos da Terra. Nada poderia detê-lo, nada! Tudo que precisa é de uma criatura com um cérebro razoável. Um pássaro, um rato, qualquer coisa. É claro que um homem seria melhor. Muito melhor. Mais eficiente —  o biólogo gargalhou — essa coisa, oh, é muito eficiente.
Macready equilibrou a mesa contra a fivela do cinto, aproximou-se no batente da porta e tentou fazer sua voz soar compreensiva.
— Blair, sou eu,  Macready. Olha, talvez você esteja certo sobre tudo isso. Talvez nós não estejamos entendendo você. Mas você tem que lembrar que não somos cientistas, a maioria de nós. Somos rudes. Então você tem que procurar fazer com que nós consigamos entender. Mas não desse jeito! Vamos falar sobre isso, cara a cara, como pessoas razoáveis. Como pode esperar sensatez de nossa parte se você não o faz? Estou desarmado, Blair, e eu estou chegando.
— Não, você não! — Havia pânico na voz do biólogo. — Ninguém vai entrar aqui, não confio em nenhum de vocês!
Macready estava contando os segundos. Norris devia ter alcançado os disjuntores agora. A mesa não iria parar a bala da vinte e dois nesta distância, mas poderia pelo menos retardá-lo um pouco. E a mesa em movimento faria um alvo ruim.
— Se você está certo, — disse ele para a abertura — temos que ficar juntos.
— Ficar juntos, — Blair repetiu — ha-ha, essa é boa, Mac. Muito engraçado. Ficar juntos. Claro que não. Foi assim com os cães. Lembre-se dos cães, Mac — sua voz tornou-se ameaçadora. — Eu não vou acabar assim.

As luzes se apagaram.
Macready se agachou e avançou para a sala no escuro, de repente a pistola de Blair rugiu. No instante antes de escuridão descer sobre o acampamento, Macready tinha visto um vislumbre do biólogo de pé na frente do console de comunicações arruinado, a arma em uma mão e o machado na outra.
A mesa bateu em algo duro. Macready empurrava-a com a mão direita, tateando com a outra. Bateu em alguma coisa e foi recompensado com um gemido de dor. Sua outra mão subiu até chegar a algo metálico.
Uma meia dúzia de outros braços, ajudando-o, empilhados sob os gritos do biólogo demente.
Macready, Fuchs e Dr. Copper meio carregaram, meio escoltaram, Blair, de olhos vidrados, em direção ao barracão, que ficava setenta e cinco metros distante do complexo principal.
Blair não resistiu e não causou mais nenhum problema.



As nuvens tinham se fundido em uma massa sólida que obliterou todas as estrelas de vista. Parecia que a previsão de Bennings estava acontecendo. O vento não tinha aumentado muito, mas estava definitivamente mais frio. Logo eles teriam que usar máscaras, além de óculos de neve, se quisessem sair.
O barracão era maior do que o de Macready. Childs tinha ligado um aquecedor elétrico portátil mais cedo e a temperatura era confortável. Sua bancada não seria usada por algum tempo. Não enquanto Blair estivesse ocupando o quarto.
Fuchs e Macready deitaram o biólogo na única cama. Blair parecia mais chocado com o que tinha feito do que qualquer dos seus companheiros.
Cooper ajudou-o a remover sua roupa exterior. Sem parka, luvas e o colete térmico, o biólogo não iria tentar ir a qualquer lugar. Em seguida, Cooper enrolou a manga direita do homem e limpou seu braço com desinfetante. Não houve protesto do biólogo quando o sedativo entrou em sua corrente sanguínea.
O médico retirou a agulha, limpou o local uma segunda vez e guardou a seringa, depois pegou o pulso de Blair e verificou no relógio. O biólogo piscou para ele.




  — Por que estou aqui?
— É para sua própria proteção, Blair — Copper disse-lhe com firmeza, ainda de olho no relógio.
— E, principalmente, para a nossa — Macready adicionou.
Cooper terminou de verificar o pulso de Blair, em seguida, virou-se para partir. Fuchs seguiu-o.
Macready parou na porta. — Quer algo especial para o jantar?
Não houve resposta da figura desconsolada sentado melancolicamente no catre. Blair não olhava para o piloto, mas continuava com o olhar perdido.
Macready encolheu os ombros, fechou a porta com cuidado atrás dele e verificou que a pesada trava estava no local. Cooper já descia a passarela em direção do complexo.
Fuchs juntou-se a Macready no sota-vento do barracão. Pegou uma das placas que tinham trazido com eles e começaram a prega-la sobre a primeira janela. Algumas ferramentas permaneciam no interior. Ele poderia usá-las ​​para quebrar o vidro, mas  não iria passar pelas placas que os dois homens estavam pregando. Dado o descontrole do biólogo, era concebível que ele poderia tentar fugir, apesar da falta de roupa adequada. As placas iriam mantê-lo em segurança no interior.
— Deixe uma abertura para que ele possa ver de dentro — Macready instruiu com o assistente biólogo. — Não queremos que ele se sinta aprisionado. Ele já está suficientemente paranoico. Além disso, provavelmente não sabia o que estava fazendo.
— Quer apostar? — Fuchs cravou um prego torto no metal fino apoiado à madeira. — Diga isso para Sanders.
— Você sabe o que quero dizer — disse Macready.
De repente o rosto de olhos caídos de um anestesiado Blair apareceu à janela. Macready baixou o martelo e levantou a voz para que suas palavras penetrassem o vidro.
— Como você está aí, meu velho? Sem ressentimentos. Estou apenas fazendo meu trabalho. Eu não queria bater-lhe com tanta força, mas você sabe como é. Difícil de ser educado quando alguém tem uma arma no seu rosto. Copper disse que você vai ficar bem depois de um tempo. Ele acha que foi toda aquela pressão sobre você. Ninguém está te culpando pelo que você fez. Ao menos eu não estou. Qualquer um aqui pode pirar em condições normais. Ainda mais com um alienígena nas vizinhanças.
A resposta de Blair mal chegou até eles através do vidro.
— Eu não sei em quem confiar, Mac.
Estava quase chorando.
— Sei o que você quer dizer, Blair. — Macready forçou-se a parecer alegre. — Confiança é uma coisa difícil de encontrar nestes dias. Apenas a confiança no Senhor.
Houve uma pausa. Macready estava prestes a começar a trabalhar na segunda janela, quando o sussurro ansioso de Blair chegou a ele.

— Cuidado com Clark.
Macready hesitou. — O quê?
— Clark. Observe-o perto.
Através do vidro turvo Macready pode ver o olhar do biólogo furtivamente indo da esquerda para a direita, como se estivesse com medo que alguém pudesse estar ouvindo.
— Pergunte a ele, por que ele não levou o cão de imediato para o canil.
O rosto desapareceu de vista.
— Ei, Blair! — Macready chamou. — O que diabos você está falando? Blair?
Mas, apesar de todas as súplicas do piloto,  não conseguiu convencer o biólogo a dizer mais nada...

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