segunda-feira, 12 de outubro de 2015

Aliens - Alan Dean Foster (Parte 13)



O alien estava inativo, suspenso em um bolsão que se aglutinava perfeitamente com o resto da câmara. Lentamente emergiu de seu nicho de descanso. A fumaça da queima dos casulos e de outras matérias orgânicas reduzira a visibilidade para perto de zero.

Algo fez Hudson olhar brevemente para seu rastreador. Suas pupilas se expandiram, e ele virou-se para gritar um aviso: — Movimento! Tenho movimento!

— Posição? — Perguntou Apone.

— Não é possível travar numa. É muito apertado aqui, e há muitos outros organismos.


Uma ponta de preocupação surgiu na voz do sargento. — Fale comigo, Hudson. Onde?

O técnico em comunicação lutou para filtrar as informações do rastreador. Esse era o maior problema com estas unidades de campo: eram imprecisos.

— Uh, parece estar a frente e atrás.

Na baía de monitoramento do APC, Gorman freneticamente ajustava controles de ganho de nitidez nos monitores individuais.



— Nós não podemos ver nada daqui, Apone. O que está acontecendo?

Ripley sabia o que estava acontecendo. Sabia o que estava por vir. Ela podia senti-lo, mesmo que não pudesse vê-lo, como uma onda correndo pela areia da praia à noite.

— Tire sua equipe, Gorman. Tire-os agora!

O tenente enviou-lhe um olhar irritado.

— Não me dê ordens, senhora. Eu sei o que estou fazendo.

— Talvez, mas você não sabe o que está acontecendo.

Embaixo, no nível C, as paredes e o teto da câmara estavam acordando para a vida.
Dedos biomecânicos exibiam garras que poderiam rasgar metal. Mandíbulas lubrificadas de gosma começavam a flexionar em silêncio, enquanto seus donos despertavam. Movimentos eram vislumbrados através da fumaça e do vapor pelos nervosos humanos.

Apone começara os preparativos para retirada.



— Infravermelho! Atenção, gente!

Com as viseiras encaixadas nos capacetes, imagens transparentes começaram a se materializar, silhuetas saidas de um pesadelo movendo-se em silêncio fantasmagórico através da névoa.

— Múltiplos sinais — Hudson alertou. — Por toda a volta, vindos de todas as direções!

Os nervos de Dietrich a fizeram recuar, quando algo alto e imensamente poderoso apareceu acima da fumaça para abraçá-la com longos braços ao redor dela, como barras de metal trancando seu peito e contraindo. A médica gritou e apertou o gatilho de seu lança-chamas. Um jato de chamas envolveu Frost, transformando-o em uma tocha bípede tropeçando às cegas. Seu grito ecoou pelo fone de ouvido de todos.



Apone era incapaz de ver qualquer coisa na atmosfera densa e pobre de luz, mas capaz de ouvir perfeitamente. O calor dos permutadores do nível acima distorciam a capacidade de imagem infravermelha das viseiras da tropa.

Na APC, Gorman só podia olhar o monitor de Frost tornar-se negro. Ao mesmo tempo, suas bioleituras achataram, colinas e vales que significavam vida foram substituído por desagradáveis linhas retas. Nas telas dos monitores restantes, imagens e esboços cortados confusamente. As explosões incandescentes dos incineradores combinados, sobrecarregavam a capacidade de captação de baixa luminosidade das câmeras.



Em meio ao caos, Vasquez e Drake encontraram um ao outro. Ela assentiu com conhecimento de causa para o neanderthal e bateu seu porta-cartuchos de volta ao seu lugar na Smartgun.

— Vamos botar para quebrar — disse secamente.

Atiraram simultaneamente, estabelecendo dois arcos de fogo qual soldadores vedando o casco de uma nave espacial.



O som das duas armas pesadas era avassalador. Para seus operadores, era uma fuga de Bach e um sintetizador Grimoire em um só trovão.

A voz de Gorman ecoou em seus ouvidos, quase inaudível sob o rugido da batalha.

— Quem está atirando? Eu proibi o fogo pesado!

