quarta-feira, 15 de novembro de 2017
O FABRICANTE DE CAPUZES - Philip K. Dick
O FABRICANTE DE CAPUZES
(O conto "The Hood Maker" foi publicado pela primeira vez em 1955 na revista Imagination.)
— Um capuz!
— Alguém com um capuz!
Trabalhadores e compradores correram pela calçada, juntando-se à multidão que se formava.
Um jovem cabisbaixo soltou sua bicicleta e correu na direção da multidão que crescia em homens de negócios em casacos cinzentos, secretários cansados, funcionários e trabalhadores comuns.
— Pegue ele! — A multidão avançava. — O velho!
O jovem pegou uma pedra e atirou-a, mas errou o velho, acertando a frente de uma loja.
— Ele tem um capuz!
— Tire! Tire!
Mais pedras choveram sobre o velho ofegante e com medo, tentando livrar-se de dois soldados que bloqueavam seu caminho. Uma pedra o atingiu nas costas.
— O que você está tentando esconder? Por que você tem medo de ser sondado?
— Ele tem algo a esconder!
Um trabalhador agarrou o chapéu do velho. As mãos impacientes tatearam pela fina banda de metal em volta de sua cabeça.
— Ninguém tem o direito de se esconder!
O velho caiu sobre as mãos e os joelhos, o guarda-chuva rolou para longe.
Um trabalhador agarrou o capuz e o puxou. De repente o jovem ali perto deu um grito e agarrou o capuz.
— Eu peguei! Eu peguei! — Gritou correndo para a bicicleta e pedalou rapidamente para longe.
Um carro-robô da polícia virou a esquina com a sirene gritando e logo policiais robôs saltaram afastando a multidão.
— Está machucado? — Um deles perguntou ajudando o homem caído.
O velho sacudiu a cabeça, atordoado. Seus óculos pendiam de uma orelha. Sangue e saliva riscavam seu rosto.
— Tudo certo então — os dedos de metal do policial liberaram o homem. — Melhor sair da rua. Para o seu próprio bem.
O diretor da Agência de Permissões, Ross, empurrou o memorando para longe.
— Outro. Eu ficarei feliz quando a Lei Anti-Imunidade for aprovada.
Peters olhou para ele. — Outro?
— Outra pessoa com um capuz, um escudo a prova de sondagem. Já são dez nas últimas quarenta e oito horas. Eles estão aparecendo cada vez mais. Eles são despachados por correio, colocados por debaixo das portas, nos bolsos, deixados nas mesas... inúmeras formas de distribuição.
— Se mais deles fossem notificados...
Peters sorriu torto.
— Há uma razão pela qual os capuzes são enviados para essas pessoas. Não é aleatório.
— Por que eles são escolhidos?
— Eles têm algo a esconder. Por que mais os capuzes seriam enviados para eles?
— E quanto a quem relata ter recebido um?
— Eles têm medo de usá-los. Eles nos entregam os capuzes para evitarem suspeitas.
Ross refletiu melancolicamente. — Suponho que sim.
— Um homem inocente não tem motivos para esconder seus pensamentos. Noventa e nove por cento da população concorda em ter a mente lida. A maioria das pessoas quer provar sua lealdade. Mas esse um por cento é culpado de algo.
Ross abriu uma pasta de papel grosso marrom e tirou uma faixa de metal dobrada de dentro. Estudou-a atentamente.
— Olhe para isso. Apenas uma liga qualquer. Mas ela efetivamente impede todas as sondagens. Os teeps ficam loucos. Isso os machuca quando eles tentam passar por ela. Como um choque.
— Você enviou amostras para o laboratório, é claro.
— Não. Eu não quero que nenhum dos caras do laboratório crie seus próprios capuzes. Nós já temos problemas demais!
— De quem este foi tirado?
Ross apertou um botão na mesa.
— Vamos descobrir. Vou mandar um teep fazer um relatório.
