terça-feira, 15 de julho de 2014

Guerra nas estrelas: Uma Nova Esperança – George Lucas e Alan Dean Foster (Parte 4)


 
Tia Beru estava enchendo uma jarra com um líquido azul que havia tirado da geladeira.
Detrás dela, da sala de jantar, vinha o som de uma discussão acalorada.
Tia Beru deu um suspiro fundo.
As discussões entre o marido e Luke na hora das refeições estavam ficando cada vez mais desagradáveis, à medida que as ambições do rapaz o afastavam da agricultura, coisa com que Owen, um convicto homem do campo, absolutamente não concordava.
Devolvendo o recipiente de leite à geladeira, Beru colocou a jarra em uma bandeja e voltou à sala de jantar. Não era uma mulher brilhante, mas compreendia intuitivamente a importância de seu papel na casa. Funcionava como as barras de cádmio de um reator nuclear. Enquanto estivesse presente, Owen e Luke continuariam a gerar um bocado de energia, mas se ficasse longe deles por muito tempo... bum!

Beru entrou na sala. Imediatamente, os dois homens baixaram o tom de voz e mudaram de assunto. Beru fingiu que não havia notado a mudança.

— Acho que R2-D2 pode ter sido roubado, Tio Owen — disse Luke, como se estivessem
conversando a respeito há muito tempo.

O tio estendeu a mão para a jarra de leite e respondeu com a boca cheia de comida.

— Os jawas não têm nenhum respeito pela propriedade alheia, Luke, mas não se esqueça também de que têm medo da própria sombra. Para roubarem alguém diretamente, teriam que pensar nas consequências de serem perseguidos e punidos. Teoricamente, não seriam capazes de encarar esta possibilidade. O que faz você pensar que o andróide foi roubado?

— Em primeiro lugar, está em muito bom estado para ter sido jogado fora. E produziu um holograma enquanto eu estava limpando sua... — Luke percebeu com horror que havia falado demais. Apressou-se em acrescentar: — Mas nada disto é importante. O fato é que ele mesmo disse que seu dono se chama Velhi-ban Kenobi.

Talvez alguma coisa na comida, ou mesmo no leite, tenha feito Owen engasgar. Por outro lado, talvez fosse uma forma de Owen exprimir o que pensava a respeito da pessoa mencionada. Fosse como fosse, continuou a comer sem olhar para o sobrinho. Luke fingiu ignorar a reação do tio.

— Pensei — continuou, impávido — que talvez se tratasse do Velho Ben. O primeiro nome é diferente, mas o sobrenome é o mesmo.

Quando o tio se conservou teimosamente em silêncio, Luke perguntou-lhe diretamente.

— O senhor sabe de que ele estava falando, Tio Owen? Surpreendentemente, o tio parecia mais embaraçado do que zangado.

— Não é nada — murmurou, evitando encarar Luke. — Um nome do passado. — Torceuse
nervosamente no assento. — Um nome que só pode trazer problemas.

Luke recusou-se a reconhecer a advertência implícita e continuou a pressioná-lo.

— Então é algum parente do Velho Ben? Pensei que ele fosse sozinho no mundo.

— Fique longe daquele velho feiticeiro, ouviu bem? — explodiu o tio, trocando a lógica pela ameaça.

— Owen... — tentou intervir Tia Beru, mas o fazendeiro a interrompeu imediatamente.

— Isto é muito importante, Beru. — Voltou-se para o sobrinho. — Já lhe falei várias vezes a respeito de Kenobi. É um velho maluco, perigoso e cheio de maldade. Não quero nada com ele.

O olhar suplicante de Beru o fez acalmar-se um pouco.

— O andróide não tem nada a ver com ele. Não pode ter — murmurou o velho, quase para si mesmo. — Uma gravação... hum! Pois amanhã quero que você leve R2-D2 para Anchorhead e mande apagar a memória dele. — Owen empunhou o garfo com determinação. — Assim acabamos com toda esta bobagem. Não me interessa de onde a máquina pensa que veio. Paguei um bom dinheiro por ela, e agora nos pertence.

— Mas e se for verdade o que ela diz? — insistiu Luke. — E se esse tal de Velhi-ban vier buscar o andróide?