Vasquez parou apenas o tempo suficiente para arrancar seu fone de ouvido, os olhos e a atenção na tela da Smartgun. Pés, mãos, olhos e corpo tornaram-se extensões da arma, dançando e girando em uníssono. Trovão, relâmpago, fumaça e gritos encheram a câmara, um pequeno pedaço do Armagedom no nível C.
Uma grande calma fluiu através dela.
Certamente o Paraíso não poderia ser melhor do que isso.


Ripley encolheu-se quando outro grito ecoou pelos alto-falantes.
A câmera do traje de Wierzbowski se apagara, seguido pelo achatamento imediato de seus biomonitores. Seus dedos se cerraram, as unhas cavando as palmas das mãos.
Gostava de Wierzbowski.

O que ela estava fazendo ali, afinal? Por que não estava em casa, sem grana e sem licença para trabalhar, mas segura em seu pequeno apartamento, cercada por Jones e de pessoas comuns? Por que ela voluntariamente procurara a companhia de pesadelos? Altruísmo? Porque suspeitara desde sempre sobre o motivo da quebra nas comunicações entre Acheron e a Terra?


Nas profundezas da estação de processamento, vozes frenéticas, em pânico, enchiam a frequência única para as comunicações pessoais. Ela reconheceu Hudson entre todas as vozes. Seu pragmatismo sem sofisticação destacava-se na ausência de táticas e padrões.

— Vamos cair fora daqui!

Ela ouviu Hicks gritando com outra pessoa. O cabo soou mais frustrado do que qualquer outra coisa. — Por este túnel não, o outro!

— Tem certeza?

A imagem de Crowe balançou loucamente, a visão transmitida pela sua câmera era um borrão selvagem cheio de fumaça, neblina, e das silhuetas biomecânicas.

— Atrás de você!

As mãos de Gorman imobilizaram-se nos controle. Algo, além do premir de botões era crucial naquele instante, e Ripley viu o que tinha acontecido com o rosto do tenente. Pálidez absoluta.

— Tire-os de lá! — Ela gritou com ele. — Agora!

— Cale a boca!

Ele estava engolindo ar como se com dificuldade, estudando suas leituras.
Seu cuidadoso planejamento  desmoronando nos monitores restantes, rápido demais para ele pensar sobre isso. Muito rápido.

— Apenas cale a boca!


O gemido de metal sendo rasgado soou na transmissão de Crowe assim que sua telemetria ficou escura. Gorman gaguejou algo incompreensível.
Estava perdendo o controle da situação.


— Apone, está me ouvindo? Fogo com os incineradores e retirem-se para o APC...

A resposta distante do sargento foi distorcida pela estática, o rugido dos lança-chamas, e o pipocar do fogo rápido das Smartguns.

— Fale de novo... depois de incineradores.

— Eu disse...

Gorman repetiu suas instruções. Não importava se alguém ouviu. Os homens e mulheres presos na câmara-casulo só tinham tempo de reagir, não de ouvir.

Apenas Apone manuseava seu fone de ouvido, tentando dar sentido às ordens incompreensíveis. A voz de Gorman estava distorcida além do reconhecimento.
Os fones de ouvido eram projetados para operar e entregar um sinal claro, sob quaisquer condições, incluindo sob a água, mas havia algo acontecendo ali que não havia sido previsto pelos projetistas de equipamentos de comunicação, algo que não poderia ter sido previsto por ninguém, porque não nunca tinha sido vista antes.

Alguém gritou atrás do sargento.
Gorman trocou o auricular para a frequência interna de curta distância.

— Dietrich? Crowe? Desliguem o rádio! Wierzbowski, onde está você?

Um movimento a esquerda e Apone girou, perto de explodir a cabeça de Hudson.
Os olhos do técnico eram selvagens, oscilando à beira de sanidade, e mal reconheceu o sargento. Não havia espaço para bravata. Ele estava apavorado e não fez nenhum esforço para esconder o fato.

— Estamos sendo massacrados! Vamos morrer aqui!

Apone passou-lhe um cartucho de rifle.
O técnico tentava olhar para todos os lados ao mesmo tempo.

— Sente-se melhor? — Apone perguntou-lhe.

— Sim, certo. Certo! — Respondeu alimentando o M41A.

— Esqueça o trocador de calor.

Sentiu o movimento, virou-se e disparou. O ligeiro recuo transmitido pela arma viajou até seu braço para restaurar um pouco da sua confiança perdida.