A porta se abriu e um jovem lânguido e de olhar recatado entrou. Ele viu a tira de metal na mão de Ross e sorriu um sorriso delicado, mas alerta.
— Precisa de mim?
Ross estudou-o. Cabelo louro, olhos azuis. Uma aparência comum, talvez de uma estudante de segundo ano da faculdade. Mas Ross sabia que Ernest Abbud era um mutante telepático, um teep. Apenas um entre centenas deles, empregados como sondas de fidelidade pelo governo.
Antes dos teeps as verificações de fidelidade existentes não eram suficientes nem eficazes. Juramentos, exames, gravações secretas. A teoria de que cada pessoa tinha que provar sua lealdade era OK, enquanto era uma teoria. Na prática poucas pessoas poderiam fazê-lo. Era como se o conceito de que todos eram culpados até se provarem inocentes tivesse que ser abandonado e a lei romana restaurada.
O problema, aparentemente insolúvel, encontrou sua resposta na explosão de Madagascar de 2004.
As ondas de radiação atingiram milhares de soldados estacionados no perímetro. Dos que sobreviveram, poucos foram capazes de ter filhos depois disso, mas, das centenas de crianças nascidas dos sobreviventes da explosão, muitos apresentaram características neurais de um tipo radicalmente novo. Um mutante humano surgiu pela primeira vez em milhares de anos.
Os teeps apareceram por acidente, mas resolveram o problema mais urgente que enfrentava a União Livre: a detecção e a punição da deslealdade. Os teeps foram inestimáveis para o Governo da União Livre e os teeps sabiam disso.
— Foi você quem conseguiu isso? — Ross perguntou tocando no capuz.
Abbud assentiu. O jovem seguia seus pensamentos, não suas palavras faladas. Ross corou com raiva.
— Como era o homem? O memorando não dá detalhes.
— Doutor Franklin é o nome dele. Diretor da Comissão de Recursos Federais. Sessenta e sete anos de idade, de visita a um parente.
— Walter Franklin! Eu já ouvi falar dele — Ross olhou para Abbud. — Então você já...
— ...Assim que tirei o capuz, consegui escanear ele.
— Onde Franklin foi depois?
— Para dentro de um prédio, para se proteger. Instruido pela polícia.
— Eles chegaram a tempo?
— Depois que o capuz foi levado, é claro. Franklin foi visto por outro telepata, não eu, mas fui informado de que Franklin estava indo na minha direção. Quando ele me alcançou gritei que ele estava usando um capuz. A multidão ficou enfurecida. O outro telepata chegou e manipulamos a multidão até que estivéssemos perto dele. Peguei o capuz e você sabe o resto.
Ross ficou em silêncio por um momento.
— Você sabe como ele conseguiu o capuz? Você descobriu?
— Ele recebeu por correio.
— Ele...
— ...Não tem idéia de quem o enviou ou de onde veio.
Ross franziu o cenho.
— Então ele não pode nos dar qualquer informação sobre o remetente.
— O fabricante de capuzes — disse Abbud friamente.
Ross olhou para ele rapidamente. — O que?
— O fabricante. Alguém os faz. Alguém está fazendo isso para nos manter de fora.
— E você tem certeza que...
— Franklin não sabe nada. Chegou à cidade ontem à noite. Esta manhã o capuz chegou por correio. Por um tempo ele deliberou sobre o que fazer, então pegou um chapéu, colocou o capuz por baixo e partiu a pé em direção à casa da sua sobrinha. Nós o detectamos vários minutos depois, quando ele entrou no alcance.
— Parece haver mais deles nestes dias. Mais capuzes sendo enviados. Você sabe. Temos que localizar o remetente.
— Levará tempo. Eles aparentemente usam capuzes constantemente — o rosto de Abbud se torceu.
— Nós temos que estar perto deles! Nosso alcance de varredura é extremamente limitado. Porém mais cedo ou mais tarde, localizaremos outros deles. Mais cedo ou mais tarde vamos arrancar um capuz de alguém e encontrá— lo...
