sábado, 22 de agosto de 2015

Aliens - Alan Dean Foster (Parte 6)



O apartamento estaria tranquilo se não fosse a tela de parede ligada.




Ripley ignorou o programa de tv e concentrou-se na fumaça do cigarro sem nicotina, formando padrões obscuros e preguiçosos no ar estagnado.

Apesar de ser final do dia, tinha conseguido até então evitar o confronto com um espelho. Ainda bem, pois sua aparência desleixada só poderia deprimi-la ainda mais.

O apartamento estava em melhor forma do que ela. Apenas alguns poucos toques decorativos suficientes para mantê-lo espartano. Nenhum deles se podia chamar pessoal. Isso era compreensível. Sobrevivera a tudo que poderia ser considerado como pessoal. A pia estava cheia de pratos sujos, mesmo que a máquina de lavar louça abaixo dela estivesse vazia.



No quarto ao lado, lençóis e cobertores em uma pilha sobre o colchão.
Jones rondava a cozinha, caçando pedaços de comida negligenciados. Não iria encontrar nenhum. A cozinha mantinha-se razoavelmente antisséptica apesar da deliberada falta de cooperação de sua proprietária.

— Ei, Bob! — a tela baliu de forma insípida. — Ouvi dizer que você e sua família estão de saída para as colônias!

— A melhor decisão que já tomei na vida, Phil — respondeu uma nulidade estúpida sorridente.— Começaremos uma nova vida a partir do zero em um mundo limpo. Nada de crime, nada de desemprego...

Os dois artistas atuavam repetindo a lengalenga aprovado pela administração colonial.

O anel verde da costa leste, Ripley pensou sarcasticamente enquanto escutava com metade de um ouvido. Gente dos condomínios de Cape Cod com vista para Martha’s Vineyard ou Hilton Head, ou algum outro refúgio esnobe não poluído, para os poucos afortunados que sabiam faturar e como dançar o ritmo do “Simsinhô” quando os caciques corporativos estalavam os dedos. Nada disso era para ela. Nada do cheiro de sal, nem a brisa fresca da montanha. Para ela restarara Innercity, e tinha sorte de ter tanto.


Eles queriam mantê-la quieta por um tempo, até que ela se acalmasse. Ficariam felizes em ajudá-la a ser realocada e voltar ao serviço. Depois, convenientemente a esqueceriam. Ela era apenas uma trabalhadora comum, e não queria nada com a Companhia mais do que a Companhia se importava com ela.

Se tivessem suspendido sua licença, ela já estaria longe.

A campainha da porta tocou forte e ela pulou.

Jones simplesmente olhou para cima e miou, antes de ir em direção ao banheiro.
Ele não gostava de estranhos. Sempre fora um gato esperto.

Ela colocou o cigarro (garantido não conter substâncias cancerígenas, nem nicotina, e nenhum tabaco, e ser inofensivo para a sua saúde, era o que o rótulo de advertência no lado do pacote insistia em dizer) de lado e foi abrir a porta. Não se preocupou em verificar pelo olho mágico, pois era um edifício de segurança completa. Não que, depois de suas experiências recentes houvesse alguma coisa em uma cidade da Terra que pudesse assustá-la.


Carter Burke usava de seu habitual sorriso de desculpas. De pé ao lado dele um homem mais jovem vestido com o uniforme de um oficial dos fuzileiros coloniais.

— Oi, Ripley — Burke indicou seu companheiro. — Este é o tenente Gorman da...

A porta, ao fechar-se, cortou a frase pela metade.
Ripley virou as costas, mas tinha esquecido de desligar o interfone do corredor. A voz de Burke chegou até ela através do alto-falante camuflado.

— Ripley, precisamos conversar.

— Não, não temos. Esqueça, Carter! E leve o seu amigo com você.

— Não posso. É importante!

— Para mim não é. Nada é importante para mim.

Burke ficou em silêncio, mas sentiu que ele não iria embora. Ela o conhecia bem o suficiente para saber que ele não iria desistir facilmente. O representante da Companhia não era exigente, mas um bajulador bem sucedido.