À sua direita Vasquez iniciava um disparo ininterrupto, destruindo tudo dentro de um metro de distância dela, estivesse morto, vivo, ou fosse parte do maquinário da fábrica. Ela parecia fora de si. Apone sabia disso.
Se ela perdesse o controle, eles estariam todos mortos.
Girando suavemente, ela soltou outra longa rajada. Hicks se abaixou quando o cano da Smartgun balançou na direção de seu rosto. A criatura de pesadelo que o perseguia foi catapultada para trás. Dedos biomecânicos passaram a centímetros de seu pescoço.

Dentro da APC, o monitor de Apone de repente girou loucamente e ficou escuro. Gorman olhou fixo para ele, como se ao fazê-lo, pudesse trazê-lo de volta à vida, juntamente com o homem que ele representava.

— Eu disse a eles para voltar — seu tom era distante, incrédulo. — Eles não devem ter ouvido o fim da mensagem.

Ripley viu sua expressão perplexa e atordoada.

— Eles estão morrendo! Faça alguma coisa!

Ele se virou para ela lentamente. Seus lábios funcionavam, mas o murmúrio produzido era ininteligível. Estava balançando a cabeça ligeiramente.

Não teriam ajuda dele. Estava fora de si. Burke tinha apoiado as costas contra a parede oposta, colocando distância entre ele e as imagens nos monitores ainda ativos, como se de alguma forma pudesse afastar-se da batalha que estava sendo travada nas entranhas da estação.

O que quer que pudesse ser feito para salvar os soldados sobreviventes, tinha que ser feito de imediato. Gorman não ia fazer nada sobre isso, e Burke não podia.
Assim, sobrava para o humano favorito de Jones.

Se o gato estivesse presente e fosse capaz de agir, ela sabia o que ele teria feito: levaria o veículo blindado em alta velocidade para o campo de pouso. Entrariam na nave à espera, voltariam para a Sulaco, entraria em hiper-sono e dai para casa.

Não era provável que alguém da Administração Colonial fosse se importar com seu relatório neste momento. Não com um Gorman em estado de choque e um meio comatoso Burke para apoiá-la. Não com as gravações armazenadas automaticamente pelo computador do APC, das câmeras dos soldados, a piscar frente aos presunçosos senhores da Companhia.

Vá embora, vá para casa, fique longe, a voz dentro de seu crânio gritava com ela.
Você tem toda prova que precisa. O fim da colônia, um sobrevivente, os outros mortos ou pior do que mortos. Volte para a Terra, e da próxima vez que voltarem, que seja com um exército inteiro, não uma simples tropa. Cobertura aérea e armas pesadas. Arrassem o lugar se precisarem, mas deixe-os fazer isso sem você. Havia apenas um problema com essa linha de raciocínio reconfortante.
Deixá-los agora significaria entregar Vasquez, Hudson e Hicks e todos aqueles ainda vivos no nível C, aos alienígenas. Se tivessem sorte, morreriam. Se não, terminariam cimentados em uma parede-casulo, substituindo os colonos usados como hospedeiros vivos que eles misericordiosamente carbonizaram.

Ela não poderia viver com isso em sua cabeça.
A cada vez que repousasse a cabeça no travesseiro e fechasse os olhos, iria ver seus rostos e ouvir seus gritos. Se fugisse, estaria trocando o pesadelo imediato por centenas de outros mais tarde.

Um mau negócio. Mais uma vez os números eram contra ela.
Estava aterrorizada com o que precisava fazer, mas a raiva que vinha crescendo dentro dela, a ineficácia de Gorman e da Companhia por mandá-los até ali com um oficial de campo inexperiente e menos de uma dúzia de soldados (para poupar dinheiro, sem dúvida) ajudou-a a ir até a cabine do APC.

A única sobrevivente da colônia Hadley a aguardava com um olhar solene.

— Newt, vá lá para trás e coloque o cinto de segurança.

— Você está indo atrás dos outros, não?

Ela fez uma pausa enquanto se prendia à cadeira do piloto.

— Eu preciso. Ainda há pessoas vivas lá embaixo, e eles precisam de ajuda. Você entende que, não é?

A menina assentiu. Entendia completamente.

Quando Ripley fez as travas do cinto triplo clicarem, a menina correu de volta ao corredor.