— No ano passado, cinco mil deles foram detectados — afirmou Ross. — Cinco mil pessoas usando capuzes e nenhum deles sabia de onde os capuzes vêm ou quem os faz.
— Quando houver mais de nós, teremos uma chance melhor — disse Abbud severamente. — No momento, existem poucos de nós. Mas eventualmente...
— Você vai sondar Franklin não? — Peters disse a Ross. — Por rotina.
— Suponho que sim — Ross assentiu para Abbud — Você pode prosseguir. Peça a alguém de seu grupo que execute a sondagem total regular e veja se há algo de interessante enterrado em sua área neural não consciente. Me informe os resultados da maneira usual.
Abbud enfiou a mão no casaco e trouxe uma bobina de fita que atirou na mesa de Ross.
— Aqui.
— O que é isso?
— Sondagem total em Franklin. Todos os níveis, completamente lido e gravado.
Ross olhou para o jovem.
— Você...
— Prosseguimos com isso — Abbud se moveu em direção à porta. — Foi um bom trabalho, feito por Cummings. Descobrimos deslealidade considerável. Principalmente ideológica. Você provavelmente queria pegá— lo. Quando ele tinha vinte e quatro anos encontrou alguns livros antigos e registros musicais e foi fortemente influenciado por eles. A última parte da gravação trata da nossa avaliação de seu desvio.
A porta abriu e Abbud saiu.
Ross e Peters olharam na direção da porta agora fechada.
Finalmente Ross pegou a bobina e colocou-a junto com o capuz de metal dobrado.
— Eu vou ser condenado — disse Peters. — Eles foram em frente com a sondagem profunda.
Ross assentiu pensativo. — Sim. Não tenho certeza se gostei disso.
Os dois olhavam um para o outro e sabiam, enquanto o faziam, que do lado de fora do escritório Ernest Abbud estava examinando seus pensamentos.
— Maldição! — Ross falou inutilmente. — Maldição!
Walter Franklin respirou rapidamente espiando ao redor dele e secou o suor nervoso do rosto com a mão trêmula. Se afastou da multidão. Isso fora a quatro horas atrás.
Agora o sol havia desaparecido e a noite estava se estabelecendo sobre Nova York.
Ele conseguira atravessar a cidade e agora era um procurado.
Por quê? Ele havia trabalhado para o governo da União Livre toda sua vida! Ele não tinha feito nada desleal. Nada exceto encontrar o capuz, pensar sobre ele e finalmente colocá-lo.
Lembrou-se da pequena etiqueta de instruções:
SAUDAÇÕES!
Este capuz contra sondagem foi enviado para você com os cumprimentos do fabricante na esperança de que seja de algum valor para você.
Obrigado.
Nada mais. Nenhuma outra informação.
Por um longo tempo pensou se deveria usá-lo. Ele nunca fizera nada de errado. Ele não tinha nada a esconder, nada desleal para a União. Mas o pensamento o fascinou. Se ele usasse o capuz, sua mente seria sua. Ninguém poderia olhar para dentro dele. Sua mente pertenceria novamente a ele, privada, secreta, para pensar como ele desejavasse, pensamentos sem fim para o consumo de ninguém mais além dele.
Finalmente se decidiu e colocou o capuz, ajustando o seu antigo chapéu Homburg sobre ele. Saiu e dentro de dez minutos uma multidão estava gritando em torno dele. E agora um alarme geral fora expedito para sua prisão.
Franklin varria seu cérebro desesperadamente. O que ele poderia fazer? Eles poderiam levá-lo diante de um conselho de Apuração. Nenhuma acusação seria trazida, caberia a ele provar de que ele era leal. Ele já havia feito algo errado? Havia algo que ele fizera e que estava se esquecendo? Ele colocou o capuz! Talvez fosse isso. Havia algum tipo de projeto de Lei anti-imunidade no Congresso para fazer do uso de uma tela anti-sondagem um crime, mas ainda não havia sido aprovada...
