segunda-feira, 12 de outubro de 2015

Aliens - Alan Dean Foster (Parte 15)


A Bug Stomper decolou do bloco de concreto, lutando contra o vento. Sob a mão firme de Ferro, girou no ar e começou a sobrevoar a colônia em direção ao APC.


— Tenho vocês no visual. O vento enfraqueceu. Vou pousar tão perto quanto puder —  Ferro informou.

— Entendido — Hicks voltou-se para seus companheiros. — Prontos?

Todos concordaram, exceto Burke, que amargo não disse nada.

— Então vamos sair daqui — e fez a porta abrir-se de uma só vez.

O vento e a chuva os aguardavam na rampa estendida. Deixaram rapidamente o veículo. A nave já estava à vista de todos, com seus holofotes brilhando de seus flancos e debaixo dela.


Uma única forma humana caminhava através da névoa em direção a eles.

— Bishop — Vasquez acenou. — Há quanto tempo!

Ele acenou para ela. — Não foi tão bom, hein?

— Fedeu! — Ela cuspiu na direção do vento. — Contarei tudo depois.

— Mais tarde. Depois do hipersono. Depois que este lugar ficar para trás.

Ela assentiu com a cabeça.

Bishop era o único do grupo cuja atenção não fora monopolizada pela aproximação da nave. Seus olhos escuros digitalizavam continuamente a paisagem em torno do transporte de pessoal. Perto dali, Ripley esperava segurando a pequena mão de Newt com força. Hudson e Hicks carregavam um inconsciente Gorman entre eles.

 


— Esperem onde estão — Ferro instruiu-os. — Dêem-me um pouco de espaço. Não quero descer em cima de vocês. — Bateu no seletor do fone de ouvido. — Seria bom se eu tivesse um pouco de ajuda aqui, Spunkmeyer. Larga a erva e venha aqui!


A porta do compartimento se abriu atrás dela.
Ela olhou por cima do ombro, com raiva e não se preocupou em esconder isso.

— Já estava na hora! Onde você...?

Seus olhos se arregalaram, e a voz sumiu.

Não era Spunkmeyer.



O alienígena esgueirou-se através da abertura. As mandíbulas exteriores estenderam-se para revelar o conjunto interior de presas metálicas.



Houve um borrão de movimento e uma lufada orgânica explosiva.
Ferro mal teve tempo de gritar.

Do solo, os refugiados assistiram com espanto quando a nave desviou descontrolada.  Seus motores principais ainda rugiam quando começou a perder altitude.
Ripley pegou Newt no colo e correu na direção do prédio mais próximo.

— Corram!



A nave acertou a borda de uma formação rochosa, desviando para a esquerda e atingiu um cume de basalto. Caiu como uma libélula morrendo, atingiu a pista e explodiu. Seções e compartimentos começaram a se romper, já em chamas. Os mísseis à bordo detonaram também e a superestrutura da nave arqueou no ar mais uma vez e seus motores saltaram em fogo ardente.

Parte de um módulo bateu contra a APC. O transporte de pessoal explodiu em pedaços quando o combustível vazou dentro dele. Uma roda flamejante, e os restos mortais da nave rolaram até os arredores da estação de processamento.

Uma enorme bola de fogo iluminou o céu escuro de Acheron e então desapareceu rapidamente.






Emergindo dos esconderijos, os sobreviventes atordoados olharam para os destroços em descrença, vendo suas esperanças de sairem do planeta reduzidas a metal carbonizado e cinzas.

— Ótimo! — Gritou Hudson histérico. — Isso é ótimo, cara. Agora o que vamos fazer? Estamos ferrados!


— Você já terminou? — Hicks olhou fixamente para Hudson que agora parecia envergonhado. Então virou-se para Ripley. — Você está bem?


Ela assentiu com a cabeça e tentou esconder seus verdadeiros sentimentos quando olhou para Newt. Poderia ter poupado a si mesma do esforço. Era impossível esconder qualquer coisa da criança. Newt parecia calma, estava respirando com dificuldade, é verdade, mais por conta do esforço de correr para se salvar, não de medo. A menina deu de ombros, parecendo incrivelmente adulta.

— Acho que nós não vamos mais embora, certo?

Ripley mordeu o lábio. — Sinto muito, Newt.

— Você não tem que se desculpar. Não foi culpa sua — disse olhando em silêncio para os destroços em chamas.

Hudson estava chutando pedras, pedaços de metal, qualquer coisa menor do que sua bota.

— Apenas me diga o que devemos fazer agora. O que vamos fazer?

Burke parecia irritado. — Talvez pudéssemos fazer uma fogueira e cantar canções.

Hudson deu um passo na direção do representante da empresa, e Hicks teve de intervir.

— Vamos voltar.

Todo mundo se virou para olhar para Newt, que ainda estava olhando para a nave queimando. — Devemos voltar porque vai ficar escuro em breve. Eles vêm geralmente à noite. Geralmente.

— Tudo bem.



Hicks acenou com a cabeça na direção da APC em ruínas. A maior parte que sobrara era de metal e compósitos não inflamáveis.

— Vamos ver o que podemos encontrar.

— Sucata — sugeriu Burke.

— E talvez algo mais. Você vem?

O cabo virou-se para o sintético. — Bishop, veja se você pode tornar habitável o Controle. Quero dizer, ter certeza de que...está vazio.

O andróide respondeu com um sorriso gentil.

— Sei o que significa. Eu sou dispensável, é claro.

— Ninguém é dispensável — Hicks começou a atravessar a pista para a APC em meio à fumaça. — Mexam-se!

