domingo, 13 de julho de 2014

Guerra nas estrelas: Uma Nova Esperança – George Lucas e Alan Dean Foster (Parte 3)


A LUSTROSA mesa de conferências era tão fria e inflexível quanto o ânimo dos oito senadores do Império que se reuniam em torno dela. Soldados do Império guardavam a entrada da sala, que era discretamente iluminada por algumas lâmpadas montadas nas paredes e na própria mesa. Um dos mais jovens dos oito estava falando. Tinha as maneiras de alguém que subiu depressa na vida. por métodos que seria melhor não examinar muito de perto.


O General Tagge era inteligente para algumas coisas, mas esta qualidade não teria sido suficiente para guindá-lo à posição atual. Outros talentos menos louváveis também haviam contribuído substancialmente. Embora seu uniforme fosse impecável e seu corpo estivesse tão limpo como os dos outros ocupantes da sala, nenhum dos sete gostaria de tocá-lo. Ele exalava um ar de podridão, mais adivinhada do que sentida pelos outros.
Apesar disso, muitos o respeitavam.

Ou o temiam.

— Estou-lhes dizendo, desta vez ele foi longe demais — insistia o General, com veemência. — Este Lorde de Sith que o Imperador nos impôs ainda será a nossa desgraça. Até que a base espacial esteja funcionando, continuaremos vulneráveis. Alguns de vocês parecem não perceber que a Aliança rebelde está muito bem organizada e equipada. Eles dispõem de naves excelentes e de pilotos melhores do que os nossos. E são movidas por algo mais poderoso do que simples motores; pelo fanatismo perverso, reacionário dos ocupantes. São muito mais perigosos do que vocês pensam.

Um oficial mais velho, com cicatrizes tão profundas no rosto que nenhuma cirurgia plástica seria capaz de disfarçar, mexeu-se nervosamente na cadeira.

— Perigosos para a sua frota estelar, General Tagge, mas não para esta base espacial.

— Correu os olhos em volta da mesa. — Acho que Lorde Vader sabe o que está fazendo. A revolução continuará enquanto esses covardes dispuserem de um abrigo, de um lugar onde os pilotos possam descansar e as máquinas possam ser consertadas.

— Discordo de você, Romodi — objetou Tagge. — Acho que a construção desta base se deve mais ao desejo do Governador Tarkin de aumentar seu poder e prestígio do que a qualquer estratégia militar justificável. Dentro do Senado, os rebeldes continuarão a conquistar seguidores enquanto...

O general foi interrompido pelo ruído da porta se abrindo e. dos soldados se colocando em posição de sentido.
Todos olharam para a entrada.

Dois indivíduos tão diferentes de aparência quanto semelhantes nos objetivos entraram na sala. Um deles era um homem magro e feio, cujo perfil e cabelo se assemelhavam aos de uma vassoura velha e que tinha no rosto a expressão de uma ave de rapina. Moff Tarkin, governador de vários territórios na periferia do Império, parecia um anão ao lado de Lorde Darth Vader.

Tagge voltou resignadamente a seu lugar, enquanto Tarkin sentou-se à cabeceira da mesa de conferências. Vader sentou-se a seu lado. Tarkin olhou na direção de Tagge durante um minuto, depois afastou os olhos como se o outro fosse transparente. Tagge ficou furioso mas não disse nada.
Enquanto o olhar de Tarkin percorria a mesa, um fino sorriso de satisfação permanecia imóvel em seus lábios.



— O Senado do Império não nos interessa mais, cavalheiros. Acabo de receber a notícia de que o Imperador dissolveu de forma definitiva este corpo decadente.

As palavras do governador foram recebidas com um murmúrio geral de surpresa.

— Os últimos restos da Velha República — continuou Tarkin — foram finalmente eliminados.

— Mas não é possível! — protestou Tagge. — Como o Imperador vai controlar a burocracia do Império?

— É preciso que compreendam que a instituição do Senado não foi formalmente abolida — explicou Tarkin. — Apenas o Senado ficará em recesso enquanto — o sorriso aumentou — enquanto durar a emergência. Os governadores regionais agora terão carta branca para administrar seus territórios. Isto significa que finalmente poderemos levar a ordem a todos os mundos do Império. De agora em diante, o medo se encarregará de manter na linha os contestadores do regime. Medo da frota do Império... e medo desta base espacial.

— E a revolução em curso? — quis saber Tagge.