Uma lembrança fez o rosto do tio assumir uma expressão que era um misto de tristeza e
escárnio.

— Ele não virá. Esta pessoa não existe mais. Morreu na mesma época que seu pai. — Owen brandiu o garfo como se fosse uma arma. — Agora, esqueça o caso.

— Então existiu um Velhi-ban — murmurou Luke, de olhos baixos. E acrescentou lentamente: — Ele conhecia meu pai?

— Já disse para você esquecer o caso! — exclamou Owen. — O importante é que esses dois andróides estejam prontos para trabalhar amanhã. Não se esqueça de que empatei neles o que restava de nossas economias. Não os teria comprado se não faltasse tão pouco tempo para a colheita. Amanhã de manhã, quero que você os leve para trabalhar com as máquinas de irrigação, no campo sul.

— O senhor sabe — observou Luke, pensativo — acho que esses robôs foram uma ótima compra. Na verdade, eu... — hesitou, olhando de soslaio para o tio —... eu estava pensando na minha promessa de ficar na fazenda até o ano que vem. — O tio não teve nenhuma reação, de modo que Luke prosseguiu rapidamente, antes de perder a coragem. — Se esses robôs derem conta do recado, quero matricular-me já na Academia, para começar o ano que vem.

Owen fez uma careta.

— Você quer dizer matricular-se o ano que vem... depois da colheita.

— Mas com a ajuda de mais dois robôs, o senhor não vai precisar de mim!

— Robôs não substituem um homem, Luke. Você sabe disso. E é na época da colheita
que preciso mais de você. Espere só até o ano que vem. — E baixou os olhos, com uma expressão magoada.

Luke ficou brincando com a comida, sem comer, sem dizer nada.

— Escute — argumentou o tio — pela primeira vez, temos a chance de ganhar um bom dinheiro. Teremos o suficiente par» contratar empregados para as próximas colheitas. Então você pode ir para a Academia. — Procurou as palavras, pois não tinha o hábito de pedir nada a ninguém. — Preciso de você aqui, Luke. Você compreende, não é?

— É mais um ano — objetou o sobrinho, teimosamente. — Mais um ano.

Quantas vezes eles haviam tido essa mesma discussão? Quantas vezes haviam repetido
a mesma cena, com o mesmo resultado?
Convencido mais uma vez de que Luke acabaria por aceitar seus argumentos, Owen minimizou a objeção.

— O tempo vai passar depressa, você vai ver.

De repente, Luke se levantou, empurrando para o lado o prato de comida ainda cheio.
— Foi o que o senhor disse o ano passado, quando Biggs partiu. — E encaminhou-se para a porta a passos rápidos.

— Aonde você vai, Luke? — gritou a tia, preocupada.

O rapaz respondeu com amargura: — Parece que não vou para lugar nenhum. — Mas acrescentou, para não magoar a tia:  — Tenho que acabar de limpar aqueles andróides. Começam a trabalhar amanhã de manhã.

Um pesado silêncio tomou conta da sala depois que Luke partiu.
Marido e mulher comiam mecanicamente. Afinal, Tia Beru parou de remexer a comida no prato, olhou para Owen e disse em tom incisivo:


— Owen, você não pode mantê-lo aqui para sempre. Quase todos os amigos de Luke já se foram. A Academia significa tanto para ele...

O marido respondeu com indiferença:

— Só pedi para ele esperar até o ano que vem. Até lá teremos dinheiro. Ou talvez no outro ano...

— Luke não é um fazendeiro, Owen — continuou ela, com firmeza. — E nunca será, por mais que você insista. — Sacudiu a cabeça, lentamente. — É muito parecido com o pai.

Pela primeira vez em todo o episódio, o rosto de Owen assumiu uma expressão pensativa. Olhando para a porta por onde Luke havia saído, falou: — É disso que tenho medo, Beru.

 


Luke havia subido para a superfície. Estava de pé no solo arenoso, apreciando o duplo crepúsculo, os sóis gêmeos de Tatooine desaparecendo lentamente, um após o outro, atrás de um distante campo de dunas. As areias ficaram douradas, depois avermelhadas, antes que a noite fizesse adormecer as cores vivas até o dia seguinte. Em breve, pela primeira vez em muito tempo, essas areias estariam cobertas de plantas. Haveria uma erupção de verde no solo desértico.

