domingo, 20 de abril de 2014

O Oitavo Passageiro - Alan Dean Foster (Final)






 
Os ferrolhos de ligação saltaram fora, com suas minúsculas, cômicas explosões.
E houve também a explosão dos motores secundários, quando o módulo soltou-se do Nostromo.

As forças da gravidade desencadearam-se sobre Ripley e ela batalhou para amarrar-se no assento. A força-G logo se esvairia, com o abandono, pelo módulo, do campo de hiper-propulsão do Nostromo e entrada na sua própria rota através do espaço.
Ripley acabou de afivelar os cintos, depois permitiu-se respirar fundo o ar puro do módulo. Sons confusos de uivos- miados penetraram-lhe o cérebro esgotado. Da posição em que estava podia alcançar a caixa de Jones. Abaixou a cabeça para ela e lágrimas lhe vieram aos olhos vermelhos de fumaça. Ripley apertou a caixa contra o peito.
Seu olhar buscou, em seguida, a escotilha que dava para a ré.

Um pequeno ponto de luz mudou-se sem ruído numa bola de fogo majestosa, que se expandiu e lançou tentáculos de metal retorcido e plástico em farrapos. Sumiu-se mas foi seguida de uma bola de fogo ainda maior quando a refinaria explodiu. Dois bilhões de toneladas de gás e maquinaria vaporizada encheram o cosmos, e obscureceram-lhe a visão, até que elas também desapareceram gradualmente.

O choque atingiu o módulo pouco depois, quando o gás superaquecido passou perto, ao expandir-se. Quando a navezinha se equilibrou de novo ela retirou os cintos, foi até o fundo da exígua cabine e olhou pela escotilha. Seu rosto ba- nhou-se de uma luz cor de laranja e o último globo de fogo fervente desvaneceu-se.

Finalmente deu-lhe as costas. O Nostromo, seus colegas, tudo deixara de existir. Não eram Mais. Sentimento duro, mais duro ainda naquele momento de solidão e silêncio do que tinha imaginado. O definitivo daquilo tudo, o irremediável, era a parte mais difícil de aceitar. A certeza de que nave e pessoas não existiam mais como componentes, mesmo ínfimos, do universo. Nem mesmo como restos mortais.
Tinham, simplesmente, cessado de ser.

Não viu a mão enorme que se estendeu, de trás, para pegá-la.
Mas Jones viu.
E deu o alerta.

Ripley virou e se viu cara a cara com a criatura. Estivera no módulo todo o tempo.
Seu primeiro pensamento foi o lança-chamas. Jazia no chão, junto do alienígena agachado, armando o bote. Buscou com os olhos, em desespero, para onde fugir. Havia um pequeno armário embutido perto dela. Sua porta se abrira sozinha com o choque da expansão do gás. Começou a aproximar-se dele, disfarçadamente.

Mas a criatura pôs-se a levantar-se tão logo ela se moveu. Ripley pulou dentro do armário e estendeu a mão para a fechadura. Mas, com seu peso, a porta bateu e trancou-se com um baque.

Havia um pequeno óculo envidraçado na parte superior. Ripley se viu praticamente de nariz esborrachado contra ele, naquele espaço minúsculo. De fora, o alienígena chegou a cara à janela, olhando-a com a curiosidade com que se examina um espécime selvagem numa jaula. Quis gritar e não pôde. O grito morreu-lhe na garganta. Tudo o que pôde fazer foi olhar, de olhos arregalados, para a aparição, que lhe devolvia o olhar fixamente.

O armário não era estanque. Um gemido característico lhe chegou aos ouvidos, vindo do outro lado. Distraído, o alienígena deixou a porta do armário para inspecionai a origem daquele estranho som. Curvou-se, levantou no ar a caixa selada, e isso fez que Jones uivasse ainda mais alto.

Ripley bateu no vidro, para desviar a atenção da criatura e salvar o animal inerme. Funcionou. O alienígena estava de volta à escotilha num segundo. Ela ficou imóvel, e a criatura foi de novo inspecionar, mais minuciosamente, a caixa do gato.
Ripley encetou uma busca desesperada do seu cubículo. Havia pouca coisa ali dentro, exceto um traje espacial. Trabalhando depressa, malgrado as mãos, que tremiam desconsoladamente, a moça meteu-se dentro dele.

Fora, o alienígena sacudiu a caixa, experimentalmente. Jones miava pelo diafragma. Ripley já vestira metade da roupa quando a criatura jogou a caixa ao chão.
Ela ricocheteou, mas não se partiu nem abriu. Tomando-a de novo na manopla o alienígena bateu com ela numa parede. Jones, enlouquecido, fazia ruídos estranhos.
O alienígena meteu a caixa entre os dois canos verticais e começou a esmurrá-la enquanto Jones fazia esforços para escapar, soltando silvos e cuspindo.

Ripley pôs o capacete e fixou-o firmemente. Não havia ninguém para verificar se estava perfeito. Mas se a vedação ficara defeituosa, logo saberia... Bastou um toque para ativar o respirador, e a roupa se encheu de ar puro.
Era a vida. Vida engarrafada.

Procurou de novo no armário por alguma arma. Mas não havia laser nem nada que pudesse usar. Só um longo estilete de metal cuja ponta revelou-se aguda quando removeu a borracha protetora. Não era lá grande coisa, mas deu-lhe um pouco de confiança, e isso era importante.

Respirando fundo, destrancou devagar a porta, depois, com um pontapé, escancarou-a.
O alienígena voltou-se e recebeu o estilete de meta! no meio do corpo. Ripley golpeara, com toda a força, o aço era fino e penetrou fundo. O alienígena agarrou-se ao estilete com as duas mãos, e o ácido começou a espirrar, fervendo quando tocava o metal.
Ripley recuou, firmou-se com uma das mãos a uma coluna e com a outra, tateando, encontrou uma alavanca de emergência, que fez abrir a portinhola de trás. Instantaneamente, todo o ar no módulo e tudo o que não estava seguro por parafuso ou correia ou braço foi sugado no espaço. O alienígena passou, veloz, por ela e com reflexos inumanos quis ainda segurar-se a algo. E pegou-lhe a perna, logo acima do tornozelo.

Ripley se viu a meio fora do módulo, chutando desesperadamente a mão que se fechara como um anel de ferro, e que não largava. Mas havia uma alavanca perto. Ripley destravou-a e a porta fechou com estrondo, deixando-a dentro e decepando o membro do alienígena, que ficou dependurado no espaço.
A mão que a prendera começou a espalhar ácido, e o ácido fervia e fumegava embaixo da porta. Ripley foi às tontas até o console, encontrou os comutadores que ativavam motores secundários e apertou vários deles.

A popa do módulo vomitou energia, energia pura, sem cor.
Incinerado, o alienígena soltou-se no espaço. E do momento em que caiu, o ácido deixou de fluir.

Ela ficou a observá-lo nervosamente, pois ainda borbulhava um pouco. Mas houvera pouca hemorragia. Parou por fim. Ripley fez funcionar o teclado do pequeno computador e esperou, impávida, pela resposta.

PERGUNTA: DANO À SAÍDA DE RÉ

ANÁLISE: REDUÇÃO MENOR DA QUILHA. INTEGRIDADE DA NAVE NÀO COMPROMETIDA. CAPACIDADE DE CONSERVAR ATMOSFERA INTACTA. VEDAÇÃO COMPENSADA SATISFATORIAMENTE.

OBSERVAÇÃO: REPARAR SEÇÃO DANIFICADA IMEDIATAMENTE DEPOIS DE CHEGAR AO PORTO DE DESTINAÇÃO. CASO ATUAL NÃO PASSARÁ EM INSPEÇÃO.

Ripley soltou um hurra.

Depois foi olhar pela escotilha da popa. Uma forma convulsa, fumegante, rodopiava lentamente, afastando-se da nave. Pedaços de carne calcinada caíam dela no espaço.
Só então o fortíssimo organismo sucumbiu às leis da pressão diferencial, e o alienígena explodiu, inchando primeiro, depois rasgando-se e lançando partículas do corpo em todas as direções. Inofensivos agora, os fragmentos fumegantes sumiram-se dançando, na distância infinita.

Não se poderia dizer que ela estivesse jubilosa. Tinha vincos profundos no rosto e um vazio no cérebro, que nada jamais preencheria. Mas estava composta e tranqüila, o bastante pelo menos para recostar-se com alívio no assento do piloto.

Dedilhando diversos botões, repressurizou a cabine. Abriu então, só então, a caixa de Jones. Com a facilidade extraordinária dos felinos, ele já esquecera o ataque sofrido. Aninhou-se no regaço de Ripley quando ela se acomodou de novo na cadeira. Era uma vírgula — cor de ouro, cor de mel — de puro contentamento. E essa coisa fulva pôs-se a ronronar, como soem fazer os gatos felizes.

Ela o acariciou enquanto ditava no gravador da nave:

"Devo alcançar a fronteira em quatro meses mais ou menos. Com alguma sorte, a rede de estações receptoras captará meu S.O.S. e transmitirá a notícia. Terei uma declaração a fazer. Uma cópia será incorporada a este registro de bordo, inclusive alguns comentários do interesse das autoridades sobre determinadas atividades da Companhia.
Fala Ripley, identidade n.° W5645022460H, oficial de segurança e último sobrevivente da nave comercial Nostromo, que assina a presente entrada."

Apertou o botão de STOP.
Tudo estava calmo na cabine. Era o primeiro momento de calma em muitos dias. Ela pensou que talvez pudesse descansar um pouco. Talvez, e contanto que não sonhasse.
Com a mão distraída afagou o pêlo alaranjado de Jones, o gato.
— Vamos, gatinho... Vamos ver se dormimos...




FIM.


O Oitavo Passageiro - Alan Dean Foster (Parte 26)




 
— Quantos destes você pensa que precisamos levar? — perguntou Lambert a Parker, afastando com as costas da mão a mecha que lhe caía nos olhos.
— Tudo o que pudermos carregar. Não queremos fazer duas viagens.
— Naturalmente.
E virou-se para arrumar de novo os bujões. Foi quando uma voz soou no comunicador aberto:
— Jones, vamos embora. Venha cá, meu gatinho... Venha com a mamãe...
O tom de Ripley era doce e procurava infundir confiança, mas Lambert podia sentir a exasperação de que estava tomada.

Parker saiu do depósito de comida 2 debaixo de uma pirâmide de caixas. Lambert continuou a escolher os seus pacotes, trocando de vez em quando um por outro. A idéia de ter de comer alimentos artificiais não processados e crus era aterrorizadora. Não havia cozinha automática no módulo. Serviria para mantê-los vivos, mas era tudo. Mesmo assim, sempre umas coisas eram melhores que outras. Por que não fazer a mais judiciosa seleção possível?

Nem percebeu a pequena luz vermelha que se acendeu no rastreador a seus pés.
Na ponte, um indignado Jones resistia, mas Ripley o tinha pela nuca. Por mais que esticasse as pernas, foi lançado sem nenhuma cerimônia na sua cesta de viagem, pressurizada. Ripley ligou-a.
— Fique aí. Respire o seu próprio cheiro reciclado por algum tempo.

