sábado, 26 de setembro de 2015

Aliens - Alan Dean Foster (Parte 11)


A menina sentou-se encolhida na cadeira.

Não olhava nem para a direita, nem para a esquerda, nem qualquer um dos adultos presentes era merecedor da sua curiosidade.

Sua atenção estava voltada para um ponto distante no espaço.

Um biomonitor de pulso havia sido preso ao seu braço esquerdo. Dietrich tinha modificado-o a fim de se encaixar corretamente em torno do braço da criança.
Gorman sentou-se nas proximidades, enquanto a médica estudava as informações que o biomonitor estava fornecendo.



— Qual é o nome dela?

Dietrich fazia uma anotação em uma prancheta eletrônica. — O quê?

— O nome dela. Tem um nome, não?

A médica assentiu distraida, absorvida pelas leituras.

— Rebecca, eu acho.

— Certo.

O tenente usou de seu melhor sorriso e se inclinou para frente, apoiando as mãos nos joelhos. — Agora pense, Rebecca. Concentre-se. Você tem que tentar ajudar-nos para que possamos ajudá-la. Estamos aqui para ajudá-la. Quero leve o tempo que precisar, e nos diga do que você se lembra. Tente começar desde o início.

A garota não se moveu, nem a expressão dela mudou. Não estava em coma, mas em silêncio. Gorman desapontado sentou-se e olhou rapidamente para a esquerda para Ripley que entrou carregando uma caneca de café fumegante.

— Onde estão seus pais? Você tem que tentar...

— Gorman! Dá um tempo!

O tenente ia responder bruscamente, mas fez um aceno de cabeça resignado. Levantou-se, sacudindo a cabeça.

— O cérebro dela tirou férias. Experimentei tudo o que eu podia exceto gritar com ela, e eu não farei isso. Poderia piorar a situação, se é que isso é possível.

— Ela não está tão mal assim — Dietrich desligou o equipamento de diagnóstico portátil e gentilmente tirou a braçadeira sensor do braço da menina. — Fisicamente ela está bem. Bastante desnutrida, mas eu não acho que exista qualquer dano permanente. O incrível disso tudo é que ela esteja viva, vivendo somente a base de pacotes de produtos alimentares e pó liofilizado. Você viu pacotes de vitamina lá dentro?

— Eu não tive tempo para passear, e ela não se ofereceu para me mostrar o lugar.

Assentiu com a cabeça em direção à garota.

— Certo. Bem, ela deve saber sobre suplementos, porque não está mostrando sinais de deficiências críticas. É uma coisinha esperta.

— Como ela está mentalmente?

Ripley tomou um gole de café, olhando para a criança na cadeira. A pele da criança era um pergaminho.

— Não posso dizer com certeza, mas suas respostas motoras estão boas. Eu acho que é muito cedo para dizer que está sofrendo de bloqueio. Eu diria para esperar.

— Chame o que quiser — Gorman se levantou e se dirigiu para a saída. — Seja o que for, estamos perdendo nosso tempo tentando falar com ela — saiu para a sala do lado e foi juntar-se a Burke e Bishop no Controle.

Dietrich também se foi.

Por um tempo Ripley observou os homens junto ao computador da estação, depois se ajoelhou ao lado da menina.
Suavemente escovou o cabelo despenteado da criança para trás.
Poderia estar penteando uma estátua e seria o mesmo.
Ainda sorrindo, ofereceu a ela a xícara fumegante que estava segurando.

— Aqui, prove isso. Se não está com fome, deve estar com sede. Eu aposto que era frio na bolha de ventilação.

Balançou de leve a caneca deixando o ar carregar o cheiro quente, aromático, para as narinas da menina.

— É apenas chocolate quente instantâneo. Você não gosta de chocolate?

Quando a menina não reagiu, Ripley envolveu as mãos pequenas em torno do copo, dobrando seus dedos ao redor. Em seguida inclinou o copo para cima contra seus lábios.


Dietrich estava correta sobre as respostas motoras da criança. Ela bebeu mecanicamente e sem perceber o que fazia. Um pouco do liquido escorreu por seu queixo, mas a maior parte desceu pela pequena garganta.
Não querendo sobrecarregar o estômago, obviamente, ela afastou o copo quando ainda estava meio cheio.