O pensamento deveria ter feito Luke sentir um frêmito de satisfação. Deveria sentir-se tão entusiasmado quanto o tio, quando descrevia a colheita próxima. Em vez disso, Luke não sentia nada a não ser indiferença. Nem mesmo a possibilidade de ganhar muito dinheiro pela primeira vez na vida o animava. O que faria com o dinheiro em Anchorhead, ou em qualquer outro lugar de Tatooine?

A verdade era que Luke se sentia cada vez mais inquieto, cada vez mais ansioso por buscar seus próprios caminhos. Esta não era uma sensação incomum em rapazes de sua idade, mas por motivos que o próprio Luke não podia compreender, era muito mais forte nele do que em qualquer de seus amigos.

Quando a noite fria tomou conta do deserto, Luke sacudiu a poeira das calças e desceu para a garagem. Talvez o trabalho com os andróides o fizesse esquecer momentaneamente o remorso que sentia. Ao entrar na garagem, não viu sinais de movimento. Nenhuma das duas máquinas novas estava à vista. Franzindo ligeiramente a testa, Luke tirou do cinto uma pequena caixa de controle e ligou uma chave.

A caixa soltou um zumbido. O zumbido atraiu o maior dos dois robôs, C-3PO. Estava escondido atrás do aerociclo.
 
 
Luke se aproximou dele, espantado.

— O que está fazendo escondido aí?

O robô contornou a proa do veículo, aos tropeções, parecendo muito agitado. Luke reparou que embora tivesse ligado o dispositivo de chamada, ainda não havia sinal de R2-D2.
C-3PO tentou explicar a razão da ausência do outro.

— Não foi culpa minha — disse o robô, em tom de súplica. — Por favor, não me desligue! Pedi para ele ficar, mas está com defeito. Tem que estar. Alguma coisa muito séria aconteceu com os circuitos lógicos do R2-D2. Só dizia que tinha uma missão a cumprir. Nunca tinha visto antes um robô com ilusões de grandeza. E R2-D2 não é uma máquina sofisticada, senhor. Mas mesmo assim...

— Então...

— Sim senhor. Ele foi embora.

— E fui eu mesmo que retirei o pino de controle — murmurou Luke. Já podia imaginar a reação do tio. Havia gasto as últimas economias nos dois andróides, dissera ele.


Luke correu para fora da garagem, seguido de perto por C-3PO.
De uma pequena elevação próxima, Luke podia ter uma visão panorâmica do deserto.
Tirando do cinto os preciosos macrobinóculos, esquadrinhou o horizonte à procura de um vulto pequeno, metálico, de três pernas.
C-3PO escalou a duna com dificuldade para colocar-se ao lado de Luke.

— Esses R2-D2 só me têm causado problemas — resmungou.
Luke finalmente baixou os binóculos.

— Nem sinal dele — comentou. Deu um chute na areia, furioso. — Bolas! Como pude ser estúpido a ponto de retirar aquele pino? Tio Owen vai-me matar!

— Se me permite, senhor — interveio C-3PO, imaginando um deserto cheio de jawas — por que não vamos atrás dele?

Luke estudou por um momento a escuridão do deserto.

— Não à noite. Seria muito perigoso. Não estou pensando nos jawas, mas nos tuskens...não, não podemos segui-lo no escuro. Vamos ter que esperar até amanha.

Alguém gritou de dentro da casa: — Luke! Luke, já acabou de limpar os andróides? Vou desligar o gerador.

— Está bem! — respondeu Luke, ignorando a pergunta. — Já vou descer, Tio Owen! — Voltando-se, olhou pela última vez para o horizonte distante. — Desta vez, eu me meti numa boa! — resmungou — Aquele robô ainda vai-me dar muita amolação.

— Oh, ele é especialista nisso, senhor — confirmou C-3PO, em tom de brincadeira.

Luke lançou-lhe um olhar de censura, e os dois desceram juntos para a garagem.