O dia em Acheron lembrava um permanente crepúsculo; a noite era mais escura do que os confins do espaço interestelar, porque nem mesmo as estrelas brilhavam através de sua atmosfera densa para suavizar a superfície estéril com suas luzes cintilantes.
O vento uivava em torno das construções metálicas da cidade de Hadley, assobiando por corredores e sacudindo portas quebradas. Areia tamborilava contra janelas rachadas.
Nenhum som reconfortante para ser ouvido.
No seu interior, todos esperavam o pesadelo por vir.

A energia de emergência era suficiente para iluminar o controle e seus arredores imediatos, mas não muito mais. Os sobreviventes exaustos e desmoralizados se reuniram para avaliar suas opções. Vasquez e Hudson tinham acabado de vasculhar o que erestara do veículo blindado. Depuseram seus achados chamuscados ao chão.

Hicks olhou aquilo e tentou não parecer muito desapontado. Sabia a resposta à pergunta que tinha em mente, mas perguntou de qualquer modo. Talvez estivesse errado.

— Acharam alguma munição?

Vasquez balançou a cabeça e caiu sentada numa cadeira de escritório.

— Tudo que estava armazenado no espaço entre paredes da APC pegou fogo. — Tirou a bandana suada e limpou-se. — Cara, o que eu não daria por um pouco de sabão e um chuveiro quente.

Hicks se virou para a mesa sobre a qual repousava seu inventário de armas.

— Então. Isso foi tudo o que conseguimos.

Seu olhar examinou o estoque, desejando poder triplicá-lo.

— Temos quatro rifles M41A com cerca de cinquenta tiros cada. Nada bom. Cerca de quinze granadas M40 e dois lança-chamas com menos da metade e um danificado. E temos quatro dessas unidades escaneadoras intactas.

Se aproximou de uma pilha de caixas e quebrou o lacre da mais próximo.
Ripley se juntou a ele inspecionando o conteúdo.

Acomodado em embalagem de espuma armas automática, e um conjunto em separado ao lado, instrumentos vídeo-sensores de movimento.



— Parece bom — ela comentou.

— E são — Hicks disse. — Sem isso, poderiamos muito bem cortar nossos pulsos agora mesmo. Com eles, bem, nossas chances são melhores do que nada, de qualquer maneira. O problema é que precisamos de cerca de dez vezes isso de munição. Mas eu sou grato por pequenos favores — bateu os dedos sobre o plástico duro.

— O que faz você pensar que temos uma chance, de qualquer maneira? — Disse Hudson.

Ripley ignorou-o. — Quanto tempo até um resgate?

Hicks ficou pensativo. Estava absorvido demais com os problemas de sobrevivência para pensar sobre a possibilidade de ajuda de fora.



— Deveríamos ter apresentado uma atualização da missão ontem. Eu diria cerca de 17 dias a partir de hoje à noite.

O técnico girou e saiu pisando duro, agitando os braços, desconsolado.

— Cara, não vamos durar nem 17 horas. Essas coisas vão vir aqui como fizeram antes, cara. Eles vão vir aqui e pegr a gente, muito antes de qualquer um na Terra se lembrar de nós. E quando chegarem aqui vão nos encontrar como aqueles pobres colonos que cremamos no nível C. Como Dietrich e Crowe, cara — e começou a soluçar.

Ripley apontou para Newt que observava a tudo silenciosa.

— Ela sobreviveu mais do que isso, sem armas e sem treinamento. Os colonos não sabiam o que os atingiu. Tudo o que temos que fazer é sobreviver por um par de semanas. Basta mantê-los longe de nós e permanecer vivos.

Hudson riu amargamente. — Sim, moleza. Basta ficar vivo. Dietrich e Crowe estão vivos também.



— Nós estamos vivos, nós temos alguns armamentos, e sabemos o que está vindo. Então é melhor você começar a lidar com isso, Hudson. Porque precisamos de você e eu estou cansado de seus comentários. Entre naquele terminal central e encontre algum tipo de planta baixa. Modelos da construção, esquemas de manutenção, qualquer coisa que nos mostre a disposição deste lugar. Quero ver os dutos de ar, túneis de acesso, canos de água: todas as formas possíveis de entrar nesta ala da colônia. Quero ver as entranhas deste edifício, Hudson. Se eles não puderem chegar até nós, não poderão nos ferir. Eles não atravessaram as paredes ainda, então, talvez signifique que eles não podem. Este é o prédio central da colônia, estamos na estrutura mais sólida deste planeta, com exceção talvez das grandes estações de processamento atmosférico. Estamos longe do solo e eles não mostraram quaisquer sinais de serem capaz de escalar uma parede escarpada.


Hudson hesitou, então se endireitou ligeiramente, aliviado por ter algo para se concentrar. Hicks acenou com a aprovação de Ripley.

— Afirmativo — o técnico disse, com um pouco de sua arrogância restaurada. Com ela veio um trago de confiança. — Estou nessa com vocês. Vou encontrar o que precisamos — disse antes de se dirigir para o console do computador vago.

Hicks voltou-se para o sintético.

— Você quer algo para se ocupar ou você já tem algo em mente?

Bishop parecia indeciso. Era parte de sua programação social. Um andróide nunca poderia ficar realmente indeciso.


— Se tiver algo específico que queira que eu faça...

Hicks negou com a cabeça.

— Nesse caso, eu vou estar no laboratório médico. Gostaria de continuar a minha pesquisa. Talvez eu tropeçe em algo que vá ser útil para nós.

— Tudo bem — Ripley disse a ele — faça isso mesmo.

Ela estava observando-o atentamente. Se Bishop estava consciente deste escrutínio intenso, não deu nenhum sinal quando se virou e se dirigiu para o laboratório.