E ele não precisava discutir com ela. Tudo o que precisou fazer foi dizer uma frase.

— Perdemos contato com a colônia em Acheron.

A sensação de vazio interior refletiu-se nas ramificações da inesperada declaração. Bem, talvez não totalmente inesperada. Hesitou um momento mais antes de abrir a porta. Não fora uma manobra. Isso era evidente na expressão de Burke. O olhar de Gorman passou de um para o outro. Ele estava claramente desconfortável em ser ignorado, mesmo tentando não o demonstrar.



Ela deu um passo para o lado: — Entrem.

Burke inspecionou o apartamento e não disse nada, se afastando de futilidades do tipo “que belo lugar você tem aqui”, quando obviamente não era. Também se absteve de dizer, “Você parece bem”, desde que também teria constituído uma inverdade óbvia.
Ela o respeitava por isso. Fez um gesto em direção à mesa.

— Querem alguma coisa? Café, chá, refresco?

— Café seria bom — respondeu ele. Gorman acrescentou um aceno de cabeça.

Ela foi até a cozinha compacta e teclou acima de alguns copos. Sons borbulhan
tes começaram a emanar do processador quando ela se virou de volta para a sala.

— Você não precisava trazer os fuzileiros — sorriu levemente para ele. — Minha fase violenta está passando. Os psiquiatras atestaram,  está lá no meu gráfico. Para que a escolta?

— Estou aqui como representante oficial.

Gorman estava claramente desconfortável e mais do que disposto a deixar Burke lidar com a maior parte da conversa. Perguntou-se o quanto ele sabia, ou o que tinham lhe dito sobre ela? Ficaria desapontado em não encontrar uma megera? Não que sua opinião sobre ela importasse.

Ela fingiu indiferença. — Então?

Burke olhou para sua pasta.

— Temos que ir até lá verificar. E rápido. Todas as comunicações se foram. Eles têm sido pressionados para interromper a operação devido à falha de equipamento. Acheron está no negócio há anos. São pessoas experientes, e têm sistemas de backup adequados. Talvez estejam tentando corrigir o problema neste instante. Mas o silêncio está durando muito tempo. As pessoas estão ficando nervosas. Alguém tem que ir e ver pessoalmente. É a única maneira de acalmar a todos. Provavelmente eles vão conseguir corrigir o problema enquanto a nave estiver a caminho, e toda a viagem será um desperdício de tempo e dinheiro, mas é hora de partir!


Ela foi até a cozinha e trouxe os cafés. Enquanto Gorman deu um gole, ela começou a andar. A sala era demasiada pequena para uma caminhada, mas  tentou, de qualquer maneira. Burke apenas esperou.

— Não — ela disse finalmente. — Sem chance!

— Ouça-me. Não é o que você pensa.

Ela parou e olhou para ele, incrédula.

— Não é o que eu penso? Não é o que eu penso? Eu não tenho que pensar, Burke. Fui virada ao avesso, cozida no vapor por vocês, e querem que eu volte lá? Esqueça!



Ela tremia enquanto falava. Gorman interpretaria errado a sua reação como sendo raiva, mas era puro medo. Ela estava com medo. Tentava mascará-lo com indignação. Burke sabia o que ela estava sentindo, mas continuou. Não tinha escolha.

— Olhe — começou na sua melhor forma conciliatória. — Nós não sabemos o que está acontecendo lá. Se o satélite de retransmissão caiu, ou o transmissor está quebrado, a única maneira de corrigi-lo é com uma equipe de socorro. Não há nenhuma nave espacial na Colônia. Se for esse o caso, então eles estão lá sentados xingando a Companhia para não enviar de pronto uma tripulação de reparo. Se for o satélite, a equipe de socorro não vai nem mesmo ter que pôr o pé no planeta. Mas nós não sabemos qual é o problema, e se não for isso, então eu gostaria de sabê-lo. Isso é tudo.

Gorman baixou o café.

— Você iria junto com as tropas, assumindo que aceite. Posso garantir sua segurança.

Ela revirou os olhos e olhou para o teto.