— Luke... Luke! — Esfregando os olhos pesados de sono, Owen olhou de uma lado para outro, espreguiçando-se. — Onde estará aquele imprestável? — disse para si mesmo em voz alta, quando não houve resposta. Não havia sinal de movimento na casa. — Luke! — chamou novamente.

Luke, Luke, Luke... O nome ecoou irritantemente nas paredes. Desistindo, voltou para a cozinha, onde Beru estava preparando o desjejum.

— Você viu Luke esta manhã? — perguntou, da forma mais calma que pôde.
A mulher olhou rapidamente para ele, depois continuou a preparar a comida.

— Vi, sim. Ele falou que tinha algumas coisas para fazer antes de ir para o campo sul, de modo que saiu bem cedinho.

— Antes do café? — Owen fez uma careta. — Não é do seu f eitio. Os novos andróides foram com ele?

— Acho que sim. Tenho certeza de que pelo menos um estava com ele.

— Bem — disse Owen, sentindo um mau pressentimento mas sem razão palpável para aborrecer-se. — Acho bom ele consertar aqueles evaporadores até o meio-dia, se não vai ouvir umas poucas e boas.
 



Um rosto protegido por uma máscara de metal branco emergiu da nave de salvamento semi-enterrada que agora era a base de uma duna ligeiramente maior do que as vizinhas.
A voz tinha um tom eficiente, mas cansado.

— Nada — disse o soldado para os companheiros. — Nenhuma fita, nenhum sinal de vida.

A informação de que a nave estava vazia fez todos baixarem as armas. Um dos soldados se voltou e gritou para um oficial que estava um pouco afastado.

— Não há dúvida de que é a nave que saiu do cruzador rebelde, senhor. Mas não há ninguém a bordo.

— No entanto, está praticamente intacta — murmurou o oficial consigo mesmo. — Poderia ter aterrado automaticamente, mas se foi ejetada por acidente, o piloto automático estaria desligado. — Alguma coisa não fazia sentido.

— Aqui está por que não havia nenhum sinal de vida — declarou uma voz.

O oficial se aproximou do lugar onde outro soldado estava ajoelhado na areia. O soldado levantou o objeto para que o oficial o examinasse. Tinha um brilho metálico.

— Revestimento andróide — observou o oficial, depois de um exame rápido do fragmento.

Superior e subordinado trocaram um olhar significativo. Então, seus olhos se voltaram simultaneamente para as altas montanhas do norte.



O cascalho e a areia fina formavam uma nuvem debaixo do carro de Luke, que corria em linha reta pela vastidão desolada de Tatooine. De vez em quando, o veículo jogava ligeiramente ao encontrar uma depressão ou uma lombada, para voltar a seu curso suave quando o motorista mexia levemente nos controles.
Luke estava recostado no assento, satisfeito com a novidade de dispor de um motorista particular, enquanto C-3PO dirigia com perícia o potente veículo.

— Para uma máquina, você dirige muito bem — observou Luke, com admiração.

— Obrigado, senhor — respondeu C-3PO, orgulhoso, sem desviar os olhos das dunas à frente. — Não estava mentindo para seu tio quando disse que versatilidade era o meu nome.
Mais de uma vez tive que desempenhar funções para as quais não fui preparado, em circunstâncias que teriam levado os engenheiros que me projetaram ao desespero.
Alguma coisa estalou atrás deles. O barulho se repetiu.

Luke franziu o cenho e abriu a cúpula do veículo. Debruçando-se para trás, começou a mexer no motor. Depois de alguns instantes, o ruído cessou.

— Que tal? — gritou para o companheiro.

C-3PO fez um sinal de que o motor estava funcionando bem. Luke voltou a seu lugar e fechou a cúpula. Passou a mão pela cabeça, para tirar dos olhos os cabelos despenteados pelo vento, e tornou a olhar para o deserto à frente.

— O Velho Ben Kenobi mora nesta região, ninguém sabe exatamente onde. Mas não vejo como R2-D2 poderia chegar tão longe, tão depressa. — Sua expressão era de desânimo. — Vai ver que já passamos por ele. Poderia estar em qualquer lugar. E Tio Owen já deve estar preocupado. Fiquei de chamá-lo quando chegasse ao campo sul.

