domingo, 13 de julho de 2014

Guerra nas estrelas: Uma Nova Esperança – George Lucas e Alan Dean Foster (Parte 2)



UM VELHO ditado dos colonos dizia que era mais fácil queimar a retina olhando diretamente para a vastidão desolada de Tatooine do que para seus dois sóis, tão forte era o reflexo das areias do deserto.

Mesmo assim, havia vida nas planícies que outrora tinham sido o leito de antigos mares.
Uma coisa a tornava possível: o reaparecimento da água.

Para as finalidades humanas, entretanto, a água de Tatooine era acessível apenas de forma marginal. A atmosfera cedia sua umidade com relutância. O precioso líquido tinha de ser retirado do céu azul escuro — arrancado, forçado, espremido para a superfície desolada.

Dois personagens cuja missão era recolher essa umidade estavam parados em uma pequena elevação de uma dessas planícies inóspitas. Um era rígido e metálico — um condensador, ancorado firmemente à rocha-mãe que ficava abaixo da areia.
O outro era humano.



Luke Skywalker tinha vinte anos, o dobro da idade do condensador, mas se sentia muito menos seguro. No momento, estava lutando com uma válvula recalcitrante do temperamental aparelho.
De tempos em tempos, substituía a ferramenta apropriada por golpes ao acaso.
Nenhum dos dois métodos estava dando certo. Luke tinha certeza de que o lubrificante usado nos condensadores adorava atrair areia, acenando sedutoramente para as pequenas partículas abrasivas com um reflexo oleoso. Limpou o suor da testa e descansou por um momento.
O que este rapaz tinha de mais atraente era o nome.

Uma leve brisa agitou-lhe os cabelos revoltos e a túnica mal ajustada ao corpo que usava para trabalhar. Não adiantava ficar zangado com ela, lembrou a si mesmo. Afinal, era apenas uma máquina sem inteligência.

Enquanto Luke pensava mais uma vez em como resolver o problema, um terceiro personagem entrou em cena, surgindo de trás do condensador e encaminhando-se desajeitadamente para a parte defeituosa. Apenas três dos seis braços do robô modelo Treadwell estavam funcionando, e mesmo estes estavam mais gastos do que as botas que Luke estava usando.
A máquina se movimentava de forma descontínua, pouco graciosa.

Luke olhou tristemente para o robô depois inclinou a cabeça para fitar o céu.
Ainda nem sinal de nuvens, e ele sabia que não haveria nenhuma a menos que conseguisse consertar o condensador. No momento em que ia tentar novamente, um ponto brilhante no céu atraiu-lhe a
atenção. Luke tirou depressa do cinto um par de macrobinóculos imaculadamente limpos e apontou-os para o céu.

Ficou olhando por um longo tempo, lamentando não dispor de um telescópio de verdade em lugar dos binóculos. E enquanto olhava, esqueceu-se totalmente do condensador, do calor e das tarefas que ainda o aguardavam naquele dia. Depois de guardar o objeto no cinto, Luke saiu correndo em direção ao veículo. A meio caminho, lembrou-se de olhar para trás.

— Vamos! — gritou com impaciência. — O que está esperando? Estou com pressa!

O Treadwell andou alguns metros em sua direção, hesitou, e começou a andar em círculos, soltando fumaça por todas as juntas. Luke tornou a chamar, depois desistiu, percebendo que o robô não estava em condições de atendê-lo.
Por um momento, Luke ficou sem saber se devia abandonar o Treadwell. Mas afinal, disse para si mesmo, o robô evidentemente havia queimado vários componentes vitais.

Luke entrou no veículo, fazendo com que o flutuador de repulsão, recentemente consertado, se inclinasse perigosamente para um lado. Então deslizou para trás dos controles, distribuindo melhor o peso, e o veículo voltou à posição horizontal, alguns centímetros acima do solo arenoso.
Ligou o motor e o veículo começou a se mover em direção à distante cidade de Anchorhead, deixando atrás de si uma nuvem de areia.

Perto do condensador, uma coluna de fumaça negra ainda assinalava o local onde o pobre robô se movia em círculos. Não estaria ali quando Luke voltasse.
Entre os animais de rapina que habitavam as vastidões desoladas de Tatooine, havia os que se interessavam por carne, mas também havia os que se interessavam por metal.

