domingo, 2 de agosto de 2015

Aliens - Alan Dean Foster (Parte 4)





A luz do sol através dos choupos. Um prado visível além das árvores, hastes verdes salpicadas com o brilho de jacintos e margaridas. Um pintarroxo perto, em busca de insetos. Não viu o predador perseguindo-o com olhos atentos, os músculos tensos.
A ave virou as costas e o perseguidor saltou.
Jones bateu na projeção do pássaro, sem perturbar a imagem, que continuou sua busca por insetos. Balançando a cabeça violentamente, o gato cambaleou para longe da parede.

Ripley se sentou em um banco próximo.

— Gato tapado. Não sabe distinguir uma projeção quando vê uma?

Talvez ela tivesse sido muito dura com o gato. Aquele tipo de projeção tinha melhorado bastante nos últimos 57 anos. Tudo tinha sido aprimorado durante os últimos 57 anos. Exceto por ela e Jones.

Portas de vidro selavam o átrio do resto da estação Gateway. Uma projeção rica de uma floresta temperada norte-americana e vasos de plantas e grama. Parecia mais real do que as plantas reais, mas pelo menos tinha um cheiro honesto. Ela inclinou-se ligeiramente para um pote. Sujeira e umidade das coisas vivas. De repolhos e reis, ela meditou sombriamente. Besteira. Ela queria deixar Gateway. A Terra estava tentadoramente perto, e ela desejava colocar o céu azul entre ela e o maligno vazio do espaço.

Duas das portas de vidro isolantes se separaram para Carter Burke entrar.
Por um momento ela pensou nele como um homem e não apenas um representante da Companhia. Talvez isso fosse um sinal de que ela estava voltando ao normal. Sua opinião foi mitigada pelo pensamento de que quando a Nostromo partiu em sua funesta missão, ainda levaria duas décadas antes dele nascer. Tinham aproximadamente a mesma idade física.

.


Sempre sorrindo. — Desculpe — disse alegre. — Estive na correria toda a manhã. Finalmente consegui fugir.

Ripley nunca tinha sido boa em conversa fiada. Agora mais do que nunca, a vida parecia demasiadamente preciosa para desperdiçar em brincadeiras inconseqüentes. Por que as pessoas não podiam simplesmente dizer o que tinham a dizer em vez de dançar durante cinco minutos em torno do assunto?

— Localizaram minha filha?

Burke parecia desconfortável. — Bem, eu esperaria até depois do inquérito.

— Eu esperei 57 anos. Sou impaciente. Então, melhore meu humor.


Ele acenou com a cabeça, largou a bolsa de transporte e abriu-a. Se atrapalhou um minuto com o conteúdo antes de puxar várias folhas de plástico fino.

— É ela?

Burke falou enquanto lia uma das folhas.

— Amanda Ripley McClaren. Nome de casada, eu acho. Idade sessenta e seis em... hora da morte... Isso foi há dois anos. Há toda uma história aqui. Nada espetacular ou notável. Detalhes de uma vida agradável e comum. Como a maioria de nós, espero. Eu sinto muito.

Passou as folhas para ela e estudou o rosto de Ripley enquanto ela examinava as impressões.

Ripley estudou a imagem holográfica impressa sobre uma das folhas. Mostrava uma mulher rotunda, ligeiramente pálida em seus sessenta e pouco. Poderia ser a tia de alguém. Não havia nada de distinto sobre o rosto, nada que saltasse e gritasse de familiaridade. Era impossível conciliar a imagem desta mulher velha com a memória da menina que havia deixado para trás.



— Amy — sussurrou.

Burke ainda segurava um par de folhas, leu em voz baixa, enquanto ela continuava a olhar para o holograma.

— Câncer. Hmmm. Ainda não existe tratamento para todas as variedades. Ela foi cremada e enterrada no Repositório de Westlake, Little Chute, Wisconsin. Sem filhos.

Ripley olhou além dele, em direção à falsa floresta.
Estava olhando para o passado.

— Eu prometi a ela que estaria em casa para o seu aniversário. Seu décimo primeiro aniversário.” Ela olhou de novo para a foto. “Bem, ela já havia aprendido a não levar a sério as minhas promessas, de qualquer maneira.