C-3PO pensou por um momento e depois disse:

— Será que ajudaria se eu dissesse para ele que foi tudo culpa minha?

Luke pareceu gostar da sugestão.

— Claro... agora ele precisa ainda mais de você. Provavelmente vai apenas desativá-lo por um dia ou dois, ou limpar parcialmente sua memória.

Desativar? Limpar a memória? C-3PO apressou-se em acrescentar: — Pensando melhor, R2-D2 não teria fugido, se o senhor não tivesse tirado aquele pino.

Mas Luke estava pensando em algo mais importante do que a quem atribuir a culpa do
desaparecimento do pequeno robô.

— Espere um minuto — disse para C-3PO, enquanto olhava fixamente para o painel de instrumentos. — O detector de metais captou alguma coisa bem a nossa frente. Não dá para ver o que é a esta distância, mas a julgar pelo tamanho, pode muito bem ser o nosso andróide fugido. Pé na tábua!



O carro deu um salto para a frente quando C-3PO comprimiu o acelerador, mas os ocupantes ignoravam que outros olhos observavam atentamente o veículo enquanto este ganhava velocidade.
Aqueles olhos não eram orgânicos, mas também não eram totalmente mecânicos.
Ninguém poderia dizer ao certo o que eram, porque ninguém tivera a oportunidade de examinar de perto os tusken raiders, conhecidos pelos fazendeiros de Tatooine simplesmente como os tuskens.
Os tuskens não permitiam que ninguém se aproximasse deles, desencorajando os observadores em potencial através de métodos tão eficientes quanto brutais. Uns poucos xenologistas achavam que eram parentes dos jawas. Alguns chegavam a sugerir que os tuskens eram na verdade a forma adulta dos jawas, mas esta teoria era rejeitada pela maioria dos cientistas de renome.

As duas raças usavam roupas grossas para se proteger da dose dupla de radiação solar, mas aí terminava a semelhança. Em lugar dos pesados mantos usados pelos jawas, os tuskens se enrolavam como múmias em trapos e tiras de pano.
Enquanto os jawas tinham medo de tudo, os tuskens eram bastante corajosos. Além disso, eram maiores, mais fortes e muito mais agressivos do que os jawas. Felizmente para os colonos humanos de Tatooine, não eram muito numerosos e levavam sua vida nômade nas regiões mais desoladas de Tatooine. Em consequência, os encontros entre humanos e tuskens não eram muito frequentes, e eles não matavam mais do que uma dezena de humanos por ano. Como a população humana já havia também liquidado vários tuskens, nem sempre por motivo justo, existia uma espécie de trégua entre as partes — pelo menos enquanto nenhuma das duas raças estivesse em vantagem.
Um guerreiro tusken achou que estava momentaneamente em posição vantajosa, e preparava-se para tirar proveito desta posição, apontando cuidadosamente o rifle para o carro que se aproximava. Mas o companheiro segurou a arma pelo cano e apontou-a para baixo antes que o outro tivesse tempo de puxar o gatilho. Isto deu ensejo a uma discussão acalorada entre os dois. E enquanto trocavam impropérios em uma língua que quase só tinha consoantes, o carro passou ileso por eles.
Fosse porque o carro já estivesse fora de alcance, fosse porque o segundo tusken houvesse finalmente convencido o primeiro, os dois encerraram a discussão e tornaram a descer a encosta da colina.
Os dois banthas se mexeram, inquietos, quando os donos se aproximaram.
Pareciam dinossauros, com pequenos olhos brilhantes e uma pele grossa e escamosa.
Ajoelharam-se, à espera de que os tuskens montassem.
Os tuskens montaram e os banthas se puseram de pé. Movendo-se devagar, mas com passos enormes, as duas criaturas começaram a acompanhar a base da colina, instigados pelos não menos assustadores cavaleiros.




— É ele, sim — declarou Luke, com um misto de raiva e satisfação, quando avistou o pequeno robô. O carro fez uma curva e entrou em um desfiladeiro de arenito. Luke apanhou o rifle embaixo do banco e disse para C-3PO:

— Dê a volta e pare na frente dele.

— Sim, senhor.