As estruturas de metal e pedra, desbotadas pelo brilho intenso dos sóis gêmeos, Tatoo I e II, estavam agrupadas muito juntas, como que em busca de companhia e proteção.
Formavam o núcleo da vasta comunidade agrícola de Anchorhead.
No momento, as ruas poeirentas estavam quietas e desertas.
Pequenos insetos zumbiam preguiçosamente nas frestas das casas de pedra. Um cachorro latiu a distância, o único sinal de civilização até que uma velha apareceu e começou a atravessar a rua, segurando com força o xale metálico que a protegia do sol.

Alguma coisa a fez olhar para o lado, franzindo os olhos cansados. O som aumentou subitamente de volume quando uma forma retangular e reluzente apareceu na esquina, vindo de uma lua perpendicular. Os olhos da velha se arregalaram quando o veículo se aproximou, sem reduzir a velocidade nem se desviar. Teve que correr para sair da frente.
Ofegante, brandindo o punho cerrado para o veículo, que já ia longe, a velha gritou:

— Quando é que vocês, crianças, vão aprender a andar mais devagar?

Luke havia visto a velha, mas seus pensamentos estavam em outro lugar quando estacionou atrás da usina de força, um edifício baixo e comprido, do qual se projetavam espiras e hastes metálicas. As ondas de areia de Tatooine se quebravam em espuma amarela nas paredes da usina. Ninguém se dava ao trabalho de remover a areia. Seria inútil; no dia seguinte, estaria de volta. Luke abriu a porta da frente com um safanão e gritou:

— Ei!

Um rapaz cabeludo, vestido de mecânico, estava refestelado em uma cadeira atrás do velho painel de controle da usina. A pele estava coberta de óleo de bronzear. A pele da mocinha que estava sentada em seu colo estava igualmente protegida, mas a superfície exposta era muito maior. De certa forma, até o suor seco lhe assentava bem.

— Ei, pessoal! — tornou a gritar Luke, depois que o primeiro chamado foi recebido com indiferença total. Correu em direção à sala de instrumentos, nos fundos da usina, enquanto o mecânico, semi-adormecido, passou a mão pelo rosto e resmungou:

— Será que ouvi alguém entrar?

A garota se espreguiçou sensualmente, repuxando a roupa surrada em várias direções interessantes, e disse com voz rouca:

— Ora, foi só o estabanado do Luke.

Deak e Windy levantaram os olhos da mesa de bilhar computadorizado quando Luke entrou. Estavam vestidos da mesma forma que o recém-chegado, embora as roupas se ajustassem melhor ao corpo e estivessem menos usadas.
Havia um contraste flagrante entre os três rapazes e o jogador que estava de pé na outra extremidade da mesa, um tipo forte e elegante. Do cabelo bem aparado ao uniforme impecável, destacava-se no aposento como uma papoula oriental em um campo de aveia.
Atrás dos três homens, um robô de manutenção trabalhava pacientemente em uma peça avariada do equipamento da usina, zumbindo baixinho.

— Vocês não vão acreditar no que vi! — gritou Luke, excitado. Então reparou no homem de uniforme. — Biggs!

O outro deu um meio sorriso.

— Olá, Luke.

E os dois se abraçaram calorosamente.
Luke finalmente recuou e ficou admirando o uniforme do outro.

— Não sabia que estava de volta. Quando chegou?

A confiança que transparecia na voz do outro chegava a um passo da afetação.

— Agora mesmo. Queria fazer-lhe uma surpresa, corisco. — Indicou a sala com um gesto. — Pensei que estaria aqui com dois boas-vidas. — Deak e Windy sorriram. — Não
esperava que estivesse lá fora, trabalhando. — Tinha um riso fácil, quase irresistível.

— Você não mudou muito na Academia — observou Luke.
— Mas já está de volta? — Seu rosto assumiu um ar preocupado. — Ei, o que foi que aconteceu... não foi destacado para nenhuma nave?
Havia algo de evasivo na forma como Biggs respondeu, desviando ligeiramente os olhos.

— Claro que fui. Vou servir a bordo do cargueiro Rand Ecliptic. Minha nomeação saiu na semana passada. Primeiro Piloto Biggs Darklighter, às suas ordens. — Biggs fez uma continência caprichada, meio a sério, meio de brincadeira, e depois deu outro daqueles sorrisos ao mesmo tempo arrogantes e insinuantes.

— Vim justamente para me despedir de todos vocês, pobres coitados, que não saem do chão.
Todos riam, e então Luke se lembrou de repente da razão que o levara à usina com tanta pressa.

— Quase me esqueci — disse para eles, novamente excitado. — Está havendo uma batalha aqui mesmo no nosso sistema. Venham dar uma olhada.
Deak pareceu desapontado.

— Mais uma de suas batalhas épicas, Luke? Não acha que chega de tantos sonhos? Esqueça.