— Não estava tão bom? Você pode beber um pouco mais daqui a pouco. Eu não sei o que você está comendo e bebendo, e nós não queremos deixá-la doente.

Acariciou as tranças louras novamente.

— Pobrezinha. Você não fala muito, não é? Tudo bem por mim. Você quer manter silêncio, ficar quieta. Eu sou assim também. Descobri que a maioria das pessoas que falam muito não dizem muito. Especialmente adultos quando estão conversando com as crianças. É como se gostassem de falar com você, mas não para você. Eles querem que você os ouça, mas não querem ouvir você. Eu acho isso estúpido. Só porque você é pequena não significa que não tem coisas importantes a dizer.

Ela colocou o copo de lado e tocou de leve no queixo sujo com um pano. Era fácil sentir a crista do osso sob a pele.

— Uhh! — Ela sorriu. — Achei um local limpo aqui. Agora acho que vou ter que continuar limpando, para ficar igual.

Ripley retirou um frasco cheio de água esterilizada e embebeu o pano que estava segurando. Em seguida, ela aplicou-o com firmeza para o rosto da menina, limpando a poeira e a sujeira acumulada, além dos pontos de chocolate restantes. Durante toda a operação a criança sentou-se calmamente. Mas os olhos azuis brilhantes pareciam se concentrar em Ripley pela primeira vez.

Ela sentiu uma onda de satisfação e lutou para suprimi-la.



— É difícil acreditar que há uma menina debaixo disso tudo — fez uma careta ao examinar a superfície do tecido.

— Olhe quanta sujeira — curvando-se, avaliou o rosto recém-revelado.
— Definitivamente é uma menina. E uma bem bonita.

Ela desviou o olhar apenas o tempo suficiente para assegurar-se de que ninguém das Operações estava prestes entrar. Qualquer interrupção neste momento crítico poderia desfazer tudo o que ela tinha trabalhado tão duro para conseguir com a ajuda de um pouco de chocolate quente e água limpa.

Não precisa se preocupar. Todos ainda estavam agrupados em torno do terminal principal. Hudson estava sentado aos comandos do console teclando, enquanto os outros observavam-o.

* * *

Um mapa tridimensional da colônia veio à tela principal, contornos geométricos varridos por uma linha tênue, da esquerda para a direita, em seguida, de baixo para cima, conforme Hudson manipulava o programa. O técnico estava procurando por alguma coisa. Nenhum comentário rude escapava de seus lábios agora, nem os palavrões que ocasionalmente se ouvia. Era hora de trabalhar.  O computador sabia todas as respostas. Encontrar as perguntas certas era um processo dolorosamente lento.



Burke fora inspecionar outros equipamentos. De volta, sussurrou para Gorman: — O que ele está verificando?

— TDPs. Transmissores de dados pessoais. Cada colono tem um implantado cirurgicamente, assim que chegam aqui.

— Eu sei o que é um TDP — Burke respondeu suavemente. — Minha empresa os fabrica. Eu só não vejo motivo em executar uma varredura TDP. Certamente, se mais alguém fora deixado vivo no complexo, teríamos encontrado-os. Ou eles nos encontrariam.

— Não necessariamente.

A resposta de Gorman foi educada, sem ser condescendente. Tecnicamente Burke tinha na expedição o papel de observador para a Companhia, para cuidar de seus interesses financeiros. Seu empregador estava pagando por esta pequena excursão em conjunto com a Administração Colonial, mas sua autoridade era em grande parte não escrita. Ele poderia dar conselhos, mas não ordens. Esta era uma expedição militar, e Gorman estava no comando. No papel, Burke era seu igual. Na realidade porém, era muito diferente.

— Alguém poderia estar vivo, mas incapaz de se mover. Ferido, ou talvez preso dentro de um edifício danificado. Claro que é um tiro no escuro, mas o procedimento exige. Nós temos que executar a verificação — virou-se para o técnico. — Tudo está funcionando corretamente, Hudson?

— Se tem alguém vivo dentro de alguns quilômetros a partir da base central, vamos vê-lo — bateu na tela. — Até agora nada.

Wierzbowski ofereceu um comentário do outro lado da sala.

— TDPs se mantem transmitindo se o proprietário morre?