Os dois lança-chamas estavam junto da porta do depósito. Parker ajoelhou-se para apanhar o seu e uma boa porção dos seus pacotes de comida esparramou-se pelo chão.
— Puxa! — disse.
Lambert interrompeu o que estava fazendo e procurou ver fora das portas do depósito.
— O que é?
— Nada. Tentei levar coisas demais ao mesmo tempo. Apresse-se.
— Já vou. Fique calmo.

De súbito, a luz do rastreador tornou-se rubra e brilhante, e o sinal fez-se ouvir simultaneamente. Parker deixou cair os outros pacotes, olhou o instrumento, empunhou seu lança-chamas. E gritou para Lambert:
— Vamos sair daqui!
Ela também ouvira.
— Agora mesmo.
Mas algo emitiu um som diferente atrás dela. Virou-se com um grito e a mão a pegou. O alienígena estava ainda com uma parte do corpanzil dentro do encanamento.

Ripley ouviu o grito no comunicador aberto da ponte e ficou gelada.
Parker olhou para dentro do depósito e quase ficou louco quando viu o que o alienígena estava fazendo. Não podia usar o lança-chamas sem atingir Lambert. Então, usando-o como se fora um porrete, entrou correndo e gritando:
— Desgraçado!
O alienígena soltou Lambert. Ela caiu sem sentidos no chão, enquanto Parker dava um golpe fortíssimo na fera. Não teve efeito. Era como se tivesse tentado fraturar uma parede.
Tentou desviar-se, mas não pôde. Com um golpe certeiro, o alienígena quebrou-lhe o pescoço e matou-o. Voltou-se então outra vez para Lambert.

Na ponte, Ripley ainda estava petrificada. Gritos abafados chegavam-lhe de baixo. Eram de Lambert, mas cessaram logo, misericordiosamente. E tudo ficou silente outra vez. Ela falou, no pick-up:
— Parker? Lambert?
Não esperava resposta, e não teve nenhuma. Bastou- lhe um momento para compreender o sentido daquele silêncio.
Estava sozinha.
Havia, provavelmente, três seres vivos a bordo: o alienígena, Jones e ela mesma. Mas tinha de certificar-se.
O que significava deixar Jones para trás. Não queria fazê-lo, mas o felino ouvira os gritos e miava. Era barulho demais.

Alcançou o deque B sem maus encontros. Tinha o lança-chamas apertado nas duas mãos. O depósito de comida ficava à frente. Havia a possibilidade remota de que o alienígena tivesse deixado algum dos dois, dada a dificuldade de manobrar dois corpos através dos canos. A possibilidade de que alguém estivesse vivo.
Espiou com cuidado. E o que restava, mostrou-lhe como ele conseguira espremer as duas vítimas, juntas, no conduto da ventilação...

Então pôs-se a correr, correr. Cega, louca, sem pensar nem importar-se mais. Paredes avançavam a seu encontro para detê-la, mas nada cortou seu ímpeto. Era uma fuga desabalada. Correu até que os pulmões lhe ardiam tanto que não podia mais. Faziam-na lembrar-se de Kane e da criatura que amadurecera dentro dele, aninhada entre os seus pulmões. E isso, por sua vez, recordou-lhe o alienígena.
Todo esse pensar frenético, desgovernado, teve por efeito trazê-la de volta a seus sentidos. Engolindo para respirar, diminuiu o passo e procurou verificar onde estava. Correra toda a extensão da nave. Achava-se surpreendentemente no centro da casa de máquinas.

Ouviu, então, um barulho. E parou de respirar. O barulho repetiu-se, e ela ousou soltar um suspiro. O som era familiar, humano. Era o som de soluços.
Ainda com o lança-chamas debaixo do braço, seguro nas duas mãos, deu a volta à sala até que a origem do som ficou imediatamente abaixo dela. Viu que pisava num disco de metal, a tampa de uma escada. Mantendo-se atenta ao que a cercava, ajoelhou-se devagar e removeu o disco. Uma escada se aprofundava na escuridão.
Desceu às apalpadelas, até que encontrou de novo chão sólido. Só então acendeu seu pequeno bastão elétrico Estava numa câmara de manutenção. A luz revelou caixas de plástico, ferramentas raramente usadas. Revelou também pedaços de ossos ainda com farrapos de carne. Arrepiou-se quando a luz foi mostrando num círculo depois do outro, pedaços de roupa, sangue seco, uma bota rasgada. E havia bizarras excrescências penduradas às paredes.

Então, no alto, algo se mexeu. Ela pulou, apontou para cima a boca do lança-chamas, mas procurou primeiro com o foco a causa do movimento.
Um grande casulo pendia do teto, um pouco para a sua direita. Parecia uma rede fechada e translúcida, tecida com o mais fino fio de seda. E mexia-se.
Com o dedo tenso no gatilho do lança-chamas, aproximou-se lentamente daquilo. O foco da sua lanterna tornou o casulo quase transparente.
Havia um corpo lá dentro...
Dallas.

Inesperadamente, os olhos dele se abriram, entraram em foco, reconheceram-na. Os lábios se abriram para formar palavras. Ela se acercou, ao mesmo tempo fascinada e repugnada.
— Mate-me... — implorou Dallas.
— O que foi que ele fez?
Ele quis falar de novo mas não pôde. Sua cabeça se virou um pouco para a direita. Ripley virou a luz para aquele lado. Havia um segundo casulo, mas diferente do primeiro, na contextura e na cor. Era menor e mais escuro; a seda formara uma carapaça dura, lustrosa. Parecia — mas Ripley não sabia — a urna rompida e vazia da nave sinistrada.
Aquilo era Brett.
Seu bastão luminoso voltou o foco para Dallas.
— Eu o tirarei daqui — disse. Chorava. — Nós o ligaremos ao médico automático, nós o...
Mas calou-se, incapaz de continuar. Lembrava-se da analogia evocada por Ash, da aranha, da vespa. Os filhotes a cevar no corpo paralisado da aranha e a crescer; e aranha consciente do que lhe acontecia, do que se passava e, no entanto...
De algum modo conseguiu bloquear aquele horrendo fio de pensamento.
O mesmo sussurro de agonia:
— Mate-me.
Ripley olhou-o. Misericordiosamente, os olhos daquilo que fora Dallas fecharam-se. Mas os lábios tremiam, como se ele armasse um grito. Ela não cria ter forças para suportar aquele grito.
O bico do lança-chamas levantou-se e, convulsivamente, ela apertou o gatilho. Uma larga língua de fogo envolveu e derreteu num segundo a coisa que tinha sido Dallas. Queimara sem um som. Depois ela voltou o fogo para o próprio covil. O compartimento inteiro explodiu em chamas. E já ela fugia escada acima, com o fogo a lamber-lhe as pernas.
Enfiou a cabeça na casa de máquinas. Ainda estava deserta. A fumaça a envolvia, fazendo-a tossir. Saiu de lá, ajustou o disco com o pé, deixando apenas uma pequena abertura para que o ar alimentasse o incêndio. Depois, marchou resoluta para o cubículo de controle dos motores.

Medidores e comandos funcionavam, pacientes, ali dentro. docilmente à espera de que lhes dissessem o que fazer. Numa determinada mesa, todos os interruptores eram delineados em vermelho. Ela os estudou um momento, rememorando as seqüências, depois pôs-se a fechá-los um por um.
Um comutador duplo fora encerrado numa coberta protetora. Ela tentou levantá-la, depois quebrou-a com a base do lança-chamas, aproximou-se e apertou o duplo controle.

Esperou o que lhe pareceu uma eternidade. Sirenes começaram a uivar, depois uma voz chamou, pelo intercomunicador e ela deu um salto. Mas reconheceu a voz da Mãe.

"Atenção. Atenção. Unidades resfriadoras dos motores de hiperpropulsão desligadas. Os motores ficarão sobrecarregados em quatro minutos e cinqüenta segundos. Quatro minutos, cinqüenta segundos."

Ela já estava no meio do corredor B quando se lembrou de Jones.
Encontrou-o sem dificuldade. Miava constantemente num intercomunicador, mas não fora perturbado na sua caixa pressurizada, que ela tinha deixado entre a ponte e o deque B. Apanhou-o e correu, com a caixa batendo contra as pernas, e o lança-chamas seguro debaixo do outro braço.

Dobraram a última esquina, a caminho do módulo. E de repente, Jones soltou um silvo. Estaria todo eriçado dentro da caixa e de dorso arqueado. Ripley parou e olhou, tonta, para o embarcadouro aberto. Vinham lá de dentro sons abafados de embates.
O alienígena se metera no módulo.

Deixando Jones em segurança, na escada do deque B, Ripley voltou correndo à sala de máquinas. O gato protestou vigorosamente ao ser abandonado outra vez.
Enquanto corria, uma voz paciente e inalterada se fez ouvir.

"Atenção, os motores ficarão sobrecarregados em três minutos e vinte segundos..."

Uma parede sólida de calor recebeu-a no cubículo. A fumaça impedia-a de ver direito. A maquinaria protestava gemendo, queixava-se com crescente alarido. Ela abriu caminho, lavada de suor, conseguiu localizar os controles através da fumaça, fez um esforço inaudito paia lembrar a seqüência outra vez e fechou os controles que tinha aberto. Mas as sirenes continuaram seu lamento.

"Atenção. Os motores ficarão sobrecarregados em três minutos. Os motores ficarão sobrecarregados em três minutos."

Lutando para respirar, ela se encostou à parede, apertou um botão, falou:
— Mãe! Eu pus de novo todas as unidades resfriadoras em pleno funcionamento!

"Tarde demais para uma ação reparadora. O núcleo da propulsão começou a derreter. A reação é a esta altura irreversível. E a implosão incipiente, seguida de sobrecarga incontrolável e subseqüente detonação. Os motores estarão sobrecarregados em dois minutos, cinqüenta e cinco segundos".

A Mãe já confortara Ripley em outras ocasiões. Agora a voz do computador parecia-lhe despida de todo e qualquer antropomorfismo. Era tão implacável quanto o tempo que media. Sufocada, a garganta ardendo, Ripley saiu do cubículo, com as enlouquecedoras sirenes soando agora no cérebro.

"Atenção. Os motores estarão sobrecarregados em dois minutos" — anunciava a Mãe por um alto-falante de parede.

Jones esperava por ela na escada. Estava quietinho agora, e miou lastimosamente. Ripley voltou com ele, tropeçando, na direção do módulo, conseguindo manter de algum modo o lança-chamas em posição e arrastando, praticamente, a caixa do animal. Uma vez pensou ter visto dançar uma sombra atrás dela, mas era apenas uma sombra, nada mais.
Hesitou na boca do corredor, sem saber o que fazer e desesperadamente cansada.
Mas uma voz a impedia de parar.

"Atenção. Os motores vão explodir em noventa segundos."

Depondo Jones no solo, ela agarrou o lança-chamas com as duas mãos e investiu no módulo. Estava vazio. Num minuto, voltara, apanhara o gato, sem que nada se materializasse para confrontá-la.