Burke assentiu com a cabeça, tentando ser simpático. Isso seria difícil para ele em circunstâncias normais, muito mais esta manhã. Pelo menos teve o bom senso de manter a boca fechada em vez de resmungar as futilidades habituais.

— Você sempre acha que pode deixar para mais tarde,... você sabe — ela respirou fundo. — Mas agora eu nunca vou poder. Nunca.




As lágrimas vieram em seguida, atrasadas. Cinquenta e sete anos de atraso. Ela ficou sentada no banco e chorou baixinho, sozinha agora em um tipo diferente de espaço.

Finalmente Burke afagou-lhe o ombro, desconfortável e se esforçando para não demostrá-lo.

— A audiência com a Comissão de inquérito será a zero-nove-trinta. Você não vai querer se atrasar. Não seria uma boa primeira impressão.

Ela assentiu com a cabeça e levantou-se. — Jones. Jonesey, vem cá.

O gato foi até ela e permitiu a ela pegá-lo. Ela enxugou os olhos conscientemente.

— Eu preciso me trocar. Não vai demorar muito.

Esfregou o nariz contra as costas do gato, que emitiu uma pequena indignação.

— Quer que eu a acompanhe de volta ao quarto?

— Claro, porque não.

Ele se virou e começou a andar na direção do corredor. As portas se abriram para permitir-lhes sair.

— Você sabe, um gato é um privilégio especial. Eles não permitem animais de estimação em Gateway.

— Jones não é um animal de estimação — ela coçou-o atrás das orelhas. — Ele é um sobrevivente.

Como havia prometido, ela ficou pronta com tempo de sobra. Burke esperava fora de seu quarto, estudando seus próprios relatórios, até que ela voltou.
A transformação era impressionante. A pele pálida se fora, assim como a expressão de amargura e o passo incerto. Seria determinação, ele se perguntou enquanto se dirigiam para o corredor central. Ou apenas maquiagem?

Nenhum deles disse nada até se aproximaram do subnível onde a sala de audiência estava localizada.

— O que você vai dizer a eles? — Ele finalmente perguntou para ela.

— O que há para dizer que já não tenha sido dito? Você leu meu depoimento. È completo e preciso. Sem enfeites. Não precisa de nenhum enfeite.

— Olha, eu acredito em você, mas alguns pesos pesados estarão lá, e cada um deles vai tentar encontrar buracos em sua história. Federais, a Comissão de Comércio Interestelar,
a Administração Colonial, os caras das Companhias de Seguros...

— Entendi a situação.

— Basta dizer-lhes o que aconteceu. O importante é ficar calma e sem emoção.

Claro, ela pensou. Todos os seus amigos e companheiros e parentes estavam mortos, e ela tinha perdido cinquenta e sete anos dormindo. Fria e sem emoção. Claro.

Apesar de sua determinação, horas depois ela era tudo, menos calma e sem emoção.
A repetição das mesmas perguntas, as mesmas discussões idiotas dos fatos relatados por ela, o mesmo exame exaustivo de pontos menores, que deixava os principais intocados, isso tudo combinado tornara-a frustrada e irritada.



Enquanto ela falava aos sombrios inquisidores, na grande tela atrás dela surgiam fotos da tripulação e dossiês. Foi um alívio para ela estar de costas, porque os rostos eram da tripulação do Nostromo. Parker, sorrindo como um tonto. E Brett, plácida e entediada. Kane também estava lá, e Lambert. Ash o traidor, o rosto sem alma com aquela falsa piedade programada, e Dallas...

Dallas. Era melhor não ver.

— Vocês são surdos ou o quê? — Ela finalmente esbravejou. — Estamos aqui há três horas. De quantas maneiras diferentes vocês querem que eu conte a mesma história? Você acha que ela vai soar melhor em Suaíli, consiga-me um tradutor e nós vamos fazê-lo em suaíli. Eu ia tentar japonês, mas eu estou sem prática. Também sem paciência. Quanto tempo vocês precisam para engolir esta história?