— Não estes novos — Dietrich respondeu revirando uma valise médica. — São parcialmente alimentados pelo próprio campo elétrico do corpo. Se o proprietário morre, o mesmo acontece com o sinal. Essa é a única desvantagem de se utilizar o corpo como uma bateria.

— Não brinca — Hudson apontou a médica — você pode dizer se alguém é AC ou DC?

— No seu caso, Hudson, é fácil — ela fechou a valise. — Pilha fraca.

* * *

Era mais fácil encontrar outro pano limpo do que tentar usar do primeiro.
Ripley estava trabalhando nas pequenas mãos da menina agora, arrancando a sujeira dentre os dedos e sob as unhas. A pele rosada surgia detrás de uma máscara escura.
Enquanto limpava, mantinha o fluxo constante de conversa tranqüilizadora.

— Não sei como você conseguiu manter-se viva quando todos se foram, mas você é uma garota corajosa, Rebecca.

Um novo som para os ouvidos de Ripley, quase inaudível.
— Newt.

Ripley ficou tensa e desviou o olhar para sua emoção não aparecer.
Continuou  movendo a toalha enquanto se inclinou mais próxima.

— Sinto muito, garota, eu não ouvi. Às vezes minha audição não é tão boa. O que você disse?


— Newt. Meu nome é Newt. È como todo mundo me chama. Ninguém me chama de Rebecca, exceto meu irmão.

Ripley estava terminando com a segunda mão. Se ela não respondesse, a menina poderia voltar ao silêncio. Ao mesmo tempo, tinha que ter cuidado para não dizer nada que pudesse perturbá-la. Manteria a conversa casual e nada de perguntas.

— Bem, Newt, meu nome é Ripley, e as pessoas me chamam de Ripley. Você pode me chamar de qualquer coisa que você gostar.

Quando não houve resposta da menina, Ripley levantou pequena mão que ela tinha acabado de limpar e apertou-a, num comprimento formal.

— Prazer em conhecê-la, Newt.

Apontou para a cabeça da boneca sem corpo que a menina ainda agarrava ferozmente em uma das mãos. — E quem é essa? Será que ela tem um nome? Aposto sim. Toda boneca tem um. Quando eu tinha a sua idade, eu tinha um monte de bonecas, e cada uma delas tinha um nome. Caso contrário, como saberia qual é qual?

Newt olhou para a cabeça de plástico de olhos vidrados.

— Casey. Ela é minha única amiga.

— E quanto a mim?

A garota olhou para ela com tanta força que Ripley foi pega de surpresa. Os olhos de Newt revelavam uma frieza que não era nada infantil.
Seu tom de voz foi seco, neutro: — Eu não quero você para amiga.

Ripley tentou esconder sua surpresa: — Por que não?


— Porque você vai embora em breve, como os outros, como toda a gente — olhou para a cabeça da boneca. — Casey está bem. Ela vai ficar comigo. Mas você vai embora. Você vai ser morta e vai me deixar.

Não havia raiva em que declaração infantil, nenhum sentido de acusação ou traição.
Foi fria e com firmeza, como se já houvesse ocorrido.

Não fora uma previsão, mas sim uma declaração do que ocorreria naquele lugar.
E gelou o sangue de Ripley.

A deixou mais assustada do que qualquer coisa que tinha acontecido desde que tinha deixado a segurança da Sulaco em órbita.

— Oh, Newt. Sua mãe e seu pai se foram, não é? Você não quer falar sobre isso?

A garota balançou a cabeça, os olhos baixos, olhando para os joelhos. Seus dedos brancos em torno da cabeça da boneca.

— Eles estariam aqui se pudessem, querida — Ripley disse solenemente. — Eu sei que eles iam querer isso.

— Eles estão mortos. É por isso que eles não podem vir me ver mais. Eles estão mortos, como todo mundo.

Aquilo foi aterrorizante para se ouvir, ainda mais vindo de uma criança tão pequena.

— Talvez não. Como você pode ter certeza?

Newt levantou os olhos e encarou Ripley. Crianças pequenas não olham adultos nos olhos assim, mas Newt era uma criança apenas na estatura.

— Tenho certeza. Eles estão mortos. Eles estão mortos, e em breve você vai estar morta, e, em seguida, Casey e eu estaremos sozinhas de novo.