"Atenção. Os motores vão explodir em sessenta segundos" — disse a Mãe, impessoal como um oráculo.

O infeliz Jones se viu atirado com caixa e tudo ao sopé do console principal, e Ripley se aboletou no assento do piloto. Não havia tempo para calcular sutilezas, como trajetória ou ângulo de disparo. Concentrou-se num só gesto: apertar o botão que tinha uma palavra gravada em vermelho logo abaixo dele:

LANÇAMENTO



O Oitavo Passageiro - Alan Dean Foster (Parte 25)






 XIII


— Um robô... Um miserável robô! — dizia Parker, que ainda tinha na mão o rastreador. Nenhum sangue o maculara.

Aparentemente, havia áudio-censores localizados no corpo tanto quanto na cabeça, porque a forma poderosa voltou-se imediatamente ao som da voz de Parker e começou a avançar contra ele. Levantando o rastreador, o engenheiro golpeou com ele o ombro de Ash, depois de novo e de novo, mas sem qualquer efeito. O braço do boneco o envolvera num amplexo que nada tinha de afetuoso. Depois as mãos acharam-lhe o pescoço e apertaram com força inumana.

Ripley, que se recuperara, procurava uma arma. Achou um dos velhos tubos elétricos, com que tinham pensado 'picar' o alienígena. Viu que sua carga estava intacta.
Lambert agarrara-se às pernas de Ash, procurando derrubar a máquina. Fios descobertos continuavam a brotar do toco do pescoço aberto. Ripley enfiou a ponta da vara naquela maçaroca. Os olhos de Parker já vidravam, e de sua garganta saíam sons inarticulados, resfolegantes.

Tendo achado um nó grosso de circuitos, Ripley enterrou nele a ponta da vara e disparou. Ash titubeou e suas mãos pareceram fraquejar um pouco no pescoço de Parker. Ripley retirou a arma, ajustou-a diferentemente e disparou de novo, para baixo.
Fagulhas azuis surgiram do toco de pescoço. Ela insistiu, apoiou no gatilho. Houve um grande clarão e o cheiro de material isolante queimado.

Ash tombou. Com o peito a arfar, Parker rolava pelo soalho, tossindo e cuspindo muco. Depois, olhou a forma, agora imóvel, do humanóide.
— Porcaria! Porcaria de máquina da Companhia!
Furioso, levantou-se e pôs-se a chutar o metal. Que não reagiu. Jazia inerte, inocente, pacificado, no deque.
Lambert olhou, confusa, para Parker e Ripley.
— Alguém poderá ter a bondade de me dizer o que está acontecendo?
— Há só um modo de descobrir — disse Ripley. Depondo cuidadosamente o tubo e sua carga elétrica, mas vendo que estava à mão em caso de necessidade, aproximou-se do corpo.
— O que vai fazer? — perguntou Lambert.
Ripley olhou para Parker, que fazia massagens no pescoço.
— Vamos ligar a cabeça outra vez. Penso que queimamos o sistema locomotor do torso, mas cabeça e memória devem funcionar, se alimentadas. Ele vinha protegendo o alienígena desde o começo. Tentei avisar vocês — e fez um gesto na direção do cadáver. Pois era difícil pensar em Ash, um colega de tripulação, como uma outra peça do equipamento.
— Ele o fez entrar, lembram-se?, contra o regulamento. — Ripley tinha uma expressão estranha ao dizer isso. Continuou: — Usava a vida de Kane como desculpa, mas nunca se interessou por Kane. Deixou que aquela coisa crescesse dentro dele, sabia o que estava acontecendo. E foi ele quem apertou o sinal de emergência para salvar a criatura.
— Mas por quê? — Lambert, por mais que tentasse, não conseguia organizar todos esses disparates na cabeça.
— Estou apenas supondo. Mas quero crer que, se puseram um robô a bordo como membro da tripulação sem aviso, foi porque desejavam um observador escravo nesta nave para relatar-lhes, na volta, tudo o que se tivesse passado.
— Quem designa o pessoal para as naves? — perguntou a Lambert. — Quem faz mudanças de última hora, como, por exemplo, trocar o oficial de ciência? Qual seria a única entidade capaz de colocar um robô na tripulação? Para o fim que fosse, não importa?
Lambert não estava mais confusa.
— A Companhia.
— Muito bem — Ripley sorriu amargamente. — A Companhia deve ter captado as transmissões da nave sinistrada. O Nostromo era apenas a primeira nave escalada para aquele quadrante do espaço. Ash foi posto a bordo para controlar as coisas para eles, e para garantir a execução por nós, que a ignoramos, da ordem especial n.° 937. Pelo menos é assim que a Mãe a chama.
— Se nada resultasse da visita à nave sinistrada, Ash lhes diria isso. E nós jamais ficaríamos sabendo de coisa nenhuma. Se, ao contrário, valesse a pena, então a Companhia saberia do que precisava antes de enviar uma equipe de exploração cara e bem equipada. Uma simples questão de garantir o maior lucro possível e reduzir ao mínimo as despesas. Nada de dramático.
— Muito bonito — disse Parker. — Até aí tudo bem. Diga-me agora como emendar esse filho da mãe outra vez — e cuspiu no corpo de Ash.

Ripley já pusera a cabeça de Ash em cima de um balcão e ligara-lhe um fio, tirado da tomada mais próxima ao cozinheiro automático. A cabeça não protestara.
— Temos de descobrir se nos escondem mais alguma coisa — disse. — Concordam?
Parker concordou com relutância.
— Está bem. Deixe-me, porém, fazer isso.

Num minuto estava às voltas com os fios e ligações da nuca de Ash, debaixo da peruca. Quando as pálpebras do oficial de ciência começaram a tremer, Parker grunhiu de satisfação e parou.
Ripley se curvou sobre aquela espécie de estátua jacente.
— Ash, você me ouve?
Nenhuma resposta. Ela consultou Parker com o olhar.
— Olhe, a ligação de circuitos está em boa ordem. Quanto à energia, ajusta-se automaticamente. A não ser que alguns circuitos cruciais tenham sido interrompidos quando a cabeça bateu no chão, ele deve responder. As células de memória e os componentes verbo-visuais são acondicionados com grande economia de espaço nesses modelos mais sofisticados. Eu contava que ele falasse.
Ela tentou de novo.
— Você me ouve, Ash?
Uma voz familiar, e não muito distante, soou no salão.
— Sim, posso ouvi-la.
Era difícil para Ripley dirigir-se assim a uma cabeça separada do corpo. Esta, tanto quanto ela sabia, era apenas parte de um maquinismo, como a válvula dos rastreadores. Acresce que ela servira por muito tempo com Ash.
— O que significa Ordem Especial 937?
— Divulgá-lo é contra os regulamentos e contra a minha programação interna. Você sabe que não posso fazê-lo.
Ela se endireitou.
— Muito bem. Então de nada adianta continuar a falar. Parker, corte os circuitos.

O engenheiro estendeu a mão para os fios e Ash reagiu com tal presteza, que provou a integridade dos seus circuitos cognitivos:

— Em suma, as ordens que recebi foram as seguintes.
As mãos de Parker permaneceram ameaçadoras, prontas a interromper a corrente.
— Disseram-me que reorientasse o Nostromo ou cuidasse para que sua tripulação modificasse seu curso primitivo, a fim de captar o sinal. Programasse a Mãe para tirá-los do hipersono e programasse a memória dela para contar-lhes a mentira de um pedido de socorro. Especialistas da Companhia já sabiam que se tratava de um sinal de alerta e não de um pedido de socorro.
As mãos de Parker se fecharam de raiva.
— Quanto à fonte do sinal — continuou Ash —, tínhamos a missão de investigar uma forma de vida quase certamente hostil, segundo o que os especialistas da Companhia depreenderam da transmissão; e trazer de volta um espécime para exame e verificação de eventuais aplicações comerciais. Usando a máxima discrição, naturalmente.
— Naturalmente — glosou Ripley arremedando o tom neutro da máquina. — Isso explica muita coisa. Pois fomos mandados nós, pobres diabos, e não uma valiosa equipe de exploração.
Parecia satisfeita, embora não entusiasmada, por ter levantado toda a trama que se escondia por detrás das palavras inócuas de Ash.
— A importação para qualquer mundo habitado, sobretudo a Terra, de uma forma de vida alienígena é estritamente proibida. Fazendo parecer que nós, simples tripulantes de um obscuro rebocador, a encontramos por acaso no caminho, a Companhia dispunha de um meio de vê-la chegar à Terra 'acidentalmente*. Nós outros poderíamos ser postos na cadeia. Mas alguma coisa teria de ser feita com a inocente criatura. Naturalmente, os cientistas da Companhia se mostrariam dispostos, magnanimamente, a tirar o perigoso hóspede das mãos dos funcionários da alfândega, com umas poucas e judiciosas propinas distribuídas com a necessária antecedência para garantir a transação.
— Com alguma sorte, poderíamos, nós também, nos beneficiarmos da magnanimidade dos nossos senhores. A Companhia pagaria fiança e cuidaria de nós logo que as autoridades policiais se convencessem, ou fossem convencidas, de que éramos tão estúpidos quanto parecíamos. E fomos. E fomos!
— Por quê? — quis saber Lambert. Por que você não nos avisou? Por que não nos disse, ou não nos disseram, onde íamos nos meter?
— Porque vocês poderiam recuar — explicou Ash, com a mais fria lógica. — A política da Companhia precisava da cooperação de todos. O que Ripley disse sobre a 'honesta ignorância' da tripulação como fator essencial na inevitável confrontação com a autoridade alfandegária é correto.
— Você e essa miserável Companhia! — resmungou Parker. — E as nossas vidas, homem?
— Homem, não — corrigiu Ash. — Quanto às suas vidas, temo que para a Companhia fossem, sejam, sacrificáveis. Preocupavam-se sobretudo com a forma alienígena de vida. Esperava que vocês a capturassem e conservassem viva, e sobrevivessem, para receber seus bônus ao fim; mas isso, estou certo, era consideração secundária. A escolha não foi pessoal. Uma questão de sorte — ou de azar — só isso.
— Que pensamento confortador! — exclamou Ripley. Pensou um momento e acrescentou: — Você já nos disse que nosso propósito, ao vir até esse mundo remoto, era "investigar uma forma de vida, quase certamente hostil". E que os peritos da Companhia sabiam que aquele sinal era de alerta e não de socorro.
— Sim — respondeu Ash. — Sim. Era muito tarde, segundo determinaram os tradutores, para que um pedido de socorro pudesse ter qualquer utilidade. O sinal era, em si mesmo, específico, alarmante!
— A nave que encontramos descera no planeta no curso de uma exploração rotineira. Como Kane, encontraram um ou mais dos ovos, ou esporos, do alienígena. A transmissão não disse se tiveram tempo de determinar se os esporos são originários do planetóide ou se migraram para lá de algum outro lugar.
— Antes que fossem dominados, conseguiram montar o mecanismo de alerta, a fim de evitar que os tripulantes de outras naves tivessem o mesmo destino. De onde quer que tivessem vindo, eram gente nobre. Esperemos que a humanidade retome contacto com eles em circunstâncias mais propícias.
— Pois são gente melhor que muitos que eu poderia nomear — disse Ripley, com a boca seca. — E o alienígena que temos a bordo? Como matá-lo?
— Os exploradores que tripulavam a nave sinistrada eram maiores e, possivelmente, mais inteligentes do que os humanos. Não creio que vocês possam matá-lo. Mas talvez eu seja capaz disso. Não sou orgânico, o alienígena não vê em mim um perigo potencial. Nem uma fonte de alimento. Sou, também, consideravelmente mais forte do que qualquer de vocês. Eu talvez seja páreo para o alienígena. Só que não estou, no momento, na minha melhor forma. Se vocês simplesmente substituírem...
— Você tentou, Ash, tentou brilhantemente — interrompeu Ripley, abanando a cabeça de um lado para outro. — Mas é inútil.
— Idiotas! Ainda não sabem o que têm pela frente! O alienígena é um organismo perfeitamente organizado, soberbamente estruturado, espertíssimo e violento. Com as limitadas capacidades de vocês, não têm nenhuma chance contra ele.
— Meu Deus! — fez Lambert, olhando estupidamente para a cabeça falante. — A gente tem de admirar essa criatura danada!
— Como não admirar a simetria que ela apresenta? Um parasita entre uma espécie e outra, capaz de viver de qualquer outra forma de vida que respire, seja qual for a atmosfera em causa. Capaz de jazer sem acordo nem movimento por períodos indefinidos, e em circunstâncias as mais hostis. Seu único propósito é reproduzir-se, isto é, fazer outros da mesma espécie, o que consegue com suprema eficiência. Não existe nada na experiência da humanidade que se compare a isso...
—  Os parasitas que o homem está acostumado a combater são mosquitos e artrópodos infinitesimais. Coisas dessa ordem. Esta criatura está para eles em selvageria e eficácia como o homem está para o verme em inteligência. Não se pode sequer imaginar como lidar com ela.
— Chega. Já ouvi bastante dessa lenga-lenga — disse Parker. E pôs a mão no fio. Mas Ripley o deteve com um gesto.
— Você nos pertence, Ash. É complementação nossa. Você não é apenas um instrumento cego da Companhia. É o meu oficial de ciência.
— Vocês me deram inteligência. Com o intelecto vem a inevitabilidade da escolha. Sou leal apenas à verdade. Uma verdade científica exige beleza, harmonia e, acima de tudo, simplicidade. O problema tal como está posto, isto é, vocês contra o alienígena, produzirá uma única e elegante solução. Só um de vocês sobrevivera.
— Imagino que isso nos coloque, a nós humanos, no nosso lugar, não é? Diga-me uma coisa, Ash. A Companhia esperava que o Nostromo atracasse de volta só com você e o alienígena a bordo, é isso?
— Não. Honestamente, eu esperava que vocês sobrevivessem e dominassem o alienígena. Os altos funcionários, da Companhia simplesmente ignoravam quão perigosa e hábil era a forma de vida a capturar.
— O que pensa que vai acontecer à chegada, supondo que estejamos todos mortos, e o alienígena, ao invés de dominado, senhor desta nave?
— Não sei dizer. Há uma possibilidade muito boa de que o alienígena infecte a turma de abordagem e quaisquer outros viventes com que se ponha em contacto antes que tomem consciência da enormidade do perigo que ele representa e tomem medidas para conjurar esse perigo. Mas aí talvez seja tarde demais.
— Milhares de anos de esforços não permitiriam ao homem livrar-se de outros parasitas. E jamais teve de ha- ver-se com um tão adiantado. Imaginem vários bilhões de mosquitos a funcionar em uníssono em contacto inteligente uns com os outros. Teria a humanidade qualquer chance?
— Naturalmente, se eu estiver lá, e funcionando, quando o Nostromo atraque, posso informar à equipe de recepção do que os espera, e dizer-lhes como proceder com segurança contra a criatura. Destruindo-me, vocês arriscam libertar na Terra uma praga terrível!