Os agentes estavam perto. Ele recuou pelo corredor do hotel e olhou desesperadamente ao redor. Um sinal vermelho brilhava onde estava escrito ’SAÍDA’. Ele correu para lá e desceu um lance de escadas até uma rua escura. Era ruim estar do lado de fora. Tentara permanecer protegido o máximo possível. Mas agora não havia escolha.
Atrás dele, uma voz gritou alto. Algo passou por ele, arrancando seção do pavimento. Um tipo de raio. Franklin correu, respirando fundo, virou a esquina e através de uma rua lateral. As pessoas olhavam para ele com curiosidade enquanto passava correndo.
Chegou a uma rua movimentada e se juntou a um grupo de frequentadores de teatro. Os agentes o tinham visto? Nenhum deles estava à vista.
Alcançou a zona de segurança no centro, observando um elegante carro oficial que cruzava em sua direção. Será que o viram sair? Correu dirigindo-se para a calçada do outro lado. O carro de segurança disparou de repente, ganhando velocidade. Outro apareceu vindo do outro lado.
Franklin alcançou o meio-fio. O primeiro carro parou. Os agentes agora tomavam a calçada.
Ele seria preso. Não havia lugar para se esconder. Ao redor dele, compradores cansados e buracratas de escritório olhavam com curiosidade, sem qualquer simpatia. Alguns sorriram para ele divertidos. Franklin olhou freneticamente ao seu redor. Nenhuma porta...
Um carro comum parou na frente dele e as portas se abriram.
— Entre! — Uma jovem se inclinou para fora. Seu rosto era bonito. — Entre, maldição!
Ele entrou. A moça bateu a porta e o carro acelerou. Um carro da segurança bloqueava a rua e um segundo carro perseguia-os.
A moça inclinou-se para frente, agarrando os controles. Abruptamente o carro levantou deixando a rua, passando sobre o carro da segurança e ganhando altitude rapidamente. Um flash violeta iluminou o céu atrás deles.
— Abaixe-se! — A garota gritou Franklin afundou em seu assento. O carro se moveu em um arco largo, passando além das colunas de edifícios. No chão, os perseguidores desistiram.
Franklin recostou-se esfregando a testa bruscamente.
— Obrigado — murmurou.
— Não por isso — a menina aumentou a velocidade do carro. Eles estavam saindo da área comercial da cidade, movendo-se acima das zonas residenciais. Ela dirigia silenciosamente.
— Quem é você? — Perguntou Franklin.
A menina jogou algo de volta para ele. — Coloque isso.
Um capuz.
Franklin deslizou-o com dificuldade sobre sua cabeça.
— Pronto. Está no lugar.
— Caso contrário eles nos pegarão com um teep. Precisamos ser cuidadosos o tempo todo.
— Onde estamos indo?
A moça se virou para ele, estudando-o com os olhos cinzentos e calmos e uma mão apoiada no volante.
— Ao fabricante de capuzes — disse ela. — O alarme público sobre você é prioridade. Se eu deixar você solto na rua não vai durar uma hora.
— Mas eu não entendo — Franklin balançou a cabeça atordoado. — Por que eles me querem? O que eu fiz?
— Você está sendo processado!
A menina trouxe o carro para baixo em um amplo arco, o vento assobiando estridentemente através de suas ferragens. — Pelos teeps. As coisas estão acontecendo rapidamente. Não há tempo a perder.
O pequeno homem de cabeça calva tirou os óculos e estendeu a mão para Franklin.
— Estou feliz em conhecê-lo, doutor. Eu acompanhava o seu trabalho no Conselho com grande interesse.
— Quem é você? — Franklin perguntou.
O homem pequeno sorriu.
— Eu sou James Cutter. O fabricante, como o teeps me chamam e esta é a nossa fábrica. Dê uma olhada.
Franklin olhou ao redor. Um armazém, um antigo prédio de madeira do século passado. Chão de concreto com luzes fluorescentes antiquadas brilhando no telhado. As paredes estavam manchadas.