— Se os rebeldes conseguissem os planos desta base espacial, é remotamente possível que pudessem usá-los contra nós. — O rosto de Tarkin assumiu uma expressão de despeito.



— Naturalmente, todos nós sabemos que os planos estão muito bem guardados. Não vão cair
nas mãos dos rebeldes.

— Os planos a que você se refere — interveio Vader — logo serão recuperados. Se...

Tarkin interrompeu o Lorde Negro, algo que ninguém mais na sala teria coragem de fazer.

— Não importa! Qualquer ataque dos rebeldes à base seria um gesto suicida, suicida e inútil... quaisquer que sejam as informações de que disponham. Depois de longos anos de construção em segredo — declarou, com prazer evidente — esta base se tornou um elemento decisivo nesta parte no Universo. Os acontecimentos nesta região da galáxia não serão mais determinados pelo destino, pelas leis ou por qualquer outro fator. Serão decididos por esta base!

Uma grande mão enluvada fez um leve gesto e um dos copos sobre a mesa deslizou lentamente em sua direção. O Lorde Negro prosseguiu, em tom de censura.

— Não confie demais neste terror tecnológico que você criou, Tarkin. A capacidade de destruir uma cidade, um mundo, todo um sistema é insignificante comparada com a força.

— A Força — repetiu Tagge com desdém. — Não nos tente assustar com seus truques de feitiçaria, Lorde Vader. Sua triste devoção àquela mitologia antiga não o ajudou a encontrar as fitas roubadas, ou a localizar o esconderijo dos rebeldes. Acho muito engraçado que...

De repente, os olhos de Tagge se arregalaram, ele levou as mãos à garganta e começou a ficar roxo.

— Sua falta de confiança me deixa contrariado — observou Vader, sem levantar a voz.



— Chega — interveio Tarkin, preocupado. — Vader, deixe-o em paz. Não adianta ficarmos nos acusando mutuamente.

Vader encolheu os ombros, como se não estivesse interessado na sorte de Tagge.
O general se sentou pesadamente, esfregando a garganta, sem tirar os olhos do gigante negro.

— Lorde Vader nos fornecerá a localização do esconderijo dos rebeldes assim que esta base espacial entrar em funcionamento — declarou Tarkin. — Em seguida, poderemos arrasá-la, esmagando esta revolução patética com um único golpe.

— Será feita a vontade do Imperador — acrescentou Vader, com sarcasmo.

Se algum dos homens poderosos sentados à mesa não gostou da forma desrespeitosa como Vader se referiu ao Imperador, um olhar para Tagge foi suficiente para dissuadi-lo de protestar.



A escura prisão tinha cheiro de óleo rançoso e lubrificantes velhos, era um verdadeiro cemitério de máquinas. C-3PO procurou suportar a desagradável atmosfera o melhor que podia. O veículo sacudia bastante, e ele tinha que estar permanentemente em guarda para não ser atirado contra as paredes ou contra outro robô.

Para poupar energia —- e também para se livrar da torrente de lamentações do companheiro — R2-D2 havia desligado todas as funções externas. Jazia inerte no meio de um monte de peças velhas, ignorando tudo o que se passava em volta.

— Quando é que isto vai acabar? — gemeu C-3PO, quando outra sacudidela violenta fez os ocupantes da prisão estremecerem. O robô já havia imaginado e rejeitado meia centena de desfechos horripilantes. Só sabia de uma coisa: o que fariam com eles seria pior do que qualquer coisa que pudesse imaginar.

Nesse instante, ocorreu uma coisa ainda mais assustadora do que os solavancos: o veículo parou, quase como em resposta às indagações de C-3PO. Os robôs que ainda conservavam algum vestígio de consciência começaram a falar baixinho, especulando a respeito de sua localização atual e seu provável destino.

Pelo menos C-3PO não estava totalmente no escuro a respeito dos captores.
Os cativos locais haviam-lhe contado alguma coisa a respeito dos jawas.
Viajando em imensos veículos, que ao mesmo tempo serviam de casa e de fortaleza, percorriam as regiões mais inóspitas de Tatooine em busca de minérios valiosos... e também de máquinas aproveitáveis. Ninguém jamais os havia visto sem as capas e capuzes, de modo que ninguém conhecia exatamente o seu aspecto. Mas tinham fama de ser extremamente feios.
C-3PO estava convencido de que a fama lhes fazia justiça.
Ajoelhando-se ao lado do companheiro ainda imóvel, começou a sacudi-lo. As luzes da cabeça de R2-D2 começaram a se acender, uma por uma.