— Esqueça uma ova! Estou falando sério! É uma batalha de verdade!
Com palavras e empurrões, conseguiu levar os ocupantes da usina para fora do edifício.
Camie era a mais relutante.

— É melhor que valha a pena — preveniu, defendendo os olhos do sol com a palma da mão.
Luke já havia tirado os macrobinóculos e estava examinando o céu. Levou apenas um momento para encontrar o que procurava.

— Não disse? Lá estão eles.
Biggs aproximou-se e tomou-lhe os binóculos, enquanto os outros se esforçavam para ver alguma coisa a olho nu. Ajustando ligeiramente o foco, Biggs pôde ver claramente os dois pontinhos

— Não é uma batalha, corisco — afirmou, baixando os binóculos e olhando para o amigo com simpatia. — Estão parados lá em cima. São duas naves, sim... provavelmente uma barcaça carregando um cargueiro, já que Tatooine não dispõe de uma estação orbital.

— Mas eles estavam lutando! — protestou Luke. Seu entusiasmo inicial estava começando a ceder ante a segurança do amigo mais velho.
Camie arrancou os binóculos das mãos de Biggs, batendo de leve com eles em uma coluna do edifício. Luke tomou-lhe rapidamente os binóculos e examinou-os para ver se haviam sofrido algum dano.

— Cuidado com eles.

— Não se preocupe, Luke — disse Camie, em tom irônico. Luke deu um passo na direção da moça, então parou quando o mecânico se colocou entre eles, com um sorriso de desafio.
Luke resolveu esquecer o incidente.

— Estou-lhe dizendo, Luke — disse o mecânico, com o ar de quem já está cansado de repetir inutilmente a mesma história — que a revolução nunca vai chegar aqui. E o Império não se daria ao trabalho de lutar para defender este sistema. Acredite, Tatooine não serve para nada.

Antes que Luke tivesse tempo de responder, rodos já estavam entrando de volta na usina.
Fixer estava com o braço passado no ombro de Camie, e os dois riam baixinho da frustração de Luke. Até Deak e Windy estavam cochichando alguma coisa..., a respeito dele, pensou Luke.

O rapaz os seguiu, mas não sem antes lançar um último olhar em direção aos pontinhos brilhantes. Tinha certeza de que havia visto raios luminosos ligando as duas naves. E estava certo de que não se tratava de nenhum reflexo.



As cordas que amarravam as mãos da jovem atrás das costas estavam bem firmes. A atenção constante que recebia cios moldados fortemente armados poderia parecer estranha, em se tratando de uma frágil mulher, exceto pelo fato de que as vidas desses homens dependiam de que chegasse viva a seu destino. Quando experimentou retardar deliberadamente o passo, entretanto, percebeu que os captores não se importavam de maltratá-la um pouquinho. Um dos soldados a golpeou brutalmente na nuca e ela quase caiu. Voltando-se, fuzilou o homem com o olhar. Mas não havia meio de avaliar a reação do soldado, já que o rosto estava totalmente escondido pelo pesado capacete.

Finalmente, chegaram a um corredor onde havia um buraco ainda fumegante que levava ao exterior da nave. Um túnel havia sido adaptado ao orifício, ligando o cruzador à nave rebelde. Enquanto a jovem estava examinando a entrada do túnel, uma sombra se aproximou, assustando-a.
Ao lado dela estava a figura ameaçadora de Darth Vader, os olhos vermelhos piscando por trás da abominável máscara negra. A não ser por um leve risco no canto da boca, a moça não demonstrou nenhuma reação. E a voz era firme quando falou:

— Darth Vader... eu devia ter adivinhado. Só você poderia ser tão ousado... e tão estúpido. Pois o Senado do império não vai tolerar este abuso. Quando souberem que atacou uma nave em missão diploma...

— Senadora Leia Organa — disse Vader em tom tranquilo, mas suficientemente alto para abafar os protestos da moça. A satisfação que sentia por tê-la encontrado a bordo era evidente na forma como saboreava cada sílaba. Não se faça de desentendida, Alteza — prosseguiu Vader, em tom ameaçador. — Desta vez, sua missão não é tão inocente quanto parece. Vocês passaram bem pelo meio de um sistema proibido, ignorando vários avisos e desrespeitando frontalmente nossas ordens. — O grande capacete negro se aproximou do rosto da moça. — Sei que esta nave recebeu várias transmissões de espiões daquele sistema. Quando localizamos a origem das transmissões, os responsáveis tiveram a falta de cortesia de se matarem antes que pudessem ser interrogados. Quero saber o que aconteceu com as informações que mandaram para vocês.
Nem as palavras de Vader nem sua presença pestilenta pareciam intimidar a moça.