Franklin veio até Cutter. Estava confuso. Tudo acontecia muito rapidamente. Ele parecia estar fora de Nova York, em algum subúrbio industrializado em ruínas. Homens trabalhavam em torno deles, curvados sobre moldes de borracha. O ar era quente. Um ventilador arcaico trabalhava perto dali.
— Isso é... — murmurou Franklin. — Isto é...
— Onde fazemos os capuzes. Não é muito impressionante, não? Mais tarde esperamos nos mudar para um lugar melhor. Venha que vou mostrar o resto do lugar.
Cutter empurrou uma porta lateral e eles entraram em um pequeno laboratório com garrafas e retortas em todos os lugares em confusa profusão.
— Aqui fazemos nossa pesquisa. Aprendemos algumas coisas sobre os telepatas. Algumas podemos usar, outras esperamos não serem necessárias. E isso mantém nossos refugiados ocupados.
— Refugiados?
Cutter empurrou um equipamento para trás e sentou-se em uma mesa de laboratório.
— A maioria destas pessoas está aqui pelo mesmo motivo que você. Estão sendo procurados.
Acusados de desvio. Mas nós chegamos neles primeiro.
— Mas por que...
— Por que você está sendo procurado? Por sua posição. Diretor de um departamento governamental. Todos esses homens eram proeminentes em suas áreas, e todos foram pegos por sondagens.
Cutter acendeu um cigarro, recostando-se contra a parede manchada.
— Existimos por causa de uma descoberta feita dez anos atrás em um laboratório do governo - bateu em um capuz. — Esta liga bloqueia as sondagens. Foi descoberta por acidente por um desses homens. Os teeps vieram atrás dele, mas ele escapou. Ele fez uma série de capuzes e os passou para outros de seus colegas e foi assim que começamos.
— Quantos estão aqui?
Cutter riu.
— Não posso dizer-lhe. Basta fabricar os capuzes e mantê-los circulando. Para as pessoas proeminentes no governo. Pessoas que ocupam cargos de autoridade. Cientistas, funcionários, educadores...
— Por quê?
— Porque queremos chegar neles primeiro, antes dos teeps. Nós chegamos até você muito tarde. Um relatório de sondagem total já havia sido pedido sobre você, antes mesmo que o capuz fosse pego. Os teeps estão cada vez mais dominados pelo governo. Estão escolhendo os melhores, denunciando-os e prendendo-os. Se um teep diz que um homem é desleal, a Agência tem que detê-lo. Nós tentamos enviar um capuz para você não passar por isso, mas eles nos superaram. Eles armaram uma armadilha e pegaram o capuz e entregaram o relatório para a agência.
— Então é por isso que eles queriam o capuz.
— Os teeps não podem gerar um relatório de sondagem sobre um homem cuja mente é bloqueada para as sondas. A Agência não é tão estúpida. Os teeps precisam tirar os capuzes. Todo homem que usa um capuz é um homem fora dos limites. Conseguimos algum sucesso até agora, mas é ineficaz. Agora eles estão trabalhando neste projeto de lei no Congresso. A lei do senador Waldo proibiria o uso de capuzes.
Cutter sorriu ironicamente.
— Se um homem é inocente, por que ele não deveria querer que sua mente fosse lida? A lei faz com que usar um capuz se torne um crime. As pessoas que recebem capuzes vão ser presas. Não haverá um homem em dez mil que mantenha seu capuz, se isso significar prisão e confisco de propriedade.
— Eu conheci Waldo, uma vez. Eu não posso acreditar que ele entenda o que seu projeto de lei faria. Se ele pudesse ser convencido...
— Exatamente! Se ele pudesse... Esse projeto de lei deve ser interrompido. Se isso acontecer, estamos fora e os teeps estão dentro. Alguém tem que falar com Waldo e fazê-lo ver a situação. Você o conhece. Ele lembrará de você.