Ripley não desviou o olhar e não sorriu. Sabia que essa menina poderia ver a verdade por detrás de qualquer história falsa.

— Newt. Olhe para mim, Newt. Eu não estou indo embora. Eu não vou deixar você e eu não vou ser morta. Eu prometo. Eu vou ficar com você. Eu estarei com você, se você quiser.

A cabeça da menina permaneceu cabisbaixa. Ripley podia vê-la lutando internamente, querendo acreditar no que acabara de ouvir, tentando acreditar. Depois de um tempo ela olhou para cima novamente.

— Você jura?

— De todo coração — Ripley fez o gesto infantil.

Menina e mulher se avaliaram. O lábio inferior da menina começou a tremer. Lentamente a tensão escorreu de seu pequeno corpo, e a máscara de indiferença que ela tinha mantido até então em seu rosto foi substituída por algo muito mais natural: o olhar de uma criança assustada.

Jogou os braços ao redor do pescoço de Ripley e começou a soluçar. Ripley podia sentir as lágrimas escorrendo pela face recém-lavada. Segurou-a firme, balançando a menina em seus braços, sussurrando palavras suaves para ela. Fechou os olhos para o medo e a persistente sensação de morte que permeava o Controle, esperando que a promessa que tinha feito pudesse ser mantida.

O sucesso com a menina foi acompanhado por outro, quando Hudson soltou um grito de triunfo. — Hah! Encontrei! Dê ao velho Hudson uma máquina decente e ele faz chover! — Recompensou o console com uma pancada afetuosa. — Este bebê foi maltratado, mas ainda está no jogo!




Gorman se inclinou sobre o ombro dele.

— Em que condições se encontram?

— Não dá para dizer. Os sinais desses TDPs coloniais fornecem poucos detalhes. Mas parece que são todos eles.

— Onde?

— Na estação processadora de atmosfera...subnível 3, debaixo das unidades refrigerantes.

Todos tinham se agrupado em torno do técnico de comunicações para olhar para o monitor.
Hudson congelou a digitalização da colônia e ampliou uma porção dela.
No centro do esquema da estação de processamento, um conjunto de pontos azuis brilhantes pulsava como crustáceos em alto mar.

 

Hicks grunhiu, enquanto olhava para a tela.

— Parece o raio de um comício.

— Me pergunto por que todos foram para lá? — Dietrich meditou em voz alta. — Pensei que tínhamos decidido que este era o lugar onde eles fariam a sua última resistência?

— Talvez fizessem uma pausa para garantir um lugar melhor — Gorman se virou, rápido e profissional. — Lembre-se, a estação de processamento ainda tem energia. Isso vale muito. Vamos descobrir.

— Certo, vamos meninas! — Apone estava deslizando sua mochila sobre os ombros. — Eles não estão nos pagando por hora — olhou para Hudson. — Como é que chegamos lá?

Hudson ajustou a tela, reduzindo a ampliação. Uma visão geral da colônia apareceu no monitor.

— Tem um corredor de serviço pequeno. É uma boa caminhada, Sargento.

Apone olhou para Gorman, à espera de ordens.

— Eu não sei você, Sargento — disse o tenente — mas não gosto de longos corredores estreitos. Eu gostaria de ter o armamento da APC apoiando-nos quando chegássemos lá.

— Pensamos exatamente o mesmo, senhor.

O sargento olhou aliviado. Estava pronto para sugerir e discutir e ficou feliz que não ia ser necessário. Gorman podia ser inexperiente no campo, mas não era um tolo.

Hicks gritou de volta para a pequena sala. — Ei, Ripley, nós estamos indo para um passeio no parque. Você vem?

— Estamos chegando!

Alguns olhares de surpresa cumprimentaram-na quando ela apareceu com a menina.

— Esta é Newt. Newt, estes são meus amigos. Eles são seus amigos também.

A garota simplesmente assentiu, sem vontade de estender o privilégio além de Ripley.

Um par de soldados acenou para ela.

Burke sorriu. Gorman pareceu surpreso.

Newt olhou para a amiga, ainda segurando a cabeça da boneca sem corpo firmemente em sua mão direita. — Onde estamos indo?

— Para um lugar seguro. Em breve.

Newt quase sorriu.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Diga...