— Acorde, acorde! — disse C-3PO. — Estamos parados! — Como vários outros robôs, começou a examinar com os olhos as paredes de metal, à espera de que um painel oculto se abrisse a qualquer momento, dando passagem a um gigantesco braço mecânico. — Estamos perdidos, amigo — lamentou-se o robô enquanto R2-D2 se levantava, já totalmente ativado. — Acha que nos vão fundir? — Ficou pensativo por alguns instantes, depois acrescentou: — É esta espera que me mata!

De repente, a parede dos fundos da cela se abriu e o brilho cegante da manhã de Tatooine encheu o compartimento. Os sensíveis fotorreceptores de C-3PO quase não tiveram tempo de se ajustar para não serem queimados.

Vários dos repulsivos jawas entraram agilmente no compartimento, ainda vestidos da mesma forma que antes. Levavam na mão estranhas pistolas, que usaram para cutucar as máquinas. Algumas delas, observou C-3PO com um arrepio mental, nem se moveram.



Ignorando os robôs imóveis, os jawas levaram para fora os que ainda eram capazes de se locomover, entre eles R2-D2 e C-3PO. Os dois foram colocados em fila com os outros. Protegendo os olhos contra a claridade, C-3PO examinou as pequenas cúpulas e condensadores que revelavam a presença de uma habitação humana no subsolo. Embora não estivesse familiarizado com este tipo de construção, tudo indicava tratar-se de uma casa modesta. A idéia de ser desmontado ou de trabalhar o resto da vida como escravo em uma mina desapareceu lentamente. C-3PO sentiu as esperanças voltarem.

— Talvez haja uma saída para nós, afinal de contas — murmurou para R2-D2. — Se conseguirmos convencer esses bípedes parasitas a nos deixarem aqui, poderemos trabalhar de novo para os humanos, em vez de sermos transformados em escória.

A única resposta de R2-D2 foi um silvo ambíguo. As máquinas fizeram silêncio quando os
jawas começaram a circular no meio delas, tentando endireitar um pobre robô com a espinha
torta, disfarçar uma amassadela aqui, limpar uma peça ali.

Quando dois deles se aproximaram e começaram a limpar-lhe a pele coberta de areia, C-3PO sentiu-se nauseado. Uma das funções que tinha em comum com os humanos era a capacidade de reagir a odores desagradáveis. Aparentemente, os jawas não conheciam nenhum princípio de higiene.
Pequenos insetos circulavam em volta das cabeças dos jawas, que os ignoravam.

Aparentemente os insetos eram considerados como uma espécie de apêndice.

 
C-3PO estava tão distraído observando os jawas que não notou que duas pessoas haviam saído da cúpula maior e estavam-se encaminhando para eles. R2-D2 teve que bater-lhe de leve no braço para que olhasse.
O primeiro homem tinha um ar de perpétua exaustão gravado no rosto por muitos anos de luta contra um ambiente hostil. Os cabelos grisalhos estavam em desalinho. A poeira estava incrustada indelevelmente em seu rosto, em suas roupas, em suas mãos e em seus pensamentos. Mas o corpo ainda era forte.

Franzino em comparação com o tio, Luke caminhava com os ombros curvados, parecendo mais desanimado do que cansado. Estava imerso em pensamentos, mas estes nada tinham que ver com agricultura. Pensava no que fazer do resto da vida, e na decisão que seu melhor amigo havia tomado, de partir do planeta para uma vida mais perigosa e mais compensadora.

O tio de Luke parou diante das máquinas e iniciou um curioso diálogo com o chefe dos jawas. Quando queriam, os jawas eram capazes de se fazerem compreender.
Luke ficou parado ao lado do tio, escutando a conversa com indiferença. Então acompanhou o tio quando este começou a inspecionar as máquinas, parando apenas para murmurar uma palavra ocasional para o sobrinho. Era difícil prestar atenção, embora Luke soubesse que devia estar aprendendo.

— Luke... oh, Luke! — chamou alguém. Afastando-se do grupo no momento em que o chefe dos jawas enumerava as virtudes incomparáveis das máquinas e o tio reagia com um sorriso de escárnio, Luke caminhou até a entrada da casa subterrânea e olhou para baixo.


 Uma mulher corpulenta estava arrumando algumas plantas decorativas. Olhou para Luke.
— Diga a Owen que, se comprar um tradutor, deve escolher um que fale bocce, Luke.
Luke olhou por cima do ombro para a triste coleção de máquinas cansadas.