— Eles não são policiais da cidade ou o exército, Ripley — Burke disse com firmeza. — São fuzileiros coloniais, homens com alto poder de fogo. Não há nada com que não possam lidar. Certo, Tenente?



Gorman se permitiu um leve sorriso.

— Nós estamos treinados para lidar com o inesperado. Temos lidado com problemas em mundos piores do que Acheron. Nosso índice de baixas para este tipo de operação é em torno de zero. Espero que o percentual melhore um pouco mais após esta visita.

Se esta declaração destinava-se a impressionar Ripley, falhou miseravelmente.
Ela olhou de volta para Burke.

— E você? Qual é o seu interesse nisso?

— Bem, a Companhia co-financia a Colônia em conjunto com a Administração Colonial. Direitos minerais e uma parte dos lucros de desenvolvimento de longo prazo. Estamos diversificando, entrando no negócio de terraformação em uma escala galáctica. Construindo os melhores mundos.

— Sim, sim — ela murmurou. — Vi os comerciais.

— A Corporação não verá os lucros substanciais de Acheron até a terraformação estar completa, um grande empreendimento como este tem que ser considerado a longo prazo.

Vendo que o discurso não surtira nenhum efeito sobre ela, Burke escolheu outro rumo.

— Eu ouvi dizer que você está trabalhando nas docas de carga de Portside?

A resposta de Ripley foi defensiva, como era de se esperar.

— Está certo. O que sabe sobre isso?

Ele ignorou o desafio.

— Lidar com carregadeiras, empilhadeiras, andaimes de suspensão,... esse tipo de coisa?

— É tudo o que eu quero. Ficaria louca se tivesse que viver de caridade por toda a minha vida. De qualquer forma, mantém minha mente sã... Dias de folga são o pior. Demasiado tempo para pensar. Eu prefiro me manter ocupada.

— Você gostaria de que tipo de trabalho?

— Você está tentando ser engraçado?

— E se eu disser que eu poderia reintegrá-la como oficial de vôo? Conseguir sua licença de volta? E que a Companhia concordasse em contrata-la? Nada mais de aborrecimentos com a comissão. A reprimenda oficial será apagada de seu registro sem deixar vestígios. Será como se você estivesse ausente, de licença. Perfeitamente normal após uma longa viagem de serviço. Vai ser como se nada tivesse acontecido. Não vai nem mesmo afetar sua pensão.

— E sobre a ECA e os caras dos Seguros?

— A questão do seguro está resolvida. Eles estão fora. Uma vez que nada irá aparecer em seu registro, você não será considerada mais um risco do que antes de sua última viagem. Quanto ao ECA, eles gostariam de vê-la na equipe de socorro também. Uma questão de cuidado.



— Se eu for.

— Se você for.

Ele balançou a cabeça, inclinando-se ligeiramente em sua direção.
Não estava exatamente implorando. Era mais como um discurso de um vendedor.



— É uma segunda chance, garota. A maioria das pessoas julgadas culpadas pela Comissão de inquérito nunca têm essa oportunidade. Se o problema for nada mais do que um satélite de retransmissão quebrado, tudo que você tem a fazer é sentar-se em seu cubículo enquanto os técnicos cuidam dele. Isso e sonhar com o gordo salário de viagem enquanto estiver em hipersono. Quando acabar, todos os dissabores vão ter passado e tudo vai voltar como costumava ser. Pensão completa, e tudo mais. Eu vi o seu registro. Você se qualifica para o certificado de capitão. E vai ser a melhor coisa do mundo, você enfrentar esse medo e vencê-lo. Você tem que se levantar, sacudir a poeira e dar a volta por cima.

— Poupe-me, Burke — disse ela friamente. — Eu fiz a minha avaliação psicológica do mês.

Seu sorriso enfraqueceu, mas o tom de voz ficou mais determinado.

— Bem, ok, vamos deixar de papo furado então. Li suas avaliações. Você acorda todas as noites, o mesmo pesadelo recorrente...

— Não. A resposta é não.



Ela pegou as duas xícaras de café, embora nem estivessem vazias.
Era outra forma de mandá-los embora.