***

Uma vez que Hudson arranjou algo para trabalhar, agiu rápido. Em pouco tempo, Ripley, Hicks e Burke estavam agrupados em torno dele, olhando uma complexa série de gráficos e desenhos mecânicos no vídeo. Newt pulava de um pé para o outro, tentando enxergar entre os adultos.



Ripley bateu na tela.

— Este túnel de serviço, tem que ser este que estão usando para entrar e sair.

Hudson estudava a leitura.

— Sim, certo. Ele vem da estação de processamento para o subnível de manutenção da colônia, aqui — traçou a rota com a ponta dos dedos. — Foi assim que eles surpreenderam os colonos.

— Tudo bem. Há uma porta corta-fogo no final. A primeira coisa que faremos é colocar duas sentinelas remotas no túnel e selar esta porta.

— Isso não vai detê-los — o olhar de Hicks vagava sobre os mapas. — Uma vez que forem bloqueados no túnel de serviço, vão encontrar outra maneira de entrar.

— Certo. Então soldaremos barricadas nas intersecçãoes — ela apontou para o esquema enquanto falava — e selamos esses condutos aqui, e aqui. Em seguida, só poderão vir por esses dois corredores, e nós teremos outras duas sentinelas, aqui — bateu na localização, a unha clicando sobre a superfície dura da tela iluminada. — Claro, eles sempre podem rasgar o telhado, mas eu acho que iria demorar muito. Até lá o nosso socorro deve chegar, e vamos sair daqui.

— É melhor que sim — Hicks murmurou. Estudou o leiaute atentamente. — Parece excelente. Selamos a porta corta-fogo no túnel, soldamos a corredores, então tudo o que precisamos é de um baralho de cartas para passar o tempo — endireitou-se e olhou para seus companheiros. — Tudo bem, vamos trabalhar.

Hudson assentiu com um gesto. — Afirmativo!

Próximo a ele Newt copiou o gesto e a inflexão.

— Afirmativo.

O técnico olhou para ela e sorriu, sem se conter. Esperava que ninguém percebesse seu o sorriso. Iria arruinar sua reputação de ser um durão incorrigível.

Hudson grunhiu enquanto prendia a pesada arma da segunda sentinela em seu tripé amortecedor. A arma era atarracada, feia, livre de mira ou gatilho. Vasquez fixou a arma no lugar, então estalou nos conectores que levavam o mecanismo de disparo ao sensor de movimento ligado. Quando ela estava pronta, ele cutucou um único interruptor marcado ATIVAR. Uma pequena luz verde veio à vida no topo da arma. Na pequena tela de diagnóstico, PRONTO brilhou amarelo, depois vermelho.



Ambos os soldados recuaram. Vasquez pegou um cesto de lixo que rolara para o corredor e gritou em direção ao sensor da arma. — Teste!
Em seguida jogou o recipiente de metal vazio para o meio do corredor.

Ambas as armas giraram antes da cesta bater ao chão e abriram fogo, reduzindo o recipiente a mínimos estilhaços. Hudson gritou com prazer.




— Tomem isso, otários! — Ele baixou a voz quando se virou para Vasquez. — Quem pediu  hambúrguer de alienígena?

— Você sempre foi do tipo sensível — Vasquez disse a ele.

— Eu sei. Tá na minha cara — virando-se, colocou um ombro contra a porta. — Dê-me uma mão com isso.

Vasquez ajudou a rolar a barreira de aço pesado até fechá-la. Então ela descompactou a  tocha de soldagem portátil de alta intensidade que tinha trazido com ela e acionou-a. Uma chama azul intensa rugiu da ponta. Virou um seletor refinando a saída de acetileno.

— Dê-me algum espaço, ou vou selar seu pé no chão — Hudson obedeceu dando um passo para trás para observá-la. Andava por ali, olhando para o vazio do corredor quando ouviu. Nervoso, tocou o controle de seu fone de ouvido.

— Hudson aqui.

Hicks respondeu instantaneamente. — Como vocês dois estão se saindo? Estamos no grande duto de ar que você localizou nas plantas.

— Sentinelas A e B estão no local e ativados. Parece bom. Nada passará por este túnel.
A tocha de Vasquez assobiou nas proximidades. — Estamos selando a porta corta-fogo agora.

— Ok. Quando terminarem, venham para cá.

— Ei, você acha que eu quero uma reprimenda por vadiagem?

Hicks sorriu para si mesmo. Isso parecia mais com o velho Hudson. Afastou o minúsculo microfone para longe de seus lábios e ajustou a espessa placa de metal que ele estava carregando para fechar a abertura do duto. Ripley acenou para ele quando ficou no lugar certo. Com uma duplicata do mecanismo soldador de Vasquez, começou a selar a placa ao chão.

Atrás dele, Burke e Newt trabalhavam diligentemente, empilhando caixas de medicamentos e alimentos em um canto. Os alienígenas não haviam tocado o abastecimento de alimentos da colônia. E, mais importante, o sistema de destilação de água ainda estava funcionando. Desde que se mantivesse pressurizado, teriam agua nas torneiras. Não iriam morrer de fome ou de sede.

Quando acabou, Hicks deixou o soldador de lado e extraíu uma pequena pulseira de uma bolsa do cinto. Pressionou um pequeno interruptor de metal, e um LED minúsculo veio à vida. Entregou a pulseira para Ripley.

— O que é isso?

— Localizador de emergência. Versão militar daqueles que os colonos tinham implantados cirurgicamente. E você pode usá-lo do lado de fora em vez de dentro do seu corpo, mas a idéia é a mesma. Com isso eu posso localizá-la em qualquer lugar perto do complexo — bateu em um rastreador miniatura.

Ela estudou-o com curiosidade. — Eu não preciso disso.