Houve silêncio no cassino dos oficiais, mas não por muito tempo. Parker falou primeiro:

— A humanidade, representada pela Companhia, não parece dar nada pelas nossas vidas. Correremos, então, nossos próprios riscos contra o alienígena. Pelo menos sabemos onde ele está — e olhando para Ripley: — Nenhuma praga poderá incomodar-me quando eu já não estiver por lá. E eu digo: desliguemos isso.
— De acordo — disse Lambert.
Ripley deu a volta à mesa e começou a desligar o fio.
— Uma última palavra — disse Ash, depressa: — Um testemunho, se assim quiserem.
Ripley hesitou.
— O que é?
— Talvez a criatura seja deveras inteligente. Talvez vocês devam comunicar-se com ela.
— Você se comunicou?
— Deixem que minha cova guarde pelo menos alguns segredos.
Ripley puxou o fio.
— Até logo, Ash.
E voltou sua atenção da cabeça emudecida para seus companheiros.
— Quando se trata de escolher entre parasitas, prefiro o que não mente. Além disso, mesmo que não seja possível derrotar o alienígena, podemos morrer satisfeitos, sabendo que ele irá ferrar as unhas em alguns tecnocratas da Companhia...

Ela estava sentada diante do console do computador central, no anexo principal da Mãe, quando Parker e Lambert foram ter com ela, mais tarde. Falou-lhes com desânimo.
— Ash estava certo quanto a uma coisa. Não temos de fato muita chance — e indicando uma leitura no console: — Resta-nos menos de doze horas de oxigênio. Então tudo estará acabado.
Parker olhou para o chão.
— Ligar Ash de novo será uma forma mais rápida ainda de suicídio. Oh, estou seguro de que ele tentaria controlar o alienígena. Disso não tenho dúvida. Mas não nos deixaria vivos. Essa é uma ordem da Companhia que ele não nos comunicou. Mas como contou todo o resto, não nos poderia deixar livres para denunciar no porto, às autoridades, o que a Companhia planejou — e, com um sorriso: — Ash era um engenho leal à Companhia.
— Não sei o que pensam vocês dois, mas prefiro morrer sem dor, tranqüilamente. Não me agradam as alternativas disponíveis — disse Lambert.
— Ainda não chegamos lá.

Lambert mostrou aos outros um cartãozinho com pílulas. Ripley reconheceu os comprimidos suicidas pela cor vermelha e pela caveira e os nós cruzados.
— Não! Huh! Você se deixou convencer por Ash. Eu lhe digo que não chegamos a esse extremo. Ele disse que era quem tinha a melhor chance de lidar com o alienígena. Mas é ele que está em pedaços no cassino, não nós. Temos uma saída: fazer explodir a nave.
— Mas é essa a sua alternativa? — disse Lambert. — Prefiro meus comprimidos, se você permite.
— Não, não. Lembra-se do que você mesma propôs antes, Lambert? Sairíamos para o módulo, abandonando a nave. Levaríamos conosco o ar remanescente em tanques portáteis. O módulo tem suas próprias reservas. Com o ar extra, há uma possibilidade de alcançarmos as rotas principais do espaço e de sermos salvos. Talvez estejamos respirando o nosso próprio gás carbônico quando isso acontecer, mas é uma possibilidade. E isso liquidaria o alienígena.
Todos se calaram, pensando. Parker levantou os olhos primeiro e assentiu.
— Gosto mais disso que de veneno. E gosto de ver pelos ares algo que pertence à Companhia. Vou começar a transferir o ar para garrafões.
Supervisou efetivamente, a transferência do ar comprimido dos principais tanques do Nostromo para pequenas caixas portáteis que pudessem levar no módulo.
— É tudo? — perguntou Ripley, quando o engenheiro se recostou, exausto, num umbral.
— É tudo o que podemos levar — disse, mostrando com um gesto os bujões enfileirados. — Talvez não pareça muita coisa, mas é ar sob pressão. Altamente comprimido. Dar-nos-á literalmente uma pausa para tomar fôlego... — e riu-se.
— Magnífico. Vamos reunir provisões, ligar os motores e cair fora. Com Jones, naturalmente. Por onde anda Jones?
— Quem sabe? — disse Parker. A última coisa que o interessava era o paradeiro do gato de bordo.
— Da última vez que o vi — disse Lambert — estava andando pelo refeitório cheirando o corpo de Ash.
— Vá ver. Não podemos deixá-lo. Ainda temos suficiente humanidade para isso.
Lambert olhou desconfiada para a amiga.
— Não. Nada feito, não vou a lugar nenhum desta nave sozinha.
— E eu sempre odiei o presunçoso animal — disse Parker.
— Não importa. Vou eu — disse Ripley. — Vocês embarquem o ar e a comida.
— Muito bem — concordou Lambert. E ela e Parker apanharam bujões de oxigênio e levaram-no para o módulo. Ripley correu à sala comum.

Não teve de procurar o gato. Depois de revistar a sala, com o maior cuidado para não esbarrar na forma decapitada de Ash, subiu à ponte. E deu com Jones imediatamente. Estava em cima do console de Dallas, cuidando da toalete com ar enfadado.
Ela sorriu.
— Jones, você é um gato de sorte.
Aparentemente, o gato discordava. Quando quis pegá-lo, pulou longe e pôs-se a andar lambendo os pêlos. Ela curvou-se, seguiu-o, adulando-o com a entonação da voz e com carícias.
— Vamos, Jones. Não se faça difícil. Não agora. Os outros não vão esperar por você.

O Oitavo Passageiro - Alan Dean Foster (Parte 24)





A sirene soou de novo, mais peremptória ainda, mais histérica — e com maior razão. Portas de emergência se fecharam automaticamente por toda a nave, a começar com as da seção arrombada. Parker e Ripley deveriam estar em segurança, selados numa porção hermética do corredor... exceto por uma coisa: a porta que os isolaria do vestíbulo da comporta apanhara um dos lança-chamas que jaziam por terra e ficara aberta.
O vento puxava Ripley, e ela buscava algo com que pudesse lutar contra ele, agüentar-se. Havia só o tanque remanescente. Levantou-o no ar tentando martelar com ele o outro cilindro, que obstruía a porta. Se um dos dois se partisse, o conteúdo seria derramado com terríveis conseqüências.
Mas, se ela não tentasse, a despressurização os mataria da mesma maneira.
A falta de ar já a enfraquecia. O sangue começou a sair pelo seu nariz e ouvidos.
A queda de pressão fazia também que os ferimentos de Parker começassem a sangrar outra vez.
Ela bateu pela última vez no cilindro que obstruía a porta, e ele pulou fora com a facilidade de um bebê que nasce. A porta, livre, bateu, e o uivo do vento se esvaiu ao longe. Mas o ar revolto continuou a girar em remoinho por vários minutos ainda.
Da ponte, Lambert vira as ameaçadoras leituras aparecerem no seu console:

QUILHA PERFURADA.
ESCUDOS E ANTEPAROS DE EMERGÊNCIA FECHADOS.

— Ash, providencie algum oxigênio. Encontre-me junto da comporta principal, na última das portas seladas.
— Entendido. Estou indo para lá.