— O que você quer dizer?
— Franklin, estamos enviando você de volta para encontrar-se com Waldo. É a nossa única chance de impedir que a lei seja aprovada.
O cruzador rugiu sobre as Montanhas Rochosas, a floresta emaranhada debaixo dele.
— Há um campo de pastagem por perto — disse Cutter. — Pousaremos lá, se pudermos encontrá-lo.
Ele diminuiu os jatos. O rugido diminuiu. Estavam seguindo próximo ao chão e acima das colinas.
— À direita — disse Franklin.
Cutter trouxe o cruzador para baixo.
— Isso nos colocará a uma curta distância da propriedade de Waldo. Iremos o restante do caminho a pé.
Um grunhido tremendo os sacudiu quando o trem de pouso cavou o chão e depois silêncio.
Árvores altas se moviam levemente com o vento. Era ainda manhã. O ar era frio nas montanhas do Colorado.
— Quais como chances de chegarmos até ele? — Perguntou Franklin.
— Não muito boas.
— Porque não?
Cutter empurrou a porta do cruzador para trás e saltou para o chão.
— Vamos — e ajudou Franklin a descer e bateu a porta atrás dele. — Waldo está cercado de segurança. Ele tem um monte de robôs ao seu redor. Por isso nunca tentamos antes. Se não fosse crucial, não estaríamos tentando agora.
Eles deixaram o pasto subindo uma colina ao longo de um caminho coberto de ervas daninhas.
— Para que eles estão fazendo isso? — Perguntou Franklin. — Os teeps. Por que eles querem este poder?
— É da natureza humana, eu suponho.
— Natureza humana?
— Os teeps não são diferentes dos jacobinos, os puritanos cabeça redondas ingleses, dos nazistas, dos bolcheviques. Há sempre um grupo que quer liderar a humanidade, para o seu próprio bem, é claro.
— Os teeps acreditam nisso?
— A maioria acredita que são escolhidos para salvar a humanidade. Os seres humanos não são telepatas, e portanto são uma espécie inferior. Os teeps são o próximo passo, o homo superior. E porque se acham superiores, é natural que pensem em tomar todas as decisões por nós.
— E você não concorda — disse Franklin.
— Os teeps são diferentes de nós, mas isso não significa que eles são superiores. Uma faculdade telepática não implica em superioridade. Os teeps não são uma raça superior. Eles são seres humanos com uma habilidade especial. Isso não lhes dá o direito de nos dizer o que fazer. Não é um problema novo.
— Quem deve liderar a humanidade, então? — Perguntou Franklin. — Quem deve ser o líder?
— Ninguém deve liderar a humanidade. Ela deve se guiar.
Cutter inclinou-se para frente de repente, tenso.
— Estamos quase lá. A propriedade de Waldo está diretamente à frente. Prepare-se. Tudo depende dos próximos minutos.
— Alguns guardas-robô.
Cutter baixou os binóculos.
— Mas isso não me preocupa. Se Waldo tem um teep perto, ele irá detectar nossos capuzes.
— E não podemos tirá-los.
— Não. Tudo ficaria exposto, passando de teep para teep.
Cutter moveu-se cautelosamente para a frente.
— Os robôs nos impedirão e exigirão a autorização. Teremos que contar com sua identificação de diretor.
Eles deixaram os arbustos, cruzando o campo aberto em direção aos edifícios que compunham a propriedade do senador Waldo. Entraram em uma estrada de terra e seguiram sem falar um com o outro.
— Pare! — Um protetor robô apareceu prontamente. — Identifique-se!
Franklin mostrou sua tarjeta de identificação.
— Sou um Diretor. Estamos aqui para ver o senador. Sou um velho amigo.
Os relés automáticos clicaram quando o robô estudou-o.
— Diretor?
— Isso mesmo — disse Franklin ficando incomodado.
— Saia do caminho — gritou Cutter com impaciência. — Não temos tempo para perder.