— É apenas uma precaução. Você sabe.

Ela olhou com curiosidade por um momento, depois deu de ombros e colocou a pulseira em seu pulso. — Obrigado. Você está usando uma?

Ele sorriu e desviou o olhar. — Já tenho o rastreador. Eu sei onde estou. Agora, qual é o próximo?

Ela esqueceu a pulseira e consultou a impressão em papel do esquema de Hudson.

Algo muito estranho acontecera enquanto trabalhavam.
Estavam ocupados demais para perceber, e somente Newt o fez.

O vento tinha morrido. Parou totalmente. Na quietude da colônia, uma névoa difusa rolava incerta. Das suas duas visitas a Acheron, esta fora a primeira vez que Ripley não  ouvia o vento.
Era inquietante.

A ausência de vento reduziu a visibilidade lá fora. Um espesso nevoeiro girava em torno da Torre de operações, dando ao mundo além das janelas triplas a aparência de estar debaixo d”agua. Nada mudara.

No túnel de serviço que ligava os edifícios da colônia com a estação de tratamento, um par de armas robôs em silêncio, seus escaneres de movimento em alerta e cantarolando. A arma examinou o corredor vazio, e sua luz piscante afirmava PRONTO. Através de um buraco no teto na extremidade da passagem, a névoa descia. A água condensada nas paredes de metal pingava no chão. A arma não dispararia por conta das gotas. Ela era mais esperta, mais seletiva do que isso, capaz de distinguir entre fenómenos naturais inofensivos e um movimento hostil. A água não representava ameaça, e assim a arma esperava pacientemente por algo para matar.



Newt tinha carregado caixas até cair exausta. Ripley carregou-a para a ala médica, a pequena cabeça apoiada no ombro da mulher. Ocasionalmente, ela dizia alguma coisa, e Ripley respondia como se entendesse. Procurou um lugar onde a criança pudesse descansar tranquilamente e em relativa segurança.


A sala de operações era localizada na extremidade da seção médica. Muito do seu equipamento complexo se achava em reentrâncias nas paredes, enquanto o resto pendurado no teto nas pontas de braços extensíveis. Um grande globo com luzes e instrumentação cirúrgica adicional dominava o teto. Armários e equipamentos não fixos foram empurrado para um canto para abrir espaço para vários catres dobráveis de metal.

Este era o lugar onde eles iriam dormir. Este era o lugar onde eles iriam retirar-se caso os alienígenas violassem as defesas externas. A fortaleza interna. O forte. A apertada sala de operações tinha as paredes mais espessas do que qualquer outra parte da colônia, segundo os esquemas de Hudson. Parecia muito com uma grande caverna hightech. Se eles tivessem que atirar em si mesmos a fim de não cairem nas mãos das criaturas, este seria o lugar onde no futuro o resgate iria encontrar os corpos.

Mas, por agora, era um refúgio seguro, confortável e tranqüilo. Gentilmente Ripley deitou a menina na cama mais próxima.

— Agora você vai tirar um cochilo. Tenho que ir ajudar os outros, mas volto assim que puder, para ver se você está bem. Você merece um descanso. Está exausta.

Newt olhou para ela. — Não quero dormir.

— Você tem que dormir, Newt. Todo mundo tem. Você vai se sentir melhor depois que descansar.

— Mas eu tenho pesadelos.

Esta justificativa era bastante familiar a Ripley, mas conseguiu fingir alegria.


— Todo mundo tem, Newt.

A menina aconchegou mais profundamente no berço acolchoado.

— Não como o meu.

Não aposte nisso, criança, Ripley pensou. Em voz alta disse:

— Eu aposto que Casey não tem sonhos ruins — tirou a cabeça da boneca dos pequenos dedos da menina e fez espreitou dentro dela. — Como eu pensei, nada de ruim lá dentro. Talvez você devesse tentar ser como Casey. Fingir que não há nada aqui.

Bateu de leve na testa da menina, e Newt sorriu de volta.

— Você quer dizer, como se estivesse vazio?

— Sim, vazio. Como Casey —  acariciou o rosto delicado, escovou o cabelo para trás da testa de Newt. — Se você fizer isso, eu aposto que vai ser capaz de dormir sem ter qualquer sonho ruim.

Ela entregou a cabeça da boneca de volta para sua dona.
Newt pegou-a, revirando os próprios olhos, como se dissesse ‘não fale como se eu tivesse cinco anos. Eu tenho seis’.

— Ripley, ela não tem sonhos ruins, porque é apenas um pedaço de plástico.

— Oh. Desculpe Newt. Bem, então, talvez você possa fingir que você é feita de plástico.

A menina quase sorriu. Quase.


— Eu vou tentar.

— Boa menina. Talvez eu tente também.

— Minha mãe sempre me disse que não havia tais coisas como monstros. Que não eram reais. Mas eles existem.

Ripley continuou a escovar fios isolados de cabelos loiros para trás da testa pálida.

— Sim, existem, não é mesmo?

— Eles são tão reais quanto você e eu. Eles não saíram de um livro. São muito reais, não são de mentira, como aqueles que eu costumava assistir no vídeo. Por que eles dizem  coisas assim para as crianças, coisas que não são verdadeiras?

Havia um leve tom de irritação em sua voz.


Não dava para mentir para esta criança, Ripley sabia. Não que ela tivesse a menor intenção de fazê-lo. Newt tinha experimentado demasiada realidade para ser enganada por uma simples mentira. Ripley instintivamente sentia que se mentisse para esta menina perderia sua confiança para sempre.