Ripley conseguiu levantar-se vacilante. Lutava para respirar, no corredor quase esvaziado, praticamente sem atmosfera. Encaminhou-se para o cilindro de emergência. Havia um em cada seção dos corredores. Havia também um botão, que abria a porta, não a última, que fechara com tanta dificuldade, mas a penúltima, atrás da qual havia outra seção selada — e ar fresco.

Só no último instante percebeu com horror que se encaminhara para a outra direção e que a porta era a do vestíbulo arrombado e não a do corredor B! Virou-lhe as costas, procurou firmar-se, concentrar os pensamentos, e arrastou-se no rumo certo.
Levou ainda vários preciosos minutos a localizar o botão salvador. Os pensamentos que lhe passavam pelo cérebro eram ainda soltos e esgarçados, fugidios e sem consistência. Quebravam-se como óleo em cima d'água. O ar que lhe restava enevoava-se, ficava turvo, cheirava funereamente a rosas e lilases.

Achou o botão, apertou-o com força. A porta não se moveu. Então viu que comprimira um controle falso. Encostando-se contra o metal frio, tentando infundir alguma vida nas pernas que já não sentia, que se tinham tornado de borracha, procurou reunir energias para tentar de novo. Mas não havia muito ar de resto que pudesse usar...
Então um rosto surgiu na janela envidraçada, encaixada na porta. Distorcido, inchado mas familiar de certo modo. Parecia conhecê-lo de alguma outra vida, já remota. Alguém que se chamara Lambert tinha usado aquele rosto um dia. Estava cansada demais para pensar, e escorregou docemente para o chão.

Quando a superfície a que se apoiava faltou-lhe, teve um último pensamento, de raiva. Mas a porta desapareceu no recesso da parede e ela bateu com a cabeça no piso duro. Um grande sopro de ar puro, refrescante, roçou-lhe a face. A névoa começou a dissipar-se, e ela passou a ver de novo, mas só com os olhos, não com o cérebro ainda desoxigenado.

Uma buzina anunciou a normalização da pressurização interna no momento em que Lambert e Ash a alcançavam. O oficial de ciência correu em socorro de Parker, que desmaiara de novo, falto de ar, e que só aos poucos recobrou a consciência.
Os olhos de Ripley, muito abertos agora, funcionavam, mas o resto do seu corpo continuava desgovernado. Mãos e pés, pernas e braços, espalhavam-se no chão como membros de uma boneca de engonço, magra e não particularmente bem feita. O próprio fôlego vinha ainda em haustos, e dolorosamente.
Lambert depôs junto da amiga um dos tanques que trazia. Colocou a máscara transparente no nariz e boca de Ripley, e abriu a válvula. O capitão inalou. Um maravilhoso perfume encheu-lhe os pulmões. Seus olhos se fecharam, mas dessa vez de prazer. E ela se deixou ficar assim um bom momento, imóvel, a sugar em tragos profundos o oxigênio puro. O único choque para o seu sistema era de deleite.
Finalmente, empurrou com a mão o respirador artificial, e ficou por algum tempo ainda quieta, a respirar normalmente. A pressão fora de fato restaurada. E as portas que cortavam o corredor em porções herméticas se tinham aberto com a volta da atmosfera habitual. Sabia que a nave fora obrigada a valer-se dos seus tanques de reserva. E esse era o próximo problema que teriam pela frente — pensou.

— Você está bem? — perguntava Ash a Parker. — O que houve, afinal?
Parker removeu uma crosta de sangue coagulado do céu da boca, e tentou espanar as teias de aranha do cérebro.
— Acho que vou viver — disse. 'No momento, ignorava a segunda pergunta do oficial de ciência.
— O que aconteceu com o alienígena? — insistiu o outro.
Parker sacudiu a cabeça várias vezes, gemendo.
— Não o pegamos. A sirene soou, ele saltou para trás e fugiu pelo corredor. Mas a porta apanhou um braço dele ou o que seja. Como chamar essas coisas? O fato é que esse se safou, como se safam os lagartos, quando deixam o rabo para trás.
— E por que não o faria, com a capacidade que tem de regeneração? — perguntou Ash, retoricamente.
O engenheiro prosseguiu seu relato, infundindo às palavras a mesma frustração que sentia:
— Tínhamos o miserável nas mãos. Estava acabado — fez uma pausa. — Mas aí, quando escapou, sangrou por toda parte. O membro sangrou, acho. Espero em Deus que o coto tenha secado, cicatrizado, parado de pingar ácido. Terá sido nossa salvação. Porque o ácido roeu tudo por aqui. Foi ele que causou a despressurização — e apontou com dedo trêmulo para a porta fechada que separava do vestíbulo o resto do corredor.
— Você talvez possa ver daqui, pela escotilha, o rombo da comporta.
— Não importa agora — disse Ash. Depois levantou os olhos, intrigado.
— Mas quem acionou a sirene?
Ripley tinha os olhos nele.
— Explique-o você.
— O que quer dizer?
Ela fungou, removeu sangue do nariz.
— O alarme pode ter disparado automaticamente. Essa seria a explicação lógica não seria? Uma disfunção temporária? Uma infeliz coincidência?

O oficial de ciência levantou-se e olhou-a com as pálpebras quase abaixadas. Ela se certificara de que o cilindro remanescente de metano estava ao alcance da mão, antes de falar. Mas Ash não fez qualquer movimento em sua direção. Ela ainda não o entendia. Se era culpado, devia atacá-la agora, que estava fraca, e Parker pior ainda. Se era inocente, poderia ficar furioso e fazer o mesmo. Mas ele não fazia nada — e isso ela não previra. Pelo menos, porém, as primeiras palavras que proferiu em resposta eram previsíveis. Parecia mais zangado do que de hábito.
— Se você quer dizer alguma coisa, diga-a. Estou ficando farto de insinuações.
— Ninguém o acusa de nada.
— Não acusa? O diabo que não acusa! — e caiu num mutismo emburrado.
Ripley permaneceu calada por muito tempo, depois deu o incidente por encerrado.
— Leve-o para a enfermaria e ponha-o em boas condições outra vez. Pelo menos isso nós sabemos que o médico automático é capaz de fazer.

Ash ajudou o engenheiro a erguer-se, passou o braço direito de Parker pelo seu ombro, e ajudou-o a caminhar pelo corredor. Ash passou por Ripley de olhos baixos, evitando encará-la. Quando ele desapareceu com sua carga na primeira volta, Ripley levantou a mão. Lambert tomou-a, inclinou o corpo para trás e viu, consternada, que a outra não se mantinha de pé, que oscilava. Ripley, no entanto, sorriu, e dispensou apoio.
— Estou bem.
Limpou sumariamente as calças.
— Quanto oxigênio nos custou esse pequeno episódio? Vou precisar de uma leitura exata. Lambert não respondeu, continuou a fitá-la.
— Alguma coisa estranha nisso? — perguntou Ripley. — Por que me olha desse modo? As leituras de oxigênio não são mais de conhecimento público?
— Não se zangue comigo, vamos — disse Lambert, sem nenhum rancor. — Mas você o acusou há pouco. Você o acusou frontalmente de haver acionado o alarme para salvar o alienígena — e abanando a cabeça de incredulidade: — Por quê?
— Porque acho que ele mente. E se eu puder pôr as mãos nas gravações, provo isso.
— Prova o quê? Mesmo que pudesse provar que ele foi culpado pela sirene, não poderá provar que tenha havido dolo. Que não tenha sido um acidente.
— Curioso acidente, pois não? Estranho momento para esse acidente específico, não diria você? — Ripley calou-se, mas logo depois acrescentou tranqüilamente: — Você ainda pensa que eu esteja enganada, não é?
— Não sei — Lambert parecia mais cansada do que interessada em discutir. — Não sei mais nada. Sim, acho que devo dizer que você está errada. Errada ou louca. Por que iria Ash, ou qualquer pessoa, Ripley, proteger o alienígena? Ao invés de matá-lo, como ele matou Brett e Dallas. Se é que estão mortos.
— Obrigada. Sempre é bom saber com quem se pode contar.
Ripley virou as costas à navegadora e afastou-se deliberadamente rumo à escada.
Lambert acompanhou-a com os olhos, deu de ombros, começou a recolher os cilindros. Tinha tanto cuidado com o metano como com o oxigênio. Ambos eram igualmente vitais à sobrevivência deles...

— Ash? Você está aí? Parker?

Nenhuma resposta. Ripley então entrou cautelosamente no anexo do computador central. Por um tempo indeterminado, tinha agora o cérebro do Nostromo inteiramente a seu serviço.
Sentando-se em frente do console principal, ativou o teclado e apertou o polegar com insistência contra a placa de identificação. As grades de dados piscaram e entraram em ação.
Até agora fora fácil. Mas havia que trabalhar. Pensou por um momento, depois bateu rapidamente um código de cinco dígitos que, a seu ver, geraria a resposta que buscava. As grades continuaram brancas, à espera da questão apropriada.
Ela tentou uma segunda combinação, pouco usada, mas o malogro foi idêntico.
Praguejou de raiva. Se ficasse condenada a tentar combinações a esmo levaria horas no anexo. Até o juízo final. Que, a julgar pelo ritmo com que o alienígena reduzia a tripulação, não devia estar longe.
Tentou uma combinação terciária, ao invés de uma primária, e ficou surpresa quando a grade subitamente limpou pronta a receber e a informar. Mas não imprimiu um pedido de entrada. O que significava que o código fora apenas parcialmente um êxito.
O que fazer?

Lançou um olhar ao teclado secundário. Acessível a qualquer membro da tripulação, não se destinava a informações confidenciais ou de comando. Se conseguisse lembrar-se da combinação poderia usar o segundo teclado para fazer perguntas ao principal banco de memória. Rapidamente, mudou de lugar, usou a chave que esperava fosse a boa e datilografou a primeira pergunta. Restava saber se a chave fora aceita ou não. Se aceita, a resposta apareceria na grade.
Surgiram cores, que se substituíram velozmente umas às outras. Por um segundo. Depois a tela clareou.

QUEM LIGOU O SISTEMA DE ALARME DA COMPORTA 2?

A resposta veio logo abaixo:

ASH.

Ela digeriu aquilo. Era a resposta que esperava, mas vendo-a assim, impressa com todas as letras, friamente, para quem a quisesse ler, foi o que a fez sentir todo o peso da revelação.

ASH PROTEGE O ALIENÍGENA?

A Mãe parecia ter escolhido aquele dia para respostas curtas e ao pé da letra:

SIM.

Ela também podia ser breve. Seus dedos correram pelo teclado:

POR QUÊ?

Perguntou e debruçou-se para a frente, tensa. Se o computador decidisse encerrar suas revelações, não conhecia mais qualquer código que pudesse utilizar. Havia também a possibilidade de que o computador não tivesse explicação para o comportamento bizarro do oficial de ciência. Mas tinha.

ORDEM ESPECIAL 937 INFORMAÇÃO RESTRITA PESSOAL DE CIÊNCIA EXCLUSIVAMENTE.