Van Leuwen juntou os dedos e franziu a testa. Sua expressão era tão cinzenta como seu terno. Quase a mesma dos rostos de seus colegas do conselho. Havia oito deles no quadro oficial de inquérito, e não era um grupo amistoso. Executivos. Administradores. Avaliadores de perdas. Como ela poderia convencê-los? Eles não eram seres humanos. Eram expressões de desaprovação burocrática. Fantasmas. Ela estava acostumada a lidar com a realidade. Os meandros da manobra política-corporativa estava além dela.

— Isso não é tão simples quanto você parece acreditar  — ele disse para ela calmamente. — Olhe a partir da nossa perspectiva. Você admite ter detonado os motores, e, assim, destruido um cargueiro interestelar classe M. Uma quantidade bastante cara de hardware.

O investigador de seguros era possivelmente o mais infeliz membro do conselho.

— Quarenta e dois milhões de dólares ajustados. Isso, fora a carga útil, é claro. A detonação não deixaria nada aproveitável, mesmo se pudéssemos localizar os restos após 57 anos.

Van Leuwen assentiu distraidamente antes de continuar.

— Não é que pensemos que você está mentindo. O gravador de voo do módulo salva-vidas corrobora com alguns elementos de sua história. Ao menos as controversas. Que o Nostromo pousou em LV426, um planeta nunca visitado anteriormente, na hora e data especificada. Que os reparos foram feitos. Que retomou o seu curso depois de uma breve parada e posteriormente foi acionada a autodestruição e que isso, de fato, ocorreu. Que a ordem para a sobrecarga do motor foi dada por você. Por razões desconhecidas.


— Olha, eu disse para você...

Van Leuwen interrompeu-a.

—...No entanto não possui nenhum registro relativo à forma de vida alienígena hostil que vocês supostamente pegaram durante a sua curta estadia na superfície do planeta.

— Nós não “pegamos” nada — ela atirou de volta. — Como eu disse, ele...

Ela parou olhando para os rostos ocos olhando friamente para ela. Estava perdendo o fôlego. Não era um inquérito de verdade. Uma formalidade, uma festa. O objetivo não era apurar a verdade na esperança de vindicação, mas suavizar as manchas ásperas e fazer a paisagem ficar bonita e novamente em ordem. E não havia qualquer coisa que ela pudesse fazer sobre isso, ela entendeu agora. Seu destino fora decidido antes que colocasse os pés na sala. O inquérito era um show, as perguntas uma farsa. Para satisfazer o registro.


— Então alguém alterou a gravação. Um técnico competente poderia fazer isso em uma hora. Quem teve acesso?

O representante da Administração Colonial Extrasolar era uma mulher mesquinha de cinqüenta anos. Anteriormente ela parecia entediada. Agora, apenas sentava-se em sua cadeira e balançava a cabeça lentamente.

— Será que você ouviu a si mesma por um minuto? Você realmente espera que nós acreditemos nas coisas que você está nos dizendo? Demasiado hipersono pode fazer todo o tipo de coisa estranha com a mente.

Ripley olhou para ela, furiosa por estar tão indefesa.

— Você quer ouvir algumas coisas estranhas?

Van Leuwen interveio verbalmente.

— A equipe de análise fez uma vistoria meticulosa em seu transporte, centímetro a centímetro, e não encontrou nenhuma evidência física da criatura que você descreveu, ou nada parecido com ela. Nenhum dano no interior. Nenhuma mácula nas superfícies metálicas que possam ter sido causadas por uma substância corrosiva desconhecida.

Ripley tinha mantido o controle durante toda a manhã, respondendo as perguntas mais insanas com paciência e compreensão. O tempo de ser razoável estava no fim.

— Isso é porque eu me livrei dele! — Ela diminuiu o volume de voz um pouco, e a declaração foi saudada por um silêncio de criptas. — Como já disse.

O homem do seguro se inclinou para frente e olhou ao longo da mesa para o representante da ECA.

— Há alguma espécie como este organismo hostil, nativo de LV426?

— Não. — A mulher exalava confiança. — É uma rocha. Nenhuma vida nativa maior do que um simples vírus. Certamente nada complexo. Nem mesmo um verme. Nunca houve, nem nunca haverá.

Ripley cerrou os dentes enquanto lutava para manter a calma.

— Eu disse que não era nativa.