— Não sei do que está falando — replicou, evitando olhar para Vader. — Sou apenas um membro do Senado em missão diplomática para...

— Para cumprir sua parte no plano dos rebeldes — declarou Vader, interrompendo-a. — E é também uma traidora. — Dirigiu-se a um dos oficiais. — Pode levá-la.
Organa conseguiu lançar-lhe um jato de saliva, que evaporou com um chiado na armadura ainda quente da batalha. Vader limpou a armadura com a mão sem dizer palavra, observando-a
com interesse enquanto ela atravessava o túnel que levava ao cruzador.
Um soldado alto e esguio, com as insígnias de Comandante do Império, aproximou-se de Vader.

— É perigoso mantê-la prisioneira — disse em voz baixa, olhando na mesma direção que o outro. — Se o fato se tornar público, haverá protestos no Senado. E o caso atrairá simpatia
para a causa rebelde. — O Comandante olhou para o indecifrável rosto de metal e acrescentou secamente: — Devemos executá-la o quanto antes.

— Não. Minha primeira obrigação é localizar a base secreta dos rebeldes — replicou
Vader sem hesitar. — Todos os espiões estão mortos; agora, ela é a minha única pista. Usarei de todos os meios possíveis de persuasão, mas descobrirei onde fica a base rebelde.
O Comandante umedeceu os lábios, sacudiu levemente a cabeça, talvez com um traço de simpatia, enquanto pensava na mulher.

— Ela vai morrer antes de lhe fornecer qualquer informação. A resposta de Vader foi chocante em sua frieza.

— Pode deixar comigo. — Pensou por um momento, depois prosseguiu: — Mande transmitir um sinal de emergência em todas as frequências. Informe que a nave da senadora encontrou uma nuvem de meteoritos e não conseguiu desviar-se. Tudo indica que o campo de força não resistiu e o casco foi perfurado, deixando escapar noventa e cinco por cento da atmosfera de bordo. Informe ao Senado e ao pai dela que todos a bordo morreram.

Uma coluna de soldados com ar cansado marchou em direção ao Comandante e ao Lorde Negro. Vader olhou interrogativamente para eles.


 — As fitas de dados não estão a bordo da nave. Não encontramos nenhuma informação importante nos bancos de dados e nada indica que os bancos tenham sido apagados — recitou, mecanicamente, o chefe da tropa. — A nave também não realizou nenhuma transmissão externa desde o momento em que a localizamos. Uma nave de salvamento foi ejetada durante o combate, mas na ocasião foi constatado que não havia nenhuma forma de vida a bordo.
Vader pareceu pensativo.
"Pode ter sido um acidente", pensou, "mas talvez a nave estivesse transportando as fitas. Estas não são formas de vida. Provavelmente, o nativo que as encontrasse não saberia o que são e trataria de apagá-las para usá-las novamente. Mesmo assim..."

— Mande um destacamento para a superfície, para recuperar as fitas ou certificar-se de que não estão na nave de salvamento — disse, finalmente, para o oficial. — Mas procure ser discreto; não é preciso atrair atenção, mesmo em um mundo miserável como este.
Quando o oficial e os soldados se afastaram, Vader voltou-se para o Comandante:

— Desintegre esta nave. Não devemos deixar nenhuma pista. Quanto à nave de salvamento, não nos podemos arriscar. As informações que estão naquelas fitas podem ser muito perigosas. Cuide disto pessoalmente, Comandante. Se as fitas existem, devem ser recuperadas ou destruídas, custe o que custar. — E, acrescentou, com satisfação: — Com as fitas e com a Senadora em nossas mãos, poderemos acabar com esta revolução absurda.


— Será feita a sua vontade, Lorde Vader — disse o Comandante.
E os dois homens entraram no túnel que levava ao cruzador.

 
— Que lugar desolado!
C-3PO voltou-se lentamente para olhar o lugar onde a de salvamento estava meio enterrada na areia. Seus giroscópios ainda estavam meio instáveis por causa da aterragem.
Aterragem! O simples uso do termo era um elogio imerecido para o companheiro.
Pensando melhor, devia sentir-se grato por ainda estar inteiro. Se bem que, pensou consigo mesmo estudando a paisagem inóspita, não tivesse certeza de que estava melhor ali do que se tivesse permanecido a bordo do cruzador capturado. De um lado, o horizonte era dominado por grandes mesas de arenito. Nas outras três direções, uma série infindável de dunas se estendia até perder de vista, como imensos dentes amarelos. O oceano de areia se fundia com o brilho do céu até que se tornava impossível distinguir onde um começava e o outro terminava.