O robô recuou.
— Desculpe por tê-lo parado, senhor. O senador está dentro do prédio principal. Diretamente à frente.
Cutter e Franklin avançaram além. O suor se destacava no rosto redondo de Cutter.
— Nós conseguimos — murmurou. — Agora espero que não haja teeps lá dentro.
Franklin alcançou a varanda e pisou lentamente com Cutter atrás dele.
Parou à porta, olhando para o homem ao lado.
— Eu devo...
— Continue — Cutter estava tenso. — Vamos logo. É mais seguro lá dentro.
Franklin levantou a mão enquanto a lente da porta o fotografava e verificara sua imagem.
Franklin rezou em silêncio. Se o alarme público tivesse sido enviado tão longe...
A porta desfez-se.
— Dentro — disse Cutter rapidamente.
Franklin entrou, olhando ao redor na semiescuridão. Piscou ajustando-se à luz fraca do corredor.
Alguém estava vindo em sua direção. Uma forma, uma forma pequena, que se aproxima rapidamente.
Seria Waldo?
Um jovem lânguido e de olhar acanhado entrou no corredor, com um sorriso fixo no rosto.
— Bom dia, doutor Franklin — disse ele antes de levantar a arma de raios e atirar.
Cutter e Ernest Abbud olharam para a massa ao chão e que tinha sido o doutor Franklin.
Nenhum deles falou.
— Isso foi necessário? — Perguntou finalmente Cutter, o rosto sem cor.
Abbud se moveu, de repente consciente dele.
— Por que não? — Encolheu os ombros com a arma apontada para o estômago de Cutter. — Ele era um homem velho. Não teria durado muito tempo no campo de custódia.
Cutter tirou o pacote de cigarros e acendeu lentamente diante dos olhos do jovem.
Nunca vira Ernest Abbud antes, mas sabia quem era. Observou-o antes de dar uma olhada nos restos ao chão.
— Então Waldo é um teep — disse Cutter.
— Sim.
Franklin estivera enganado. Waldo tinha plena compreensão de sua lei.
— Claro! A Lei Anti-Imunidade é parte integrante da nossa atividade.
Abbud acenou a ponta da arma.
— Retire o seu capuz. Eu não consigo ler você e isso me causa desagrado.
Cutter hesitou. Deixou cair o cigarro cuidadosamente no chão e esmagou-o com o pé.
— O que você está fazendo aqui? Você não costuma sair de Nova York.
Abbud sorriu.
— Nós lemos os pensamentos do doutor Franklin quando ele entrou no carro com a moça, antes dela lhe dar o capuz. Ela esperou muito tempo. Nós obtivemos uma imagem visual distinta dela, visto do assento traseiro, é claro, quando ela se virou para dar-lhe o capuz. Duas horas atrás a agência a capturou. Ela sabia muito, nosso primeiro contato real. Pudemos então localizar a fábrica e a maioria dos trabalhadores.
— Oh... Cutter murmurou.
— Eles estão sob custódia protetora. Seus capuzes desapareceram — e também o estoque armazenado para distribuição. A operação foi desmantelada. Tanto quanto eu sei, temos todo o grupo. Você era o último.
— Então, se importa se eu mantiver meu capuz?
Os olhos de Abbud cintilaram.
— Tire-o. Quero ler você, senhor Fabricante de capuzes.
Cutter grunhiu.
— O que você quer dizer?
— Vários de seus homens nos deram imagens de você e detalhes de sua viagem até aqui. Pessoalmente notifiquei Waldo através do nosso sistema de retransmissão com antecedência. Eu queria estar aqui sozinho quando chegasse.
— Por quê?
— É uma ocasião especial.
— Qual?
O rosto pálido de Abbud foi torcido pelo ódio.
— Fora com o capuz! Eu poderia explodi-lo agora, mas quero sondá-lo primeiro.
— Tudo bem. Vou tirar e você pode me sondar se quiser.
Cutter fez uma pausa, refletindo sobriamente.