Ela recebeu seus olhares, mas se concentrou em Van Leuwen e a representante da ECA.

— Recebemos um sinal proveniente da superfície. Os instrumentos de captação do Nostromo registraram e nos acordaram do hipersono, como manda o regulamento padrão. Quando procuramos a origem encontramos uma nave alienígena como nada que você ou qualquer outra pessoa já viu. Isso está no gravador também. A nave fora abandonada. Colidiu ou foi abandonada... nós nunca conseguimos descobrir. Encontramos o piloto da nave, e também era algo que nunca foi visto antes. Foi morto em sua cadeira, tinha um buraco no peito.

Talvez a história incomodou a representante ECA. Ou talvez ela estivesse apenas cansada de ouvi-la pela enésima vez. Seja como for, sentia que tinha que responder.

 — Para ser sincera, nós pesquisamos mais de três centenas de mundos, e ninguém nunca relatou a existência de uma criatura, que, citando as suas palavras... — se inclinou para ler a cópia da declaração formal de Ripley — “...foi gestada dentro de um hospedeiro humano vivo e tinha ácido molecular concentrado como sangue”.

Ripley olhou para Burke, sentado em silêncio. Ele não era um membro da comissão de inquérito, então ele tinha se mantido em silêncio durante todo o interrogatório. Não que ele pudesse fazer nada para ajudá-la. Tudo dependia da forma como a versão oficial da destruição do Nostromo era recebida. Sem a evidência do gravador de voo do salva-vidas espacial, corroborando a sua história, não tinha nada a fazer, já que a palavra dela, o que tinha sido claro desde o início, tinha pouca validade. Perguntou-se de novo quem teria adulterado os registros e por que o faria. Ou talvez simplesmente tinha sido uma falha. Neste momento não importava muito. Ela estava cansada de jogar o jogo.


— Olha, eu consigo ver onde isso vai dar — ela deu um meio sorriso, uma expressão desprovida de divertimento. Terminaria com aquilo, já que não tinha nenhuma chance de ganhar.

— Todo o negócio com o androide, de termos encontrado o sinal... em primeiro lugar, tudo isso deveria ser considerado, embora eu não possa provar.

Ela olhou para baixo da mesa e sorriu.

— Alguém está dando cobertura a Ash, e foi decidido que eu vou levar a culpa disso. Ok, tudo bem. Mas há uma coisa que vocês não podem mudar. Essas coisas existem. Vocês podem sumir comigo, mas não podem sumir com isso. Naquele planeta tem uma nave alienígena, e naquela nave estão milhares de ovos. Milhares. Entendem? Vocês tem idéia do que isso significa? Eu sugiro que voltem lá com uma expedição e a encontrem, usem os dados do gravador de vôo, e a encontrem rápido. E depois resolvam tudo, de preferência com uma arma nuclear orbital, antes que uma de suas equipes de pesquisa volte com uma surpresa.

— Obrigado, oficial Ripley — Van Leuwen começou a dizer.

— Porque apenas uma daquelas coisas vela continuou cortando-o — conseguiu matar toda a minha equipe após somente doze horas de incubação!

A administradora levantou-se. Ripley não era a única na sala que estava sem paciência.

— Obrigado. Isso é tudo.



— Isso não é tudo! — Ripley levantou-se e olhou para eles. — Se essas coisas chegarem aqui, então tudo isso vai acabar. Pode dar adeus, já era!

A representante da ECA virou-se calmamente para o Administrador.

— Acredito que temos informações suficientes para formular um veredito. Eu acho que é hora de concluir este inquérito e nos recolhermos para deliberar.

Van Leuwen olhou para seus companheiros membros do conselho. Ele poderia muito bem olhar para imagens de espelho de si mesmo, para todas as diferenças superficiais da sua face. Eles eram uma só mente.

Isso era algo que, no entanto, não poderia ser expresso abertamente. Não ficaria bem no registro. Acima de tudo, tudo tinha que parecer bem no registro.

— Senhores, senhora? — Acenou aquiescente e olhou de volta para o assunto em discussão. Dissecação era mais próprio, ela pensou amargamente.

— Diretor, Ripley,... se nos derem licença, por favor?