O brilho dos instrumentos no modo de espera iluminava Ripley, quando ela se inclinou por sobre os controles.


Gorman e Burke podiam estar incapazes de reagir, mas não havia restrições psicológicas que inibissem a APC. Começou a golpear interruptores e botões, grata pelo tempo gasto durante o passado recente, a operar todo tipo de veículos de cargas pesadas e equipamentos de transporte em Portside.

O ruido tranquilizador do motor turbo foi ouvido e o transporte de tropas balançou ansioso para partir. A vibração do motor foi suficiente para trazer Gorman de volta ao mundo real. Ele se recostou na cadeira e gritou: — Ripley, o que você está fazendo?

Melhor ignorá-lo, era mais importante se concentrar nos controles. Colocou o veículo em marcha. Rodas motrizes girando no chão úmido e o APC deu uma guinada em direção à entrada da estação.

Fumaça saía do interior do complexo.

As rodas blindadas derraparam ligeiramente no pavimento úmido quando ela apontou a frente do blindado descendo a rampa que acomodava o APC com espaço de sobra. Havia sido projetada para grandes escavadeiras e veículos de serviço.
A construção colonial era tipicamente exagerada. Mesmo assim o piso reagia ao peso do APC. As mãos de Ripley martelavam os controles das rodas, alimentadas de forma independente, aliviando um pouco de sua raiva.



A visão fornecida pelos monitores externos era obscurecida pela fumaça.
Trocou para navegação automática, e os choques contra as paredes pararam, já que os  lasers liam a distância entre as rodas e os obstáculos vinte vezes por segundo e relatavam de volta para o computador central corrigir o trajeto do veículo.
Manteve a velocidade, sabendo que a máquina não iria deixá-la na mão.

Gorman, até então extático, olhando para as telas, lançou mão em seu cinto e tropeçou para frente, quando o APC adernou descontroladamente nas curvas apertadas.

— O que está fazendo?

— O que parece que estou fazendo?

Ela não se virou para encará-lo, absorvida na direção. Ele colocou uma mão em seu ombro.

— Inverta a marcha! É uma ordem!

— Você não pode me dar ordens, Gorman. Eu sou uma civil, lembra?

— Esta é uma expedição militar sob controle militar. Como comandante, eu estou ordenando que vire!

Ela cerrou os dentes, mantendo a atenção nas telas panorâmicas a frente.

— Vá sentar numa granada, Gorman! Estou ocupada!

Ele tentou arrancá-la da cadeira, porém Burke passou os braços ao redor dele e o puxou para longe. Ela teria agradecido-o, mas não tinha tempo para isso.

Chegaram ao nível C e as grandes rodas gritaram quando ela fez o APC desacelerar bruscamente numa guinada fechada, simultaneamente desligando o sistema de navegação automática. O motor acelerou em frente, arrancando canos e condutos, módulos de equipamentos e pedaços da incrustação alienígena.

Ripley olhou para o console até localizar os comandos que procurava: faroletes estroboscópicos, sirenes e luzes de alarme externas.

O exterior do APC veio à vida quando os faróis de sódio, flashes infravermelhos e a lamentação perfurante das sirenes entraram na batalha. Já não era preciso ver os monitores dos trajes individuais na baía de Operações para saber onde eles estavam, bastava ver os disparos à frente.

Clarões e o rugido de tiros vinham detrás de uma parede de resina translúcida.
O material distribuia a luz dos disparos por toda a sua substância, dando a impressão de que a câmara-casulo pulsava em seu interior.

Ela acelerou o APC através da parede curva como um lingote de ferro disparado de um canhão. Fragmentos de resina e cimento biomecânico sairam voando e pedaços enormes foram esmagados sob as rodas. Ela virou o volante, e a parte traseira do transporte derrubou outra seção da parede alienígena.

Hicks apareceu em meio a fumaça. Estava atirando de volta do jeito que vinha fugindo, segurando o grande rifle de pulso em uma mão e apoiando Hudson, que mancava, com a outra. Adrenalina, músculos e determinação eram tudo o que mantinha os dois homens.
Ripley desviou o olhar do pára-brisa para o corredor central.

— Burke, eles estão vindo!

Uma resposta fraca foi gritada de volta para a cabine do piloto: — Estou indo! Espere!