— Parece que não temos muita escolha — observou. — Mas pode deixar que vou dar o recado.

Despedindo-se com um sorriso, voltou para onde estava o tio.

Aparentemente, Owen Lars já havia tomado uma decisão, escolhendo um pequeno robô para trabalhos de agricultura. Tinha uma forma parecida com a de R2-D2, mas seus braços múltiplos podiam executar várias tarefas diferentes. Obedecendo a um comando do jawa, o robô saiu da fila e seguiu atrás de Owen.



Chegando ao final da fila, o fazendeiro franziu os olhos ao deparar com a pele suja de areia mas ainda reluzente do elegante C-3PO.

— Acho que sei o que você faz — rosnou para o robô. — Entende de etiqueta?

— Se entendo de etiqueta? — repetiu C-3PO, enquanto o fazendeiro o examinava de cima
a baixo. Em matéria de dourar a pílula, C-3PO estava disposto a suplantar os jawas. — Se
entendo de etiqueta! Ora, é a minha função principal. Eu também sou muito bom para...

— Não preciso de um robô de etiqueta — observou secamente o fazendeiro.

— Claro que não — concordou, rapidamente, C-3PO. — Compreendo perfeitamente sua posição. Em um clima como este, quem precisa de etiqueta? Para alguém dos seus interesses, um robô de etiqueta seria dinheiro jogado fora. Não senhor... versatilidade é o meu nome. VeC-3PO... Vê de versatilidades... às suas ordens. Fui programado para mais de trinta funções secundárias, de modo que...

— O que preciso — interrompeu o fazendeiro, demonstrando um desinteresse total pelas funções secundárias ainda não enumeradas de C-3PO — é de um robô que saiba alguma coisa a respeito da linguagem binária dos condensadores programáveis.

— Condensadores! Nós dois estamos com sorte — replicou C-3PO. — Já trabalhei em programação de guindastes. Os mecanismos e a estrutura lógica são muito parecidos com os dos seus condensadores. Na verdade, as diferenças são tão pequenas que...

Luke bateu no ombro do tio e sussurrou-lhe alguma coisa no ouvido. O tio assentiu e olhou de novo para C-3PO.

— Você sabe falar bocce?

— Naturalmente — respondeu C-3PO, satisfeito por poder finalmente responder com inteira honestidade. — É como uma segunda língua para mim. Falo bocce tão bem quanto...

O fazendeiro parecia decidido a não permitir jamais que ele concluísse uma frase.

— Cale a boca. — Owen Lars olhou para o jawa. — Fico com este, também.

— Já estou calado, senhor — respondeu C-3PO depressa, procurando esconder a alegria que sentia por ter sido escolhido.

— Leve-os para a garagem, Luke — disse o tio. — Quero ver os dois limpos até a hora do jantar.
Luke olhou de soslaio para o tio.

— Mas eu ia até a estação de Tosche buscar os novos conversores e...

— Não minta para mim, Luke — advertiu o tio severamente. — Não me incomodo de que você perca tempo com seus amigos vadios, mas o trabalho vem em primeiro lugar. Agora mãos à obra... e quero ver tudo pronto antes do jantar.

Luke baixou os olhos e voltou-se para C-3PO e o pequeno robô agrícola. Sabia que não adiantava discutir com o tio.

— Sigam-me, vocês dois.

Os três se dirigiram para a garagem, enquanto Owen começava a discutir o preço com o jawa.
Outros jawas estavam levando as máquinas restantes de volta para o veículo quando uma delas soltou um silvo quase patético. Luke voltou-se a tempo de ver R2-D2 sair da fila e correr em sua direção. Foi imediatamente contido por um jawa, que acionou um dispositivo de controle ligado ao disco que havia sido implantado no corpo do robô.
 

Luke examinou o robô com curiosidade. C-3PO começou a dizer alguma coisa, considerou as circunstâncias e mudou de idéia. Permaneceu calado, olhando fixamente para o horizonte.
Um minuto depois, alguma coisa caiu no chão ao lado de Luke. Olhando para baixo, o rapaz viu que o topo da cabeça do robô agrícola estava faltando. A máquina começou a fazer um ruído estranho. Segundos depois, vários componentes internos estavam espalhados no solo arenoso.
Abaixando-se, Luke olhou para dentro do autômato e gritou:

— Tio Owen! O servomotor central do robô agrícola ficou louco. Veja... — Enfiou a mão, tentando ajustar a peça, mas retirou-a depressa quando a máquina começou a soltar fagulhas.
O cheiro de isolamentos queimados e circuitos corroídos encheu o ar puro do deserto com um odor pungente de morte mecânica.
Owen Lars fuzilou o jawa com os olhos.