Tremendo de frustração ela virou-se para sair. Ao fazê-lo, encarou fixamente a imagem de Dallas que estava olhando para ela na grande tela. Capitão Dallas. Seu amigo Dallas. Companheiro Dallas. Morto.

Saiu com raiva.

Não havia mais nada que fazer ou dizer. Ela tinha sido considerada culpada, e agora eles estavam procedendo para dar-lhe um julgamento honesto. Formalidades. A Companhia e seus aliados adoravam formalidades. Nada de errado com a morte e tragédia, contanto que você possa com segurança deixar a emoção de fora. Então seria seguro colocar no relatório anual. Assim, um inquérito precisou ser realizado, a emoção traduzida em números higienizados nas colunas certas de um relatório.

E um veredito teve de ser proclamado.
Mas não muito alto, para que os vizinhos não ouvissem.

Nada disso realmente incomodava Ripley.
O fim iminente da sua carreira não a incomodava.
O que ela não podia perdoar era a estupidez cega que estava sendo ostentada pelos poderosos na sala que havia acabado de deixar. Eles não acreditavam nela.
Dado o seu tipo de mentalidade e a ausência de evidência sólida, ela podia entender isso. Mas ignorar a história, se recusar a vê-la, era algo que ela nunca poderia perdoar. Porque não havia muito em jogo, não mais do que uma vida ruim, uma carreira como um oficial de transporte. E eles não se importavam.

Burke comprou café e donuts da máquina de venda automática no corredor. A máquina agradeceu-lhe educadamente quando aceitou seu cartão de crédito. Como praticamente tudo na estação Gateway, a máquina não tinha nenhum odor. Nem o líquido preto que cuspiu. Quanto às rosquinhas, vagamente poderiam saído de um campo de trigo.

— Você os teve comendo da sua mão, garota. — Burke estava tentando animá-la. Ela estava grata pela tentativa, mesmo que não adiantasse muito. Mas não havia nenhuma razão para ficar com raiva dele. Açúcar e creme artificial deram ao pseudo-café algum gosto.

— Eles tinham o resultado do inquerito pronto antes mesmo de eu entrar lá. Desperdicei uma manhã inteira. Eles deviam ter imprimido um roteiro para que todos pudessem ler, inclusive eu. Teria sido mais fácil apenas para recitar o que eles queriam ouvir, ao invés de falar a verdade —  ela olhou para ele. — Você sabe o que eles pensam?

— Eu posso imaginar — ele mordeu o donut.

— Eles acham que eu sou um caso sério.

— Você é um caso sério — ele disse alegremente. — Pegue um donut. Chocolate ou leitelho?

Ela olhou para o biscoito pré-cozido com nojo.

— Você não sente a diferença?

— Não realmente, mas as cores são agradáveis.

Ela não sorriu, e não zombou dele também.

As deliberações não demoraram muito. Não havia porque demorar, ela pensou quando reentrou na sala e retomou sua cadeira. Burke tomou seu lugar no lado mais distante da câmara. Ele ia acenar para ela, mas pensou melhor, e abortou o gesto. Ela reconheceu o sua intenção e foi um alivio que não o tenha feito.

Van Leuwen pigarreou. Não achou necessário olhar para seus companheiros membros do conselho.

— A constatação desta comissão de inquérito é que a subtenente Ellen Ripley, NOC14672, agiu com base em um julgamento questionável e, portanto, é declarada imprópria para ter uma licença ICC como um oficial de vôo comercial.

Se algum deles esperava algum tipo de reação dela, ficaram decepcionados.
Ela se sentou lá e olhou silenciosamente de volta para eles. Mais provável é que eles ficaram aliviados. Explosões emocionais teriam que ser gravadas.

Van Leuwen continuou: — A licença será suspensa por tempo indeterminado, na pendência de uma revisão em uma data futura a ser especificada — limpou a garganta, e sua consciência.  — Tendo em conta o tempo incomum no hipersono e os efeitos indetermináveis concomitantes sobre o sistema nervoso humano, nenhuma acusação criminal será feita no momento.

‘No momento’, pensou Ripley sem achar graça. Isso significava ‘mantenha a boca fechada e fique longe da mídia e você ainda vai receber a pensão’.