O representante da Companhia tropeçou na porta de acesso da tripulação, atrapalhou-se com controles desconhecidos, até conseguir fazer abrir a escotilha blindada.


Seguindo os passos de Hudson e Hicks, os dois operadores das Smartguns materializaram-se do lado de fora na fumaça densa. Recuavam com precisão, lado a lado, disparando e cobrindo a retirada de volta ao transporte.

Enquanto Ripley aguardava, a arma de Drake ficou vazia. Automaticamente ele arrebentou as fivelas que liberavam a Smartgun, descartando-a como se fosse pele velha. Antes mesmo que atingisse o solo, puxou o incinerador M240 de suas costas e acionou-o sem pensar duas vezes. O WHOOSH de napalm misturou-se com o matraquear grave da Smartgun ainda operante de Vasquez.

Hicks alcançou a APC e colocou sua arma de lado para ajudar Hudson que estava ferido. 

Junto à entrada, Vasquez ainda estava atirando a esmo, quando viu uma silhueta escura, elevando-se na direção de Drake e mudou seu campo de fogo.

A Smartgun rasgou o tórax do alienígena e um tipo de fluido corporal amarelo e brilhante espirrou em todas as direções,  incluindo o rosto e peito de Drake.





Conforme o ácido mastigava rapidamente através da carne e do osso, muita fumaça subiu do corpo cambaleante do operador da Smartgun.

Em espasmos, seu lança-chamas ficou fora de controle e Vasquez e Hicks tiveram que desviar-se quando o jorro de chamas avançou pela porta aberta do APC, inflamando parte do interior. Quando Drake caiu, Hicks saltou para junto do controle da escotilha, que deixara de funcionar.

Movendo-se sobre as mãos e os joelhos, Vasquez pulou como pode, tentando sair pela abertura. O cabo teve reflexo para agarrá-la.

— Drake! — Ela estava gritando. — Ele está lá fora!




Hicks precisou usar de seu tamanho e da força superior para obrigá-la a obedecê-lo.

— Ele se foi! Esquece, Vasquez! Ele se foi.

Ela olhou para ele, irracional, o rosto coberto de fuligem e sujeira.

— Não! Não, ele, não pode! Ele...

Hicks voltou seu olhar para os outros ocupantes da APC.

— Tirem-na daqui e fechem esta porta!

Hudson assentiu e junto com Burke arrastaram a atordoada operadora da Smartgun para longe. O cabo gritou com o que restava de sua voz: — Vamos!

Ripley empurrou de uma só vez o acelerador e o veículo blindado estremeceu quando lançou-se para a rampa.


Uma prateleira de armazenamento conseguiu soltar-se, enterrando Hudson debaixo de uma pilha de equipamentos. Chingando e batendo, ele jogou as coisas para o lado, indiferente ao fato de serem rações de emergência ou explosivos.

Hicks voltou sua atenção para a porta, atrapalhado com os controles semi-operantes.
Quando estava quase cerrada, dois conjuntos de garras longas apareceram do nada, acertando o flanco de metal como um par de martelos de pressão.

Do seu assento, Newt soltou um grito. O tigre-de-dentes-de-sabre, o urso gigante, o bicho-papão estava na entrada da caverna, e desta vez ela não tinha onde se esconder.

Vasquez se juntou a Hicks e Burke no costado sa porta. Apesar de seus esforços combinados, a barreira de metal estava sendo lentamente aberta a partir do exterior. Servo-motores e selos mecanicos gemiam em protesto.

Hicks conseguiu encontrar força suficiente para gritar com Gorman, ainda anestesiado.

— Feche a porta!

O tenente ouviu e reagiu.
Reagiu recuando e balançando a cabeça com os olhos arregalados.

Hicks murmurou uma praga e enfiou o ombro contra a alavanca de travamento, liberando uma das mãos para puxar a garrucha e apontá-la para a cabeça do alienígena, através da abertura.

Mandíbulas externas semelhantes a pistões se separaram para revelar o interior da garganta e os dentes penetrantes.