— Agora, por favor saiam! Sinto muito.

Os dois homens trocaram um olhar. A expressão de Gorman era ilegível, mas tinha a sensação de que sua atitude tinha mudado de curioso para desdenhoso. O que ele sabia? Burke extraíu do bolso um cartão translúcido, e colocou-o sobre a mesa antes de se dirigir para a porta. Fez uma pausa no portal para sorrir para ela.



— Pense nisso.

Em seguida foram embora, deixando-a sozinha com seus pensamentos.
Uma companhia desagradável.



Vento. Vento e areia e um céu gemendo. O disco pálido de um sol alienígena como um entalhe de papel na atmosfera agitada. Um urro, subindo de tom e intensidade, chegando mais perto, até que estava em cima de você, sufocando você, cortando sua respiração.

Com um gemido gutural Ripley se sentou em sua cama, apertando o peito.
Respirava com dificuldade, dolorosamente.



Olhou ao redor do pequeno quarto. Sob a luz fraca, paredes nuas e a cabeceira iluminada, uma cômoda, lençóis chutados para o pé da cama. Jones estava deitado em cima da cômoda, o ponto mais alto na sala, olhando impassível para ela.
Era um hábito que o gato tinha adquirido logo após o seu regresso. Quando ia para a cama, se enroscava ao lado dela, apenas para abandoná-la logo depois que ela adormecia em favor da segurança da cômoda.
Ele sabia que o pesadelo estava a caminho e lhe dava espaço.

Ela usou do lençol para enxugar o suor da testa e bochechas.
Seus dedos abriram a gaveta do criado mudo, procurando até encontrar um cigarro. Esfregou a ponta e esperou que o cilindro se inflamasse.

Alguma coisa se mexeu, ela girou a cabeça. Nada, apenas o leve zumbido do relógio. Não havia mais nada no quarto. Apenas Jones e ela. Certamente, nenhum vento.

Inclinando-se para a esquerda, localizou em outra gaveta o cartão que Burke tinha deixado para ela. Virou-o entre os dedos e em seguida inseriu-o em uma fenda no console de cabeceira.
Na tela imediatamente a palavra AGUARDE. Esperou impacientemente até que o rosto de Burke aparecesse. Tinha a barba por fazer, tendo sido despertado de um sono profundo, mas conseguiu exibir um sorriso quando viu quem estava chamando-o.



— Olá? Oh, Ripley. Oi!

— Burke, diga-me uma coisa.

Ela esperava que houvesse luz suficiente no seu quarto para o monitor poder reproduzir sua expressão, tão bem como a sua voz.


— Você está indo lá para matá-los, não para estudá-los, não para trazer um de volta. Simplesmente queimá-los, exterminá-los para sempre.

Ele acordava rapidamente, ela notou.

— Esse é o plano. Se tiver algo perigoso andando por lá, nós acabaremos com ele. Temos uma colónia para proteger. Não brincamos com organismos potencialmente perigosos. É política da Companhia. Se encontrarmos algo letal, qualquer coisa, nós fritamos. Os cientistas podem ir pro inferno. Dou minha palavra!

Uma longa pausa e ele inclinou-se, seu rosto apareceu grande na tela de parede.

— Ripley. Ripley? Você ainda está aí?

Não havia mais tempo para pensar. Talvez fosse hora de parar de pensar e de fazer.

— Tudo bem... Estou dentro.

De alguma forma, ela conseguira dizer.
Parecia que ele queria responder, felicitar ou agradecê-la, mas a ligação se desfez.
Antes que ela pudesse dizer uma palavra, um baque soou no lençol próximo, e ela se virou para olhar com carinho para Jones esfregando-se contra seu quadril, ronronando.

— E você, meu querido, vai ficar aqui.



O gato piscou para ela conforme ela continuava a acariciar com os dedos suas costas. Duvidava que ele entendesse suas palavras ou a essência da conversa no recente telefonema, mas mesmo assim, não se ofereceu para acompanhá-la.

Pelo menos um de nós ainda tem algum juízo, pensou antes de deslizar sob as cobertas.

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