Bem, tinha conseguido, até aquele passo. Poderia contornar essas restrições. Começava a fazê-lo quando uma mão abateu-se junto à dela, e um braço mergulhou até o cotovelo no terminal do computador.
Girando na cadeira, com o coração na boca, viu, não a criatura, mas uma forma e um rosto agora igualmente estranhos para ela.
Ash sorriu de leve. Não havia humor nenhum nos lábios virados para cima.

— Parece-me que o comando lhe subiu à cabeça. Mas, afinal, uma liderança eficaz é sempre difícil em circunstâncias como as atuais. Não é culpa sua.
Ripley saiu da cadeira, deixando-a entre eles dois. As palavras de Ash podiam ser conciliatórias, simpáticas até. Mas seus atos não combinavam com elas.
— O problema não é de liderança, Ash. É de lealdade.
De costas para a parede, Ripley começou a esgueirar-se de lado, em direção à porta.
Ainda sorrindo, Ash voltou-se para encará-la:
— Lealdade? Não vejo porquê — era todo encanto, agora, pensou ela. — Penso que temos feito, todos, o melhor que podemos. Lambert começa a ficar um tanto pessimista, mas sempre soubemos que ela pende para o emocional. É muito boa para planejar o rumo da nave, mas não os seus próprios.
Ripley continuava a avançar de lado, colada à parede, afastando-se dele, e obrigou-se a devolver-lhe o sorriso.
— Não me preocupo com Lambert no momento, preocupo-me com você.
Começou a dar-lhe as costas, para sair pela porta, sentindo a tensão dos músculos do estômago, na expectativa.
— É a velha paranóia que recomeça — disse, com tristeza. — Você precisa descansar um pouco — e deu um passo, tentativo, para ela, com a mão estendida.

Ripley abaixou-se para escapar aos dedos dele, e fugiu, numa carreira desabalada pelo corredor. Subiu depois à ponte. Não gritava porque não tinha tempo e porque queria poupar o fôlego.
Não havia ninguém na ponte. De algum modo, ela lhe escapou uma segunda vez, apertando botões pelo caminho, enquanto corria. Botões de emergência, que fechavam portas atrás dela, infelizmente um minuto tarde demais para livrá-la dele, para deixá-lo do outro lado. Finalmente, ele a alcançou na sala comum. Lambert e Parker chegaram segundos depois. Os sinais dados pelas portas de emergência os tinham alertado de que algo de excepcional ocorria naquela área e estavam a caminho da ponte quando deram com perseguida e perseguidor.

Embora não fosse aquele o tipo de emergência que esperavam, reagiram bem.
Lambert foi a primeira a entrar. Lançou-se às costas de Ash. Aborrecido, ele soltou Ripley, agarrou a navegadora e atirou-a para o fundo da sala antes de retomar o que estava fazendo antes: estrangulando Ripley,

A reação de Parker foi menos imediata, porém mais bem pensada. Ash teria apreciado o raciocínio do engenheiro. Parker apanhou um dos compactos rastreadores e, colocando-se atrás de Ash, que continuava a sufocar Ripley, deu-lhe um golpe na cabeça com toda a força. Houve um som curioso, contundente.
O rastreador completou seu arco e a cabeça de Ash pulou fora.
Não houve sangue. Do pescoço cortado, apontaram fios de todas as cores e circuitos pintados. Ash, decapitado, soltou Ripley. Ela caiu no chão, ainda sem respiração,
segurando a garganta com as mãos, a tossir.
As mãos de Ash fizeram uma pantomima macabra no ar, à procura da cabeça perdida. Depois ele vacilou, endireitou-se e, cego embora, começou a procurar pelo soalho, às apalpadelas, a peça que lhe faltava...

O Oitavo Passageiro - Alan Dean Foster (Parte 23)





XII

    .   
Os quatro membros sobreviventes da tripulação do Nostromo reuniram-se no cassino, que já não era confinante ou apertado. Adquirira uma largueza que eles sentiam com horror e lembrava-lhes coisas que queriam esquecer. Parker, que segurava dois lança-chamas, pôs um deles, com deferência, sobre a mesa nua.

— Onde estava? — perguntou Ripley, tristemente.
— No chão da câmara misturadora, debaixo da passarela — disse o engenheiro mecanicamente. — Nenhum sinal dele. Nenhum sangue. Nada.
— E o alienígena?
— Mesma coisa. Quer dizer, nada. Só um grande buraco, aberto através do complexo central da ventilação. No metal. Não sabia que ele tinha essa força.
— Nenhum de nós sabia. Dallas também não. Temos estado sempre um passo atrás dessa criatura desde que primeiro trouxemos sua primeira fase, a maniforme, para bordo desta nave. Isso tem de mudar. De agora em diante vamos supor que o alienígena seja capaz de tudo, inclusive invisibilidade.
— Nenhuma criatura conhecida é naturalmente invisível — ponderou Ash.
Ela o fulminou com os olhos.
— Nenhuma criatura conhecida pode rasgar placas metálicas de três centímetros de espessura como se fossem de papel — disse. E não houve resposta. — Cumpre que nos conscientizemos do que temos pela frente.
O silêncio na sala era total.
— Ripley, o que aconteceu lhe dá o comando — disse Parker. — No que me diz respeito, tudo bem.
— Obrigada — Ripley olhou-o mas não viu sarcasmo nele. Nem nas palavras, nem na atitude.
— E agora, Ripley? — perguntou ela a si mesma, três rostos encaravam-na, na expectativa. Pediam instruções. Ela revolveu a própria mente, desejando ser brilhante e eficaz, decisiva. E só encontrou incerteza, temor e perplexidade. Precisamente o que seus colegas estariam sentindo. Compreendia Dallas, agora. Agora, quando já não tinha importância.
— Está decidido, então. Salvo melhor juízo, o plano é o mesmo, e a ordem do dia é executá-lo.
— Para acabar da mesma maneira? — disse Lambert. — Não, obrigada.
— Você tem outra idéia melhor, é isso?
— Sim. Abandonar a nave. Tomar o módulo de salvamento e cair fora. Será um risco. Podemos não conseguir entrar na órbita da Terra. Mas podemos também ser apanhados por outra nave. Uma vez numa rota de grande movimento, alguém captará nosso S.O.S.

Ash interveio. Lambert obrigava-o a isso embora o que tinha para dizer lhe custasse. Falou com calma:
— Você esquece alguma coisa. Dallas e Brett talvez não estejam mortos. É uma possibilidade que abre perspectivas terríveis. Mas não temos certeza. Não podemos abandonar a nave antes de saber positivamente se estão vivos ou mortos.
— Ash tem razão — disse Ripley. — Temos de tentar mais uma vez. Sabemos que o alienígena usa o sistema de ar e ventilação. Vamos atacá-lo nível por nível. Desta vez, à medida que avançarmos, selamos a laser cada abertura, escada ou passagem à retaguarda até que ele esteja encurralado.
— Voto com você — disse Parker, olhando para Lambert. Ela mantinha os olhos baixos e não disse nada.
— Como estão as armas? — perguntou Ripley.
O engenheiro levou algum tempo verificando níveis de combustível e linhas de alimentação.
— Bocais, linhas de alimentação, tudo funciona. Tudo limpo — e mostrando o incinerador de Dallas: — Aquele podia ser carregado de novo. Boa parte do combustível foi usada.
— Então, por favor, providencie algum. Vamos enchê-lo. E você, Ash, vai com ele.
Parker olhou com expressão indecifrável para o oficial de ciência.
— Eu me arranjo sozinho.

Ash fez que sim, de cabeça.
O engenheiro apanhou sua própria arma, deu meia volta e se foi.
O resto deles ficou em volta da mesa. Estavam todos tristes e calados. Incapaz de suportar o silêncio, Ripley perguntou ao oficial de ciência.

— Alguma idéia nova? Sugestões, palpites? Contribuição sua ou da Mãe.
Ele alçou os ombros:
— Nada. Ainda pingando dados.
Ela o olhou firme.
— Não posso crer. Você está querendo me dizer que, com tudo o que temos armazenado nesta nave em matéria de conhecimento, não se acha nada melhor para combater essa coisa?
— Pois é o que parece, não? Lembre-se de que não se trata de uma fera catalogada, previsível. Você mesma disse que ela é capaz de tudo.
— Sim. Tem sua própria munição mental, pelo menos alguma, pelo menos tanto quanto um cão. Provavelmente mais que um chimpanzé. Também já demonstrou sua capacidade de aprender. Era completamente estranha ao Nostromo e, no entanto, sabe agora como andar pela nave sem ser descoberta. É ágil, forte e astuta. Um predador como nunca encontramos antes. Não é por isso tão surpreendente assim que nossos esforços para dominá-la tenham falhado.
— Você me dá a impressão de querer desistir.
— Estou apenas pondo em palavras o óbvio.
— Esta é uma nave moderna, bem equipada, projetada para viajar pelo hiperespaço e para executar uma variedade de tarefas de alta complexidade. Você não vai querer me convencer que todos os recursos dela são inadequados para enfrentar um animal isolado, mesmo um animal como esse.
— Lamento, capitão. Disse-lhe apenas, honestamente, como vejo as coisas. Desejar que sejam diferentes não vai alterar a situação. Um homem com um revólver pode caçar um tigre de dia com alguma possibilidade de êxito. Mas elimine-se a luz, ponha-se o homem à noite na floresta, envolto pelo desconhecido, e todos os seus pavores ancestrais retornarão. A vantagem será do tigre. Operamos, aqui, no escuro. Ignoramos tudo sobre a nossa fera.
— Muito poético, mas não muito útil.
— Desculpe — não parecia importar-se.
— Pois, Ash, tente modificar alguns desses 'fatos' que você parece considerar tão positivos. Vá ter com a Mãe de novo — ordenou ela — e interrogue-a até que nos dê respostas mais aceitáveis.
— Muito bem, posso tentar. Embora não saiba muito bem o que você espera. A Mãe é incapaz de encobrir informações.
— Experimente diferentes questões. Não sei se estará lembrado, mas eu tive sucesso operando através do ECIU. Sabe? O pedido de 'socorro'...
— Sim, eu me lembro — Ash olhou-a com respeito. — Talvez você tenha razão — e saiu.
Lambert sentara-se. Ripley foi sentar-se ao lado dela.
— Agüente firme. Você sabe que Dallas teria feito o mesmo por nós. Ele jamais abandonaria a nave sem estar certo da nossa morte.
Lambert não se deixou aplacar.
— Tudo o que sei é que você quer que fiquemos até sermos comidos um por um.
— Eu lhe prometo que não será assim. Se parecer que não há modo de vencê-lo, serei a primeira a determinar que saiam daqui depressa.

Uma idéia lhe ocorreu nesse momento. Deslocada, embora, e peculiar também, tinha inexplicável relevância em relação ao problema que os ocupava. Ela olhou para Lambert. Sua companheira devia responder-lhe a verdade, senão a questão não teria sentido. Sentia difusamente que, apesar de difícil em muitas coisas, nisso podia confiar em Lambert. Podia confiar na sua resposta.
É claro que uma resposta, positiva ou negativa, não bastava para decidir a questão. Mas não podia deixar que essa pequena bolha de idéia tomasse vulto dentro dela, ou em breve ocuparia obsessivamente toda sua mente. Tinha de saber e livrar-se disso:

— Lambert, você alguma vez dormiu com Ash?
— Não — fora uma resposta imediata, que não deixava lugar para hesitação ou subterfúgio. — E você?
— Não — as duas se calaram até que Lambert acrescentou, espontaneamente: — Nunca tive a impressão de que ele estivesse particularmente interessado.