Era evidente que R2-D2 havia visto o carro, mas não fez qualquer tentativa para escapar.
De qualquer forma, não conseguiria correr mais depressa do que o veículo. R2-D2 limitou-se a parar e ficar esperando enquanto o carro descrevia uma curva suave. C-3PO freou bruscamente, levantando uma nuvem de poeira. Então o ruído do motor diminuiu de volume quando C-3PO colocou o motor em ponto morto. Um último suspiro e o veículo parou completamente.
Depois de percorrer com os olhos o desfiladeiro, Luke saltou, acompanhado por C-3PO, e aproximou-se de R2-D2.

— Para onde pensa que está indo? — perguntou o rapaz, sem rodeios.

O pequeno robô soltou um pequeno silvo, mas quem começou a falar foi C-3PO.

— Você agora pertence ao Sr. Luke, R2-D2. Como teve coragem de abandoná-lo? Agora que o encontramos, não quero mais saber dessa história de "Velhi-ban Kenobi". Não sei onde foi arranjar isso... ou aquele holograma melodramático.

R2-D2 tentou protestar, mas C-3PO estava indignado demais para ser interrompido.

— E não me fale mais de sua missão. Quanta bobagem! Dê-se por feliz se o Sr. Luke não o reduz a pó agora mesmo.

— Também não é caso para isso — disse Luke, um pouco assustado com a fúria de C-3PO. — Vamos... está ficando tarde. — Olhou para os dois sóis, que já estavam alto no céu.

— Vamos voltar para casa antes que Tio Owen fique mais zangado ainda.

— Se o senhor permite uma sugestão — disse C-3PO, aparentemente frustrado por pressentir que R2-D2 não iria sofrer nenhuma punição — acho que devia desativá-lo, para que não tente fugir durante a viagem de volta.

— Não é preciso. Ele vai-se comportar. — Luke olhou severamente para o pequeno andróide. — Espero que tenha aprendido a lição. Agora vamos...

De repente, R2-D2 deu um pulo tão grande que seus pés deixaram o solo, um feito quase impossível, considerando que as três grossas pernas não haviam sido feitas para saltar. O corpo cilíndrico balançava e girava enquanto ele soltava uma sinfonia de uivos, assovios e exclamações eletrônicas.
Luke estava mais impaciente do que alarmado.

— Que foi? O que foi que deu nele agora? — Começava a compreender a razão da animosidade de C-3PO. Também já estava ficando farto dessa máquina imprevisível.

Era evidente que R2-D2 havia conseguido por acaso o holograma da moça e o usara apenas como artifício para convencer Luke a retirar o pino. Mas assim que os circuitos fossem consertados, daria um ótimo ajudante para os trabalhos do campo. Só que... se a manifestação de R2-D2 não passava de mais uma prova de loucura, por que C-3PO estava olhando em volta, com uma expressão tão preocupada?

— Sr. Luke, R2-D2 está dizendo que várias criaturas desconhecidas estão se aproximando rapidamente de nós, vindo de sudeste.
Claro que podia ser mais uma tentativa de R2-D2 de enganá-los, mas também podia ser verdade. Luke tirou o rifle do ombro e ligou a fonte de alimentação. Examinou o horizonte na direção indicada e não viu nada. Mas os tuskens eram peritos na arte de observar sem serem vistos.
Luke percebeu de repente como estavam longe da fazenda.

— Nunca me afastei tanto da fazenda nesta direção — informou a C-3PO. — Por aqui vivem alguns seres muito estranhos. Nem todos foram classificados ainda. É melhor considerar qualquer coisa que se mova como um perigo em 'potencial até prova em contrário.É claro que se for uma forma de vida totalmente desconhecida... — A curiosidade o espicaçava. Por outro lado, provavelmente não passava de mais um truque de R2-D2... —Vamos dar uma olhada — decidiu.
 

Luke começou a escalar uma duna próxima, mantendo o rifle preparado. Fez um gesto para que C-3PO o seguisse. Ao mesmo tempo, procurou não perder R2-D2 de vista. Chegando ao topo, colocou-se de bruços e trocou o rifle pelos macrobinóculos. Lá embaixo havia outro desfiladeiro. Percorrendo com os binóculos o fundo do desfiladeiro, Luke deparou de repente com duas formas inconfundíveis. Banthas... e sem cavaleiros!