— Que lixo é este que você está tentando empurrar-me?

O jawa respondeu em tom indignado, dando ao mesmo tempo vários passos para trás.
Preocupava-o o fato de que o homem estava entre ele e a segurança do veículo.
Enquanto isso, R2-D2 havia conseguido afastar-se do grupo de máquinas que estavam sendo levadas de volta para a fortaleza móvel, enquanto os jawas prestavam atenção na discussão entre o chefe e o tio de Luke.
Como seus braços não eram suficientemente compridos para acenar, R2-D2 decidiu soltar um silvo agudo, que interrompeu assim que percebeu que havia atraído a atenção de C-3PO.
Batendo de leve no ombro de Luke, o alto robô sussurrou-lhe no ouvido, em tom conspiratório:

— Se me permite, senhor, aquele R2-D2 é um ótimo negócio. Está como novo. Aquelas criaturas não fazem idéia de quanto vale. Não se deixe enganar por toda aquela areia e poeira.
Luke estava acostumado a tomar decisões instantâneas — para o melhor ou para o pior.

— Tio Owen! — gritou.

Interrompendo a discussão, o tio olhou rapidamente para ele. Luke apontou para R2-D2.

— Não queremos criar confusão. Que tal trocarmos este por aquele? — indagou o rapaz, mostrando o robô agrícola enguiçado.

Owen examinou R2-D2 com olhos de entendido, depois voltou-se para os jawas. Embora fossem covardes por natureza, os pequenos abutres do deserto às vezes podiam reagir. E o veículo deles era suficientemente pesado para causar um estrago considerável.
Tomando uma decisão, Owen reiniciou a discussão apenas para não dar o braço a torcer, antes de concordar com cara amarrada. O chefe dos jawas concordou relutantemente com a troca, e os dois suspiraram mentalmente de alívio por terem evitado um confronto direto.
Enquanto Owen pagava o preço combinado, Luke levava os dois robôs para uma abertura no chão. Segundos depois, estavam descendo por uma rampa protegida da areia por repulsores eletrostáticos.

— Não consigo entender — murmurou C-3PO para R2-D2 — por que arrisquei meu pescoço por você, que só me traz problemas.



 
A rampa terminava em uma garagem, que estava cheia de ferramentas e máquinas agrícolas desmontadas. Muitas pareciam bastante gastas, algumas praticamente inutilizadas.
Mas a luz artificial era reconfortante para os dois robôs, e o aposento prometia uma tranquilidade que as duas máquinas não experimentavam há muito tempo. Perto do centro da garagem havia um grande tanque, e o aroma que saía dele era um perfume delicioso para os sensores olfativos de C-3PO.
Luke sorriu, notando a reação do robô.

— Isso mesmo, é um tanque de óleo — examinou o robô com um olhar crítico. — E ao que parece, você devia ficar dentro dele durante uma semana. Mas vai ter que se contentar com uma tarde. — Então Luke voltou sua atenção para R2-D2, abrindo um painel no corpo do pequeno robô que escondia vários indicadores. — Quanto a você — prosseguiu, com um assovio de surpresa — não sei como ainda está andando. Também, os jawas detestam gastar mais energia do que o absolutamente necessário. Hora de recarregar. — Fez um gesto em direção a uma grande unidade de força.

R2-D2 acompanhou o gesto de Luke, soltou um silvo agudo e se aproximou do aparelho.
Depois de encontrar a tomada apropriada, abriu um painel e enfiou os três pinos na cabeça.
C-3PO se havia aproximado do grande tanque, que estava cheio quase até a borda com um perfumado óleo de limpeza. Com um suspiro praticamente humano, mergulhou lentamente no tanque.

— Vocês dois se comportem — advertiu Luke, encaminhando-se para um aerociclo de dois lugares. A pequena espaçonave suborbital estava estacionada em um canto da garagem-oficina.

— Tenho trabalho a fazer.

Infelizmente, os pensamentos de Luke ainda estavam concentrados no último encontro com Biggs, de modo que horas depois ainda não havia feito praticamente nada. Pensando na partida do amigo, Luke estava acariciando o leme esquerdo danificado do aerociclo, o leme que havia avariado enquanto perseguia um caça imaginário em um tortuoso desfiladeiro, acabando por raspar em uma pedra saliente.