Era o fim do tópico, no que dizia respeito à navegadora. E era quase o fim, também, no que dizia respeito a Ripley. Não sabia explicar por que continuava a remoer o assunto. Mas o fato é que ele não lhe saiu da cabeça e continuou a atormentá-la sem que pudesse explicar a si mesma por que infernal razão.

Parker verificou o nível do primeiro cilindro de metano e assegurou-se de que a garrafa de gás altamente comprimido estava cheia. Fez o mesmo com o segundo, que estava encostado junto dele. Depois, pegou os dois, um em cada mão, e foi com eles escada acima. O deque B estava deserto, e ele se sentiu abandonado. Quanto mais depressa se juntasse aos outros, melhor. Na verdade, lamentava não ter deixado que Ash o acompanhasse. Fora um idiota em ir correndo sozinho encher os cilindros. Todas as vítimas do alienígena tinham estado sozinhas. Arriscou uma pequena corrida a despeito do grande peso das garrafas.

Dobrou assim, em passo acelerado, uma esquina do corredor, e parou assustado, derrubando, quase, um dos recipientes. À sua frente estava justamente o conduto principal de ventilação. E além dele, mas não muito além, alguma coisa se mexera. Mas teria mesmo visto isso? Todo mundo andava imaginando coisas,  ele piscou algumas vezes, a ver se clareava vista e mente.
Já se dispunha a prosseguir quando o movimento foi repetido. Havia uma sugestão de volume e de massa. Vaga, mas perceptível. Olhando em torno deu com um dos intercomunicadores de parede. Ripley e Lambert estariam ainda na ponte.
Ele girou o comutador ao pé da grade.

— Aqui Ripley.
— Fale baixo! — cochichou ele, aflito. À frente, o movimento cessara. Teria a criatura ouvido-a?
— Posso ouvi-lo — disse Ripley, trocando com Lambert um olhar intrigado. Lambert não tinha expressão, mas, quando falou de novo, foi também num sussurro, como ele pedira: — Repita... Por que essa precaução?
— O alienígena — disse Parker, sempre em voz baixa. Não ousava falar alto: — Está do lado de fora da comporta de estibordo. Sim, agora. Abra a porta devagar. E quando eu disser, feche-a depressa e abra a outra.
— Você tem certeza de que...
Ele cortou o que ela ia dizer.
— Já lhe disse, está aqui. Faça o que pedi... — e, depois de obrigar-se a falar com calma: — Agora, abra a porta. Devagar.

Ripley hesitou, começou a dizer algo, depois viu que Lambert assentia de cabeça com vigor. Se Parker estivesse errado, nada tinham a perder, salvo uma quantidade mínima de ar. Mas, se ele soubesse o que fazia, então... Ela moveu a chave.
Embaixo, Parker tentava colar-se à parede, quando soou uma espécie de gemido e a porta da comporta interna moveu-se para o lado. A criatura saiu da sombra e avançou para ela. Várias luzes apagavam-se e acendiam lá dentro. Uma era de um belo verde-esmeralda, a mais brilhante. O alienígena contemplou-a com interesse e chegou até o limiar da comporta.

— Vamos, vamos — urgia o engenheiro. — Olhe para a bela luz verde. Isso. Não gostaria de ter a luz verde para você? Claro que gostaria. Pois entre, só isso, entre e ela será sua para sempre. São dois passos mais, dois só. Meu Deus, dois passos apenas.
Fascinado pelo indicador que pulsava hipnoticamente, o alienígena entrou na câmara. Estava agora dentro dela. Mas por quanto tempo? Quem poderia dizer quando se aborreceria daquilo, quando teria suspeitas?

— Agora — disse Parker. — Agora!

Ripley preparava-se para fechar a porta. Sua mão já estava a meio caminho da alavanca quando a sirene de emergência do Nostromo soou.
Atenção, queria dizer o apito.
Ela e Lambert ficaram petrificadas. Uma olhou para a outra e cada uma viu apenas o seu próprio choque espelhado no rosto da companheira. Ripley moveu a alavanca.
O alienígena ouvira a sirene também. Contraindo os músculos, saltou para trás, cruzando a soleira de um salto. Fora um salto inacreditável e por um segundo ele teria escapado inteiramente, mas a porta, ao fechar-se, pegou um dos seus membros e esmagou-o. O alienígena soltou um ronco que era rugido e berro ao mesmo tempo. Parecia vir do fundo d'água. Um jorro de fluido surgiu, fervilhando, da ferida. A criatura se livrou, deixando o membro que fora apanhado nas mandíbulas do metal. Depois fugiu correndo-, cego de dor. Ao passar pelo engenheiro, que apenas entreviu, levantou-o no ar, lançou-o longe e se foi, desaparecendo na primeira volta do corredor.

Por cima da cabeça de Parker, que jazia embolado no chão, uma outra luz verde se acendera e piscava, iluminando as palavras PORTA INTERNA FECHADA.
Mas o metal da comporta hermética fervia e derretia-se agora, e a porta externa se abriu. Uma lufada de ar congelado apareceu do lado de fora e o ar que a câmara continha foi sugado para o espaço.

— Parker? — dizia Ripley, aflita no intercomunicador. Pôs- se a apertar botões e a torcer interruptores. Tudo em vão. Uma luz verde, porém, não parava de piscar em seu console.
— O que houve? Deu certo?
— Não tenho certeza. A porta interna está selada e a de fora se abriu.
— Então? Deve ter funcionado. Onde está Parker?
— Não sei. Não obtenho resposta dele. Se tivesse dado certo, Parker estaria a cantar vitória em todos os intercomunicadores. Vou até lá — decidiu e correu para o convés B.

Quase caiu por duas vezes. Da primeira, tropeçou numa saliência do chão e quase perdeu os sentidos. De algum modo, conseguiu reequilibrar-se e prosseguir  cambaleando. Não era o alienígena que a preocupava, mas Parker, um ser humano.
Desceu as escadas de quatro em quatro, precipitou- se para o corredor B, correu à comporta. Estava vazia, exceto por uma forma estendida, atravessada no corredor: Parker.
Curvou-se para ele. Estava tonto, mas vivo, semiconsciente.
— O que foi? Você tem um aspecto horrível. A criatura...

O engenheiro tentava formar palavras inteligíveis, acabou tendo de gesticular, vagamente, apontando a comporta. Ripley calou-se e, olhando para a direção que ele Mostrava, viu o trágico buraco na comporta. A outra, externa, ainda estava aberta e, ao que parecia, depois de ter dado saída ao monstro.
Então o ácido varou o metal.
Houve uma explosão surda do ar que saía, e um pequeno furacão os envolveu.
O ar assobiava ao sair chupado pelo vácuo. E um sinal vermelho de alerta surgiu simultaneamente em vários recessos das paredes do corredor:

DESPRESSURIZAÇÃO PERIGOSA.

O Oitavo Passageiro - Alan Dean Foster (Parte 22)





Ofegante, Ripley alcançou sua posição, no vestíbulo, junto à comporta de boreste. Um olhar de relance ao seu rastreador mostrou que não havia movimento na área. Apertou um botão vermelho na vizinhança. Um zumbido suave encheu aquela área do corredor e a porta maciça deslizou para o lado. Quando estava completamente aberta e o zumbido cessara, a moça ligou seu intercomunicador.

— Comporta de estibordo pronta.
Parker e Lambert alcançaram a seção do corredor especificada por Dallas e se detiveram. A boca do ventilador, com sua grade, ficava no terço superior da parede:
— É por onde ele sairá, se tentar este caminho — observou Parker. Lambert assentiu, e foi até o mais próximo pick-up embutido para informar que estavam em posição.
De volta ao depósito de mantimentos, Dallas ouviu com atenção o aviso de Lambert, que se seguiu ao de Ripley. Fez uma ou duas perguntas, acusou recebimento das respostas, e desligou. Ash deu-lhe o lança-chamas. Dallas ajustou o bocal da arma e deu duas rajadas curtas, como ensaio.
— Funciona. Parker é melhor para coisas de mecânica aplicada do que ele pensa — e como Ash tinha uma expressão curiosa: — O que foi?
— Você tomou sua decisão. Não cabe a mim comentá-la.
— Você é o meu oficial de ciência. Vamos, comente.
— Isso nada tem a ver com ciência.
— Não temos tempo para casuísmos. Diga o que quer dizer.
Ash olhava-o genuinamente intrigado.
— Por que vai você? Por que não Ripley? Ela estava disposta e tem competência bastante.
— Eu não devia ter jamais sugerido outra pessoa — conferia o nível do fluido no lança-chamas. — Foi um erro pedir voluntários. A responsabilidade é minha. Deixei que Kane investigasse a nave alienígena. Agora cabe a mim isto. Já deleguei bastante risco aos outros sem correr nenhum eu mesmo. Era tempo que o fizesse.
— Você é o capitão — disse Ash. — Tem de ser prático e não heróico. Fez bem em mandar Kane. Por que mudar agora?

Dallas sorriu-lhe. Não tinha muitas oportunidades de apanhar Ash em contradição.

— Você não pode falar em protocolo. Você abriu a porta e nos fez entrar, lembra-se?
O oficial de ciência não respondeu.
— Então não me venha a dar lições sobre o que é próprio ou impróprio.
— Será pior para nós se perdermos você. Sobretudo agora.
— Você acabou de dizer que Ripley é competente. Eu concordo. Ela é a primeira, na linha de sucessão. Se eu não voltar, não há coisa que saiba fazer que ela não saiba.
— Discordo.
Estavam perdendo tempo. Não se podia saber por onde andaria a criatura. Dallas estava cansado de discutir.
— Chega. A decisão é minha, está tomada, acabou-se — virou-se, pôs o pé direito dentro do cano, fez deslizar o lança-chamas à frente, cuidando para que não escorregasse. Havia um leve declive.
— Não — disse —, assim não vai. O espaço não é bastante para andar de gatinhas. Terei de rastejar — retirou a perna, passou a cabeça e, sacudindo-se, conseguiu meter o corpo todo. Havia menos espaço do que pensara. Como um ser do tamanho do que Parker e Ripley diziam ter visto, pudera enfiar-se por ali, não podia imaginar. Bem, talvez o duto até ficasse ainda mais estreito. Nesse caso, o alienígena, na ânsia de fugir, entalara-se. O que faria tudo infinitamente mais simples.
— Como vai indo?
— Não muito bem — respondeu a Ash. E sua voz reverberou em torno dele. Com esforço conseguiu firmar os cotovelos e colocar-se na posição militar de rastejar.
— É amplo o bastante para que a gente possa sentir-se bem desconfortável...
Acendeu seu bastão luminescente e teve alguma dificuldade em achar e ajustar o microfone que tinha prendido à gola do uniforme. A luz mostrava o espaço à frente, liso, igual, descendo um pouco. Sabia que esse declive seria mais sensível depois, antes de emergir por detrás da criatura na comporta de estibordo.
— Ripley, Parker, Lambert, vocês podem captar minha emissão? Estou nos dutos agora, e descendo.
Embaixo, Lambert falou no comunicador da parede:
— Podemos ouvir. Lambert aqui. Tentarei acompanhá-lo com o nosso rastreador, desde que entre no raio de ação dele.
Ao lado, Parker levantou o lança-chamas e olhou com raiva para a grade de ventilação.
— Parker — disse Dallas —, se ele tentar sair por aí, mande-o de volta. Eu o empurrarei daqui.
— Muito bem.
— Prontos aqui na comporta. A porta está aberta e à espera de companhia.
— Pois a companhia está a caminho — disse Dallas.
E começou a rastejar, de olhos no túnel à frente e mão no controle do incinerador. O duto tinha, naquela seção, menos de um metro de diâmetro. O metal lhe arranhava os joelhos e ele lamentou não ter posto um segundo macacão. Tarde demais para isso agora,  pensou. Todo mundo está pronto, impossível recuar.
— Que tal? — perguntou uma voz no seu microfone.
— OK, Ash — informou ao aflito oficial de ciência.
— Não se preocupe comigo. Mantenha os olhos naquela abertura, caso ele me escape de algum modo.