— Disse alguma coisa, amo? — perguntou C-3PO, chegando com esforço ao pico da duna. Suas pernas não haviam sido feitas para subidas tão íngremes.

— São banthas, sim — murmurou Luke por sobre o ombro, sem se lembrar, na emoção do momento, de que C-3PO talvez não tivesse a mínima idéia do que era um bantha.

Tornou a olhar de binóculo, ajustando ligeiramente o foco.

— Espere... sim, são tuskens. Estou vendo um deles. Alguma coisa escura bloqueou de repente sua visão. Por um momento, pensou que havia uma pedra a sua frente. Irritado, baixou os binóculos e estendeu a mão para mover o objeto. Sua mão tocou uma superfície macia.
Era uma perna envolta em trapos, duas vezes mais grossa do que a perna de Luke.
Espantado, olhou para cima... e mais para cima ainda.
O gigante a seu lado não podia ser um jawa.
Parecia haver surgido do nada.



C-3PO deu um passo para trás, assustado, e perdeu o equilíbrio. Com os giroscópios zumbindo em protesto, o robô despencou pela encosta da duna. De onde estava, Luke pôde ouvir o ruído da queda, cada vez mais distante.
Ao mesmo tempo, o tusken soltou um grito de fúria e prazer e desferiu um golpe com o pesado machado. A arma de lâmina dupla teria rachado ao meio o crânio de Luke, se este não levantasse o rifle, em um gesto mais instintivo do que calculado. O rifle desviou o golpe, mas nunca mais poderia fazê-lo de novo. Feito de um pedaço de casco de espaçonave, o imenso machado despedaçou o cano e transformou as delicadas entranhas do rifle em confete metálico.


Luke cambaleou para trás e se viu encurralado à beira de um precipício. O tusken aproximou-se lentamente, o machado levantado acima da cabeça envolta em trapos. Soltou uma gargalhada de gelar o sangue, que o filtro de areia que usava sobre a boca só contribuía para tornar ainda mais inumana.

Luke tentou encarar objetivamente a situação, como havia aprendido na escola. O problema era que a boca estava seca, as mãos tremiam e estava paralisado de medo. Com o tusken a sua frente e uma queda provavelmente mortal às suas costas, uma outra parte do cérebro assumiu o controle e optou pela reação menos penosa. Desmaiou.

Nenhum dos tuskens viu R2-D2 quando o pequeno robô se escondeu em uma pequena caverna perto do carro. Um estava carregando o corpo inerte de Luke. Atirou ao solo o jovem inconsciente, ao lado do carro, e foi juntar-se aos companheiros, que já começavam a saquear o veículo. Provisões e peças sobressalentes foram jogadas em todas as direções. De tempos em tempos, a pilhagem era interrompida quando vários deles discutiam ou brigavam por causa de uma peça mais valiosa.

De repente, a atividade cessou, e os tuskens começaram a olhar em todas as direções.
Uma brisa suave soprava no desfiladeiro. Trazido por esta brisa, um grito horrível penetrou no desfiladeiro, ecoando nas paredes de arenito.
Os tuskens permaneceram por um momento onde estavam.
Depois, saíram correndo em direção à encosta.

O grito soou de novo, desta vez mais próximo. Os tuskens já estavam quase chegando ao local onde as banthas os esperavam, indóceis, sacudindo as cordas que os prendiam.
Embora o som não tivesse nenhum significado para R2-D2, o pequeno andróide tentou enfiar-se ainda mais no buraco entre as pedras. A julgar pela forma como os tuskens haviam reagido, alguma coisa monstruosa tinha que estar por trás daquele grito. Alguma coisa monstruosa e assassina, que talvez não tivesse o bom senso de distinguir a matéria orgânica, comestível, de uma pobre máquina indefesa.

Nem mesmo a poeira de sua passagem restava para marcar o local onde os tuskens haviam estado minutos atrás. R2-D2 desligou quase todas as suas funções, tentando minimizar o ruído e a luz, ao mesmo tempo que começava a ouvir o som de passos.

Afinal, a criatura apareceu no topo de uma duna próxima...


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