De repente, alguma coisa explodiu dentro de Luke. Com violência inusitada, atirou longe uma chave inglesa.

— Não é justo! — declarou, para ninguém em particular. Baixou a voz, desconsolado. — Biggs tem razão. Nunca vou sair daqui. Ele vai participar de uma revolução contra o Império, e eu estou preso nesta droga de fazenda.

— Com licença, senhor.

Luke virou a cabeça, assustado, mas era apenas o robô mais alto, C-3PO. Sua aparência havia mudado consideravelmente. A liga cor de bronze parecia como nova, depois do banho de óleo.

— Posso fazer alguma coisa para ajudar? — perguntou o robô, solicitamente.

Luke olhou para a máquina e percebeu que sua raiva havia diminuído. Não adiantava gritar desaforos para um robô.

— Duvido muito — respondeu — a menos que você possa mudar o clima e apressam a colheita. Ou me teletransportar para longe deste planeta poeirento, debaixo do nariz de Tio Owen.
Mesmo um robô sofisticado nem sempre é capaz de perceber quando um humano está sendo irônico, de modo.que C-3PO considerou a pergunta objetivamente antes de responder:

— Acho que não, senhor. Sou apenas um andróide de terceira classe e não sei muita coisa a respeito de física transatômica. — De repente, os acontecimentos dos dois últimos dias pareceram voltar à tona. — Na verdade, senhor — prosseguiu C-3PO, olhando em torno com novos olhos — nem mesmo sei em que planeta estou.
Luke riu sardonicamente.

— Se existe uma zona elegante do Universo, você está muito longe dela.

— Sim, Sr. Luke.
O rapaz sacudiu a cabeça, irritado.

— Esqueça o “senhor”... chame-me apenas de Luke. E o nome deste planeta é Tatooine.

C-3PO assentiu.

— Obrigado, S... Luke. Meu nome é C-3PO, especialista em relações homem-robô. — Fez um gesto casual em direção à unidade de força. — Aquele é o meu amigo R2-D2.

— Prazer em conhecê-lo, C-3PO — disse Luke, amavelmente. — Você também, R2-D2.

Atravessando a garagem, o rapaz olhou para um indicador no painel frontal da máquina e deu um murmúrio de satisfação. Quando estava desligando o fio de alimentação, viu uma coisa que o fez franzir a testa e aproximar-se mais.

— Alguma coisa errada, Luke? — perguntou C-3PO. Luke foi até um armário de ferramentas e escolheu um pequeno instrumento com várias pontas.

— Ainda não sei, C-3PO.

Voltando à unidade de força, Luke curvou-se e começou a raspar a cabeça de R2-D2 com uma das pontas da ferramenta. De vez em quando, virava a cabeça para proteger-se dos pedacinhos de metal corroído que voavam para o ar. C-3PO ficou observando com interesse o trabalho de Luke.

 
— O metal foi fundido em alguns pontos. Parece que vocês dois passaram por maus pedaços.

— É verdade, senhor — admitiu C-3PO, esquecendo-se das recomendações de Luke. Mas desta vez o rapaz estava distraído com outra coisa e não o corrigiu. — Às vezes, fico espantado de termos escapado quase ilesos. — E acrescentou, pensativo, enquanto ainda procurava esquivar-se à pergunta de Luke: — Afinal, com a revolução e tudo...

A despeito de sua cautela, C-3PO teve a impressão de que havia dito algo que não devia, pois os olhos de Luke brilharam instantaneamente.

— Você sabe que existe uma revolução contra o Império? — perguntou.

— De certa forma — confessou C-3PO com relutância — estamos aqui graças à revolução. Somos refugiados, sabe? — Ele não disse refugiados de onde.

— Refugiados! Então eu vi uma batalha espacial — falou Luke, excitado. Diga-me onde estava. Conte-me tudo que viu. Como vai a revolução? O Império está preocupado? Viu muitas naves serem destruídas?

— Mais devagar, por favor — suplicou C-3PO. — O senhor não compreendeu bem.Éramos espectadores inocentes. Na verdade, nunca tivemos nada que ver com a revolução. Quanto a batalhas, estivemos em várias, penso eu. É difícil de dizer, quando não se está em contato direto com o sistema de tiro. Fora isso, não tenho muito para contar. Lembre-se, senhor, de que sou pouco mais do que um intérprete. Não fui fabricado para contar histórias, e muito menos para enfeitá-las. Sou uma máquina muito literal.