— Bem, algumas crianças não conseguem lidar com isso como você. A verdade, eu quero dizer. Elas tem muito medo, ou os adultos acham que vão ter medo. Os adultos sempre subestimam a capacidade das crianças pequenas em lidar com a verdade. Então eles tentam fazer as coisas mais fáceis para elas.

— Sobre os monstros. Será que uma daquelas coisas cresceu dentro da mamãe?

Ripley encontrou alguns cobertores e começou a puxá-los para cima e em torno do pequeno corpo.

— Eu não sei, Newt. Ninguém sabe. Essa é a verdade. E acho que ninguém nunca vai saber.

A menina pensou um pouco e disse: — Não é assim que os bebês vêm? Quero dizer, pessoas-bebês. Eles não crescem dentro de você?

Um calafrio percorreu a espinha de Ripley.

— Não, não é bem assim. É diferente com as pessoas, meu amor. A forma como começa e a forma como o bebê chega, é diferente. Com estes alienígenas o...

— Eu entendi — disse Newt interrompendo. — Você já teve um bebê?

— Sim — empurrou o cobertor sob o queixo da criança. — Uma vez. Uma menina.

— Onde ela está? Na Terra?

— Não. Ela se foi.

— Você quer dizer, morreu?

Não era uma pergunta. Ripley balançou a cabeça lentamente, tentando lembrar uma coisa pequena, não diferente de Newt, correndo e brincando, um milagre com cachos escuros ao redor do rosto. Tentou conciliar essa memória com a imagem de uma mulher mais velha, criança e senhora ligados entre si através do tempo ultrapassado na estase do hipersono. O pai da criança era uma memória ainda mais distante. Uma vida perdida e esquecida. Amor juvenil marcado por uma falta de senso comum, um breve lampejo de felicidade sufocado pela realidade. Divórcio. Hipersono. Tempo.

Afastou-se da cama e pegou um aquecedor portátil. Seria mais confortável com o aquecedor ligado. Quando ela tocou a chave, ele emitiu um zumbido e um brilho fraco de seus elementos de aquecimento. Com a propagação de calor, a sala de operação tornou-se um pouco menos estéril, mais aconchegante. Newt piscou sonolenta.

— Ripley, eu estava pensando. Talvez eu pudesse lhe fazer um favor e preencher o lugar dela. Sua menina, quero dizer. Nada permanente. Só por um tempo. Você pode experimentar, e se você não gostar, tudo bem. Vou entender. Nada demais. O que acha?

Ripley precisou do pouco que restara de determinação e autocontrole para não quebrar na frente da criança. Elas se abraçaram firmemente. Sabia que nenhum deles poderia ver a luz de outro amanhecer. Que ela poderia ter que virar o rosto de Newt no último momento apocalíptico e colocar o cano de uma arma entre suas tranças loiras.

— Não é a pior idéia que eu ouvi durante o dia. Vamos falar disso mais tarde, ok?

Um sorriso timido e esperançoso.

Ripley começou a se afastar.
Uma pequena mão agarrou seu braço com força desesperada.

— Não vá! Por favor.

Com grande relutância Ripley retirou a mão dela de seu braço.

— Vai dar tudo certo. Eu estarei no outro quarto, do lado direito. Não vou para nenhum outro lugar. E não se esqueça disso! — Indicou a câmera de vídeo em miniatura junto da porta. — Você sabe o que é, não?


Um pequeno aceno de cabeça na escuridão. — Uhhuh. É uma câmera de segurança.

— Certo. Veja a luz verde. Mr. Hicks e Mr. Hudson colocaram estas câmeras nesta área para se certificar de que todos estão bem. Ele está observando você, e eu vou estar assistindo seu monitor no outro quarto. Vou ser capaz de vê-la tão claramente como se eu estivesse bem aqui.

Quando Newt ainda pareceu hesitar, Ripley desabotoou a pulseira que Hicks lhe dera e ajustou-a colocando em torno do pulso da garota.

— Aqui. Isto é para dar sorte. Vai me ajudar a manter um olho em você também. Agora vá dormir e não sonhe. Ok?

— Eu vou tentar.

O som de um pequeno corpo deslizando entre lençóis limpos.

Ripley observou na penumbra dos instrumentos em modo de espera, enquanto a garota se virou para seu lado, abraçando a cabeça da boneca.

O aquecedor cantarolava confortante quando saiu.

Outros olhos semiabertos estavam se contraindo de forma irregular. Era a única evidência visível de que o tenente Gorman ainda estava vivo. Já era um sinal de melhora. Um passo além da paralisia completa.

Ripley se inclinou sobre a mesa em que o tenente estava deitado, estudando os movimentos dos olhos, perguntando se ele poderia reconhecê-la.

— Como ele está? Vejo que tem os olhos abertos.

— Isso pode ser um sinal de recuperação — Bishop disse de uma bancada próxima. Estava cercado por instrumentos e equipamentos médicos. A luz da lâmpada de alta intensidade ressaltava seus traços em relevo, dando ao seu rosto uma aparência macabra.

— Ele sente dor?

— Não, de acordo com seus biosinais. Isso também é dificilmente conclusivo, é claro. Tenho certeza que ele vai nos deixar saber, logo que recuperar o uso de sua laringe. De qualquer maneira, eu isolei o veneno. Interessante. É uma neurotoxina muscular. Afeta apenas as partes não vitais do sistema; deixa as funções respiratórias e circulatórias intactas. Gostaria de poder saber se as criaturas instintivamente ajustam a dosagem para diferentes tipos de hospedeiros?

— Perguntarei a eles na primeira chance que eu tiver.

Enquanto olhava para Gorman, uma pálpebra subiu todo o caminho antes de voltar para baixo novamente.
— Ou isso foi uma contração involuntária ou ele piscou para mim. Está melhorando?