Hicks enfiou o cano da espingarda entre as mandíbulas escancaradas do demônio e puxou o gatilho. A explosão da arma de projétil ecoou pelo transporte de pessoal, e o crânio esmagado caiu para trás, jorrando sangue ácido.
O spray amarelado imediatamente começou a comer a porta.
Hicks e Vasquez cairam de lado, mas algumas gotículas atingiram Hudson no braço.
A fumaça subia da pele conforme a carne era dissolvida num assobio.
O técnico soltou um grito e tropeçou nos assentos vazios.
Hicks e Burke bateram a escotilha, fechando-a e a trancaram.

Como um cometa em fuga, o APC retumbou ao subir a rampa e foi bater contra uma massa de condutos. Ripley girou as rodas de metal, espalhando faíscas sob o veículo.
Nos alojamentos da tripulação atrás dela, todos pareciam estar gritando ao mesmo tempo. Extintores foram arrancados de seus lugares e postos a funcionar.

Newt ficara fora do caminho, sentada em silêncio em seu assento enquanto os adultos em pânico corriam para lá e para cá em torno dela. Respirava com dificuldade, mas com firmeza, os olhos alertas, observando. Nada do que estava acontecendo era novo para ela. Já havia passado por uma situação semelhante antes.

Algo fez um baque metálico suave no telhado.

Gorman recuara para o canto à esquerda do corredor e estava olhando fixamente seus frenéticos companheiros. Conseqüentemente não notou que a pequena escotilha contra a qual ele estava se inclinando, começara a vibrar, mas viu quando a tampa da escotilha foi arrancada de suas presilhas. Começou a se virar, mas não rápido o suficiente.
Pela abertura, algo prateado e pontudo o apanhara, a ponta da cauda do alienígena, que era muito rápida. Enterrou-se fundo no ombro do tenente que gritava.

Hicks se jogou na cadeira do canhão de teto e apertou os controles e interruptores. Avisos brilhantes e coloridos surgiram, trazendo um sorriso ao rosto do cabo.
Em resposta a suas ações, servomotores zumbiram e uma pequena torre emergiu no teto do transporte. Fez com que ela girasse em um semi-círculo.
O alienígena, segurando Gorman dois terços do corpo para fora do veículo, virou-se bruscamente na direção do novo som, no instante que as armas gêmeas abriram fogo em sua direção. O impacto atingiu a criatura pulverizando-a, antes mesmo do ácido em seu corpo começar a derramar-se.

Burke arrastou Gorman inconsciente, puxando-o de volta para dentro, enquanto Vasquez procurava por algo para tapar a abertura.

O APC rasgava a estação, abrindo caminho.
Ripley lutava com o grande veículo girando para os lados, deslizando em velocidade máxima. Mobiliário de escritório e seções de paredes explodiam em todas as direções, formando um rastro de plástico e fibra após sua passagem destruidora.

Estavam quase livres, quase do lado de fora. Mais um minuto ou dois, e se nada quebrasse, estariam livres, fora dos limites da estação. Livres para...

Um braço alienígena formou um arco para baixo e à direita, na frente do rosto de Ripley, quebrando o pára-brisa inquebrável.

Mandíbulas viscosas saltaram para dentro da cabine. Ripley levantou ambos os braços para proteger o rosto e se afastou.

Somente uma vez, antes dessa, ela tinha estado tão próxima de um deles. No módulo de fuga Narciso, presa no assento do piloto, atraindo outro alienígena para perto dela, para que pudesse explodi-lo pela escotilha externa. Mas não havia nenhuma comporta de ar ali, nenhum traje espacial reconfortante, nem um plano e sem tempo para pensar em um.

Seus pés encontraram os freios. As rodas trancaram, apesar da alta velocidade, gritando sobre o som do caos de fora. Ela se sentiu sendo jogada para frente, na direção das mandíbulas escancaradas, e somente seu cinto a mantinha salva.

O alienígena não teve como agarrar-se, e nem mesmo a sua força sobre-humana pode impedir que fosse jogado para frente. Assim que pousou no chão, Ripley jogou o transporte sobre ele.



Nem sequer houve colisão, uma vez que o corpo esquelético foi esmagado sob o enorme peso. Ácido esguichou sobre as rodas blindadas, contudo o movimento do APC não foi afetado.



Tudo escuro à frente.
Limpa e acolhedora escuridão.
Não aquela dentro da sua mente, mas a escuridão de um mundo mal iluminado: a superfície de Acheron, emoldurado pelas paredes da estação.