Luke afastou-se, desapontado, e continuou a limpar R2-D2. Depois de esfregar um pouco mais, descobriu uma coisa curiosa. Um pequeno fragmento metálico estava alojado firmemente entre duas peças que normalmente estariam em contato. Largando o pequeno instrumento, Luke foi buscar uma ferramenta maior.

— É, meu amiguinho — murmurou — essa coisa está dura de tirar. — Enquanto fazia força, Luke voltou para C-3PO. — Você estava em um cargueiro estelar ou...

O fragmento de metal se soltou de repente e Luke caiu sentado no chão. O rapaz se pôs de pé e abriu a boca para soltar um palavrão... mas ficou parado, estático.




 A cabeça de R2-D2 começou a brilhar, projetando uma imagem tridimensional com menos de trinta centímetros de lado, mas definida com precisão. A cena que se formou dentro deste cubo era tão exótica que em dois minutos Luke descobriu que estava sufocando, porque tinha se esquecido de respirar.

A despeito de sua nitidez superficial, a imagem piscava e tremia, como se a gravação tivesse sido feita e instalada às pressas. Luke olhou para as cores estranhas que estavam sendo projetadas na atmosfera prosaica da garagem e começou a formular uma pergunta, mas não chegou a terminá-la. Os lábios da imagem se moveram e a mulher falou — ou por outra, pareceu falar. Luke sabia que a trilha sonora estava sendo gerada em alguma parte do corpo de R2-D2.

— Velhi-ban Kenobi — implorou a voz roucamente. — Ajude-me! O senhor é a única esperança que me resta! — Um surto de estática fez desaparecer temporariamente a imagem. Então ela se firmou de novo e a voz repetiu: — Velhi-ban Kenobi, o senhor é a única esperança que me resta.

O holograma continuou. Luke ficou imóvel por muito tempo, pensando no que estava vendo, depois piscou e dirigiu-se para R2-D2.


— O que quer dizer tudo isso, R2-D2?

O pequeno robô mudou ligeiramente de posição, fazendo mover o retrato cúbico com ele, e respondeu com um tímido zumbido. C-3PO parecia tão surpreso quanto Luke.

— O que é isso? — perguntou incisivamente, apontando para o retrato falado e depois para Luke. — Você ouviu a pergunta. O que é isso? Como está sendo gerado, e por quê?

R2-D2 soltou um silvo de surpresa, como se tivesse acabado de notar a existência do holograma.
Mas prosseguiu com uma torrente de informações eletrônicas.

C-3PO digeriu os dados, tentou franzir o cenho, não conseguiu, e procurou transmitir a
própria confusão através do tom de voz.

— Ele insiste em que não é nada, senhor. Apenas um defeito... dados antigos. Uma fita que devia ter sido apagada há muito tempo. Nada de importante. Pede para esquecermos o incidente.
Era como dizer a Luke para ignorar um oásis no meio do deserto.

— Quem é ela? — perguntou o rapaz, olhando extasiado para o holograma. — Como é linda!

— Juro que não sei quem é — disse C-3PO, com toda a honestidade. — Talvez uma passageira em nossa última viagem. Pelo que me lembro, levávamos uma mulher muito importante. Talvez tenha alguma coisa que ver com o fato de que nosso capitão era adido do...

Luke interrompeu-o, saboreando a forma como os lábios sensuais repetiam a frase.



 — A gravação é só isso? Parece que está incompleta. Luke aproximou-se de R2-D2. O robô recuou e emitiu assovios tão frenéticos que Luke hesitou e desistiu de mexer nos controles internos do robô. C-3PO estava chocado.

— Comporte-se, R2-D2 — disse finalmente para o companheiro, em tom de censura. — Está criando problemas para nós dois. — E imaginou que Luke se havia aborrecido com eles e os devolveria aos jawas, o que foi suficiente para fazê-lo estremecer.

— Ele agora é o nosso amo — disse C-3PO, apontando para Luke.

— Pode confiar nele. Sei que não vai deixar que nada de mal nos ocorra.

Depois pareceu hesitar. Então emitiu um verdadeiro concerto de silvos e chiados para o amigo.

— Então? — perguntou Luke, impaciente. C-3PO pensou um pouco antes de responder.

— Ele está dizendo que é propriedade de um certo Velhi-ban Kenobi, que reside neste planeta. Na verdade, mora perto daqui. O fragmento que estamos vendo e ouvindo é parte de uma mensagem particular para esta pessoa. — C-3PO sacudiu a cabeça lentamente. — Sinceramente, senhor, não sei do que R2-D2 está falando. Nosso último amo foi o Capitão Colton. Nunca ouvi R2-D2 falar de um outro senhor, e muito menos desse tal Velhi-ban Kenobi.