Uma nuvem tênue de minúsculas partículas de poeira acompanhou os robôs quando eles se afastaram na nave de salvamento. O pequeno veículo já havia cumprido sua missão e não tinha mais qualquer utilidade. Nenhum dos dois robôs havia sido construído para viajar a pé neste tipo de terreno, de modo que caminhavam com dificuldade na superfície instável.

— Parece que nos construíram para sofrer — lamentou-se C-3PO. — Já estou farto. — Alguma coisa rangeu em sua perna direita e ele estremeceu. — Preciso descansar antes que me aconteça alguma coisa séria. Minhas engrenagens ainda não se recuperaram daquela batida que você chamou de aterragem.
C-3PO parou, mas R2-D2 não o imitou. O pequeno autômato havia mudado de direção e agora estava andando com passos lentos mas seguros rumo à mesa mais próxima.

— Ei! — gritou C-3PO. R2-D2 o ignorou e continuou a caminhar — Aonde você pensa que vai?
Afinal R2-D2 parou, emitindo uma rajada de explicações eletrônicas, enquanto C-3PO se esforçava para alcançá-lo. — Pois eu não vou naquela direção — declarou C-3PO, depois que R2-D2 concluiu a explicação. — Pedras demais. — Fez um gesto na direção que estavam seguindo
anteriormente, para longe das montanhas. — Por ali é muito mais fácil. — Uma mão metálica apontou, desanimada, para as altas mesas. — Afinal, o que faz você pensar que vai encontrar
uma cidade naquela direção?

Um longo assovio saiu das profundezas de R2-D2.

— Não adianta falar difícil comigo — preveniu C-3PO. — Já estou farto de suas decisões.
R2-D2 soltou um silvo curto.



— Está bem, faça o que quiser — anunciou C-3PO, cerimoniosamente. — Você vai ficar entupido de areia, sua pilha de ferro-velho!
Deu em R2-D2 um empurrão desdenhoso, que fez o robô cair de uma pequena duna.
Enquanto o outro lutava para se levantar, C-3PO começou a caminhar em direção ao horizonte ofuscante, olhando para trás por cima do ombro.

— E não adianta vir atrás de mim, pedindo socorro — avisou — porque não vou ajudá-lo.

Atrás da duna, R2-D2 se pôs de pé. Parou por um instante para limpar seu único olho eletrônico com um braço auxiliar. Então soltou um guincho eletrônico que era quase uma expressão humana de raiva. Em seguida, zumbindo baixinho para si mesmo, encaminhou-se para as encostas de arenito como se nada tivesse acontecido.

Várias horas depois, um exausto C-3PO, o termostato quase no ponto máximo, os sistemas internos perigosamente superaque-cidos, chegou com esforço ao topo do que esperava que fosse a última duna. A seu lado, os ossos de um animal gigantesco constituíam um mau presságio. Chegando ao cume da duna, C-3PO olhou esperançoso para o outro lado.
Ao invés do verde da civilização humana, tudo que viu foram dezenas e dezenas de dunas, idênticas em tudo às que acabara de atravessar. Algumas pareciam ainda mais altas.
C-3PO voltou-se e olhou para as montanhas agora distantes, quase invisíveis no horizonte.

— Seu boneco de lata — resmungou, incapaz de admitir para si mesmo que R2-D2 pudesse ter razão, uma vez que fosse. — É tudo culpa sua. Você me forçou a vir para este lado, mas ainda vai me pagar.
O remédio era continuar. C-3PO deu um passo à frente e ouviu um barulho estranho na articulação do joelho. Sentou-se e começou a tirar a areia das juntas emperradas.
Podia continuar na mesma direção, disse para si mesmo. Ou podia confessar seu erro e tentar alcançar R2-D2. Nenhuma das possibilidades lhe agradava muito.

Mas havia uma terceira opção. Podia ficar sentado onde estava, brilhando ao sol, até que as juntas não funcionassem mais, o termostato enguiçasse e os raios ultravioletas queimassem seus fotorreceptores. Transformar-se-ia em mais um monumento ao poder de destruição da estrela binária, como aquele organismo colossal cujos ossos acabara de encontrar.
Os receptores já estavam começando a se ressentir do excesso de claridade, pensou.
Seria capaz de jurar que alguma coisa estava-se mexendo a distância. Provavelmente uma miragem. Não... não... era um reflexo metálico, e estava-se aproximando.
Sentiu uma nova esperança. Ignorando a perna avariada, levantou-se e começou a acenar freneticamente.
Agora podia ver que se tratava de um veículo, embora de um tipo desconhecido. Mas era um veículo, e isso implicava em inteligência e tecnologia. Em seu entusiasmo, C-3PO esqueceu-se de considerar a possibilidade de que não fosse de origem humana.