Bishop assentiu. — A toxina parece ter sido metabolizada. É poderosa, mas o corpo parece capaz de quebrá-la. Está começando a mostrar-se em sua urina. Mecanismo incrível, o corpo humano. Adaptável. Se ele continuar a liberar o veneno a uma taxa constante, deve acordar logo.

— Deixe-me ver se entendi, os alienígenas paralisam os colonos que eles não matam, levam-os para a estação de tratamento, e os prendem em casulos para servirem como hospedeiros para mais deles.

Apontou para a sala onde os cilindros de estase guardavam os espécimes restantes.

— O que significaria muitos desses parasitas, certo? Um para cada colono. Mais de uma centena, pelo menos, assumindo uma taxa de mortalidade durante a luta, de cerca de um terço.

— Sim, pode ser que sim — Bispo concordou prontamente.

— Mas essas coisas, a forma abraçadora, parasitária, veio de ovos. Então, onde estão os ovos? Quando o cara que primeiro encontrou a nave alienígena voltou, disse que havia um monte de ovos lá dentro, mas ele nunca disse como, e ninguém mais entrou lá para olhar.

— A julgar pela forma como a colônia foi esmagada, não acho que os alienígenas tiveram tempo para transportar os ovos da nave para aqui. Significa que eles tiveram que vir de algum outro lugar.

— Essa é a pergunta de um milhão — Bishop girou a cadeira para encará-la. — Tenho ponderado incessantemente sobre a verdadeira natureza do que ocorreu aqui, desde que tudo se tornou evidente para nós.

— Alguma ideia brilhante?

— Sem provas sólidas, não é nada mais do que uma suposição.

— Vá em frente, então.


— Podemos supor um paralelo com certas formas de insetos que têm uma organização do tipo colmeia. Formigas ou cupins, por exemplo, são governados por uma única fêmea, uma rainha, que é a fonte de novos ovos.

Ripley franziu a testa. De navegação interestelar à entomologia era um salto mental que ela não estava preparada para fazer.

— As rainhas dos insetos vêm de ovos também?

O sintético assentiu. — Certamente.

— E se houvesse um ovo de rainha a bordo da nave que trouxe essas coisas até aqui?

— Não há tal coisa em uma sociedade de insetos como um ‘ovo de rainha’, até que eles  decidem criar um. As formigas, abelhas, cupins, todos empregam essencialmente o mesmo método. Selecionam um ovo comum e alimentam-o com determinados nutrientes especiais. Entre as abelhas, por exemplo, é chamado de geléia real. Os produtos químicos na geléia mudam a composição da pupa de modo que finalmente emerge uma rainha adulta e não outra abelha comum. Teoricamente qualquer ovo pode ser usado para dar origem a uma rainha. Por que os insetos escolhem um ovo em particular é algo que ainda não sei.

— Você está dizendo que uma daquelas coisas põe todos os ovos?

— Bem, não exatamente como estamos familiarizados. Só se a analogia com os insetos se sustentar. Supondo que poderia haver outras semelhanças. Uma rainha alienígena análoga a uma formiga rainha poderia ser muito maior do que fisicamente os alienígenas que temos visto até agora. Um abdômen de rainha cupim é tão inchado de ovos que ela não pode se mover por si mesma. Ela é alimentada e cuidada por trabalhadores, e defendida por zangões, guerreiros altamente especializados. Ela também é bastante inofensiva. Por outro lado, uma abelha rainha é muito mais perigosa do que qualquer abelha comum porque ela pode picar muitas vezes. Ela é o centro de suas vidas, literalmente a mãe de sua sociedade.

— Em um aspecto, pelo menos, temos a sorte de que a analogia não se sustenta. Formigas e abelhas desenvolvem-se a partir de ovos para larvas, pupas e adultos. Cada embrião alienígena necessita de um hospedeiro vivo para amadurecer. Se não fosse por isso, Acheron estaria coberta com eles agora.


 — Engraçado, mas isso não me tranquiliza. Essas coisas são muito maiores do que qualquer formiga ou cupins. Poderiam ser inteligentes? E quanto a esta hipotética rainha? Isso é algo que nunca pudemos pensar no Nostromo. Estávamos demasiado ocupados tentando não ser mortos. Não havia muito tempo para a especulação.

— É difícil dizer — Bishop parecia pensativo. — Há uma coisa que vale a pena considerar, no entanto.

— O que?

— Pode ter sido nada mais do que instinto cego, atração pelo calor ou o que quer que fosse, a escolha, assumindo que foi uma escolha, de incubar seus ovos em um lugar na colônia que não podíamos destruir sem destruir a nós mesmos. Sob os trocadores de calor na unidade de transformação. Se esse local foi escolhido por instinto, isso significa que eles podem ser pouco mais inteligentes do que a média dos insetos. Se, por outro lado, foi selecionado com base em inteligência, bem, então eu acho que estamos em sérios apuros.

— Isso se há alguma realidade nestas suposições. Apesar da distância, os ovos eclodidos destes alienígenas podem ter sido trazidos para cá pelos primeiros a nascer. Pode ser que não exista nenhuma rainha envolvida nisso tudo, nenhuma sociedade alienígena complexa. Seja por inteligência ou instinto, vimos que eles cooperem. Isso é algo que não precisa especular. Nós os vimos em ação.

Ripley ficou lá e considerou as ramificações da análise de Bishop.
Nada encorajadoras, nem tinha esperado que fosse.
Assentiu com a cabeça em direção aos cilindros de estase.

— Quero esses espécimes destruídos logo que você acabe. Você entendeu?

O andróide olhou para os dois abraçadores vivos, pulsando malevolamente em suas prisões tubulares. Pareciam infelizes.