— Você poderá sair deste tribunal em liberdade para um período de seis meses de provas psicotécnicas em que será observada mensalmente por um psiquiatra especializado da ICC para tratamento e medicação que possam ser estabelecidas.



Foi curto, puro, e não menos suave, e ela aguentou tudo sem dizer uma palavra, até que Van Leuwen partiu. Burke viu o olhar em seus olhos e tentou contê-la.

— Acabou — ele sussurrou para ela saindo da sala. — Acabou.

— Certo — ela disse alongando seu passo. — O que mais eles podem fazer comigo?

Encontrou-se com Van Leuwen enquanto ele estava esperando o elevador.

— Por que não vai a LV426?

Ele olhou para ela.

— Senhora. Ripley, não importa. A decisão do conselho é final.

— O diabo com a decisão do conselho. Nós não estamos falando de mim. Estamos falando sobre as próximas pobres almas que encontrarem aquela nave. Apenas me diga por que você não vai dar uma olhada.

— Porque eu não preciso — ele disse bruscamente. — As pessoas que lá vivem verificaram o lugar anos atrás, e nunca relataram qualquer ‘organismo hostil’ ou nave alienígena. Você acha que eu sou um completo idiota? Você acha que o conselho não iria verificar, mesmo que apenas para nos proteger de futuras investigações? E, a propósito, eles chamam o lugar de Acheron agora.

Cinquenta e sete anos era muito tempo. As pessoas podiam realizar muita coisa em cinquenta e sete anos. Construir, viajar, estabelecer novas colônias.
Ripley lutou com o significado das palavras do administrador.

— O que você está falando? Que pessoas?

Van Leuwen juntou-se aos outros passageiros no elevador.
Ripley colocou um braço entre as portas para impedí-las de fechar. Sensores das portas obedientemente esperaram que ela removesse-o.

— Terraformadores — Van Leuwen explicou. — Engenheiros planetários. Muita coisa aconteceu nesse campo enquanto você dormia, Ripley. Fizemos avanços significativos, grandes avanços. O cosmos não é um lugar hospitaleiro, mas estamos mudando isso. É o que chamamos de uma colônia instantânea. Eles montam processadores atmosféricos para fazer o ar respirável. Podemos fazer isso agora, de forma eficiente e econômica, desde que tenhamos algum tipo de atmosfera residente para trabalhar. Hidrogênio, argônio-metano são as melhores. Acheron está nadando em metano, com uma porção de oxigênio e nitrogênio suficiente para o início da liga. Não é nada agora. O ar mal é respirável, mas dado o tempo, paciência e trabalho duro, vai haver outro mundo habitável lá fora, pronto para a humanidade. A um preço, é claro. Não somos uma instituição filantrópica, embora nós gostássemos de pensar que promovemos o progresso da humanidade. É um grande trabalho. Décadas. Eles estão lá há mais de vinte anos. Pacificamente.

— Por que você não me contou?

— Porque achamos que a informação poderia ter influenciado o seu testemunho. Pessoalmente eu não acho que teria feito diferença. Você obviamente acredita no que você acredita. Mas alguns dos meus colegas são de opinião diferente. Duvido que tivesse mudado a nossa decisão.

As portas tentaram fechar, e ela socou-as.
Os outros passageiros começaram a apresentar sinais de irritação.

— Quantos colonos?

A testa de Van Leuwen franziu-se.

— Na última contagem eu acho que sessenta, talvez setenta famílias. Descobrimos que as pessoas trabalham melhor quando não estão separadas de seus entes queridos. É mais caro, mas vale a pena por si só, a longo prazo, e isso dá à comunidade o sentimento de uma colônia real em vez de apenas um posto avançado de engenharia. É difícil para algumas das mulheres e crianças, mas quando o tempo de serviço terminar, eles poderão se aposentar confortavelmente. Todos se beneficiam.

— Jesus Cristo — Ripley sussurrou.

Um dos passageiros do elevador se inclinou para frente e falou irritado: — Você se importa?

Distraída, deixou cair o braço. Libertadas as portas se fecharam.
Van Leuwen já havia se esquecido dela, e ela dele.




Ela estava olhando para o vazio, para os pensamentos dentro da sua cabeça.
E não gostou do que viu lá.

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