Dobrou sem incidentes sua primeira esquina, lutando para não perder a orientação, para saber onde estava no labirinto do sistema de ventilação da nave. Já a planta que estudara, parecia-lhe vaga e confusa na memória. Os ventiladores não estavam entre as partes importantes do Nostromo e não adiantava lamentar-se por não haver estudado minuciosamente sua rede. Havia outras bifurcações à frente. Deteve-se com a respiração difícil, e levantou a boca do lança-chamas. Nada indicava que houvesse algo de tocaia naquelas encruzilhadas, mas não custava ter cuidado. O nível do fluido era bom, o lança-chamas estava praticamente cheio. E não fazia mal nenhum anunciar à criatura quão perto ele se encontrava na sua esteira. Talvez isso a empurrasse à frente, sem que fosse preciso enfrentá-la.

Um toque no botão vermelho e o tubo cuspiu chama pelo cano abaixo. O rugido da labareda foi alto, naquele espaço apertado, e o calor voltou um pouco, machucando-lhe a pele. Foi em frente, embora o metal agora estivesse quente. Bastava não tocá-lo com as mãos sem luvas. O calor penetrava porém mesmo através do pano grosso das calças. Mas tão nervoso estava, tão tenso, que mal o sentia. Buscava perceber à frente os movimentos ou o cheiro do alienígena.

Na área de equipamento, Lambert observava com atenção a grade do ventilador. Ela moveu um controle na parede e o painel deslizou com um zumbido, deixando apenas um grande orifício negro no alto da parede.

— Você ficou louca? — perguntou Parker.
— Ele tem de sair por aqui, se abandonar o encanamento principal — explicou Lambert. — Será melhor deixá-la aberta. É muito escuro atrás da grade. Prefiro saber se alguma coisa vem vindo.

Parker pensou em discutir com ela, mas decidiu que seria melhor poupar energia, reservando-a para a guarda do buraco, com ou sem grade. De qualquer maneira, Lambert era mais graduada do que ele.
Dallas se detinha a cada momento para remover as gotas de suor que o cegavam. Mas elas voltavam, com a tenacidade de formigas. O sal lhe queimava os olhos, impedia-o de ver. À frente, o duto descia a pique. Ele antecipara isso, lembrando-se da planta. Mas o fato de ver confirmada sua previsão deu-lhe pouco prazer. Tinha, agora, de prestar ainda mais atenção. Não bastava vigiar o caminho, havia que cuidar também da velocidade e do equilíbrio.

Arrastando-se até a borda do declive, apontou para baixo o lança-chamas e soltou uma pequena rajada flamejante. Não houve urro nem o duto se encheu do odor de carne queimada. A criatura estaria ainda longe. Pensou se não estaria a rastejar, furiosa, ou temerosa mesmo, no rumo da saída. Talvez, porém, esperasse por ele, talvez se voltasse para enfrentá-lo, com recursos de defesa que lhe eram impossíveis de conceber.

Era quente, ali dentro, e ele começava a cansar-se. Havia outra possibilidade, pensou: e se a criatura houvesse descoberto outro caminho? Nesse caso teria feito toda essa tensa, agoniada perseguição em pura perda. Mas só havia um modo de sabê-lo: prosseguir. E iniciou a descida, de cabeça, com o lança-chamas em posição, para a frente, e tão bem equilibrado quanto possível naquelas aperturas.
Foi Lambert quem primeiro notou o movimento da agulha no rastreador. Teve um minuto de nervosismo até que um cálculo apressado confirmasse a leitura com uma quantidade conhecida.

—Começo a receber uma leitura que lhe diz respeito — informou a Dallas.

O duto fazia outro ângulo agudo. Não se lembrava de que houvesse tantos desvios e inclinações bruscas, mas estava seguro de encontrar-se ainda no tronco principal do sistema. Não passara ainda por um só túnel secundário que fosse bastante amplo para admitir bicho maior do que Jones, o gato.
A despeito de sua já demonstrada aptidão para enfiar- se em espaços exíguos, Dallas não acreditava que o alienígena fosse capaz de comprimir sua própria massa a ponto de caber num duto menor de ventilação, que tinha, quando muito, doze centímetros de diâmetro. A esquina à frente foi mais difícil de vencer do que as anteriores. A barra do lança-chamas era dura e inflexível, o que não facilitava as coisas. Ofegante, deixou-se ficar de bruços, considerando como devia prosseguir.

— Ripley.
Ela deu um salto ao ouvi-lo, tão cortante e abrupta era a voz dele.
— Sim, Dallas, estou aqui. Posso ouvi-lo perfeitamente. Algum problema? Você parece... — não terminou. Como poderia Dallas estar calmo ou falar com calma nas circunstâncias?
— Estou OK — disse ele. — Apenas cansado. Em mau estado físico. Muitas semanas em hipersono. Perde-se o tônus muscular, malgrado todo o bem que os congeladores façam à gente.
Contorceu-se um pouco até conseguir uma visão melhor do caminho à frente. Dessa nova posição, disse:
— Não creio que este duto vá muito adiante. Está ficando terrivelmente quente aqui — o que era de esperar, disse consigo. O efeito cumulativo dos vários disparos do lança-chamas acabaria por afetar a capacidade de resfriamento interno dos termostatos do sistema.
— Prosseguindo agora. Fique alerta. Desligo.

Qualquer observador poderia ter lido um grande alívio no rosto de Dallas quando ele emergiu, por fim, do apertado túnel. Abria num dos grandes túneis dos condutos de ar do Nostromo, que tinham dois níveis separados por uma passarela. Dallas deixou-se escorregar do tubo por onde viera para o passadiço, e ali distendeu os músculos com satisfação. Uma inspeção da passagem nada revelou. O único som que pôde ouvir foi o pulsar paciente da maquinaria da nave. Havia uma junção a meio caminho e ele caminhou até lá, repetindo a inspeção. Nada. Tanto quanto conseguia ver, a ampla câmara estava deserta.
Nada podia apanhá-lo de surpresa ali, enquanto se mantivesse de pé no centro da peça. Seria um bom lugar para descansar alguns minutos. E precisava disso. Sentou-se, então, examinando sem grande atenção o nível inferior, que podia ver perfeitamente. E falou no microfone preso à sua gola:

— Lambert, que espécie de leitura você recebe agora? Estou em uma das câmaras misturadoras centrais, na estação compensadora do meio. Não há nada aqui além de mim. A navegadora consultou seu rastreador e ficou intrigada. Olhou com susto para Parker. E botou-lhe o instrumento debaixo do nariz:
— Isso faz algum sentido para você?
Parker estudou agulha e leitura.
— Não. Esse brinquedo não é meu, é de Ash. Mas que está confuso, está!
— Lambert? — Era Dallas de novo.
— Ouça. Não tenho certeza, mas estou recebendo um sinal duplo — por mais que sacudisse o rastreador, a leitura era a mesma, tão incompreensível quanto antes.
— Não pode ser. Você recebe dois sinais, separados e distintos, de mim?
— Não. Só um, mas impossível.
— Pode haver interferência — disse ele. — O ar sopra forte por aqui e seria capaz de confundir até um aparelho mais bem feito do que esse, um de medir a densidade atmosférica. Vou continuar. Talvez o sinal fique mais claro, se me deslocar.
Ergueu-se, sem ver a grande mão armada em garra que se levantava devagar do nível inferior por uma das aberturas da passarela metálica. Tirou o pé esquerdo um segundo antes que ela o pegasse. E a mão se recolheu, tão silenciosamente como tinha aparecido.
Dallas andou até o meio da câmara e parou.

— Melhor, Lambert? Caminhei um pouco. O registro clareou?
— É claro, Dallas, mas ainda é duplo. São dois sinais distintos. Não posso saber qual é o seu.

Dallas fez meia volta e seus olhos varreram o túnel, teto, piso, muros, e o grande duto por onde viera. Só então olhou para baixo e seu olhar caiu no lugar onde estivera sentado até há pouco. Baixou então o nariz do lança-chamas. Se era ele o sinal da frente, tendo andado pelo passadiço, então a causa do duplo sinal só podia ser...
Nesse momento, em que começava a apertar o botão do incinerador, a mão surgiu à sua retaguarda e estendeu-se para seu tornozelo.
Ripley estava sozinha junto à boca aberta do grande dueto de ventilação. Observava-o pensando na comporta próxima, cujas 'mandíbulas' esperavam o intruso. Percebia agora um som indistinto, remoto, como de campainhas. Primeiro pensou que fosse dentro da própria cabeça, onde muito som esquisito se vinha originando ultimamente. Mas depois ouviu-o, repetido e mais alto, seguido de eco também. Parecia provir do interior do sistema. Suas mãos se apertaram no disparador do lança-chamas.
O ruído cessou. Imprudentemente, ela se aproximou do orifício, embora de lança-chamas apontado.
Ouviu, então, um som identificável. Um grito lancinante. E reconheceu a voz.
Esquecendo, então, todos os planos, tudo que lhe cumpria fazer, correu até a boca do cano.

—Dallas! Dallas!

Não houve outros gritos depois do primeiro. Só um ruído macio, de feltro, longínquo, que logo desapareceu lá dentro. Conferiu o rastreador. Mostrava um sinal apenas. A cor vermelha começava a apagar-se também, como se apagara aquele grito.

— Oh, meu Deus! Parker, Lambert! — correu para o pick-up e berrou na sua grade.
— Sim, Ripley. Aqui, Lambert. O que houve? Acabo de perder meu sinal.

Ela quis responder, mas a voz lhe faltou. E deixou que morresse na garganta o que tinha querido dizer. Lembrou-se das suas novas responsabilidades e endireitou-se, embora não houvesse ali ninguém para vê-la.

— Perdemos Dallas...