Os controles sacudiam em suas mãos como se estivessem vivos.
Do lado de fora da cabine, névoa branca com listras.
Ele podia ver o nariz de sua nave, mas nada mais.
– Computador indica excesso de compressão.
O rádio estalou em seu ouvido, a estática de íons do ar ameaçando sobrecarregar o sinal.
– Eu entendi – protestou ele, apesar do fato de que seus instrumentos informarem o impossível.
– Cruzando os Estreitos – disse o controle. – Desligue. Desligue tudo.
– Não!– disse. – Precisamos de força.
Ele estava girando como um louco agora, preto e vermelho, preto e vermelho, e de repente os controles escapam de suas mãos, e ele grita...
***
Cooper se sentou na cama, encharcado de suor, com a mente ainda saturada do sonho, ainda caindo, girando cego em meio a névoa. Ofegante, sentiu o ar correndo para dentro e fora de seus pulmões, enquanto tentava se controlar, tomar o controle de alguma coisa...
– Pai? Pai!
Virou-se ao ouvir a voz familiar, e a viu na primeira luz fraca da aurora que vinha através da janela. Sua filha. O turbilhão de seu pesadelo desapareceu, e havia apenas o quarto familiar, o cheiro de madeira velha e naftalina proveniente das roupas de cama.
– Desculpe – ele murmurou. – Volte a dormir.
No entanto, ela ficou lá. Murph, tão teimosa.
– Eu pensei que fosse o fantasma – disse ela.
Cooper viu que ela estava falando sério.
– Não há nenhum fantasma, Murph – ele murmurou.
– O vô disse que existem – ela insistiu.
– É que o próprio vô está quase virando um fantasma – Cooper resmungou. – Volte a dormir.
Murph ainda não estava pronta para ir. A luz da manhã acendia o vermelho de seu cabelo e seus olhos verdes estavam cheios de preocupação. E obstinação.
– Você estava sonhando com o acidente? – Perguntou ela.
– Volte a dormir, Murph– disse ele, tentando ser firme. Murph hesitou, então, finalmente, relutantemente se virou e se arrastou de volta através da porta.
Esfregando os olhos, Cooper voltou-se para a janela.
Do lado de fora a vista do milho novo, suas folhas verde escuras, ainda na altura da cintura.
O amanhecer estava pintando as copas das hastes de um vermelho-ouro vívido.
Uma brisa suave enviou ondulações através dele, e em sua visão turva de sono ele sentiu como se estivesse contemplando um vasto mar, estendendo-se até o horizonte.
***
– Milho, com certeza – diz a velha senhora. – E poeira. Em seus ouvidos, sua boca.
O rosto de um homem velho, com os olhos lacrimejantes buscando através de décadas e distâncias as marcas do caminho que deixou para trás.
– Só poeira, por toda parte – diz ele balançando a cabeça. – Em toda parte.
***
Donald varreu a poeira da varanda da fazenda, sabendo no fundo de sua mente que era inútil, em que numa questão de horas estariam cobertas novamente. No entanto, simplesmente entregar-se a ela parecia ainda sem razão.
Esta varanda e a resistente fazenda de dois andares abrigara gerações. Ela merecia cuidados.
Vento e poeira tinham quase roído a última demão de tinta branca, e não era provável receber uma nova em breve. E precisava de reparos maiores do que isso, trabalho que ele estava velho demais para fazer, e Cooper estava ocupado demais para ver.
Mas ele podia varrer a varanda. Seu corpo envelhecido ainda era capaz de fazê-lo.
Ele podia lutar contra a poeira, embora cada assalto fosse uma vitória temporária.
Ele endireitou-se e examinou o seu trabalho, em seguida, soltou o lenço que se interpunha entre a sujeira e seus pulmões quando se virou e abriu a porta.
Era o bastante para varanda, pensou. Era hora de preparar o café da manhã.
Fez seu caminho para a cozinha, correndo os dedos através do pouco de cabelo fino que permanecera em sua cabeça careca, sentindo a sujeira emaranhada nele.
Lá dentro foi até a mesa, onde pratos colocados protegidos, voltados para baixo, estavam cobertos por uma fina camada de pó.
Em seguida, ele voltou sua atenção para o fogão.
Para Donald, a cozinha era provavelmente o lugar mais reconfortante na casa. Sua esposa tinha estado a frente do forno esmaltado e do fogão, e com o tempo a sua filha tinha se juntado a ela, num primeiro esforço na ponta dos pés para mexer a panela. Então, mais tarde, como uma jovem mulher forte com os dois pés firmemente plantados, alimentando sua própria família. Ambas as mulheres agora haviam desaparecido, mas estavam aqui ainda, de alguma forma.