 
— Então, desliguei o motor e mergulhei atrás de Deak — concluiu Luke, fazendo gestos
frenéticos.
Ele e Biggs estavam passeando na sombra, do lado de fora da usina de força. De lá de dentro vinha o som de metal contra metal; Fixer havia afinal se decidido a trabalhar um pouco,
lado a lado com o robô de manutenção.

— Estava tão perto dele — continuou Luke, excitado — que pensei que meus instrumentos iam derreter. Na verdade, o aerociclo ficou bastante danificado. — A lembrança o
fez franzir o cenho. — Tio Owen não gostou nada da história. Proibiu-me de voar durante um ano. — A depressão de Luke durou pouco. A recordação da aventura o fez sorrir de novo. —
Você precisava ter visto, Biggs!

— Devia tomar mais cuidado — advertiu o amigo. — Você pode ser o melhor piloto amador deste lado de Mos Eisley, Luke, mas esses pequenos aerociclos podem ser perigosos. São muito velozes para um veículo troposférico... velozes demais. Continue a fazer piruetas com eles e um dia, bum! — Biggs deu um soco na palma da outra mão. — Você não vai ser mais do que uma mancha escura na parede úmida de um desfiladeiro.

— Veja só quem está falando — retorquiu Luke. — Só porque já andou em algumas naves interestelares, está ficando parecido com meu tio. As cidades amoleceram você.
Ameaçou golpear Biggs de brincadeira. O outro bloqueou facilmente o golpe e fez o gesto de quem ia revidar. De repente, a expressão de Biggs se tornou mais séria e pessoal.

— Senti falta de você, garoto. Luke desviou o olhar, embaraçado.

— Por aqui as coisas também não são exatamente as mesmas desde que você partiu, Biggs. Tudo tem estado tão... — Luke procurou a palavra certa e afinal concluiu, frustrado — ... tão quieto. — Seu olhar percorreu as ruas desertas e poeirentas de Anchorhead. — Na verdade, isto aqui sempre foi quieto.
Biggs permaneceu calado, pensativo. Olhou em volta. Estavam sozinhos ali fora. Todos os outros haviam voltado ao relativo conforto do interior da usina de força. Quando finalmente
falou, foi com um tom solene a que Luke não estava acostumado.

— Luke, não voltei só para me despedir, ou para me exibir para os outros porque consegui entrar para a Academia. — Pareceu hesitar, como se estivesse inseguro. Então falou rapidamente, antes que tivesse tempo de se arrepender. — Mas quero que alguém saiba. Não posso contar a meus pais.
Luke arregalou os olhos e só conseguiu balbuciar:

— Saber o quê? De que está falando?

— Estou falando do que estão dizendo na Academia, Luke... e em outros lugares. Coisas importantes. Fiz alguns novos amigos, gente de outros sistemas. Concordamos com o que
certas pessoas estão fazendo, e... — baixou a voz, conspiratoriamente — ... quando chegarmos a um dos sistemas periféricos, vamos abandonar a nave e juntar-nos à Aliança.
Luke olhou espantado para o amigo, tentou imaginar Biggs, o farrista, o despreocupado, o realista, como um patriota fervoroso.

— Você vai passar para o lado da revolução? Deve estar brincando. Como?

— Fale mais baixo, está bem? — advertiu o amigo, olhando furtivamente na direção da usina de força. — Sua boca parece uma cratera.

— Desculpe — sussurrou Luke, rapidamente. — Agora estou falando baixo... escute como estou falando baixo. Mal pode ouvir o que estou dizendo...
Biggs interrompeu-o e continuou.

— Um amigo meu da Academia tem um amigo em Bestine que talvez nos possa colocar em contato com um destacamento rebelde.

— Um amigo de... você está doido! — anunciou Luke com convicção, certo de que o amigo estava delirando. — Você poderia vagar eternamente pelo espaço sem encontrar uma base dos rebeldes. Quase todas não passam de mitos. E este amigo de um amigo pode muito bem ser um agente do Império. Você acabaria em Kessel, ou pior. Se fosse tão fácil assim encontrar as bases rebeldes, o Império já teria acabado com elas há muito tempo.