Um momento depois o veiculo já retumbava sobre a calçada de conexão com o campo de pouso. Um barulho como se parafusos caissem dentro de um moedor de alimentos, partia da traseira do APC.





Ocasionalmente, um baque mais alto podia ser ouvido também.
Era um som cujo efeito reparante da lubrificação não surtia efeito. Ela tentou ajustar os controles para eliminar o ruído, mas como seus pesadelos recorrentes, este se recusava a ceder. Hicks veio e, delicadamente, mas com firmeza, tirou os dedos dela do acelerador.

Seu rosto estava branco como os nós dos seus dedos.
Ela piscou, olhando de volta para ele.

— Está tudo bem — assegurou ele — estamos a salvo. Eles ficaram  para trás. Eu não acho que lutem em campo aberto. Calma. Nós não vamos mesmo muito mais longe neste pedaço de lixo.

O rangido abrandou conforme diminuiam a velocidade.
Ela ouviu atentamente até o grande veículo parar por completo.

— Não me pergunte. Não sou um mecânico — Hicks levantou uma orelha na direção do ruido metálico. — Mas soa como um eixo de transmissão partido. Talvez dois. Na verdade, estou surpreso que a parte inferior não tenha ficado em algum lugar lá atrás no nível B. Estas coisas são duronas.


— Mas não o bastante. — Era a voz de Burke, filtrada de algum lugar no interior do veículo. — Ninguém esperava enfrentar uma coisa como estas criaturas. Nunca.

Hicks inclinou-se para o console e um visualizador do exterior. O APC parecia terrível do lado de fora, amassado e com cicatrizes de ácido. Era para ser invulnerável. Agora era sucata.

Ripley girou sua cadeira, olhou para o vazio ao lado dela, e depois se virou para olhar pelo corredor que levava de volta através do transporte.

— Newt! Onde está Newt?

Um puxão na perna da calça. Newt fora empurrada para dentro do pequeno espaço entre o banco do motorista e o anteparo frontal da cabine do APC. Estava tremendo e apavorada, mas alerta. Sem catatonia desta vez, nenhuma fuga da realidade. Não havia razão para uma reação extrema, Ripley sabia. Sem dúvida, a menina tinha sido testemunha de coisas muito piores quando os alienígenas tomaram a colônia.

Se ela tivesse visto as imagens na baia de monitoramento quando os soldados inicialmente penetraram na câmara-casulo alienígena...Se ela tivesse visto o rosto da mulher que tinha sussurrado em agonia para Dietrich? E se a mulher fosse...?
Se isso tivesse ocorrido, se fosse a mãe de Newt, a menina estaria além da catatonia agora. Provavelmente inacessível, talvez para sempre.

— Você está bem?

Às vezes, por mais fútil que parecesse ser, ela precisava ouvir a responda da criança.
Newt fez com um gesto com o polegar para cima, ainda em silêncio, como um mecanismo de defesa. Ripley não a forçaria a falar. Manter o silêncio enquanto todos ao seu redor estavam sendo mortos, a mantivera viva.

— Tenho que verificar os outros — disse para ela. — Você vai ficar bem?

Fez que sim com a cabeça, desta vez, acompanhado por um pequeno sorriso tímido que fez Ripley engulir em seco. Tentou esconder o que estava sentindo por dentro, porque este não era o momento nem o lugar para deixar-se quebrar.
Poderia fazer isso quando estivesse em segurança de volta a bordo da Sulaco.

— Bom, eu já volto. Se você ficar cansada de ficar ai embaixo, pode sair e se juntar ao resto de nós, ok?

O sorriso se alargou ligeiramente e foi seguido por um aceno de cabeça mais vigoroso, mas a menina permaneceu onde estava,  ainda confiante em seus próprios instintos, mais do que confiava em qualquer adulto.
Ripley não se ofendeu. Soltou-se e se dirigiu de volta pelo corredor.

Hudson estava de pé inspecionando seu braço. O fato de que ainda tinha um braço mostrou que ele só fora muito levemente atingido pelo ácido alienígena. Ele estava revivendo os últimos vinte minutos de sua vida, repetindo-o a cada segundo, mais e mais em sua mente, e não acreditando no que vira lá fora. Podia ouvi-lo resmungando para si mesmo.