— Lamento, mas Burke deu instruções de que fossem mantidos vivos em estase no regresso, até os laboratórios da Companhia. Ele foi muito específico.

Ela foi para o interfone, ao invés de buscar a arma mais próxima.

— Burke!

Um sussurro fraco de estática não conseguiu impedir sua resposta.

— Sim? É você, não é, Ripley?

— Pode apostar que sou eu! Onde você está?

— Vasculhando documentos enquanto ainda há tempo. Pensei que poderia aprender algo disso tudo já que pareço estar sobrando por aqui.

— Encontre-me no laboratório.

— Agora? Mas eu ainda...

— Agora!

Ela desligou e olhou para um inofensivo Bishop. — Você vem comigo.

Obediente, ele colocou seu trabalho de lado e levantou-se para segui-la. Isso era tudo o que ela precisava; ter certeza de que ele iria obedecer a uma ordem que ela desse. Isso significava que ele não estava completamente sob o domínio de Burke, ou que não era somente uma máquina da Companhia.

— Fico feliz em acompanhá-la se é o que deseja.

— Tudo bem. Eu decidi lidar com isso por conta própria. Você continua com sua pesquisa. Isso é mais importante do que qualquer outra coisa.


Ele balançou a cabeça, parecendo confuso, e retomou seu lugar.

Burke estava esperando por ela fora da entrada do laboratório.
Sua expressão era sem graça.

— É melhor que seja importante. Eu estava fazendo algo e podemos não ter muito tempo de sobra — começou a protestar, e ela o cortou com um gesto.

— Aqui não! Lá dentro! — E apontou para a sala de operações.

Sendo a prova de som, ela poderia gritar com ele sem chamar a atenção de todo mundo. Burke deveria ser grato por tanta consideração.
Se Vasquez ouvisse o que o representante da Companhia estava planejando, não iria perder tempo discutindo com ele. Iria colocar uma bala entre seus olhos.

— Bishop me contou que você tem intenções de levar os parasitas vivos para casa em seu bolso. Isso é verdade?

Ele não tentou negar.


— Eles são inofensivos em estase.

— Essas coisas não são inofensivas, a menos que estejam mortas. Você ainda não entende? Eu quero que Bishop os mate assim que tiver extraido deles tudo que puder.

— Seja razoável, Ripley — um fantasma do velho sorriso corporativo roubou o rosto de Burke. — Esses espécimes valem milhões para a Divisão de armas biológicas da Companhia. Ok, vamos bombardear a colônia. Eu estou em minoria. Mas não nisso. Dois espécimes, Ripley. Quantos problemas podem causar enquanto em estase? E se você está preocupada com algo que possa acontecer nos laboratórios, não. Temos pessoas que sabem lidar com coisas como essas.

— Ninguém sabe como lidar com ‘coisas como essas’. Ninguém nunca encontrou qualquer ‘coisa como essa’. Você acha que seria perigoso libertar germes de um laboratório de armas? Tente imaginar o que aconteceria se apenas um desses parasitas se soltasse em uma grande cidade, com milhares de quilômetros de esgotos para se esconder.

— Eles não vão ficar soltos. Nada pode quebrar um campo de estase.

— Não esteja tão certo disso, Burke. A muito de que não sabemos sobre estes monstros. É muito arriscado.

— Vamos, eu sei que você é mais esperta do que isso — Ele estava tentando apaziguar e persuadi-la ao mesmo tempo. — Se jogarmos direito, podemos sair desta como heróis. Dar um jeito nas nossas vidas.

— É assim que você realmente se vê? — Ela olhou com desconfiança. — Carter Burke, esmaga-alienígena? Será que o que aconteceu no nível C da estação de processamento não o faz pensar melhor?

— Eles entraram despreparados e com excesso de confiança— o tom de Burke era sem emoção. — Foram pegos em locais apertados, onde não podiam usar as táticas e as armas adequadas. Se usassem seus rifles de pulso e conseguissem sair de lá sem disparar os dissipadores de calor, estariam todos aqui agora e nós no nosso caminho de volta para a Sulaco em vez de escondidos como um bando de coelhos assustados. Enviá-los para lá foi decisão de Gorman, não minha. E, além disso, aqueles eram alienígenas adultos, não parasitas.

— Eu não ouvi você se opor em voz alta quando a estratégia estava sendo discutida.


— Quem teria me escutado? Você não se lembra do que disse Hicks? Do que você disse? Gorman não teria sido diferente — seu tom tornou-se sarcástico — esta é uma expedição militar.

— Esqueça, Burke. Você não pode levá-los, mesmo se eu deixar. Tente passar com um organismo perigoso pela quarentena da ICC. Seção 22350 do Código de Comércio.

— Você tem feito sua lição de casa. Isso é o que diz o código, tudo bem. Mas você está esquecendo uma coisa. São somente palavras no papel. Papel nunca parou um homem determinado. Se eu tiver cinco minutos a sós com o inspetor alfandegário de plantão quando voltarmos a estação Gateway, vamos conseguir. Deixe comigo. Não podem apreender algo sobre o qual não sabem nada.

— Mas eles vão saber sobre isso, Burke.

— Como? Primeiro eles vão querer falar com a gente, então vão nos fazer caminhar por um túnel de detecção. Grande coisa. Quando a equipe de resgate for inspecionar a bagagem, já vou ter tomado as medidas necessárias com o pessoal da nave levar os tubos de estase para algum lugar para baixo perto do motor ou da reciclagem de lixo.  Depois vamos buscá-los. Vão estar tão ocupados com as questões burocráticas, que não terão tempo para a verificação da carga. Além disso, todo mundo vai saber que encontramos uma colônia devastada e que saímos de lá o mais rápido que pudemos. Ninguém vai estar procurando contrabando. A Companhia irá apoiar-me, Ripley, especialmente quando colocarem os olhos no que trouxemos. Vão cuidar bem de você, também, se é isso que te preocupa.