— Sei que vou correr um risco — admitiu Biggs com relutância. — Mas se não conseguir encontrá-los, então... — os olhos de Biggs se acenderam com uma luz estranha, uma combinação de uma maturidade recente e... algo mais — ... então vou fazer o que puder, sozinho.
Olhou fixamente para o amigo.

— Luke, não vou esperar ser convocado pelo Império. A despeito de tudo que você possa ouvir nos canais oficiais de informações, a revolução está crescendo, ampliando-se. E quero estar do lado certo... do lado em que acredito. — Sua voz assumiu um tom desagradável, e Luke imaginou o que o amigo estaria vendo em sua mente.

— Deve ter ouvido algumas das histórias que eu ouvi, Luke, deve ter sabido de algumas das infâmias de que tive conhecimento. O Império pode ter sido uma coisa sublime, mas os
governantes de hoje... — Biggs sacudiu a cabeça. — Está podre, Luke, podre.

— E eu não posso fazer nada — murmurou Luke, tristemente. — Estou preso aqui. — E chutou com irritação a areia onipresente de Anchorhead.

— Pensei que estivesse para entrar na Academia — observou Biggs. — Se for assim, terá sua oportunidade de escapar deste monte de areia.
Luke sorriu ironicamente.

— Acho que não. Tive que desistir da matrícula. — Desviou os olhos, sem poder sustentar o olhar incrédulo do amigo. — Tive que desistir. Os homens de areia, os tusken raiders, têm estado muito agitados desde que você partiu, Biggs. Chegaram a atacar os subúrbios de Anchorhead.
Biggs balançou a cabeça, rejeitando a explicação.

— Seu tio pode cuidar de um bando inteiro de assaltantes com uma única pistola de raios.

— Em casa, sim — concordou Luke. — Mas Tio Owen finalmente conseguiu instalar um número suficiente de condensadores para fazer a fazenda produzir de verdade. Mas não pode tomar conta sozinho de toda aquela terra, e disse que precisa de mim por mais um ano. Não o posso abandonar agora.
Biggs assentiu tristemente.

— Sinto pena de você, Luke. Um dia vai ter que aprender a separar o que parece importante do que realmente é importante. — Fez um gesto circular. — De que adiantará todo o trabalho de seu tio, se o Império tomar conta de tudo? Ouvi dizer que estão começando a estatizar o comércio em todos os sistemas da periferia. Em pouco tempo, seu tio e todos os outros proprietários de Tatooine não passarão de escravos, trabalhando para maior glória do Império.

— Não vai acontecer aqui — objetou Luke, com uma confiança que não sentia. — Você mesmo disse... o Império não vai-se incomodar com este monte de areia.

— As coisas mudam, Luke. É apenas a ameaça da revolução que impede que os governantes cometam mais arbitrariedades. Se esta ameaça for totalmente removida... bem, existem duas coisas que o homem nunca será capaz de satisfazer: sua curiosidade e sua ambição. E os burocratas do Império não são muito curiosos.
Os dois ficaram calados por um longo tempo. Um remoinho de areia atravessou majestosamente a rua, desfazendo-se contra uma parede e lançando pequenas rajadas em todas as direções.

— Gostaria de ir com você — murmurou, finalmente, Luke. Olhou para o outro. — Vai ficar aqui muito tempo?

— Não. Na verdade, viajo amanhã de manhã para embarcar no Ecliptic.

— Então acho... acho que não nos vamos encontrar de novo.

— Talvez um dia — declarou Biggs. Sorriu subitamente, aquele sorriso irresistível. — Não vou esquecer-me de você, corisco. Enquanto isso, evite as paredes dos desfiladeiros.

— Vou entrar para a Academia no ano que vem — insistiu Luke, mais para ele mesmo do que para Biggs. — Depois disso, quem sabe onde vou parar? — Parecia decidido. — Não vou ser convocado para a frota estelar, isto é certo. Cuide-se bem, Biggs. Você... você será sempre meu melhor amigo. — Não havia necessidade de se apertarem as mãos. Os dois há muito tempo já haviam passado deste estágio.

— Adeus, então, Luke — disse simplesmente Biggs. E entrou na usina de força.

Luke observou o amigo desaparecer no interior da usina, seus próprios pensamentos tão caóticos e frenéticos como uma das tempestades de areia de Tatooine. A superfície de Tatooine apresenta várias peculiaridades interessantes. Uma delas é a misteriosa neblina que brota regularmente do sol nos pontos em que as areias do deserto encontram as encostas das montanhas.