—...eu não acredito. Isso não aconteceu. Isso não aconteceu, cara!

Burke tentou dar uma olhada no braço ferido, mais curioso do que simpático. Hudson se afastou dele.

— Estou bem! Me deixa em paz!

— É melhor alguém dar uma olhada nisso. Não posso dizer quais são os efeitos colaterais. Pode ser tóxico.

— Sim? E se for, eu suponho que você está indo verificar as lojas e trará um antídoto em minutos, certo? Dietrich é a médica — engoliu em seco e sua raiva desapareceu. — Ela era a nossa médica! Bichos malditos!

Hicks estava debruçado sobre o corpo imóvel de Gorman, verificando seu pulso.
Ripley se juntou a ele.




— Alguma coisa? — Perguntou ela.

— Lento, mas constante. Ele está respirando com dificuldade. É o mesmo com o resto de seus sinais vitais: brandos, mas regulares. Ele está vivo. Se eu não soubesse, eu diria que ele está dormindo, mas não é sono. Acho que ele está paralisado.

Vasquez empurrou os dois de lado e agarrou o tenente inconsciente pelo colarinho. Ela estava muito furiosa para chorar.

— Ele está morto!

Ela puxou a metade superior do corpo de Gorman na posição vertical com uma mão e recuou a outra em um punho, gritando em seu rosto:

— Acorde, pentelho! Acorda! Eu vou matar você, seu inútil!

Hicks colocou o corpanzil entre ela e o tenente desacordado.

— Pare! Fique quieta! Recue, agora!

Seus olhos se encontraram. Vasquez continuou a segurar Gorman acima do deque. Algo aplacou sua fúria. Fuzileiro... um fuzileiro colonial, fuzileiros vivem de acordo com princípios básicos, simples. Apone tinha se ido e, portanto, Hicks estava no comando.

— Ele não vale machucar meus dedos — ela finalmente murmurou largando o tenente, e sua cabeça bateu no convés quando ela se virou e saiu amaldiçoando a si mesma. Ripley não duvidou nem por um instante que se Hicks não tivesse intervido, ela teria reduzido Gorman a uma polpa.

Com Vasquez fora do caminho Ripley se inclinou sobre o oficial paralisado e abriu sua túnica. O ferimento roxo sem sangue de seu ombro já havia se fechado.

— Parece que algo o picou, ou algo assim. Interessante. Eu não sabia que podiam fazer isso.

— Ei!

O grito fez Hicks virar-se para a baia de monitoramento. Hudson estava lá, olhando fixo para os biomonitores e telas, e algo tinha chamado sua atenção. Acenou para seus companheiros restantes.


— Olhem! Crowe e Dietrich não está mortos, cara! — Apontou para as bioleituras e engoliu em seco. — Eles devem estar como Gorman. Seus sinais são baixos, mas não estão mortos.

Sua voz sumiu, junto com seu entusiasmo inicial.
Se não estavam mortos, e estavam como Gorman, significava que... o técnico de comunicações começou a tremer com uma mistura de raiva e tristeza. Estava à um passo da histeria. Todos estavam. Aquilo se agarrou neles como uma sanguessuga psíquica, presa as margens da sua sanidade, ameaçando assumir a qualquer instante, assim que baixassem a guarda mental.

Ripley sabia o que aquelas leituras significavam. Pensou que poderia tentar explicar, mas ela não conseguiu, ao encontrar os olhos de Hudson.

— Você não pode ajudá-los.

— Mas se eles ainda estão vivos...

— Esqueça. Eles foram encapsulados como aqueles outros. Como os colonos que você encontrou na parede quando foi lá embaixo. Você não pode fazer absolutamente nada por eles. Ninguém pode. É assim. Fique feliz em não ser você lá com eles. Se Dietrich estivesse aqui, ela saberia que não poderia fazer nada para ajudá-lo.




O técnico parecia ceder internamente. — Isso não pode estar acontecendo.

Ripley se afastou dele. Enquanto fazia isso, seu olhar encontrou o de Vasquez.
Teria sido fácil dizer ‘eu te disse’ para ela. Mas também teria sido inócuo.
Aquele olhar entre as duas mulheres comunicara tudo o que precisava ser dito.

Desta vez foi Vasquez que escondeu o rosto.

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