— Será o seu funeral.
— O que quer dizer?
Cutter tirou o capuz, jogando-o sobre uma mesa junto à porta.
— Bem... O que você vê? O que eu sei que nenhum dos outros sabe?
Por um momento Abbud ficou em silêncio. De repente seu rosto se contraiu. A arma balançou.
Abbud cambaleou, um estremecimento violento saltando através de sua figura lânguida e ficou boquiaberto em um terror crescente.
— Descobrimos isso só recentemente no nosso laboratório. Eu não queria usá-lo, mas você me forçou a tirar meu capuz. Eu sempre considerei a liga minha descoberta mais importante até recentemente. De certa forma, isso é ainda mais importante, concorda?
Abbud não disse nada. Seu rosto era de um cinza profundo. Seus lábios se moveram, mas sem emitir nenhum som.
— Eu tive um pressentimento. Sabia que vocês telepatas nasceram de um único grupo, resultado de um acidente, a explosão da bomba de hidrogênio de Madagascar e isso me fez pensar. A maioria dos mutantes que conhecemos são iguais universalmente às espécies que sofreram uma mutação. O dano ao plasma germinal de um grupo específico de seres humanos é a causa da sua existência. Vocês não são mutantes no sentido de que não representam um desenvolvimento natural do processo evolutivo. Em nenhum sentido, pode-se dizer que o homo sapiens sofreu uma mutação. Então talvez vocês não fossem realmente mutantes. Comecei a fazer estudos, alguns biológicos e alguns meramente estatísticos. Pesquisa sociológica. Começamos a correlacionar os fatos sobre vocês, em cada membro do seu grupo que pudemos localizar. Quantos anos tinham. Como faziam para ganhar a vida. Quantos eram casados. Número de filhos. Depois de um tempo, encontrei os fatos que agora você já está sabendo.
Cutter inclinou-se em direção a Abbud, observando-o com atenção.
— Vocês não são verdadeiramente mutantes, Abbud. Seu grupo existe por conta de uma explosão casual. Você é diferente de nós por causa do dano ao aparelho reprodutor dos seus pais. Você não possui uma característica específica que os verdadeiros mutantes possuem.
Um leve sorriso atravessou o semblante de Cutter.
— Muitos de vocês são casados, mas nenhum nascimento foi relatado. Nenhum nascimento! Nem um único filho! Vocês não podem reproduzir-se, Abbud. Você é estéril, como os outros. Quando vocês morrerem acabou, não haverá mais de vocês. Vocês não são mutantes. Vocês são loucos!
Abbud grunhiu roucamente, seu corpo tremia.
— Eu vejo isso em sua mente e você manteve isso em segredo. Você é o único que sabe?
— Alguém mais sabe — respondeu Cutter.
— Quem?
— Você sabe. Você me sondou. E desde que você é um teep, todos os outros...
A arma de Abbud disparou diretamente contra o próprio peito dissolvendo-o numa chuva de fragmentos brilhantes.
Cutter levou suas mãos sobre o rosto e fechou os olhos, prendendo a respiração.
Quando olhou novamente, não havia ninguém mais com ele. Cutter balançou a cabeça.
— Muito tarde, Abbud. Não foi suficientemente rápido. A varredura é instantânea e Waldo está dentro do alcance. O sistema de retransmissão que vocês possuem...
Um som. Cutter girou a tempo de ver os agentes entrando rapidamente pelo corredor, olhando para os restos no chão e para Cutter.
O diretor Ross, bastante confuso e abalado, encarou Cutter.
— O que aconteceu aqui?
— Precisamos sondá-lo rápido! — Peters gritou. — Alguém traga um teep aqui, rápido! Tragam Waldo! Descubram o que aconteceu!
Cutter sorriu ironicamente.
— Claro — disse em alívio. — Pode me sondar à vontade, não tenho nada para esconder. Tragam um teep até aqui... se conseguirem encontrar um...
FIM.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Diga...