Ele colocou os grãos agitou-os assim que começaram a ferver, em seguida, diminuiu o calor, lembrando do tempo quando o café da manhã era um pouco mais... variado. Aveia, waffles, panquecas. Frutas.
Agora, era em sua maioria grãos. E sem um monte de coisas que fazia os grãos valerem a pena, manteiga, melaço, bacon, pelo amor de Deus.
Mas não havia muito sentido em chorar sobre as coisas que se foram, havia?
E muita coisa boa permanecera.
Houve um tempo, uma tigela de simples grãos era mais do que a maioria das pessoas poderia esperar em um dia. Esses dias haviam passado também, e ele não tinha saudade deles.
Conte suas bênçãos, velho. Quase podia ouvir a velha dizendo isso.
Não tem sentido queixar-se sobre o que você não pode ter.
E no momento em que os grãos acabarem, contar as suas bênçãos seria fácil, elas estavam bem lá na frente dele.
Seu neto Tom.
O neto de Donald estava sempre lá quando o alimento batia na mesa. Seu corpo de quinze anos de idade parecia sustentar-se sobre duas pernas ocas. O menino estava sempre com fome, e assim devia ser, porque ele era um trabalhador. Ele não se queixava da falta de diversidade no café da manhã.
Grãos estava bom para Tom.
Sua neta de dez anos de idade, Murph era um pouco mais lenta. Seu cabelo acobreado estava molhado, e ela ainda tinha uma toalha em volta do pescoço. Às vezes, achava-a a cara de sua mãe, mas depois ela se tornava de uma forma particular, seu pai.
Como agora.
Ela estava brincando com as peças de uma coisa quando se sentou.
O que ela não deveria fazer.
– Na mesa não, Murph – ele advertiu, sem qualquer calor em sua voz.
Mas Murph mais ou menos o ignorou e olhou para seu pai, que estivera ali o tempo todo - antes de qualquer um de seus filhos - fazendo o seu café.
Cooper era genro de Donald. Ele era um bom homem. Ele era um fazendeiro muito, muito bom mesmo, o cara que você queria, quando você precisava ter vinte anos de idade para fazer algo funcionar com punhado de fios e uma torradeira velha. Ou queria que seu painel solar rendesse mais quinze por cento. Ele era um gênio com máquinas.
E sua filha o amava. Se Donald não podia ter sua filha, Cooper era a melhor coisa depois dela, concluiu.
O homem que ela amara, as crianças que ela fez.
– Pai, consegue consertar isto? – Murph perguntou para Cooper.
Cooper veio até a mesa e pegou o pedaço de plástico, com uma carranca em seu rosto magro.
Donald viu o que era, o modelo quebrado de um módulo lunar Apollo.
– O que você fez com meu módulo? – Perguntou Cooper.
– Não fui eu – disse Murph.
– Deixe-me adivinhar quem foi. – Tom zombou, com a boca cheia. – Seu fantasma?
Murph pareceu não ouvir Tom. Ela havia descoberto que ignorá-lo o irritava muito mais do que qualquer réplica sua.
– Ele derrubou da minha prateleira – disse ela ao pai, com bastante naturalidade. – Ele vive derrubando os livros.
– Não há tal coisa como fantasmas, idiota – disse Tom.
– Hei!– disse Cooper, enviando-lhe um olhar duro. Tom apenas deu de ombros, mas Murph não deixou barato.
– Eu pesquisei – disse ela. – É chamado de poltergeist.
– Pai, diga a ela – Tom pediu.
– Murph, você sabe que isso não é científico. – Mas sua filha olhou para ele teimosamente.
– Você falou que Ciência é admitir o que não se sabe – disse ela.
– Ela te pegou – observou Donald.
Cooper entregou de volta a Murph as peças do módulo partido.
– Tome mais cuidado com as nossas coisas.
Donald chamou a atenção de Cooper: – Coop!
Cooper deu de ombros. Donald estava certo. Murph era inteligente, mas ela precisava de um pouco de orientação.
– Tudo bem – disse ele. – Murph, se quer falar de ciência, não me diga que você está com medo de um fantasma. É preciso ir além. Registre os fatos, analise-os, entenda os motivos e apresente suas conclusões.
– Claro – disse Murph, e sua expressão dizia que as rodas já estavam girando dentro de sua cabeça.
Cooper parecia pensar que resolvera as coisas. Pegou as chaves e se levantou.
– Espere ai – interrompeu-o Donald sem erguer a cabeça. – Você tem uma reunião de pais e professores. Pai... não avô!
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