— Tenho certeza de que irão apoiá-lo — disse ela. — Não tenho dúvida disso, nem por um instante. Qualquer um que resolve enviar menos de uma dúzia de soldados pra cá, lideradas por um bobalhão inexperiente como Gorman, depois de ouvir minha história é capaz de qualquer coisa.

— Você se preocupa demais.

— Desculpe. Eu gosto de viver. Não gosto da idéia de acordar uma manhã com uma monstruosidade alienígena explodindo o meu peito.

— Isso não vai acontecer.

— Pode apostar que não é. Porque se você tentar levar essas coisas feias para fora daqui, eu vou dizer a todos na nave de resgate dos seus planos. Desta vez acho que as pessoas vão me ouvir. Não que precise chegar tão longe. Basta contar para Vasquez, ou Hicks, ou Hudson o que você tem em mente. Eles não vão esperar por uma ordem, vão usar mais do que palavras. Então desista, Burke — ela assentiu com a cabeça na direção dos cilindros. — Não vai tirá-los deste laboratório, muito menos da superfície deste planeta.

— E se eu conseguir convencer os outros?

— Você não conseguirá, mas supondo por um minuto que pudesse, como vai fazer para convencê-los de que você não é o responsável pela morte de cento e cinquenta e sete colonos?

Burke empalideceu. — Agora espere um segundo. Do que você está falando?

— Você me ouviu. Os colonos. Todas aquelas pobres e inocentes pessoas. Como a família de Newt. Você disse que eu estava fazendo minha lição de casa, lembra? Foi você que os enviou para aquela nave alienígena abandonada. Eu apenas verifiquei nos registros da colônia. Seria interessante fazer uma leitura deles no tribunal. ‘Directiva datada de 6-12-79, assinada por Burke, Carter J. Prossiga para inspecionar possível emissão eletromagnética nas coordenadas’, mas você sabe disso...


Ela tremia de raiva. Colocara tudo para fora de uma só vez, sua frustração, a fúria contra a incompetência e a ganância que tinha trazido-os de volta a este mundo de horror.

— Você mandou-os para lá, e nem sequer os avisou. Você sentou-se lá no meu inquérito. Você ouviu minha história. Mesmo se não acreditasse na história toda, deve ter acreditado o suficiente para querer verificar as coordenadas. Deve ter pensado que havia algo, ou não seria um problema mandar alguém ir lá para olhar. Além da nave alienígena. Você pode não ter acreditado, mas suspeitava. Mas poderia ter mandado uma equipe preparada, e não algum prospector independente. Por que você não os advertiu, Burke?

— Sobre o que? — Ele protestou. Não havia sentido indignação moral em sua voz. Isso por si só explicava muita coisa.

Ela estava começando a entender Carter J. Burke muito bem.

— Olha, talvez a coisa nem sequer existisse, certo? Tudo o que tínhamos era sua história.

— O gravador de bordo do Narciso foi adulterado, Burke. Lembra o que disse a comissão de inquérito sobre isso? Você não saberia me dizer o que aconteceu com o gravador, não é?

Ele ignorou a pergunta.

— O que você acha que teria acontecido se eu tivesse feito disso uma situação crítica de segurança?

— Não sei — disse ela com firmeza. — Me esclareça!

— A Administração Colonial teria entrado com tudo. Isso significa funcionários do governo olhando sobre seu ombro em cada turno, a papelada que sai pelos ouvidos, nada de liberdade de movimento. Inspetores rastejando por todo o lugar à procura de uma desculpa para ferrar com tudo, e assumir em nome do interesse público todo-poderoso. Sem direitos exclusivos de desenvolvimento, sem nada. O fato de que a sua história acabou por ser verdadeira é tanto uma surpresa para mim, quanto para todos os outros — deu de ombros, no seu modo blasé. — Fiz uma decisão ruim, é tudo.

Algo estalou dentro de Ripley. Ela agarrou-o pelo colarinho e o jogou contra a parede.

— Decisão ruim? Essas pessoas estão mortas, Burke! Cento e cinquenta e sete deles, menos uma criança, todos mortos por causa de ‘uma decisão ruim’? Isso sem contar Apone e os outros dilacerados ou paralisados lá — virou a cabeça na direção da estação de processamento.

— Bem, eles vão arrancar sua pele e eu vou estar lá ajudando. Isso, assumindo que a sua ‘Decisão ruim’ permita que qualquer um de nós saia vivo deste pedaço de cascalho. Pense sobre isso por um instante.

Se afastou tremendo de raiva.

Pelo menos as motivações dos alienígenas eram compreensíveis.

Burke endireitou-se e ajeitou sua camisa.

— Você simplesmente não consegue ver a cena maior, não? Sua visão de mundo é restrita exclusivamente ao aqui e agora. Você não tem nenhum interesse no amanhã.

— Não se ele inclui você, não.

— Eu esperava mais de você, Ripley. Pensei que seria mais esperta do que isso, que poderia contar com você quando chegasse o momento de tomar as decisões críticas.


— Outra decisão ruim da sua parte, Burke. Desculpe desapontá-lo.

 Ela girou nos calcanhares e abandonou a sala, fechando a porta atrás dela.



Burke seguiu-a com seus olhos, sua mente, um turbilhão de ideias.

Respirando com dificuldade, ela caminhava em direção a Operações quando o alarme começou a soar, o que ajudou a tirar a discussão com Burke de sua cabeça.

Começou a correr.

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