A neblina em um deserto escaldante parece tão deslocada quanto um cacto em uma geleira, mas sua existência é inegável. Geólogos e meteorologistas discutem interminavelmente a respeito da origem da neblina, formulando teorias improváveis que incluem depósitos de água em veios de arenito abaixo da areia e reações químicas incompreensíveis que fazem a água subir quando o solo esfria e descer novamente pára o subsolo com o nascer do duplo sol. Mas a verdade é que o fenômeno existe.



Mas nem a neblina nem os estranhos gemidos dos habitantes noturnos do deserto incomodavam R2-D2 quando este escolhia cuidadosamente o caminho ao longo do leito rochoso de um regato, procurando o acesso mais fácil para o topo da mesa. Os pés retangulares começaram a arrancar um som seco do solo quando a areia foi-se transformando gradualmente em cascalho.
O robô parou por um momento. Pareceu detectar um ruído à frente, um ruído de metal contra pedra, não de pedra contra pedra. Mas como o som não se repetiu, reiniciou a subida.
Rio acima, longe demais para ser avistada pelo robô, uma pedra se desprendeu da encosta. O pequeno vulto que havia desalojado acidentalmente a pedra se refugiou nas sombras. Dois pontos brilhantes de luz apareciam por baixo das dobras da capa castanha, a um metro de distância da parede de pedra.
Apenas a reação do robô desprevenido revelou a presença do raio que o atingiu.

Por um momento, R2-D2 brilhou fantasmagoricamente, soltando um pequeno grito eletrônico. Então,
as pernas se vergaram e o pequeno autômato caiu de costas, as luzes da cabeça piscando  erraticamente sob os efeitos do raio paralisador.

Três arremedos de homens surgiram de trás das pedras. Os movimentos lembravam mais os de roedores do que os de humanos, e eram apenas um pouquinho mais altos do que R2-D2.
Quando viram que o raio de energia havia imobilizado o robô, guardaram as estranhas pistolas. Mesmo assim, aproximaram-se da máquina inerte com muita cautela, com a hesitação de covardes hereditários.

Os mantos que usavam tinham uma grossa camada de poeira e areia. Os pequenos olhos vermelhos brilhavam intensamente nas profundezas dos capuzes enquanto examinavam o cativo. Os jawas conversavam através de sons guturais, que pareciam uma caricatura da fala humana. Se, como achavam alguns antropólogos, descendiam dos humanos, há muito haviam degenerado de tal forma que pouco tinham em comum com a raça humana.

Vários outros jawas apareceram. Alternadamente empurrando e puxando o robô, conseguiram arrastá-lo até o pé da encosta.
Na base da montanha, como um monstro pré-histórico, estava uma máquina tão grande que fazia seus donos e operadores parecerem minúsculos. Tinha dezenas de metros de altura e movia-se sobre lagartas que eram mais altas do que um homem. A epiderme de metal estava cheia de cicatrizes, resultado de incontáveis tempestades de areia.

Chegando ao veículo, os jawas começaram a discutir animadamente. R2-D2 podia ouvir o que diziam, mas não conseguia compreender nada. E não era de admirar. Apenas um jawa era
capaz de compreender outro jawa, pois a língua que falavam variava aleatoriamente, para desespero dos filólogos.

Um deles retirou um pequeno disco de um bolso no cinto e prendeu-o ao corpo de R2-D2.
Um grande tubo saía do veículo gigantesco. Os jawas rolaram o robô até a ponta do tubo e se afastaram. Houve um breve gemido, o sussurro de um vácuo poderoso, e o pequeno robô foi tragado para as entranhas do veículo. Completada esta parte do trabalho, os jawas conversaram mais um pouco e depois entraram todos no veículo, como um bando de ratos voltando a seus buracos.

O tubo de sucção depositou R2-D2 em um pequeno compartimento cúbico. Além de várias pilhas de instrumentos quebrados e pedaços de metal, a prisão era populada por uma dúzia de robôs de várias formas e tamanhos. Uns poucos estavam conversando. Outros andavam sem destino. Mas quando R2-D2 caiu dentro da câmara, um dos robôs deu um grito de surpresa.

— R2-D2... é você, é você! — exclamou C-3PO de um canto da cela. Correu para o pequeno robô, ainda paralisado, e abraçou-o de forma quase humana. Reparando no pequeno disco preso ao corpo de R2-D2, C-3PO olhou para o próprio peito, onde havia sido colocado um dispositivo idêntico.

Imensas engrenagens, mal lubrificadas, começaram a girar.
Com gemidos e rangidos, o grande veículo fez a volta e mergulhou lentamente na noite do deserto.


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