Mas depois de tudo que passamos — concluiu, em tom de quem pede desculpas — pode ser que os circuitos lógicos do meu amigo estejam meio confusos. Às vezes ele se comporta de uma forma decididamente estranha.
E enquanto Luke procurava assimilar as novas informações, C-3PO aproveitou a oportunidade para dirigir ao amigo um olhar furioso.

— Velhi-ban Kenobi — repetiu Luke, pensativo. De repente, seu rosto se iluminou. — Ei.. pode ser que ele esteja falando do Velho Ben Kenobi.
— Desculpe, senhor — interveio C-3PO, espantado — mas realmente conhece uma pessoa com este nome?
— Não exatamente — admitiu o rapaz. — Não conheço ninguém chamado Velhi-ban...mas o Velho Ben vive na orla do Campo de Dunas de Oeste. É um tipo excêntrico... um eremita. Tio Owen e outros fazendeiros dizem que é um feiticeiro. — Uma vez ou outra ele vem à cidade para comprar mantimentos. Mas nunca conversei com ele. Na verdade, meu tio o evita. — Luke fez uma pausa e olhou de novo para o pequeno robô. — Mas pelo que sei, o Velho Ben nunca teve nenhum robô.

O olhar de Luke foi atraído irresistivelmente para o holograma.

— Quem será? Deve ser importante... especialmente se o que você me disse for verdade, C-3PO. Parece que ela está em perigo. Talvez a mensagem seja importante. Temos que ouvir o resto.

Luke estendeu novamente a mão para os controles internos de R2-D2, e o robô recuou de novo, soltando um uivo de medo.

— Está dizendo que existe um pino que mantém alguns componentes desligados — traduziu C-3PO. — Se o senhor remover o pino, talvez ele possa repetir toda a mensagem — concluiu. Quando Luke continuou a olhar para a imagem, como se estivesse hipnotizado, C-3PO acrescentou, bem alto: — Senhor! Luke acordou.

— Quê... ? Oh, sim.

Depois de pensar um pouco na sugestão, aproximou-se e olhou para dentro do robô.
Desta vez R2-D2 não se mexeu.

— Acho que já vi onde está. Mas não consigo imaginar para quê alguém mandaria uma
mensagem para o Velho Ben.

Depois de escolher a ferramenta apropriada, Luke enfiou a mão dentro do robô e extraiu o
pino. Imediatamente, a imagem desapareceu. Luke recuou.

— Pronto. — Esperou alguns instantes, e nada de o holograma voltar. — Para onde foi? — perguntou Luke, finalmente. — Traga-a de volta. Passe a mensagem completa, R2-D2.

O robô soltou um chiado inocente. C-3PO parecia embaraçado e nervoso ao traduzir.

— Ele disse: "Que mensagem?" — Ignorando Luke, o robô voltou-se zangado para o amigo. — Que mensagem? Você sabe que mensagem! Acaba de passar um fragmento dela para nós! A mensagem que está escondendo em suas entranhas enferrujadas, seu boneco de lata!

R2-D2 limitou-se a zumbir baixinho consigo mesmo.

— Sinto muito, senhor — disse C-3PO, lentamente. — Mas parece que ele sofreu uma pane nos circuitos de memória. Talvez se nós...

Uma voz vinda do corredor o interrompeu.

— Luke! Luke! O jantar está na mesa!

Luke hesitou, depois levantou-se e olhou para a porta.

— Está bem — gritou. —Já vou, Tia Beru! — Baixou a voz para falar com C-3PO. — Veja o que pode fazer com ele. Não vou demorar.

Jogando o pino recém removido em cima da bancada, saiu apressadamente da garagem.
Assim que o rapaz se foi, C-3PO voltou-se para o companheiro.

— É melhor passar toda a gravação para ele — rosnou, com um gesto significativo em direção a uma pilha de peças de máquinas. — Caso contrário, ele pode pegar de novo aquela ferramenta e sair procurando a gravação dentro de você. E talvez não tome muito cuidado com o que está cortando, se achar que você está escondendo alguma coisa dele.

R2-D2 soltou um assovio queixoso.

— A verdade — concordou — C-3PO. — Acho que ele não gosta de você!

C-3PO respondeu ao segundo assovio, no mesmo tom sério.

— Tem razão, eu também não gosto de você.

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